Rodrigues et al. Pseudoaneurisma e CIV pós-IAM concomitantes Relato de Caso Rev Bras Cardiol. 2013;26(3):209-12 maio/junho Pseudoaneurisma e CIV pós-IAM concomitantes: apresentação grave e rara Relato de Caso Pseudoaneurysm and VSD concomitant after AMI: severe and rare presentation 1 André Silva Rodrigues1, Mauro Isolani Pena2,3, Roberto José Queiroz Crepaldi2,3, Alexandre Jackson von Sperling deVasconcellos2,3, Renê de Alcântara Miranda2,3, Luis Felipe Cintra Pereira1 Resumo Abstract Relata-se caso raro de dupla-complicação mecânica pós-IAM anterior: pseudoaneurisma e comunicação interventricular (CIV). Paciente do sexo feminino, 66 anos, tendo apresentado quadro de dor torácica típica, foi submetida à cineangiocoronariografia, que demonstrou oclusão total em terço médio de artéria descendente anterior (DA), com angioplastia realizada 10 dias após o início do quadro. Evoluiu após três semanas com recidiva de dor precordial, dispneia, sopro sistólico novo, estável hemodinamicamente. Diagnóstico à cineangiocoronariografia e ao ecocardiograma de pseudoaneurisma de parede anterior de ventrículo esquerdo e CIV apical. Realizada correção cirúrgica, com ressecção do aneurisma e correção da CIV, obtendo-se ótimo resultado, apesar da gravidade do caso. We report a rare case of double mechanical complication after anterior myocardial infarction: pseudoaneurysm and ventricular septal defect (VSD). Female patient, 66 years old, presented with typical chest pain and underwent coronary angiography, which showed total occlusion in the middle third of left anterior descending artery (DA) with angioplasty performed 10 days after onset of symptoms. Evolved after three weeks with recurrence of chest pain, dyspnea, systolic murmur new, hemodynamically stable. Diagnostic coronary angiography and echocardiography pseudoaneurysm of the anterior wall of the left ventricle and apical VSD. Performed surgical repair with resection of the aneurysm and VSD correction, obtaining excellent results despite the gravity of the case. Palavras-chave: Pseudoaneurisma; Comunicação interventricular; Infarto agudo do miocárdio Keywords: Pseudoaneurysm; Ventricular septal rupture; Acute myocardial infarction Introdução A CIV é um evento grave, que mais comumente ocorre na primeira semana pós-IAM, cerca de 10 vezes mais prevalente naqueles pacientes não submetidos à terapia fibrinolítica, chegando a aumentar taxa de mortalidade em 67 %1. O pseudoaneurisma é caracterizado por formação cística sem endocárdio ou miocárdio em sua parede, o que o diferencia do aneurisma verdadeiro. É envolvido por um tecido fibrótico e pericárdico, apresentando alta mortalidade pelo maior risco de ruptura secundária2,3. Ambas as complicações exigem As complicações mecânicas pós-infarto agudo do miocárdio (IAM) são raras, porém responsáveis por grande elevação de mortalidade. As mais importantes são a comunicação interventricular (CIV) e as rupturas de músculo papilar e paredes livres do ventrículo, estas últimas podendo levar a formações aneurismáticas verdadeiras ou pseudoaneurismas. 1 Curso de Medicina - Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) - Ouro Preto, MG - Brasil Serviço de Hemodinâmica do Hospital Arnaldo Gavazza Filho - Ponte Nova, MG - Brasil 3 Serviço de Hemodinâmica do Hospital Madre Tereza - Belo Horizonte, MG - Brasil Correspondência: André Silva Rodrigues E-mail: [email protected] Rua Carlos Camarão, 164 - Centro - 35570-000 - Formiga, MG - Brasil Recebido em: 05/03/2013 | Aceito em: 12/04/2013 2 209 Rev Bras Cardiol. 2013;26(3):209-12 maio/junho correção cirúrgica precoce na tentativa de redução dos altos índices de mortalidade1,2,4. Relata-se o caso de uma apresentação atípica de concomitância de CIV e pseudoaneurisma como complicações mecânicas de infarto em parede anterior. Relato de caso Paciente de 66 anos, sexo feminino, natural de Manhumirim, MG, hipertensa, foi admitida no Pronto-Socorro de sua cidade com quadro de dor precordial intensa de longa duração, em aperto, acompanhada de dispneia, sendo medicada e liberada com melhora parcial da dispneia. Após dois dias de manutenção do quadro e piora da dor, foi reinternada com presença de supradesnivelamento do segmento ST anterior e positividade de marcadores de necrose miocárdica. No sétimo dia dos sintomas foi transferida para serviço de cardiologia, em Muriaé, MG, onde realizou cineangiocoronariografia (CATE), que demonstrava: acinesia anteroapical à ventriculografia esquerda, artéria descendente anterior (DA) totalmente