MPC/DF FL.: Proc.: 18653/11 __________ Rubrica MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL GABINETE DA SEGUNDA PROCURADORIA PROCESSO: 18653/2011 ASSUNTO: REPRESENTAÇÃO PARECER Nº 1192/2013-CF EMENTA: Política pública: coagulopatias. Aplicação de multa. Cuidam os autos de representação ministerial acerca do tratamento das doenças da coagulopatia, no exercício de 2011. Aos autos juntou-se farta documentação comprobatória do grave estado a que foram submetidos pacientes, após mudança em política pública, com cópias de vários ofícios encaminhados pelo MPDFT. No corrente exercício, o MPC/DF proferiu o Parecer 235/13, com os seguintes questionamentos: 01) há autorização estatutária para o Hemocentro praticar assistência clínica e laboratorial? Em caso afirmativo, apontar. Em caso negativo, justificar; 02) o procedimento assistencial oferecido pelo Hemocentro (assistência clinica a coagulopatas e hemofílicos) tem liberação da Vigilância Sanitária, cumprindo todas normas a respeito (por exemplo, licença sanitária, cadastro sanitário de equipamento e do estabelecimento, etc)? Em caso afirmativo, apresentar toda a documentção. Em caso negativo, informar; 03) A Presidência da entidade está conferida a médico hematologista? Apresentar documentos. A SES/DF, contudo, a fls. 679, apenas repisou as anteriores informações, já existentes no processo, demonstrando que implantou laboratório, desmantelou o Núcleo de Coagulopatias do HAB e passou a promover o atendimento ambulatorial na FHB. A FHB, por seu turno, também se manifestou, fls. 689. O Corpo Técnico elaborou o Relatório de Inspeção, assim: 34. Conclui-se que a FHB atendeu de forma satisfatória aos questionamentos feitos pelo MPjTCDF no Parecer nº 235/2013-CF. 35. Foi demonstrada autorização estatutária para o Hemocentro praticar assistência clínica e laboratorial. 36. Encaminhou-se documentação comprovando que a FHB tem liberação da Vigilância Sanitária para prestar procedimento de assistência clínica a coagulopatias. MPC/DF FL.: Proc.: 18653/11 __________ Rubrica MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL GABINETE DA SEGUNDA PROCURADORIA 37. Mais. Conforme RDC nº 57/2010, art. 6º, da Anvisa, os serviços de hemoterapia devem estar sob responsabilidade técnica de profissional médico, especialista em hemoterapia ou hematologia, que, como demonstrado nos autos, é legalmente exercido pelo Dr. José Antônio de Faria Vilaça. 38. Não obstante, a Diretora- Presidente da Casa comprovou extenso conhecimento técnico relacionado ao tema Sangue e Hemoderivado. 39. Apresentou também documentos visando comprovar a qualidade dos serviços que vem sendo prestados pela Fundação, inclusive no atendimento aos portadores de coagulopatias. 40. Face todo o exposto, conclui-se que a FHB atendeu, satisfatoriamente, todos os questionamentos feitos pelo MPjTCDF. Posteriormente, elaborou-se a Informação 140/13: 5. Os expedientes em tela noticiam a publicação, no Diário Oficial do Distrito Federal do dia 01/08/2013, dos Decretos nºs. 34.538/2013 e 34.539/2013. 6. O primeiro diploma supracitado dispõe sobre a reestruturação da FHB (fls. 740/741); o segundo, por seu turno, aprova o Estatuto da entidade (fls. 741/743). (...) 14. A partir de análise sistemática da legislação aplicável, havíamos concluído pela não obrigatoriedade de a Presidência da FHB ser exercida unicamente por médico com formação em Hematologia. 15. A questão encontra-se devidamente esclarecida pois, conforme visto, exigese para tal cargo formação de nível superior da área de saúde. Em relação a hemoterapia ou hematologia, é necessária experiência no gerenciamento dos referidos serviços. 16. Tais requisitos (formação e experiência) restam cumpridos pela atual Presidente da Fundação Hemocentro, Dra. Beatriz Mac Dowell Soares, conforme informações transcritas nos §§ 22 e 23 do Relatório de Inspeção nº 2.2014.2013, acima reproduzidas. 