ARTRITE REUMATÓIDE Sônia Colbeich Trajano Fisioterapeuta INTRODUÇÃO: O comprometimento articular é um dos mais freqüentes na prática geriátrica e dos mais importantes pela repercussão sintomática e limitação funcional decorrente. Apresentamos neste trabalho uma das afecções reumáticas mais comuns no idoso, a Artrite reumatóide, que pode levar ao desconforto, limitações físicas e deformidades. ARTRITE REUMATÓIDE: É uma enfermidade crônica do tecido conjuntivo, de etiologia desconhecida e patogenia auto-imune, caracterizada, principalmente, por quadro articular inflamatório, poliarticular, simétrico e nas formas ditas clássicas, que pode variar enormemente, existindo até os monoarticulares, acompanhado, algumas vezes, de comprometimento visceral com expressão clínica, o que justifica a tendência atual de designá-la de doença reumatóide. No Brasil, a artrite reumatóide representa cerca de 7 a 10% de todos os reumatismos. Nos Estados Unidos e em alguns países europeus, sua freqüência é mais elevada. Em nossa experiência, em um grupo de quase 6.000 reumáticos com diagnóstico definido, a artrite reumatóide correspondeu a 7,2% dos pacientes. Foi estimado que incide em cerca de 0,4% da população brasileira. Ocorre mais em mulheres, na proporção de 2 a 3 para cada homem. Pode iniciar em qualquer idade, preferencialmente entre 20 e 50 anos. Etiologia e Patogenia A causa da artrite reumátoide ainda é desconhecida. Muito se sabe das alterações imunológicas e inflamatórias, mas o fator desencadeante não foi isolado. Acredita-se que um antígeno (s), provavelmente microbiano, entra no corpo e leva à formações de anticorpos. Complexos imunes são formados (antígeno mais anticorpo) e estes levam ao desenvolvimento da inflamação sinovial. Na sua junção com a cartilagem e o osso, a sinovial se organiza em uma frente evasiva (pannus) com liberação de enzimas capazes de provocar erosão na cartilagem e no osso. Os mecanismos normais, que inibem a inflamação e as enzimas degradativas, são superados numa zona estreita logo em frente ao pannus. O conteúdo proteoglicanos da cartilagem diminui, tornando-a mais susceptível a pressão e no osso adjacente, osteoclastos são ativados levando a desmineralização e suscetibilidade aumentada às enzimas degradativas. Há uma incidência aumentada em parentes de primeiro grau, sugerindo importância de uma resposta do hospedeiro geneticamente determinada. a Muitas possibilidades tem sido consideradas e descartadas. Desequilíbrio endócrino, doença metabólica, fatores ambientais e outros não explicam satisfatoriamente a doença. Embora não de maneira causal, é geralmente aceito que o stress pode influenciar negativamente na doença. Patologia A sinovial normal consiste de tecido conectivo aureolar fino com superfície geralmente incompleta, de células sinoviais. Nas fases precoces da inflamação, as veias e alças capilares dilatam e leucócitos passam para o espaço tissular e, eventualmente, para o líquido sinovial. Células inflamatórias crônicas (plasmócitos) passam para o tecido sinovial mais tarde. A membrana sinovial torna-se edematosa, vascular e celular. As alterações vasculares incluem áreas focais de necrose, as células sinoviais alinhadas se multiplicam e tornam-se várias camadas grossas. Neste estágio, nenhum dano aconteceu à cartilagem e osso, mas, eventualmente um processo de erosão e degradação podem sobrevir assim, teremos a fase inicial reversível que pode evoluir para o dano irreverssível. Algumas vezes, a doença não é suficientemente agressiva e estacionará depois desta fase crítica. Se não, haverá progressão para vários graus de destruição articular, com perda da cartilagem e osso, levando a deformidade, subluxação, alterações degenerativas secundárias e a possibilidade de anquilose fibrosa. As bainhas tendíneas se comportam de maneira igual a sinovial e o tecido de granulação proliferativo pode levar à ruptura ou impotência do tendão. Vasculite é vista comumente na artrite reumatóide e pode ser responsável por alterações vistas. Nódulos subcutâneos são vistos em 23% dos pacientes, comumente encontrados ao longo da face extensora dos antebraços, os outros lugares podem ser notados, geralmente, sobre áreas sujeitas ao atrito e proeminência óssea. Nódulos reumatóides podem ocorrer em vísceras (pulmão). Tanto a formação nodular quanto a vasculite estão relacionadas com a presença do fator reumatóide no sangue e geralmente pior prognóstico. A capsula