Professor André Lemos

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Filosofia do Direito 1
Professor André Lemos
Aulas 17 e 18 – FILOSOFIA DO DIREITO
TEMA: Metodologia da Ciência e da Filosofia – um panorama
Bibliografia:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Ed. Martins Fontes.
BOSON, Gerson. Filosofia do Direito: interpretação antropológica. Ed. Del Rey.
FOUCALT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Ed. Nau
REALE, Miguel. Filosofia do direito. Ed. Saraiva
Introdução:
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Metaciência: em seu uso geral, a metaciência indica qualquer investigação que se ocupe da estrutura, dos
métodos, dos significados, dos objetivos ou dos valores das ciências.
A filosofia deve ser vista como atividade perene do espírito, como paixão pela verdade essencial e, nesse
sentido, realiza, em seu mais alto grau e conseqüência, a qualidade inerente a toda ciência: a insatisfação
dos resultados e a procura cuidadosa de mais claros fundamentos.
A filosofia do direito não é disciplina jurídica, mas é a própria Filosofia enquanto voltada para uma ordem
de realidade, que é a realidade jurídica. Nem mesmo se pode afirmar que seja filosofia especial, porque é a
filosofia, na sua totalidade, na medida em que se preocupa com algo que possui valor universal, a
experiência histórica e social do direito.
O direito é realidade universal. Onde quer que exista o homem, aí existe o direito como expressão de vida e
de convivência.
É exatamente por ser o direito fenômeno universal que é ele susceptível de indagação filosófica.
A filosofia não pode cuidar senão daquilo que tenha sentido de universalidade. Essa é a razão pela qual se
faz filosofia da vida, do direito, da história, da arte.
Falar em vida humana é falar também em direito, daí se evidenciando os títulos existenciais de uma
filosofia jurídica.
Na filosofia do direito deve refletir-se, pois, a mesma necessidade de especulação do problema jurídico em
suas raízes, independentemente de preocupações imediatas de ordem prática.
A missão da filosofia do direito é, portanto, de crítica da experiência jurídica, no sentido de determinar as
suas condições transcendentais, ou seja, aquelas condições que servem de fundamento à experiência,
tornando-a possível.
Metodologia:
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Método, a partir da origem grega da palavra, significa todo e qualquer procedimento para a consecução1 de
um determinado fim.
O método é, pois, um conceito que expressa a realização ordenada de atos, dirigidos para o alcance de
determinados objetivos; técnica usada nessa realização visando à aquisição de conhecimentos procurados;
metodologia, o estudo dos diversos métodos, de que podemos lançar mão para a obtenção do saber –
teoria dos métodos, principalmente dos métodos do conhecimento científico.
Como conhecimento é obra peculiar do espírito, e este, em todo o seu desenvolvimento, constitui aqui
desempenho racional, a metodologia stricto sensu tem seus limites na lógica aplicada, de vez que toda
ciência, qualquer ciência, pode recorrer a vários métodos, mas todos nos limites dessa aplicação.
A escolha do método não pode ser arbitrária. Deve estar determinada pela natureza do objeto a estudar e
dos fins a que se quer chegar, através dos procedimentos ordenados.
Ato ou efeito de conseguir; conseguimento.
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Mas o método nada cria. Estender-lhe potencialidade criadora seria atribuir-lhe importância que não
possui. Exagera aquele que supõe que eleito um método, por melhor que seja adequado ao caso, terá à
mão a chave que lhe atribuirá com certeza os segredos do conhecimento.
Todavia, é certo que sem o método adequado não se vai conscientemente à meta que se quer chegar, salvo
obra do acaso.
O conhecimento científico constitui sistematização de idéias, que não seria realizável sem uma ordenação
metódica. São procedimentos gerais de todo método a busca da verdade, a prova dessa e, afinal, a sua
sistematização. Nada disso poderia ser conseguido, de forma integrada, sem uma disposição metodológica
do pensando.
Métodos discursivos e intuição:
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Para alcançarmos os conhecimentos acerca do mundo e da vida, usamos dois métodos: método discursivo
e método intuitivo.
