MÃOS À OBRA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA

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MÃOS À OBRA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA COM
JOVENS E ADULTOS OPERÁRIOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL
Maria Valda Pereira Colares – SESI –Serviço Social da Indústria1
Eixo Temático: Educação e Trabalho
RESUMO: O presente trabalho se refere a uma experiência realizada ao longo de um
ano pedagógico, compreendido entre agosto de 2012 a junho de 2013, equivalente a dois
módulos, de Educação Fundamental II, no município de Olinda – PE. (Brasil), na empresa
ROMARCO, no âmbito da construção civil, oferecido pelo Serviço Social da Indústria –
SESI, e que tem como proposta político pedagógico, alfabetizar, formar, elevar e certificar o
trabalhador da indústria e seus dependentes. Cuja “prática educativa, tem como suporte
pedagógico a filosofia freireana, visando favorecer a preparação básica para o trabalho e a
cidadania do (a) educando (a)”, bem como provocar e “desenvolver a conscientização
política, a partir da sua leitura de mundo”, significar os conhecimentos adquiridos no espaço
aula, “com as exigências atual do contexto sócio, político, econômico e cultural”, que cada
um seja capaz de “relacionar o contexto local com o global”, não apenas no mundo do
trabalho, mas em todas as dimensões, além de “utilizar os quatro pilares educativos propostos
(aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer, e aprender a conviver)”, entre outros.
Período no qual
ministramos as disciplinas de Português, SST (Saúde e Segurança no
Trabalho), História e Geografia, respectivamente, no canteiro de obras da citada empresa. A
experiência em destaque pretende apresentar as vivências, as dificuldades, os possíveis
ganhos e avanços durante o processo de ensino aprendizagem dos envolvidos.
Palavras- chave: educação, alfabetização de adultos, formação em contexto de trabalho.
1. INTRODUÇÃO
Com este relato pretendemos apresentar um percurso de experiência, onde o processo de
ensino aprendizagem está sendo, está sendo construído, uma vez que, o projeto está em curso,
e temos ainda um módulo a ser concluído. Como também por possuírem natureza inconclusa,
homens, mulheres e a educação - formação - sistematizada, a existência do continuum não
1
Professora do SESI- Serviço Social da Indústria – Unidade Vasco da Gama- Recife, PE. (Brasil) Especialista
em Capacitação Pedagógica. [email protected]
significa uma antítese, um fracasso, ou uma inexistência de resultados alcançados, muito pelo
contrário, ao longo do caminho podem-se perceber os avanços obtidos. Além do desejo de
que seja um contributo para as discussões relacionadas em torno de problemáticas que
(r)ex(s)istem no campo da Educação de Adultos, Educação Popular, com a intenção de
colaborar para a busca de práticas pedagógicas que possam cooperar com outros e outras
educadores, educadoras, como também para ampliar não apenas os debates, mas, possibilitar
uma reflexão sobre a própria práxis e encontrar caminhos para facilitar esse fazer educativo,
formativo. Tendo como respaldo “a concepção” de uma “educação voltada para a construção
do conhecimento, em articulação com as histórias dos” educando e “da humanidade”, para
que possamos possibilitar “formas de relações sociais mais humanas e mais justas”, uma
educação “entendida numa perspectiva mais abrangente” que possa “possibilite uma enquanto
elemento estruturador do desenvolvimento do indivíduo” (Barbosa, 2003)
Compete-nos, portanto, buscarmos formações que não apenas objetivam atender às
tantas exigências do mercado de trabalho, caracterizado por grandes transformações (e
tensões) sociais e tecnológicas, e que priorizam a produtividade, o resultado material, como
também que possa ressignificar a Educação de Jovens e Adultos, que desenvolva com o
educando o conhecimento, os múltiplos saberes, as competências - leitoras e escritoras -,
atualizações e formações contínuas, além de outros tantos desafios e da necessidade urgente
do desenvolvimento e da promoção social e econômica do trabalhador. Uma educação que
possa ser vivida, experimentada qualitativamente, seja nos espaços formais, informal, e não
formais. pautada nos movimentos populares, de resistência, educação como instrumento de
mudanças, educação como elemento primordial e fundamental para o processo organizativo
das massas “incluídas de forma perversa” na sociedade, educação para a classe trabalhadora,
educação como um processo e ferramenta essencial de construção de cidadania, como reza a
carta maior do Brasil, “É dever do Estado brasileiro garantir a todos os cidadãos o ensino
fundamental gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” Artigo 208, inciso I, da Constituição Federal de 1988.
