CONSULTA Nº. 82.003/14

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Autarquia Federal – Lei nº 3.268/57
Departamento Jurídico
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CONSULTA Nº. 82.003/14
Assunto: Quanto a obrigatoriedade de alguns procedimentos médicos realizados em recémnascidos, frente a autonomia dos pais que, por vezes, se recusam a aceitá-los, tais como:
colírio de nitrato de prata ou eritromicina, vitamina K intramuscular, vacina contra o vírus da
hepatite B.
Relator: Dr. Osvaldo Pires G. Simonelli, Advogado Chefe do Departamento Jurídico,
subscrito pelo Conselheiro Henrique Carlos Gonçalves. Com inclusão da Câmara Técnica de
Pediatria.
Ementa: Hospital. Procedimentos. Recém-nascidos. Colírio de
Nitrato de Prata. Obrigatoriedade. Demais procedimentos.
Autonomia dos pais.
Fatos:
A consulente, Dra. T.M.Y., solicita esclarecimentos deste
Conselho quanto a obrigatoriedade de alguns procedimentos médicos realizados em recémnascidos, frente a autonomia dos pais que, por vezes, se recusam a aceitá-los; o
questionamento envolve três procedimentos específicos: a. colírio de nitrato de prata ou
eritromicina; vitamina K intramuscular; vacina contra o vírus da hepatite B.
PARECER:
Iniciando a análise pela aplicação do “colírio de nitrato de
prata”, temos que a situação encontra-se regulamentada, no âmbito do Estado de São Paulo,
pelo Decreto Estadual nº 9.713/77, que assim dispõe em seu artigo 1º:
“Artigo 1.º - É obrigatória a instilação de uma gota de solução de nitrato
de prata a 1% em cada dos olhos do recém-nascido, dentro de uma hora
após o nascimento, na forma da Norma Técnica Especial, anexa a este
decreto.”
Sem adentrarmos à discussão quanto a tecnicidade da
norma e a própria competência do Estado para legislar em matéria de saúde, forçoso concluir
que a instilação do colírio de nitrato de prata é, atualmente, obrigatório, e não depende da
vontade dos pais.
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Tal procedimento, de caráter gratuito e que deve ser
fornecido pelo Estado (anexo do Decreto), não pode ser sonegado pelo Hospital (público ou
privado) e, em razão da sua força normativa, também não pode ser recusado pelos pais, salvo
se obtiverem alguma medida judicial favorável à não aplicação.
Acerca da Vacina da Hepatite B, o Decreto nº 78.231/79,
que regulamenta a Lei 6.259/76, assim dispõe em seus artigos 27 e 29:
“Art. 27. Serão obrigatórias, em todo o território nacional, as vacinações
como tal definidas pelo Ministério da Saúde, contra as doenças controláveis
por essa técnica de prevenção, consideradas relevantes no quadro
nosológico nacional.
Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo o Ministério Saúde
elaborará relações dos tipos de vacina cuja aplicação será obrigatória em
todo o território nacional e em determinadas regiões do País, de acordo
com comportamento epidemiológico das doenças.”
“Art. 29. É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha
a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória.
Parágrafo único. Só será dispensada da vacinação obrigatória, a pessoa
que apresentar Atestado Médico de contra-indicação explícita da aplicação
da vacina.”
A vacina contra o vírus da Hepatite B é prevista como
“obrigatória” no rol definido pelo Ministério da Saúde; entretanto, esta é uma obrigação dos
responsáveis pelo recém-nascido e não do Hospital; é o que se extrai do caput do artigo 29
acima transcrito: “É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a
guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória.”
Evidentemente que o hospital pode oferecer este serviço,
mas não pode obrigar os pais a aceitarem, após devidamente esclarecidos por intermédio de
termo específico em que conste expressamente a responsabilidade pela aplicação.
Finalmente, quanto a aplicação da chamada “vitamina k”,
o procedimento atualmente encontra-se regulamentado como um vetor de saúde pública, por
intermédio da Portaria do Ministério da Saúde nº 1067/2005, que “institui a Política Nacional
de Atenção Obstétrica e Neonatal”.
Trata-se, portanto, de uma norma que estabelece diretrizes
para a saúde pública neonatal e que, no seu Anexo I, IV, assim prevê em um dos itens:
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IV - ACOMPANHAMENTO NO PÓS-PARTO IMEDIATO
(...)
- usar vitamina K para prevenir a doença hemorrágica do RN;
Entretanto, é uma política, uma diretriz de saúde, que não
tem qualquer caráter coercitivo caso haja a negativa dos pais na sua aplicação, desde que
devidamente esclarecidos.
Estas medidas, conhecidas como preventivas, profiláticas,
que não envolvem risco imediato de morte, devem sempre ser oferecidas aos pais,
acompanhadas da devida informação quanto a necessidade e a importância de cada uma delas
e, diante da negativa, devem então assinar um “termo de recusa”, com a devida
responsabilidade pela não aplicação.