Método discursivo: como a própria palavra indica, são todos aqueles procedimentos metodológicos que,
em busca do saber, se desenvolvem mediante uma sucessão de atos ordenados, dirigidos à captação da
essência da realidade do objeto, enfim, do conhecimento pretendido. Constituem um tipo de atividade
lenta, em que o protagonista admite diálogo, inclusive consigo mesmo, acerca do próprio processo ou do
objetivo perquirido por ele.
Na sua grande variedade, os métodos discursivos são procedimentos mediatos, indiretos, com relação aos
fins propostos. Essa é a nota característica comum a todos eles, seja qual for a índole dos objetos na pauta
dos estudos ou indagações.
Método intuitivo: consiste em ato direito, imediato, ato único do espírito que prontamente se lança sobre
o objeto, captando-o e trazendo-o à luz da razão para a teorização do conhecimento. A intuição nos leva
diretamente ao objeto, numa visão imediata deste, iluminado pelos arcanos2 secretos da alma.
A intuição tem muito a ver com o que entendemos por instinto, do qual parece diferenciar-se pelo relevo
consciente do objeto apreendido. De fato, parece ser o instinto um conjunto de formas de conduta não
propositadamente adquiridas, conduta realizada uniformemente por todos os indivíduos de uma mesma
espécie, todavia sem conhecimento dos fins a que se proponham, ou da relação que exista entre esses fins
e os meios postos em ação para alcançá-los.
Na intuição, como processo de conhecimento, se acha presente a consciência dos fins visados, consistindo
ela em um procedimento imediato, instintivo, mas em que o espírito, por ser ato seu, de posse do objeto
alcançado sobre este atua, agora discursivamente, em esforços contínuos de racionalização.
Métodos da ciência e da filosofia:
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Os métodos da ciência podem ser diversos dos métodos para a aquisição do conhecimento filosófico, os
métodos da filosofia. Contudo, nada impede que possam também comparecer, na teorização dos
conhecimentos filosóficos, sobretudo no processo da sua sistematização, os métodos utilizados na
aquisição e sistematização do saber científico.
A ciência recorre também a procedimentos intuitivos, e a filosofia, a procedimentos discursivos, na forma
de exposições acerca da verdade, da prova e da sistematização das idéias filosóficas.
Na ciência predominam os métodos discursivos, na filosofia, os métodos intuitivos.
O saber científico é relacional, diz respeito a relacionamento de fenômenos, ao passo que o saber filosófico
é ôntico3, diz respeito ao ser em si dos objetos.
Lugar recondite; secreto; segredo; oculto.
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O método lógico está presente sempre no método discursivo, pois ele é condição do exercício para alcançar
a essência do conhecimento.
É costume registrar também a presença de métodos auxiliares, métodos secundários ou derivados, cuja
função consiste em facilitar o desenvolvimento dos trabalhos científicos ou filosóficos, como abreviaturas,
disposições, esquemas, símbolos, classificações...
Metodologia filosófica – evolução histórica
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Afirma-se ter sido Sócrates o primeiro filósofo a usar um método com a consciência dos propósitos.
Isso teria decorrido, forçosamente, do fato de Sócrates, no seu combate aos sofistas, haver feito distinção
entre o saber científico (espisteme), o verdadeiro saber, o saber filosófico buscado mediante um processo
metódico, e o saber de opinião (doxa), saber não perquirido, falseado, atribuído por ele aos sofistas.
Contra a pretensa sabedoria filosófica dos sofistas, Sócrates levanta a necessidade de se conhecer a si
mesmo, isto é, adquirir a consciência das limitações próprias4.
A sua sabedoria não está no saber mais que os outros, mas no saber do que não sabe, enquanto que os
outros crêem saber o que na verdade não sabem. Cerca os seus interlocutores com perguntas, fingindo que
com eles quer aprender. É a ironia socrática, que se desenvolve em dois aspectos: o negativo ou crítico, em
que refuta os erros do seu interlocutor, a sua pretensa sabedoria, e o positivo ou construtivo, a maiêutica,
a arte que diz haver aprendido de sua mãe que era parteira, e que consiste em levar o interlocutor a
revelar que possui idéias subjacentes no acervo da sua razão, das quais apenas não teria antes consciência.