articular e tecidos periarticulares estão geralmente estirados. Atrofia muscular e osteoporose são aspectos comuns. Aspectos Clínicos: O inicio da doença é insidioso e na maioria dos casos com predominância de manifestações articulares, porém fadiga, mal-estar, febre baixa, fraqueza, perda de peso e anemia moderada podem ocorrer. Os pacientes referem rigidez e dor articular que são piores pela manhã e melhoram com o passar do dia. Essas queixas vem associadas a sinais de inflamação (calor, rubor, dor e edema) articular. A artrite é simétrica e acomete preferencialmente pequenas articulações das mãos e pés. Com o decorrer da doença grandes articulações, como joelhos, quadris, cotovelos, tornozelos e ombros vão sendo atingidos. Uma complicação potencialmente grave é a luxação atlantoaxial que inicialmente, é causa de cefaléia e pode, el alguns casos levar a quadriplegia e morte súbita. A inflamação periarticular é freqüente, ocasionando as tendinites e tenossinovites e com resultante enfraquecimento das estruturas de suporte articular. O espasmo muscular resultante da dor limita o movimento articular. São características o desvio ulnar, a deformidade em pescoço de cisne e em botoeira que acometem as articulações interfalangeanas proximais e distais. 1) Articulções Isoladas: a) Coluna cervical: o envolvimento geralmente leva a subluxação no plano ântero-posterior. É mais comum no plano atlantoaxial. Como resultado do envolvimento cervical pode haver sintomas radiculares, dor no pescoço com irradiação para o occipto, lesões do neurônio motor com vários graus de para ou tetraplegia e sintomas vasculares devido a compressão de artérias vertebrais (distúrbios visuais, hemiparesia transitória, vertigem, etc). b) Articulação temporomandibular: além de dor, limitação de movimento pode levar à dificuldade de comer. c) Articulação cricoaritenóide: não é comumente afetada e quando o é, resulta em rouquidão, com risco de estridor. Raramente pode ser necessária traquostomia. d) Ombro e cintura escapular: várias articulações podem ser afetadas (esternoclavicular, acromioclavicular, etc) mas a mais obvia é a glenoumeral. Associada geralmente está a lesão da bainha dos rotadores do ombro. Atividades básicas, como se vestir, se alimentar, higiene pessoal, podem ser prejudicadas especialmente se houver também envolvimento do cotovelo. e) Cotovelo: além dos movimentos de flexo-extensão movimentos de rotação também são prejudicados. Perda da extensão completa é um achado comum. f) Punhos: dor no punho dificultará a função de toda a mão. Subluxação dorsal da extremidade distal da ulna torna não somente dolorosas os movimentos de rotação mas, também põe os tendões extensores dos 4º e 5º, e algumas vezes do terceiro dedo em perigo. Ruptura destes tendões resultará em inabilidade para estender os dedos, exceto passivamente. Tenossinovite dorsal, também pode levar a frouxidão e ruptura. Síndrome do túnel do carpo é comum. Eventualmente, há uma tendência à subluxação palmar com desvio ulnar. g) Mãos: articulações metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais tem envolvimento freqüente e é um aspecto precoce. Subluxação palmar e desvio ulnar são aspectos tardios comuns a nível das metacarpofalangeanas. A mão com desvio ulnar pode ser dolorosa, mas permanece funcional. Várias deformidades podem ocorrer nas articulções interfalangeanas proximais como por exemplo pescoço de cisne, deformidade em botoeira. Bainhas dos tendões flexores podem ser locais de granulações nas mãos e surge fraqueza no movimento de pinça. Nódulos no tensão flexor podem levar a dedo em gatilho. h) Bacia: dificuldade para andar, subir e descer escadas, pode ocorrer. Problemas sexuais podem ser importantes. Dor nas coxofemurais é geralmente referida. i) Joelhos: a ocorrência precoce de edema sinovial e derrame tornam os joelhos especialmente indicados para sinovectomia. A presença somente de derrame pode não significar desenvolvimento de alterações graves, mas hiperplasia sinovial contínua associada geralmente leva a deformidade, instabilidade e alterações degenerativas secundárias. A deformidade geralmente é em valgo e flexão. É importante observar a presença de cistos poplíteos (cisto de Baker) que podem ser grandes ou pequenos. Eles provocam uma sensação de aperto atras do joelho durante a caminhada ou ao subir ou descer escadas. j) Retropé: os tornozelos geralmente são poupados, mas as articulações mais distais não. Dor ao andar, especialmente em terrenos desnivelados é queixa comum. A deformidade freqüente é pé valgo. k) Articulações metatarsofalangeanas: no inicio da doença pode não haver sintomas. Freqüentemente o paciente tem dor e se queixa da sensação de andar sobre pedras. Comumente ocorre subluxação, levando ao aumento da profundidade do antepé, de tal maneira que sapatos comuns não servirão oi levarão a lesões por pressão. O antepé está geralmente aumentado também na largura, sendo comum o hálux valgo. 