ocluída em terço médio (Figuras 1A a 1C) e lesão importante (80 %) em terço médio da artéria coronária direita (CD). A angioplastia coronariana percutânea (ACP) de DA foi realizada três dias após a CATE, com dilatação Rodrigues et al. Pseudoaneurisma e CIV pós-IAM concomitantes Relato de Caso prévia por balões e implantação de stent convencional (3,0x32,0 mm), obtendo-se resultado angiográfico satisfatório (TIMI III) (Figura 1D). Não se sabem os motivos que levaram ao atraso da ACP, pois o caso era conduzido por outra equipe naquele momento. Alta hospitalar após 48 horas da intervenção, em uso de AAS, clopidrogrel, metoprolol, losartana, hidroclotiazida, sinvastatina e monitrato de isossorbida. Abordagem de CD programada para 30 dias. Entretanto, após 20 dias da ACP reiniciou quadro de dor precordial prolongada e dispneia. El e t r o c a r d i o g r a m a d e m o n s t r o u i n a t i v i d a d e elétrica inferior, septal e anterior extensa, com supradesnivelamento de segmento ST de V2 a V5. Reinternada com suspeita de infarto inferior ou reinfarto anterior e encaminhada ao Serviço de Hemodinâmica do Hospital Arnaldo Gavazza Filho, em Ponte Nova, MG, momento em que o caso foi assumido por esta equipe. Manteve-se estável hemodinamicamente e, ao exame físico, apresentou sopro holossistólico grau 4/6+, mais audível em rebordo esternal esquerdo. Nova CATE demonstrou volumoso pseudoaneurisma em parede anterior de VE e CIV inferior de alto débito à ventriculografia esquerda (Figuras 1E e 1F), com reoclusão de DA após stent implantado e lesão de CD Figuras 1A a 1F CATE no primeiro episódio de dor: ventriculografia esquerda em diástole (A) e sístole (B), demonstrando acinesia anteroapical e integridade de paredes ventriculares; C: oclusão total de DA em terço médio (seta). Em D: Resultado angiográfico de ACP de DA (TIMI III), três dias após o primeiro CATE Em E e F: Ventriculografia esquerda de CATE realizado em recidiva de dor precordial: presença de pseudoaneurisma em parede anterior (cabeça de seta) e CIV inferior com shunt E-D (seta). CATE=cineangiocoronariografia 210 Rodrigues et al. Pseudoaneurisma e CIV pós-IAM concomitantes Relato de Caso Rev Bras Cardiol. 2013;26(3):209-12 maio/junho sem progressão. EcoDopplercardiograma confirmou formação aneurismática e CIV simples com diâmetro de 7 mm e shunt moderado (PSAP estimada=40 mmHg), além de comprometimento da função global (FE=38 % pelo método área-comprimento, ao bidimensional) (Figura 2). Figura 3 EcoDopplercardiograma transtorácico pós-operatório demonstrando sucesso na correção cirúrgica, sem shunt residual de CIV. CIV=comunicação interventricular Discussão Figura 2 EcoDopplercardiograma transtorácico pré-operatório demonstrando pseudoaneurima de VE e CIV inferior de 7 mm e shunt E-D moderado. VE=ventrículo esquerdo; CIV=comunicação interventricular Encaminhada ao serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Madre Tereza. em Belo Horizonte, MG, mantendo-se assintomática e estável clinicamente. Realizada cirurgia de correção das complicações mecânicas pós-IAM, com drenagem de pseudoaneurisma e plastia miocárdica com pericárdio bovino envolvendo a CIV rafiada, além de ponte de safena para CD. Ato cirúrgico sem intercorrências. O EcoDopplercardiograma pósoperatório não demonstrou shunt residual de CIV, com boa correção do pseudoaneurisma (Figura 3). A paciente apresentou ótima evolução pósoperatória, recebendo alta hospitalar após uma semana. Segue em acompanhamento ambulatorial até então. As complicações mecânicas do IAM, juntamente com as arritmias secundárias e o choque cardiogênico, representam as principais causas de mortalidade intra-hospitalar em pacientes infartados5. A suspeição de complicações deve ocorrer sempre que houver surgimento de sintomas de súbita instalação, como insuficiência cardíaca, sopro meso/holossistólico, dispneia ou dor precordial, podendo em alguns casos serem assintomáticas6. No caso relatado, a paciente evoluiu com duas das principais complicações mecânicas: CIV e pseudoaneurisma. Tal apresentação é extremamente rara, não sendo encontrados outros relatos na revisão de literatura realizada. A CIV pós-IAM tem apresentado incidência reduzida nos pacientes submetidos à trombólise (0,2 %) em relação àqueles não submetidos a essa terapia ou angioplastia primária (1-2 %)1. Geralmente se inicia na primeira semana e os principais fatores de risco são: idade avançada, sexo feminino, infarto de parede anterior, hipertensão e fluxo TIMI I ou II da artéria culpada, sendo o diagnóstico confirmado pelo 211 Rev Bras Cardiol. 