AVALIAÇÃO DE CONDICIONANTES GEOMORFOLÓGICOS DE FEIÇÕES EROSIVAS DESCONECTADAS DA DRENAGEM NA BACIA DO RIBEIRÃO DO SECRETÁRIO (MUNICÍPIO DE PATY DO ALFERES – RJ) SALGADO, C.M.1; FILHO, C.A..S.F.2; SILVA, T.P.3; O. PEIXOTO, M.N.1; MOURA, J.R.S.1. 1. Núcleo de Estudos do Quaternário e Tecnógeno (NEQUAT – IGEO/UFRJ); [email protected], [email protected]. 2. Bolsista IC FAPERJ/ Depto. de Geografia – IGEO/UFRJ. 3. Bolsista CNPq-PIBIC/Depto. de Geografia –IGEO/ UFRJ. RESUMO O município de Paty do Alferes (RJ) apresenta uma grande incidência de ravinas/voçorocas desconectadas da drenagem, principalmente no médio-baixo vale do ribeirão do Secretário. Através da análise da distribuição espacial das feições erosivas desconectadas relacionada a aspectos geomorfológicos (segmentos geométricos das cabeceiras de drenagem e compartimentos topográficos), verificou-se que as incisões se desenvolvem predominantemente nas encostas laterais e frontais de cabeceiras de drenagem onde a declividade é acentuada e os solos pouco espessos formam descontinuidades com o substrato rochoso. Outro condicionante da erosão é a lito-estrutura cuja influência é marcante nos compartimentos topográficos com maior índice de incisões por km2. Palavras-chave: ravinas e voçorocas desconectadas; cabeceiras de drenagem; compartimentação topográfica, descontinuidade solo/rocha, lito-estrutura. ABSTRACT Paty do Alferes municipality (RJ) shows a great number of rills and gullies disconnected to the drainage network, mainly on Secretário river valley. The analysis of erosion features spatial distribution related to geomorphological characteristics (geometric segments of headwaters and topographic compartments) demonstrated that the erosive incisions develop mainly on the side and frontal slopes of headwaters, where gradient is strong and thin soils form discontinuities with bedrock. Another erosion factor is litho-structure, which influence is very important in topographic compartments presenting the bigest erosion features/km2 ratio. Palavras-chave: ravinas e voçorocas desconectadas; cabeceiras de drenagem; compartimentação topográfica, descontinuidade solo/rocha, lito-estrutura. INTRODUÇÃO No médio vale do rio Paraíba do Sul (SP/RJ) as feições erosivas lineares vêm sendo sistematicamente estudadas através de monitoramentos (Coelho Netto et al., 1988; Oliveira et al., 1995; entre outros) e/ou de análises dos condicionantes geomorfológicos, hidrológicos, pedológicos, antrópicos, etc (Peixoto et al., 1989; Oliveira, 1990; Salgado et al., 1995, entre outros). Este amplo leque de abordagens converge, no entanto, para uma classificação básica das incisões erosivas relacionada ao conjunto de processos atuantes e fatores condicionantes: voçorocas conectadas à rede de drenagem e ravinas/voçorocas desconectadas do sistema fluvial. No primeiro caso verifica-se a ocorrência da feição erosiva basicamente nos fundos de vale e de cabeceiras de drenagem entulhadas (onde há preservação de rampas de alúvio-colúvio, Moura et al., 1991), tendo a atuação principalmente de processos subsuperficiais; no segundo caso, as incisões podem ocorrer nas encostas laterais e frontais das cabeceiras de drenagem ou nos fundos de vale/cabeceiras de drenagem, sendo causado principalmente por processos hídricos de superfície. Apoio Financeiro: FUJB/UFRJ; CNPq; FAPERJ No município de Paty do Alferes (RJ), Santos (1999), analisando a erodibilidade dos principais solos da região, reportou a existência desses dois tipos de voçorocas, verificando a maior freqüência de ravinas/voçorocas desconectadas da rede de drenagem. Dando continuidade a estes estudos, o presente trabalho visa investigar fatores geomorfológicos para o desencadeamento de ravinas/voçorocas desconectadas, através da análise da distribuição espacial das incisões erosivas no médio/baixo vale do ribeirão do Secretário, área à noroeste do município de Paty do Alferes. O município em estudo situa-se na vertente continental da Serra do Mar, caracterizando-se por um relevo acidentado constituído predominantemente por colinas e morros com declividades geralmente superiores a 20%. A atividade econômica baseia-se no cultivo de olerícolas, usualmente praticado com técnicas inadequadas à conservação dos solos. Parte das áreas abandonadas pelo cultivo agrícola são ocupadas pela pecuária extensiva, comprometendo mais ainda o estado de degradação dos solos. METODOLOGIA A metodologia adotada pelo presente trabalho considera a cabeceira de drenagem como unidade básica de evolução da paisagem, tendo, ainda, influência significativa na ocorrência de processos erosivos/deposicionais atuais (Moura, 1990; Moura et al., 1997). Dentro dessa perspectiva, foram mapeadas, através de fotografias aéreas (escala 