2) Manifestações estra-articulares: São encontrados em indivíduos com uma forma mais grave da doença com altos títulos de fator reumatóide no soro. Em torno de 25% dos casos os pacientes apresentam nódulos subcutâneos ou subperiostais que tem a denominação de nódulos reumatóides. Seu local de aparecimento mais comum é na superfície dos extensores dos antebraços, sendo não dolorosos, firmes, móveis ou fixos. Em alguns casos podem ser encontrados nos pulmões, pleura, laringe, miocardio, pericardio, válvulas cardíacas, esclera, baço, tecido sinovial e dura-máter. O acometimento pulmonar inclui derrame pleural e fibrose intersticial, observados em uma pequena percentagem de pacientes. Pericardite pode ser encontrada em até 40% dos pacientes necropsiados, e as demais manifestações cardíacas são insuficiência valvular, miocardite e distúrbio de condução. Vasulite reumatóide atingindo vasos de pequeno calibre resulta em ulcerações de pele, gangrena digital, isquemia mesentérica e neuropatia. As manifestações neurológicas da artrite reumatóide geralmente são periféricas. Além da neuropatia associada a vasculite pode haver compressão do nervo resultante da proliferação sinovial no punho e tornozelo, que se manifesta por dor parestesia no trajeto nervoso e caracteriza as síndromes do túnel do carpo e tarso. A ceratoconjuntivite sicca e xerostomia (síndrome de Sjögren) pode ocorrer em cerca de 30% dos pacientes. 3) Critérios diagnóstico para Artrite Reumatóide da American Rheumatism Association: a) Rigidez matinal b) Dor a movimentação ou sensibilidade aumentada em pelo menos uma articulação c) Edema de uma articulação devido a tecidos moles, ou derrame articular, ou ambos d) Edema com intervalo livre de sintoma não maior que três meses e) Edema articular simétrico f) Nódulos subcutâneos g) Alterações radiográficas típicas que incluem desmineralização no osso periarticular como índice de inflamação h) Teste positivo para fator reumatóide no soro i) Líquido sinovial mostrando formação pobre de coágulo de muscina, quando adicionado ácido acético j) Histopatologia de sinóvia consistente com artrite reumatóide k) Histopatatologia característico de nódulos reumáticos Sinais e sintomas devem estar presentes pelo menos por seis semanas para satisfazer os critérios. A artrite reumatóide pode ser classificada como clássica (sete critérios necessários), definida (cinco critérios) ou provável (três critérios). Os requisitos para o diagnóstico da artrite reumatóide provável são que dois dos três critérios estejam presentes por pelo menos três semanas: rigidez matinal, história de dor ou edema articular, nódulos subcutâneos, VSG elevado ou proteína C reativa. É necessário comparar estes critérios com a lista de exclusões, entre as quais: - Doença difusa do tecido conectivo: ex. lupus eritematoso sistêmico (LES), esclerose sistêmica, dermatomiosite, poliartrite nodosa, doença mista do tecido conectivo. - Gota e artropatias microcristalinas - Artrite infecciosas - Espondiloartropatias - Osteoartrose - Sarcoidose e muitas outras artropatias menos comuns Exames laboratoriais A maioria dos pacientes apresentam uma anemia normocrômica ou hipocrômica e normocítica e um quarto dos pacientes tem linfocitose. A velocidade de hemossedimentação é elevada. O fator reumatóide está presente em 70 a 80% dos pacientes. A proteína C reativa, mucoproteína, alfa-2 globulina e gamaglobulina podem estar elevadas. O líquido sinovial tem padrão inflamatório com número de células brancas aumentado, predominantemente polimofonucleados Radiologia A radiologia em algumas circunstâncias, pode Ter valor diagnóstico bem definido, noutros, de simples probabilidade. O quadro abaixo ilustra os principais achados radiológicos, em correspondência com a patologia. PATOLOGIA RADIOLOGIA Edema em partes moles, efusões articulares, Aspecto fusiforme das partes moles sinovite discreta inicial periarticulares, principalmente