Podemos, portanto, concluir que o Código de Ética
Médica veda qualquer forma de intervenção contra a vontade do paciente ou de seu
responsável legal; é o que se extrai do artigo 22:
É vedado ao médico:
“Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu
representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a
ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.”
Nenhuma das situações acima tratadas envolve risco
iminente de morte. Assim, cabe ao médico sempre obter a autorização dos responsáveis legais
para a realização dos procedimentos, principalmente quanto há cobrança para a aplicação
(exceto no que se refere ao nitrato de prata) no âmbito privado de procedimento previsto
como gratuito na rede pública de atendimento.
A ressalva que fazemos reside no fato de que o ato médico
não se sobrepõe ao pátrio poder concedido pela legislação aos responsáveis pelo recémnascido; assim, qualquer recusa deve ser aceita e registrada por escrito, exceto quanto ao
nitrato de prata, considerando que os pais têm direito a autonomia e responsabilidade pelos
atos que praticam, mesmo que envolvendo recém-nascido.
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Conclusão. Opinio Iuris.
Diante do exposto, concluímos pela legalidade de recusa
na aplicação de tratamentos preventivos pelos responsáveis pelo recém-nascido, exceto
quanto ao nitrato de prata que, por força de Decreto Estadual, é obrigatório.
Assim, esperando ter atingido os objetivos propostos,
apresentamos nosso parecer, colocando-nos à inteira disposição para eventuais
esclarecimentos que se fizerem necessários.
São Paulo, 8 de dezembro de 2014.
Atenciosamente,
Osvaldo Pires G. Simonelli
OAB/SP 165.381
Chefe do Departamento Jurídico – CREMESP
MANIFESTAÇÃO DA CÂMARA TÉCNICA DE
PEDIATRIA:
Malgrado a lucidez do parecer exarado pelo ínclito chefe
do Departamento Jurídico – DEJ - do CREMESP, a Câmara Técnica de Pediatria desta Casa
pede anexar as seguintes considerações ao brilhante texto de DEJ:
De acordo com o artigo 227 da Constituição da República
Federativa do Brasil, é dever da família, da sociedade e do estado, colocar crianças e
adolescentes a salvo de toda forma de exploração, negligência, discriminação, crueldade e
opressão (...).
Um conceito amplo de negligência ou omissão do cuidar é
o não atendimento das necessidades básicas da criança. Faz parte do contexto do direito dos
adultos poder escolher, na maioria das vezes sem questionamentos, qual a qualidade de vida
que deseja ofertar àqueles que deles dependem.
Caracteriza-se como omissão de cuidados básicos para o
desenvolvimento físico, emocional e social, a privação de medicamentos, a falta de
atendimento aos cuidados necessários com a saúde e o descuido com a higiene, entre outros.
Convém lembrar também que a função da equipe
multiprofissional da saúde é agir no melhor interesse do paciente. Este é um referencial
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fundamental da prática da Medicina. O objetivo é maximizar possíveis benefícios conhecidos
e minimizar possíveis prejuízos previsíveis.
No caso de crianças e adolescentes, são ambos os pais ou
seus responsáveis legais que têm o direito de exercer a autonomia em relação ao filho, mas o
médico não está legalmente obrigado a acatar os desejos dos responsáveis quando conflitam
com o melhor interesse do paciente.
Pode-se afirmar que o limite de tal autonomia é o
benefício que se pode obter e o prejuízo que se pode prevenir.
Se a atitude dos pais sempre beneficiasse seus filhos, não
haveria a necessidade de elaboração de leis específicas para tutelar os direitos e interesses das
crianças e adolescentes a fim de evitar eventuais excessos e abusos de poder familiar (antigo
pátrio poder), não haveria necessidade de estatutos, normas, resoluções, recomendações,
pareceres e criação de instituições legais visando equilibrar consequências de algum senso de
autoridade ou propriedade que os responsáveis expressam em relação aos seres que estão sob
sua responsabilidade.
A elaboração de normas e rotinas na assistência à saúde
deve ser baseada em ciência, em valores e em princípios morais e éticos. A tomada de
decisões médicas deve ser baseada nas melhores evidências científicas com o alicerce desses
valores e princípios.
Vale lembrar que o alvo de toda a atenção do médico é a
saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de
sua capacidade profissional.
Conduzir a criança e o adolescente ao seu futuro com
plenas condições de segurança e saúde é missão de todos. Os profissionais da saúde que os
assistem têm papel primordial nessa responsabilidade.
O parecer de DEJ é magnífico, porém deve ser analisado
em pareamento com estas considerações.
Estas são as reflexões da Câmara Técnica de Pediatria,
s.m.j.
Conselheiro Clóvis Francisco Constantino
Coordenador da Câmara Técnica de Pediatria
PARECER SUBSCRITO PELO CONSELHEIRO HENRIQUE CARLOS GONÇALVES.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 17.04.2015.
HOMOLOGADO NA 4.661ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 22.04.2015.
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