UMA LITERATURA DE VIAGEM: AS MEMÓRIAS DA REPRESSÃO COMO FONTE PARA A HISTÓRIA Aparecida de França Villwock (PIBIC/Fundação Araucária - UNIOESTE), Alexandre Felipe Fiuza (Orientador), [email protected] Universidade Estadual do Oeste do Paraná/ Colegiado de Pedagogia/ Cascavel, PR Educação/ Fundamentos da Educação Palavras-chave: Ensino de História, Ditadura Civil-Militar, Literatura. Resumo: O presente trabalho visa demonstrar como o conhecimento histórico pode ser ampliado através da Literatura, neste caso em particular, o discurso literário sobre a memória traumática dos anos da ditadura brasileira. Neste intuito, partindo de uma breve contextualização, pretende-se visualizar e entender os processos que envolvem tais produções, assim como verificar aspectos básicos da sua contribuição para a história e para o ensino. Introdução A pesquisa em apreço analisa duas obras literárias de cunho memorialístico e autobiográfico: “O Crepúsculo do Macho” de Fernando Gabeira (escritor, jornalista e político brasileiro nascido em 1941) e “O amor de Pedro por João” de Tabajara Ruas (escritor, roteirista e cineasta gaúcho nascido em 1942). Parte-se da perspectiva de que a literatura e a história têm possibilidades de se alimentarem mutuamente, e com elas, a possibilidade de leituras de uma recriação imaginária do real. O estudo da História constitui um ponto de partida indispensável para a reflexão da educação, contribuindo para o aprendizado e para tornar os indivíduos mais conscientes de seu papel social. Desse modo, o conhecimento que ora se adquire no estudo das ações humanas são determinadas pela história, a qual gera condições de determinar o pensamento e, inclusive, o ponto de vista do interlocutor. Nesse contexto, a Literatura se constrói de forma muito importante, pois ela se contextualiza de modo a indicar o caminho para novas descobertas, ou seja, ela pode ser encarada como um espaço onde se torna possível denunciar, explorar, revelar e trazer a lume as tragédias e as grandezas humanas. A temática que compreende as obras mencionadas refere-se ao período dos anos de chumbo, a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985), momento minuciosamente relatado pelos autores, por sua vez, personagens reais do período, dado o cunho autobiográfico e memorialístico destes escritos. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. A pesquisa discorre sobre a importância de conhecer, e ao mesmo tempo, de ensinar a História através de mecanismos diferentes de ensino, que neste caso, é a Literatura. Materiais e métodos Este projeto de pesquisa adota uma perspectiva comparatista uma vez que serão abordados dois discursos distintos: literário e histórico. Desse modo, o objetivo deste trabalho é analisar por meio da comparação as obras O crepúsculo do macho e O amor de Pedro por João. A forma como os autores retratam a ditadura militar de forma ficcionalizada pode ser balizada pela historiografia, traçando um paralelo com a história e com estes relatos de memórias. Procurar entender a forma como Fernando Gabeira e Tabajara Ruas tratam essa temática, se usam ironia e crítica, o uso de formas narrativas através da análise textual, pode esclarecer a visão de mundo dos autores. Revisão de Literatura Este trabalho se utiliza de fontes históricas sobre o período ditatorial, especialmente no Brasil, embora saibamos que este regime alastrou-se para outros países como reflexo de um momento contundente da história. O narrador utiliza uma forma específica de narração, a metaficção, cuja característica se deu por denunciar o momento vivenciado, ou seja, não perder os detalhes importantes para eles. Foi considerado um período de opressão e de muitas injustiças, desse modo os intelectuais tinham consciência de que aquele era um período que iria ficar na história. As obras são pesquisadas com o intuito de estabelecer uma relação entre a história da ditadura militar brasileira produzida pela historiografia com o discurso autobiográfico dos relatos de memórias presentes na literatura. Os romances histórico-políticos se constituem de relatos de exilados políticos que se vestem de personagens e criam artisticamente suas histórias. No romance O amor de Pedro por João, publicado em 1982, Tabajara Ruas retrata com detalhes os sonhos, as angústias e o sofrimento de toda uma geração que em meio à ditadura brasileira deixavam sua marca “Eu faço o que for melhor pra organização” (RUAS, 1982, p.22). O livro de Ruas explora as dificuldades encontradas pelos exilados políticos e intelectuais ao confrontar-se com o poder imposto: o poder militar “Difícil lá isso é ...Mas seu caso é especial, você não está com uma cara nada boa, gaúcho”. (p.29). A dura realidade das ditaduras é exposta, por exemplo, num fragmento sobre a tortura e o início do abuso sexual sofrido por uma “personagem”, no momento em que os torturadores ligam o tocadiscos e “Simonal começou a cantar ‘Tão bonita que ela é, cabelos lisos como eu nunca vi...’” (RUAS, 1982, p. 186). A literatura de Gabeira, predominantemente memorialística é demarcada por suas andanças pela Suécia, Argélia, Cuba e Chile “quando chegamos à Argélia, por exemplo, quase não havia luzes” (p.12), “era verão Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. no norte