DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR/ELA Dr. Mário Emílio Dourado

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DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR/ELA
Dr. Mário Emílio Dourado Jr
Tratamento sintomático
Segundo Walter Bryan Matthews (1920-2001), professor de neurologia da
Universidade de Oxoford, autoridade em Doença de Creutzfeld-Jakob, Esclerose
Múltipla e para solucionar casos neurológicos enigmáticos: “a melhor avaliação de
aptidão de um médico para a prática especializada em neurologia não é a sua
capacidade de memorizar síndromes raras, mas se ele pode continuar a tratar um caso
de Esclerose Lateral Amiotrófica, e manter o paciente, seus familiares e a si mesmo
em um razoavelmente bom estado de espírito.” (Turner M R, Talbot K. Pract Neurol
2013;13:153–164)
Infelizmente ainda não existe um tratamento que modifique a evolução da
doença. Embora a patogênese da doença não seja totalmente compreendida, os
avanços da genética e da biologia molecular levaram à identificação de mecanismos
importantes que contribuem para a neurodegeneração. Muitos desses compostos estão
sendo desenvolvidos e testados.
Na ausência de terapias curativas, todo o esforço é direcionado para melhorar
o conforto, autonomia e qualidade de vida dos portadores de ELA. O estabelecimento
de abordagens multidisciplinares e o desenvolvimento de registros de base
populacional estão promovendo bons resultados na gestão dos sintomas dos pacientes
com ELA.
“The evidence for symptomatic treatments in amyotrophic lateral sclerosis”
Jenkins TM, Hollinger H, McDermott CJ. Curr Opin Neurol 2014, 27:524 – 531
Trata-se de revisão sobre o tratamento sintomático da ELA concentrado em
artigos publicados recentemente e diretrizes do Reino Unido.
Estudos observacionais demonstram aumento da sobrevida dos pacientes com
ELA que são acompanhados por equipe multidisciplinar. Esse resultado é atribuído ao
acesso precoce a terapias especializadas e a melhor coordenação dos cuidados. A
equipe multidisciplinar deve ser composta por neurologista, pneumologista,
gastroenterologista/anestesista experientes em gastrostomia percutânea, enfermeira,
fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional, assistente social.
A medida da capacidade vital forçada (CVF) é a mais utilizada para avaliar a
função respiratória na ELA. O valor de <50% era um dos parâmetros, da Academia
Americana de Neurologia, para recomendar o tratamento com ventilação não invasiva
(Neurology 2009;73:1218 –1226). Já no consenso europeu, recomenda-se iniciar VNI
em indivíduos com alterações discretas, de <80%, da CVF, especialmente se são
sintomáticos (Eur J Neurol 2012, 19: 360–375). Estudos randomizados e controlados
mostram aumento da sobrevida de 205 dias nos pacientes com ELA sem
envolvimento bulbar severo e melhora da qualidade de vida em todos os pacientes.
É obvio que não basta disponibilizar o dispositivo para VNI. Os autores
reforçam a importância da equipe respiratória especializada no acompanhamento do
paciente (tolerância; ajustes da pressão e das interfaces; umidificadores; necessidade
ou não de oxigênio...).
Para os autores, a traqueostomia é geralmente evitada, exceto em jovens com
ELA de início bulbar, incapazes de eliminar as secreções e que não toleram a VNI.
Essa posição também é compartilhada por outros grupos. Barras e col, do Hospital
Universitário de Genebra-Suíça, revisaram a indicação de traqueostomia em pacientes
com ELA na Suíça e na França (Swiss Med Wkly. 2013;143:w13830). A traqueostomia
está associada a baixa qualidade de vida e institucionalização dos pacientes com ELA,
além de sobrecarga dos cuidadores.
Uma nova e excitante estratégia de auxiliar a respiração do paciente com ELA
é o marcapasso diafragmático. Consiste na estimulação elétrica do diafragma através
de eletrodos implantados cirurgicamente e acionados por um marcapasso. Esse
dispositivo foi liberado pelo FDA, entretanto não há estudos randomizados
controlados que confirmem a efetividade. Um estudo piloto de 16 pacientes relatou
melhora na movimentação do diafragma e na espessura desse músculo, além da
redução no declínio da capacidade vital desses pacientes
(Am J Surg.
2014;207(3):393-7).
Recentemente Rezania K e col, relataram dois casos de tromboembolismo
venoso após implante de marcapasso diafragmático em pacientes com ELA (Muscle
Nerve. 2014 Aug 11. doi: 10.1002/mus.24420). Eles recomendam avaliação préoperatória para afastar trombose venosa e profilaxia pós-operatória para embolia
pulmonar.
A incidência de trombose venosa profunda nos pacientes com ELA é de 11%,
aumentando para 36% nos pacientes com fraqueza acentuada das pernas. Os autores
prescrevem rotineiramente doses profiláticas de heparina de baixo peso molecular nos
pacientes com ELA que estão internados. Entretanto, não utilizam nos pacientes
ambulatoriais. Ainda não há estudos randomizados controlados.