1:20.000), ravinas e voçorocas desconectadas da rede de drenagem, considerando os segmentos geométricos das cabeceiras de drenagem: reentrância (hollow) plana principal de sub-bacias (cabeceiras de drenagem mais hierarquizadas), reentrância (hollow) de cabeceira de drenagem tributária de sub-bacias e de bacias de drenagem, encosta lateral e frontal de cabeceira de drenagem. Além desses, as encostas tributárias de canais fluviais foram consideradas também como segmentos geométricos, sendo enquadradas na categoria encosta lateral e frontal de cabeceira de drenagem devido às semelhanças de morfologia. Além de traçar relações com os diferentes segmentos geométricos das cabeceiras de drenagem e sub-bacias, durante o mapeamento das ravinas/voçorocas desconectadas foram identificadas feições erosivas cujo desencadeamento estaria estreitamente relacionado ao uso do solo (atividades agropecuárias e obras de engenharia). Como informação complementar, as feições erosivas foram classificadas em ativas e estabilizadas de acordo com as características do entalhe erosivo, grau de recobrimento pela vegetação, e suas relações com a preservação de feições de rampas de colúvio, alúvio-colúvio e terraços fluviais. Posteriormente, a distribuição espacial das feições erosivas foi conjugada ao mapa de compartimentação topográfica. Esta técnica, proposta por Meis et al. (1982), consiste na individualização de áreas com diferentes desnivelamentos altimétricos a partir do cálculo da diferença de cota entre a última curva do divisor (curva de maior valor) e a mais rebaixada dentro de bacias de drenagem de até 2a. ordem, sendo então agrupadas nas classes: colinas suaves (0-50m de desnivelamento), colinas dissecadas (50-100m), morros (100-150m), morros dissecados (150-200m), degraus (200-250m), serras reafeiçoadas (250-300m, 300-400m) e degraus/serras elevados e/ou escarpados (> 400m). O emprego do desnivelamento de altitude como parâmetro indicador do índice de dissecação do relevo pelos sistemas de drenagem possibilita a individualização de áreas de menor ou maior encaixamento fluvial, as quais refletem variações lito-estruturais e/ou tectônicas e resultam em condições diferenciadas de retenção da sedimentação associada à evolução das cabeceiras e bacias de drenagem. Esses aspectos geomorfológicos são relevantes no estudo dos processos erosivos, pois são apontados como condicionantes da erosão linear acelerada por vários autores no Brasil e exterior (Silva, 1991; Peixoto et al., 1995; Coelho Netto, 1997; Beavis, 2000). RESULTADOS A análise das fotografias aéreas do médio-baixo vale do ribeirão do Secretário permitiu identificar um total de 201 ravinas e voçorocas desconectadas da rede de drenagem, sendo 75 incisões classificadas como estabilizadas (37,31%) e 126 como ativas (62,69%) – Tabela 1. A estabilização de parte das feições erosivas mapeadas pode estar relacionada à existência de camadas de solo mais resistentes ou afloramento rochoso, dificultando o aprofundamento ou alargamento da incisão erosiva. Posteriormente, esta é colonizada por espécies vegetais de pequeno e médio porte, que contribuem para aumentar a estabilidade da feição. A maior parte das ravinas e voçorocas mapeadas (84,73%) encontra-se nas encostas laterais e frontais das cabeceiras de drenagem (Figura 1), cuja geometria em planta e perfil é predominantemente retilínea, podendo apresentar também a forma convexa. As áreas côncavas (em planta e perfil) correspondem à reentrância (hollow) de cabeceira de drenagem tributária, onde ocorrem apenas 15,27% das incisões, ou à reentrância de sub-bacias, onde não houve registro de feições erosivas. Esses dados revelam o papel secundário da convergência de fluxos superficiais e subsuperficiais para o desencadeamento de feições erosivas desconectadas na bacia estudada. Por outro lado, assumem importância a existência de solos pouco profundos, geralmente apresentando horizonte B textural, e declividades acentuadas – características básicas das encostas laterais e frontais das cabeceiras de drenagem na região. Observações de campo permitiram verificar, também, o desenvolvimento de voçorocas diretamente sobre o saprolito. A ocorrência de somente 12,81% das feições erosivas foram consideradas diretamente relacionadas ao uso do solo (Tabela 1). De forma geral, as incisões desenvolvem-se sobre as faixas de carreadores nas áreas de cultivos abondonados e, mais raramente, observa-se a relação com estradas que re-orientam fluxos d’água e com o pastoreio excessivo. Ressalta-se que as demais feições erosivas podem ter sofrido influência do uso agrícola devido à conseqüente alteração física e química do solo, mas este fator não foi considerado significativo nos casos onde não foram observados