Esse método foi aperfeiçoado por Platão, discípulo de Sócrates, passando a denominar-se dialética.
Conservando os fundamentos da maiêutica, a dialética platônica consiste na fixação de uma idéia inicial,
uma hipótese e sua crítica posterior. E assim, através de sucessivas análises, debates, diálogos, vai-se
melhorando o caminho para o encontro de uma solução que se poderá admitir como correta.
Na dialética há também dois momentos distintos: o primeiro, uma intuição da idéia do que seja aquilo que
se procura, e o segundo, a análise crítica dessa idéia, isto é, a dialética propriamente dita – esforços do
espírito no sentido de aperfeiçoar os caminhos da solução, chegar à meta proposta.
Para expor o seu método, Platão acaba fazendo uma Teoria do Conhecimento: o conhecido mito da
reminiscência, segundo o qual saber é relembrar, no qual já se implica a sua ontologia das idéias.
Aristóteles, discípulo de Platão, parte do movimento dialético para a sistematização da Lógica, que elege
como método da Filosofia.
Para o célebre estagirita, já tão importante é a Lógica que, ao lado da physis e da ética, coloca-a como um
dos tripés em que se fundamenta o saber humano. Na indução e na dedução, associadas, encontra
Aristóteles os verdadeiros caminhos para o conhecimento.
E daí por diante, até pelo menos o advento de Descartes, a lógica domina, marcadamente, os métodos da
filosofia, identificada com a ciência. Nessa posição atravessa o Império Romano e a Idade Média, quando
então atinge extraordinário rigor na sua aplicação.
Com efeito, se voltamos nossa atenção para o exercício dos métodos utilizados nas indagações filosóficas, a
partir de Sócrates até o pensamento de Descartes, poderemos verificar que a maior importância a eles
dada está na discussão dialética, através da qual a intuição primária deverá ser confirmada ou negada, ou
aperfeiçoada. A intuição primeira constitui apenas o despertar da questão. O mais importante é o exercício
racional, o discurso. Os métodos são discursivos, métodos próprios do conhecimento científico.
Com a chegada de Kant, o filósofo que conclui a transição do pensamento realista para o pensamento
idealista, efetivamente, torna-se inegável que ao tempo desse grande filósofo, quanto à metodologia, não
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Pertencente ou relative ao ente.
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MONDOLFO, Rodolfo. El pensamiento antiguo.
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há mais dúvida de que Filosofia e Ciência são ramos diversificados do saber, para o que sua obra constitui
colaboração importante.
Na verdade, não podemos deixar de reconhecer que, a partir de Descartes, o método da filosofia sofre
mudanças radicais.
O interesse já não se fixa no discurso em torno do que a intuição oferece, mas sobre a própria intuição e os
meios para obtê-la.
O fato se faz claro com o próprio Descartes, quando no seu famoso Discurso do Método, revela preocuparse não com os procedimentos discursivos que posteriormente possam advir, mas como chegar a uma
evidência indubitável da verdade, a uma intuição que lhe possa servir de ponto de partida para a
montagem do seu vasto sistema filosófico.
A partir de Descartes a intuição passa a ser, por excelência, o método da filosofia, não só em decorrência da
distinção que se vai consubstanciando entre Filosofia e Ciência, mas sobretudo pelo fato de, dentro dessa
distinção, surgir o entendimento residual de Filosofia, cujos resíduos de que especialmente passa a tratar
constituem objetos dos quais não mais cogita a Ciência, antes são desta pressupostos não
pragmaticamente relacionáveis, mas sem os quais o exercício do raciocínio científico não poderia
desenvolver-se.