2013;26(3):209-12 maio/junho ecocardiograma7. Trata-se de uma complicação grave, que apresenta mortalidade em 30 dias, infinitamente maior que naqueles pacientes sem o CIV (73,8 % vs. 6,8 %; p<0,001), mas que pode ser reduzida até pela metade se instituído o tratamento cirúrgico precoce1. Em relação aos pseudoaneurismas, há ausência de grandes estudos que confirmem sua real incidência, sendo estimada em 0,5 %8. Geralmente se formam quando a ruptura da parede miocárdica é contida por pericárdio aderido e tecido fibrótico, impedindo a formação de hemopericárdio 3 . Os sopros são frequentes, muitas vezes indistinguíveis daqueles da regurgitação mitral, e a apresentação clínica é variável, levando a quadros de insuficiência cardíaca, dor precordial e até pacientes assintomáticos 5. Sua localização é inferoposterior em 40 % dos casos2. As alterações de ECG ocorrem em 95 % dos pacientes, com elevação persistente de segmento ST em 20 % dos casos. O método diagnóstico de maior acurácia é a CATE ao demonstrar formação sacular com óstio pequeno e ausência de irrigação coronariana na parede aneurismática5. Sua alta mortalidade geralmente se dá por tamponamento cardíaco ou colapso circulatório em ruptura secundária, que ocorre em 30-45 % dos pacientes entre 10-30 dias. O tratamento cirúrgico precoce é sempre recomendado e reduz a mortalidade em relação ao tratamento clínico (23 % vs. 48 %)2. Neste relato, não se pôde delimitar exatamente a data de ocorrência da CIV ou do pseudoaneurisma. Pensa-se no reinfarto de parede anterior por trombose subaguda de stent como fator predisponente às complicações mecânicas. A paciente não era diabética e relatou adesão medicamentosa aos antiplaquetários, o que leva a admitir a possibilidade de outros fatores de risco para trombose de stent, como resistência ao clopidrogrel. Além disso, não foi realizada fibrinólise ou angioplastia em tempo hábil, porém somente dez dias após início do quadro, outro possível como determinante para a evolução do caso. Entretanto, sabe-se das dificuldades de acesso a serviços qualificados para a recanalização mecânica por angioplastia na assistência pública à saúde, e que na fase subaguda do infarto os testes de viabilidade miocárdica são pouco sensíveis, sendo a ACP indicada naquele momento. Apesar da gravidade do quadro e da alta predição de morbimortalidade, ao se observar a apresentação dupla das complicações relatadas, a paciente evoluiu de forma extremamente favorável. Vale ressaltar que a suspeição e o diagnóstico precoce das complicações mecânicas do IAM são imprescindíveis para casos de sucesso como este, e que a abordagem inicial adequada 212 Rodrigues et al. Pseudoaneurisma e CIV pós-IAM concomitantes Relato de Caso da síndrome coronariana poderia ter mudado seu prognóstico. Potencial Conflito de Interesses Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes. Fontes de Financiamento O presente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação Acadêmica O presente estudo não está vinculado a qualquer programa de pós-graduação. Referências 1. Crenshaw BS, Granger CB, Birnbaum Y, Pieper KS, Morris DC, Kleiman NS, et al. Risk factors, angiographic patterns, and outcomes in patients with ventricular septal defect complicating acute myocardial infarction. GUSTO-I (Global Utilization of Streptokinase and TPA for Occluded Coronary Arteries) Trial Investigators. Circulation. 2000;101(1):27-32. 2. Gan HL, Zhang JQ. Diagnosis and surgical treatment of post-infarction left ventricular pseudoaneurysm. Chin Med J. 2009;122(2):232-5. 3. Vlodaver Z, Coe JI, Edwards JE. True and false left ventricular aneurysms. Propensity for the altter to rupture. Circulation. 1975;51(3):567-72. 4. Bolooki H. Surgical treatment of complications of acute myocardial infarction. JAMA. 1990;263(9):1237-40. 5. Pacheco JBC, Reis MB, Grangeiro LS, Monteiro RS, Tiossi R, Lopes DO, et al. Diagnóstico e evolução de pseudoaneurisma de ventrículo esquerdo pós-infarto do miocárdio. Rev Bras Ecocardiogr. 2005;18(1):63-8. 6. Frances C, Romero A, Grady D. Left ventricular pseudoaneurysm. J Am Coll Cardiol. 1998;32(3):557-61. 7. Pinto FPC, Silva HC, Gonçalves RMGM, Bártholo TP. CIV pós-IAM de parede inferior com ótima evolução pós-operatória: apresentação incomum de uma complicação cada vez menos freqüente. Rev SOCERJ. 2006;19(6):539-41. 8. Csapo K, Voith L, Szuk T, Edes I, Kereiakes DJ. Postinfarction left ventricular pseudoaneurysm. Clin Cardiol. 1997;20(10):898-903.