nas interfalangeanas proximais das mãos. Flou articular Aumento discreto de líquido sinovial Nenhuma repercussão estimável sobre o espaço articular Aumento volumoso do líquido sinovial Afastamento das epífises ósseas, aumento da interlinha articular com Ação de enzimas hidrolíticas sobre a Diminuição discreta do espaço articular, cartilagem articular degradando sua matriz eventualmente reversível. Desmineralização do osso subcondral em Osteoporose subcondral, de grau e extensão virtude da hiperemia inflamatória variáveis, às vezes, formação de um rosário pseudocístico Comprometimento inflamatório do Elevação do periósteo ou superposição de periósteo, com ou sem neoformação óssea camadas com espessamento do mesmo Sinovite vilosa com formação de pannus invadindo a cartilagem e os tecidos moles de sustentação articular e provocando erosões e destruições ósseas Diminuição progressiva, geralmente simétrica, da interlinha articular. Erosões nas margens epifisárias, cistos, lesões em sacabocado, irregularidades ósseas variáveis, reabsorção óssea, alterações do alinhamento articular ( desvios, subluxações e luxações) e telescopagem Progressão da ocupação da cavidade Desaparecimento completo da interlinha articular pelo pannus, formação de traves articular, com soldura das epífises, anquilose fibrosas e depois ósseas óssea Evolução e Prognóstico É prática comum se pensar em artrite reumatóide como doença grave e deformante, entretanto, o prognóstico de cerca de 50% dos pacientes é bom. O diagnóstico é baseado em aspectos clínicos e pode ser difícil no início Há diferentes tipos de apresentação O quadro clínico varia de paciente para paciente e em alguns casos e de tempos em tempos num mesmo paciente Não são todos os pacientes que desenvolvem a doença grave e deformidade Pacientes raramente desenvolvem evidência de doença em todas as articulações sinoviais, algumas articulações são mais afetadas que outras Aspectos sistêmicos e extra articulares podem ser provenientes Pode haver aspectos associados como síndrome de Sjögren (olhos secos e, às vezes, boca seca) Evolução Episódica: permanece como doença leve, doença insidiosa e progressiva Remissões completas ou parciais Doença Progressiva: rápida, intermediária , lenta Parece que a sinovite em alguns pacientes ocorre, mas não progride necessariamente para a destruição óssea e cartilaginosa. Em outros, tal destruição pode ocorrer sem nenhuma ou com mínima sinovite clínica. Em outros, pode ser apenas um aspecto dos estágios precoces, como também progredir sem interrupção por muitos anos. Pacientes com início agudo evoluem melhor que os com inicio insidioso e homens especialmente jovens, melhor que mulheres. A presença de fator reumatóide no soro em um estágio precoce, nódulos, vasculite, envolvimento ocular e síndrome de Felty incidem uma evolução desfavorável. À medida que nossos conhecimentos de tipificação de tecidos evoluem nossa habilidade de determinar aqueles que terão melhor prognóstico ou pior e os que responderão ou não aos medicamentos também melhora. Geralmente a expectativa de vida é menor que o normal devido a ocorrência de infecções, amiloidose, doença renal etc. Tratamento Qualquer plano de tratamento deve ser individualizado e basear-se no conhecimento total da doença, sua variabilidade, ambiente de vida do paciente e em acompanhamento regular. Devemos nos empenhar para o alivio da dor, parar ou tentar retardar a doença, prevenir ou corrigir as deformidades, tentar ou adaptar o doente ao seu ambiente, se não alterar o ambiente para as limitações do paciente. Às vezes, os pacientes procuram o tratamento em uma fase muito tardia. Programa 1) Acompanhamento regular 2) Educação ao paciente 3) Medidas físicas: - fisioterapia - terapia ocupacional - enfermagem - serviços comunitários - orientação laboral - comunidade local - provisões de acessórios (goteiras, órteses, sapatos cirúrgicos, etc) 4) Terapia medicamentosa 5) Cirurgia Fisioterapia Objetivos Alivio da dor Prevenção das deformidades Correção das deformidades Manutenção e restauração da função articular Manutenção e melhora do tônus muscular Bibliografia AZUL, Luis G S. CLÍNICA DO INDIVÍDUOP IDOSO. Ed. Guanabara Koogan, RJ, 1981. DOWNIE, Patrick H CASH FISIOTERAPIA REUMATOLOGIA. São Paulo, Ed. Panamericana, 1987. EM ORTOPEDIA GRANDES TEMAS DA MEDICINA. Ed. |Nova cultural, São Paulo, 1986 SEDA, Hilton, REUMATOLOGIA. Ed Cultura médica, 2º edição RJ, 1982 E