A intuição pode ser classificada em:
a) Sensível: é a intuição que apreende objetos que se dão aos sentidos, por sensações imediatas. É um tipo de
intuição individual, válida somente para o objeto que se acha diante do seu captor e que, sozinha, não nos
poderia proporcionar conhecimentos.
b) Formal: quando o objeto apreendido não se revela aos sentidos, mas ao espírito, como, por exemplo, no
caso dos axiomas5 matemáticos, no caso das diferenças entre coisas diversas, ou no caso do princípio da
não-contradição. Em todos esses casos exemplificados não funciona a intuição sensível, mas uma visão
imediata do espírito, pela qual este se dá conta da verdade.
c) Real: aquela que vai ao fundo do objeto, captando a sua essência, a sua existência e consistência, e que
pode ser desdobrada, por sua vez, em três tipos distintos, desde que no agente, predomine a atitude
intelectual, a atitude emotiva ou a atitude volitativa.
c.1) Intuição Intelectual essencial: aquela através da qual se apreende a essência do objeto, aquilo que o objeto é.
c.2) Intuição Emotiva Axiológica: quando predominam na atitude intuitiva os motivos emocionais, pela qual a
intencionalidade do objeto não se dirige ao que este é, mas ao valor do objeto,
ao que o objeto vale, se é bom ou mau, agradável ou desagradável, belo ou
feio.
c.3) Intuição Volitiva Existencial: surge quando as motivações são predominantemente volitivas, derivadas da
vontade. Aqui a intuição não se refere à essência, ao que o objeto é, nem ao
valor do objeto, à sua qualidade, mas à sua realidade existencial, isto é, ao
existir do objeto: o objeto existe, está aí, é algo distinto de mim.
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É a intuição o principal instrumento de que se vale o filósofo para obter os recursos necessários à criação
dos seus sistemas de filosofia.
O papel da intuição é apreender a mais profunda e verdadeira realidade, que é a do movimento, a
continuidade do fluir eterno, que só por meio do procedimento intuitivo pode ser alcançado.
Premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente verdadeira sem exigência de demonstração.
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Métodos da ciência e da filosofia do direito
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Todavia, a natureza do objeto deve ser acolhida como elemento informativo imprescindível quando da
escolha do método é que se pode afirmar que os métodos discursivos são os que melhor se adaptam como
vias para obtenção do conhecimento científico, enquanto que os intuitivos são marcadamente os métodos
da filosofia.
A ciência é saber relacional, saber concernente às relações entre objetos, ao passo que o saber filosófico diz
respeito aos resíduos ônticos das coisas, dados que funcionam como pressupostos do saber científico, algo
que somente a intuição pode alcançar, para sua entrega subseqüente à teorização gnosiológica.
O direito abarca todo o Universo da sociabilidade humana, o qual, por sua vez, constitui um dos mais
importantes conteúdos da nossa vida.
A natureza do objeto perquirido deve ser acolhida como elemento informativo imprescindível à escolha do
método, que, de outro lado, podemos afirmar serem os procedimentos intuitivos os mais adequados às
indagações no campo da filosofia do direito. E entre as intuições qualificadas, certamente a intelectual e a
axiológica são os tipos mais aconselháveis, porque a intuição aqui funciona como meio favorável à
apreensão da essência dos objetos jurídicos e dos valores que os acompanham na sua manifestação
enquanto interesses a realizar, resguardar, transferir ou extinguir. Presentes que se acham a justiça e os
demais valores que integram a sua constelação junto à idéia do direito, só a intuição nos pode levar ao
encontro desses objetos que, entregues à razão, por esta podem ser movimentados, na realização da vida
social.
O direito ocorre nas sociedades como uma estruturação de base ético-política, destinada a resolver
problemas que quase sempre se caracterizam como “conflitos”.
Uma estruturação que se pretende estável, mas que frequentemente muda, altera-se, reconstrói-se.
O direito se relaciona com a própria finitude humana, com a precariedade e com a fragilidade das coisas
humanas: ora ele radica em valores que se pretendem eternos, ora expressa ostensivamente padrões
laicizados.
O direito declara, cobra, obriga, tolhe e reprime, embora também proteja. Justiça e liberdade sempre
figuram, ao menos verbalmente, como valores jurídicos centrais.
Mesmo que as pessoas nem sempre o percebam, um grande número de atos e de situações, diariamente
vividas, são reguladas pelo direito e em função dele se desenvolvem.
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