da África” (GABEIRA, 1981, p.13). Na história, o narrador-repórter demonstra sua afinidade por Vera, sentimento que podia ser considerado como uma paixão repentina, pois os amores iam-se formatando conforme a convivência do cárcere: “Nosso tempo na Argélia estava contado. Ficaríamos pouco, porque Vera também viajaria para a Europa. Um dia entenderíamos tudo aquilo, estudaríamos todos os seus detalhes para explicarmos melhor, dando um balanço do exílio”. (1981, p. 37) Nesta obra, Gabeira narra sua fuga do Golpe de Pinochet no Chile em setembro de 1973 e seu asilo na Embaixada Argentina no país. Esta estada foi permeada por ameaças, doenças, falta de comida e água, de roupas, colchões e mesmo espaço para as pessoas dormirem no chão da casa de dois andares em que se localizava a Embaixada. Em razão do número de asilados e do restrito espaço em que se localizava a residência do embaixador, foi: “[...] preciso organizar o dia-a-dia para tornar viável o convívio e tentar evitar a proliferação de doenças, o que não impediu a ocorrência de inúmeros episódios constrangedores e o surgimento de crianças com diarréia e adultos com hepatite” (ROLLEMBERG, 1999, p. 179). Linda Hutcheon afirma em relação a romances históricos que, [...] as figuras reais do passado são desenvolvidas com o objetivo de legitimar ou autenticar o mundo ficcional com sua presença, como se para ocultar as ligações entre ficção e história com um passe de mágica ontológico e formal (1991, p. 152) O discurso ficcional tem a seu favor uma maior liberdade discursiva, além disso, o enredo, as metáforas, os efeitos de sentido e a ausência do compromisso com a objetivação, são eficazes elementos no jogo ficcional. Esta liberdade inerente à escritura literária, e seu virtual mimetismo, compõem um discurso mais convincente, mesmo quando se prevalece da fantasia e da imaginação. Rosenfeld corrobora sobre os estilos no âmbito literário, no sentido mais simples e direto do uso das letras ao passo que “os critérios de valorização, principalmente estética, permitem-nos considerar uma série de obras de caráter não-ficcional como obras de arte literárias e eliminar, de outro lado, muitas obras de ficção que não atingem certo nível estético” (2004, p.12). Escrever sobre o passado implica em revelar que os registros feitos no passado e no presente são materiais de linguagem e, portanto, são manipuláveis. É, pois, uma opção para quem escreve o de eleger a perspectiva que vai priorizar, focando detalhes ou pontos de vista ocultados. “A argumentação conhecida como a arte de convencer e persuadir era denominada na Grécia antiga como Retórica, muito usada pela filosofia” (MACHADO, 2008, p. 9). O processo argumentativo é referido no contexto da leitura como um conhecimento necessário para adentrar nas entrelinhas do texto, para buscar trazer à tona aquilo que está oculto e conseguir com maior facilidade compreender o que o autor está defendendo, qual seu ponto de vista. Ducrot (1987) enfatiza sobre as várias figuras discursivas que fazem parte dos textos, denominadas como Pragmática Lingüística. O que Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR. faz-nos entender que o processo de argumentação está na língua, e não nas coisas, ou seja, é preciso que o interlocutor seja conhecedor do discurso para captar nos recursos lingüísticos uma conclusão em relação ao seu ponto de vista. Portanto, o artefato literário, além de necessitar deste domínio da linguagem escrita, também precisa do conhecimento histórico para tornar este discurso mais verossímil. Conclusões As atividades do projeto compreende estudos teóricos e encontros que orientaram a realização das atividades. Em relação à processo de pesquisa é possível inferir, num contexto geral, que esta oportunidade contribui para a formação profissional, uma vez que a temática abordada, vai ganhando enfoque dentro da graduação, tendo em vista que a pesquisa apresentada é fruto de uma aproximação da História com a Literatura. Assim, o estudo tem sido de grande relevância, pois nos colocou diante de desafios, os quais fizeram com que buscássemos compreender o contexto educacional e o ensino da história através da literatura. Agradecimentos Agradeço em especial ao Professor Alexandre que aceitou carinhosamente ser meu orientador, que dedicou seu tempo para discussões e dúvidas. As minhas filhas e ao meu esposo agradeço pela paciência e compreensão. Referências DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Revisão da Tradução: Eduardo Guimarães. Campinas, SP: Pontes, 1987. GABEIRA, Fernando. O Crepúsculo do macho. 14 ed. Rio de Janeiro: Codecri, 1980. (Coleção Edições do Pasquim; 82). HUTCHEON, Linda. Uma Teoria da Paródia. Lisboa: Edições70, 1991. MACHADO, M. C. Educação na História. São Luiz, MA: Ed. UEMA, 2008. ROSENFELD, Anatol. “Literatura e Personagem” In: CÂNDIDO, Antônio et alli. A Personagem de Ficção. 10ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. ROLLEMBERG, V. et alli. Os pronomes pessoais sujeito e a indeterminação do sujeito na norma culta de Salvador. Estudos lingüísticos e literários. nº 11, Salvador, UFBA, 1999. RUAS, Tabajara. O amor de Pedro por João. Porto Alegre: L&PM, 1982. Anais do XIX EAIC – 28 a 30 de outubro de 2010, UNICENTRO, Guarapuava –PR.