Quanto ao manejo da sialorreia, os britânicos utilizam adesivos transdérmico
de hioscina como primeira escolha. A amitriptilina e gotas de atropina podem ser
adicionados. A injeção de toxina botulínica nas glândulas salivares, com forte
evidência, é uma segunda opção.
O tratamento da sialorreia pode deixar a expectoração mais difícil por
aumentar a viscosidade da secreção respiratória. O uso de mucolíticos, por exemplo a
carbocisteína e técnicas de auxílio à tosse (manual ou mecânica) melhoram o fluxo da
tosse.
A dieta ideal para o indivíduo com ELA ainda não está definida. Estudos
randomizados estão em andamento para determinar se dietas hipercalóricas e com alto
teor de gorduras são mais efetivas.
Com a progressão da doença ocorre disfagia progressiva. A presença de
aspirações frequentes, refeições demoradas e incompletas e perda de peso
significativa (>10%) são razões para médicos e pacientes decidirem sobre a
gastrostomia via endoscópica. Esse procedimento torna-se arriscado quando há
insuficiência respiratória. Nessa situação a inserção do tubo guiado por radiologia é
uma alternativa. Não há estudos randomizados controlados que apontem efetividade
da gastrostomia, mas estudos observacionais indicam melhora na qualidade de vida ou
na sobrevida.
Pacientes com disfagia associada a envolvimento puro do primeiro neurônio
motor podem se beneficiar de injeção de toxina botulínica no esfíncter superior do
esôfago (Neurology 2013; 80:616 – 620).
Através da tecnologia assistiva se consegue ampliar a capacidade de
comunicação (comunicação aumentativa e alternativa). Esses dispositivos podem
melhorar a qualidade de vida dos pacientes com ELA.
O fisioterapeuta e o terapeuta ocupacional utilizam diferentes estratégias para
o manejo da mobilidade, que muda com o tempo. A espasticidade melhora com
exercícios. O baclofeno e gabapentina podem ser utilizadas nessa situação.
A insuficiência ventilatória, desnutrição, efeitos colaterais de medicamentos
(por exemplo, riluzole) ou anemia podem provocar fadiga. Pequenos estudos
relataram melhora da fadiga com modafinil.
Na ELA a dor não é bem compreendida. Pode ter origem musculoesquelética,
neuropática ou cãibras. Para a dor musculoesquelética os autores recomendam, além
da fisioterapia, paracetamol, anti-inflamatórios não esteroides ou opiáceos. Na dor
neuropática, gabapentina e amitriptilina, já na cãibra baclofeno, gabapentina e
quinina.
A insônia pode ser sinal precoce de hipoventilação. Outras causas são:
depressão, dor ou dificuldade para girar na cama (fraqueza dos músculos do tronco).
Benzodiazepínicos devem ser evitados, especialmente nos indivíduos com
insuficiência ventilatória.
Suporte psicológico é fundamental para o paciente e família. A depressão é
comum. São usados anti-depressivos e terapia cognitiva comportamental, mas não
existem estudos randomizados controlados específicos para ELA.
Em fases avançadas da doença a ênfase dos cuidados se desloca para a gestão
da morte. Eliminar a dor, as secreções e a dispneia é o objetivo principal. Todos
pacientes com ELA devem ser informados que os sintomas de dispneia podem ser
aliviados com opioides, especialmente nessa fase final.
A doença isola os pacientes e as limitações evocam ameaças que aparecem em
diferentes partes da vida do enfermo, como conflitos da infância, fantasias e
preocupações.
O psiquiatra Dr Havery Max Chochinov, da Universidade de Manitoba –
Canadá, é o pioneiro no conceito de Terapia da Dignidade. Ele lidera um grupo de
pesquisadores que tentam compreender o que é a dignidade para os doentes em fim de
vida. A Terapia da Dignidade consiste numa psicoterapia breve individualizada. Em
uma única sessão, de 60 a 80 minutos, o paciente fala dos acontecimentos mais
relevantes da sua vida, o que aprendeu com a vida e com as adversidades que a doença
lhe trouxe, o que gostaria de deixar de si e para aqueles que ficam. O objetivo é que a
pessoa em fim de vida sinta que existe para além da doença. Valorizando sua história
de vida, recupera a sua dignidade.
Recentemente pesquisadores australianos publicaram sua experiência da
Terapia da Dignidade em 29 indivíduos com ELA (Bentley B et al. PLoS One. 2014
May
9;9(5):e96888.
doi:10.1371/journal.pone.0096888).
Nesses
indivíduos,
diferentes de outras doenças graves (por exemplo, câncer), as dificuldades de
comunicação podem interferir nas entrevistas, mas não impedi-las. Os resultados
mostraram que a terapia foi bem aceita pelos pacientes com ELA. Os benefícios
incluíram melhoras das relações familiares e maior senso de auto-aceitação. Há
necessidade de mais estudos.
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