vestígios de uso pretérito ou por se considerar a atividade agrícola insignificante para o desencadeamento e desenvolvimento da erosão no local. O mapa de compartimentação topográfica da bacia analisada (Figura 2) mostra a ocorrência de 6 classes de desnivelamento altimétrico, destacando-se em termos de extensão areal as classes de 50-100m (compartimento de colinas dissecadas) e de 100-150m (compartimento de morros), correspondendo, respectivamente à 34,73% e 33,12% da área da bacia estudada (Tabela 2). As demais classes de desnivelamento altimétrico abrangem áreas que variam de 4% a 11% da bacia de drenagem. Os compartimentos de morros dissecados (150-200m) e de degraus (200-250m), embora correspondam a pequenas áreas da bacia (respectivamente 7,24% e 9,27%), apresentam uma grande incidência de feições erosivas. Através da tabela 2 e figura 3, verifica-se que a ocorrência de ravinas/voçorocas nestes compartimentos topográficos quase alcança o valor de 15 voçorocas/km2. Tais áreas caracterizam-se por topos estreitos, encostas longas com formas geralmente retilíneas e declividades acima de 20%, favorecendo o poder erosivo do escoamento superficial. A forma alongada e a disposição paralela da maior parte das cabeceiras de drenagem, principalmente no compartimento de degraus, sugerem uma forte influência da lito-estrutura, a qual também pode estar provocando a formação das incisões erosivas no local. Nos compartimentos de colinas dissecadas (50-100m) e de morros (100-150m) o índice de voçorocas por km2 é bem menor (respectivamente 6,58 v/km2 e 4,66 v/km2), sendo insignificante na classe de colinas suaves (0-50m). Esses compartimentos apresentam topos amplos e suaves e cabeceiras de drenagem com formato tendendo à circular, cujas encostas laterais e frontais possuem perfil geralmente convexo. No compartimento de serras (250-300m) tanto a freqüência de ravinas/voçorocas desconectadas como o índice de voçorocas/km2 são baixos, mesmo sendo este compartimento propício à ocorrência do processo erosivo devido às características topográficas. Nas checagens de campo observou-se que neste compartimento topográfico a cobertura pedológica é praticamente inexistente, ocorrendo, por outro lado, afloramentos rochosos onde não há condições de desenvolvimento de feições erosivas. As poucas incisões existentes encontram-se, em sua maioria, estabilizadas. CONCLUSÕES A maior parte das feições erosivas desconectadas estão ativas significando uma grande produção de sedimentos que contribuem para o assoreamento de canais fluviais e açudes presentes na bacia de drenagem estudada. Através de observações de campo, verificou-se que parte desses sedimentos encontra-se retido no fundo das cabeceiras de drenagem, podendo, no entanto, chegar aos canais fluviais. Mais de 80% das ravinas e voçorocas desconectadas da rede de drenagem desenvolvem-se nas encostas laterais e frontais de cabeceiras de drenagem, podendo ser atribuído como condicionantes principais de desencadeamento descontinuidades entre a cobertura pedológica pouco espessa e o embasamento pouco alterado, descontinuidade no interior do perfil de solo devido à presença de horizonte B textural e declividade mais acentuada. Na maior parte das ocorrências erosivas o uso do solo pode contribuir para agravar o processo, não sendo considerado, entretanto, como fator principal para a erosão linear na área analisada. A relação entre a distribuição espacial das feições erosivas e os diferentes compartimentos topográficos mostrou-se significativa, principalmente se for considerada a homogeneidade dos solos, demonstrada por Lumbreras et al. (1998), e das classes de declividade, apresentada por Santos (1999) na bacia do ribeirão do Secretário. Deste modo, os compartimentos topográficos mais suscetíveis à ocorrência de ravinas/voçorocas desconectadas da rede de drenagem são os de morros dissecados e de degraus, reunindo condições lito-estruturais, topográficas e de preservação de sedimentos/solos que favorecem o processo erosivo. REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS BEAVIS, S.G. Structural controls on the orientation of erosion gullies in mid-western New South Wales, Australia. Geomorphology, v. 33 p. 59-72. 2000. COELHO NETTO, A.L. Mecanismos e condicionantes geo-hidroecológicos do voçorocamento em ambiente rural: implicações na estabilidade das encostas. In: CONG. BRAS. CIÊNCIA DO SOLO, 26, Rio de Janeiro (RJ), 1997. Anais..., Rio de Janeiro, EMBRAPA-Solos, 1997. CD-Rom. COELHO NETTO, A.L.; FERNANDES, N.F. & DEUS, C.E. Gulling in the Southeastern Brazilian Plateau, Bananal, SP. In: Sediment Budgets, Porto Alegre (RS), 1988. Proceedings..., Porto Alegre, IAHS Plub., no. 174, p. 35-42. 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