17. Diante do exposto, concluímos que o advento do Decreto nº 34.539/2013, que dispõe acerca do novo Estatuto da Fundação Hemocentro de Brasília, ratifica nosso posicionamento exposto no Relatório de Inspeção nº 2.2014.2013, o qual, por seu turno, visou o cumprimento do Despacho Singular nº 219/2013-CRR. O Decreto nº 34.538/2013, por seu turno, não interfere nas questões em tela. 18. Assim, feitas tais considerações, sugerimos o retorno dos autos ao Gabinete do Exmo. Sr. Relator, Conselheiro Renato Rainha. MPC/DF FL.: Proc.: 18653/11 __________ Rubrica MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL GABINETE DA SEGUNDA PROCURADORIA Os autos vieram ao MPC/DF para parecer que lamenta discordar do Corpo Técnico. Verifica-se que não havia mesmo autorização estatutária para a prestação de serviços médicos pela FHB, que, em nenhum momento, aponta o normativo a respeito. Ao contrário, a Fundação reconhece que houve alteração e ampliação no escopo da atuação da instituição ao ofertar serviço ambulatorial para pacientes. E que, só após, em 2012, propôs uma nova estrutura organizacional, com nova minuta de estatuto. Do mesmo modo, apesar da recalcitrância, verificou-se que a Presidência da Entidade está a cargo de médica que não detém a condição de hematologista, atividade transferida para o Diretor-Executivo. Tudo isso só corrobora a preocupação ministerial. É necessário enfrentar a questão da Representação, que inaugura os autos, com o escopo dos trabalhos, isto é, o exercício de 2011. É flagrante a arbitrariedade com que a nova política pública foi implantada. Leiam-se as ações de improbidade anexadas. Houve paciente que veio a óbito! De outra banda, o tal laboratório de Hemostasia implantado na FHB era um pleito desesperado dos médicos e pacientes do HAB. Vejamos as notícias na imprensa em anexo. Desse modo, os créditos debitados à atual gestão da FHB não podem ser tributados sem a análise histórica dos fatos. Por isso mesmo, é injusto tentar afirmar que a atual gestão é pródiga num atendimento de excelência, quando não se reconhecia as mesmas condições aos antigos médicos do Núcleo de Coagulopatias, que não possuíam servidores, computadores, etc. O laboratório implantado funcionava com equipamentos doados como expurgo, etc. E, mesmo assim, o antigo Núcleo possuía certificação internacional. Por isso, não impressiona a narrativa dos fatos, sem a contextualização da questão. É tão importante essa análise histórica que é preciso reconhecer que foi à custa do esforço de médicos, pacientes, membros do MP e, principalmente, MPC/TCU e TCU, que o MS alterou a anterior política pública, que renegava pacientes a um triste atendimento de demanda, no qual o fator de coagulação só era garantido quando o paciente sangrava, daí a imensa geração de hemofílicos sequelados. Situação que não se vê em Brasília, porque, aqui, o NÚCLEO DE COAGULOPATIAS DO HAB, MESMO SEM TODAS AS CONDIÇÕES QUE HOJE OSTENTA A FHB, atuou bravamente na defesa da saúde desses pacientes, obrigando o Estado a praticar a profilaxia, primária e secundária, quando o paciente é infundido para evitar o sangramento, e adotando, com prioridade, a oferta do fator recombinante, não plasmático, a fim de evitar eventual contágio, como o da AIDS, que dizimou pacientes hemofílicos em todo o país. Contra esse atendimento, chegou-se a pregar que a profilaxia não tinha estudo científico que a embasasse; que o fator recombinante não possuía igual comprovação técnica e científica, além de ser infinitamente mais caro, etc. Chegouse a acusar os médicos e pacientes de comporem nova máfia dos sanguessugas, MPC/DF FL.: Proc.: 18653/11 __________ Rubrica MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL GABINETE DA SEGUNDA PROCURADORIA tudo, para depois, em menos de dois anos, o Ministério da Saúde vir a público, como se jamais houvesse havido reação, dizer que, sim, praticaria a profilaxia e que, também, ofertaria fator recombinante, comprovando, a mais não poder, que os médicos do Núcleo de Coagulopatias do HAB estavam corretos (vide matéria em anexo). Visto isso, é forçoso concluir que a implantação desse laboratório na repartição, FHB, não atendeu aos requisitos legais, antes, deveria ter ocorrido em sede de atendimento médico-hospitalar. Dessa forma, lamentando dissentir do Corpo Técnico, o MPC/DF repisa que a Representação em tela visou perscrutar a respeito da compra do fator recombinante em 2011, bem assim, denúncias de assédio e violação de prescrição médica, corroboradas, à exaustão, por todos os termos de declaração juntados ao presente processo e ações judiciais, inclusive por descumprimento de decisão judicial. Ou seja, não se pode afastar, em 2013, os fatos ocorridos, isto é: “A partir de 2011, a política instaurada no DF, nessa área, acabou gerando inúmeras denúncias de desassistência e desrespeito ao direito desses cidadãos, além do que se passou a racionar a oferta dos fatores de coagulação, inclusive em hipótese de emergência, extinguindo-se, ainda, o Núcleo de Coagulopatias do HAB”. De salientar que a adoção da mencionada política levou pacientes e pais ao desespero; pelo menos um deles foi a óbito (vide fls. 569 e seguintes) e outros foram submetidos a inequívoco constrangimento, fls. 563. Além disso, está claro que o atendimento ambulatorial na FHB desatendeu os normativos em vigor à época, porque não havia autorização, já que é impossível dar interpretação elástica a algo absolutamente técnico. Diagnóstico de doenças transfusionais, histocompatibilidade e teste genético não têm a ver com atendimento ambulatorial a paciente hemofílico. Tanto não tem mesmo que não existia tal possibilidade no Estatuto que vigorava quando da mudança do atendimento ocorrido à época do oferecimento da presente Representação. De fato, basta verificar que foi necessário alterar o novo Estatuto em 2013, para constar expressamente tal previsão (comparem-se os artigos 5º e 6º do anterior Estatuto ao artigo 5º do atual, notadamente, itens XX e XXI1). Do mesmo modo, textualmente estava escrito nos estatutos da Fundação que a Presidência deveria estar a cargo de médico qualificado em hematologia, não a possuindo a titular, por mais que se queira tergiversar, com currículo que só comprova o não cumprimento dos normativos existentes. Compare-se o que estava 1 Art. 5º Compete à Fundação Hemocentro de Brasília, na qualidade de órgão gestor do Sistema de Sangue, Componentes e Hemoderivados: (...) XX – coordenar, em articulação com a Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, a política de Atenção à Saúde aos pacientes com Coagulopatias e Hemoglobinopatias Hereditárias; XXI – participar da atenção integral aos pacientes com doenças hematológicas hereditárias no componente da atenção ambulatorial por meio de abordagem multiprofissional; MPC/DF FL.: Proc.: 18653/11 __________ Rubrica MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL GABINETE DA SEGUNDA PROCURADORIA escrito no anterior Estatuto, à época da nomeação da Presidente, artigo 33 2 com o atual artigo 21 do Estatuto em vigor3. Nessas condições, o MPC/DF opina pela aplicação de multa, por clara inobservância à norma legal. A alteração estatutária só comprova a procedência da Representação e o vício de legalidade. Foi somente após os questionamentos do MP, no DF, que a FHB tratou de adequar a política imposta à legalidade, o que não pode ter, como não tem, aplicação retroativa. É o parecer. Brasília, 26 de setembro de 2013. CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRA Procuradora 2 Art. 33 A Presidência da F.H.B. será exercida por profissional da área de saúde, de qualificação e especialização em hematologia, de preferência escolhido dentre os servidores da entidade, indicado pelo Secretário de Saúde e nomeado pelo Governador do Distrito Federal 3 Art. 21 A Presidência da Fundação Hemocentro de Brasília será exercida por profissional de nível superior da área de saúde, com experiência comprovada em gerenciamento de serviços de Hemoterapia ou Hematologia, de preferência escolhido dentre os servidores da entidade, indicado pelo Secretário de Estado de Saúde e de livre nomeação pelo Governador do Distrito Federal.