O trabalho começou a ser pensado em agosto de 2012, durante um dos tantos intervalos
de aulas do Ensino Médio Regular, na sala dos professores, na Unidade de Ensino SESI –
Serviço Social da Indústria – Vasco da Gama, Recife, Pernambuco (Brasil), onde trabalhamos
e nos reunimos de segunda à sexta feira, no meio da manhã, para um pequeno descanso, posto
que alguns de nós, também somos formadores de Jovens e Adultos. E aproveitávamos esse
momento para socializar as nossas experiências, as nossas dificuldades, no programa de
alfabetização, de elevação da escolaridade e formação dos trabalhadores da indústria que
participam desse projeto. Como também sugestões para dinamizarmos esse processo de
ensino e aprendizagem, uma vez que cabe ao formador a responsabilidade de mediar às
formações de maneira que deixássemo-los atraídos e encantados com as atividades, e que
percebessem esse importante momento político-pedagógico, de autonomia, de liberdade que
vivíamos educadores e educando, e da nossa “inserção num permanente movimento de
procura” (Freire, 1999:16), de buscas e de saídas de maneira amorosa e ética para a garantia
dessa aprendizagem. E constatamos que tínhamos desafios e preocupações comuns. E uma
grande angústia envolveu-nos a todos, porque mesmo cada um de nós ministrando disciplinas
diferentes, em espaços aulas também distintos, em outros segmentos profissionais, tínhamos
um desassossego e tensão semelhante. E a nossa principal inquietação era como fazer¿¿
Como formar esses sujeitos, como promover a autoestima, como estimulá-los - e mantê-los
interessados para essa vivência diária do ensino-aprendizagem -, após um exaustivo dia de
trabalho, que para alguns começa ainda na madrugada¿ Quais conteúdos de fato teriam para
eles a devida importância do ponto de vista prático, que aprendizagem significativa
efetivamente aconteceria¿ como utilizar a melhor forma os recursos didático-pedagógicos de
que dispúnhamos, e que apesar de terem sido pensados para aquele coletivo, nem sempre
correspondem aos seus anseios¿ As nossas dúvidas eram inesgotáveis...
As formações dos demais professores e professoras eram congêneres, e seguiam uma
mesma dinâmica, o que nos colocavam demandas e questionamentos semelhantes, pois todas
elas se davam no ambiente de trabalho: após o expediente, e a devida refeição noturna, sem
intervalo para descanso, respeitando-se as horas trabalhadas e o cansaço físico de todos, os
formandos reuniam-se no refeitório, para em seguida iniciarem-se as aulas. O que para eles
era uma oportunidade desejada, pois trabalhar e estudar no mesmo ambiente, a in-formação
em contexto, era um elemento facilitador.
A história de todos é muito semelhante, as dificuldades materiais, a necessidade de
sobrevivência desde a mais tenra idade, o abandono da escola em função do trabalho,
levando-os a desistirem desde cedo do processo ensino aprendizagem. Mas com a esperança
de um dia retornarem, recomeçarem, apreenderem, adquirirem mais, outros, novos
conhecimentos, como também a qualificação e a certificação. E esse conjunto de situações, é
um grande desafio, pois esses trabalhadores fazem parte de uma sociedade altamente
tecnológica, grafocêntrica, e como se sentem os trabalhadores com pouco ou nenhum
letramento, em uma sociedade que prima pelo conhecimento, e que manuseiam um
maquinário pesado, onde é necessário o domínio da tecnologia, e necessitam da formação
para compreenderem tais mecanismos e manuseios dessas máquinas, sem se acidentarem,
como também produzirem sem “grandes desperdícios”, e para cumprirem metas. Como a
aprendizagem humana no trabalho pode contribuir para o avanço pessoal, e social desses
homens trabalhadores na construção civil¿
Com uma faixa etária bastante variada, entre 23 a 59 anos, contudo suas histórias
passadas de lutas e dificuldades; um trabalho braçal pesado, tenso e cansativo, não lhes
impediu de estarem lá nas noites determinadas, para as aulas, como na minha experiência, por
exemplo.
As inquietações, as dificuldades apresentadas foram o ponto de partida para que este
projeto fosse se desenhando, que veredas seguir, quais metodologias utilizar, na construção
dos saberes, para uma educação “esperançosa”, que de acordo com Freire (1984:84-85),
uma educação profética e, como tal esperançosa que resultam do caráter utópico de tal
forma de ação, tornando-se utopia como a unidade, inquebrantável entre a denúncia e o
anúncio. Denúncia de uma realidade desumanizante e anúncio de uma realidade em que
homens e mulheres possam ser mais. Anúncio e denúncia não são, porém palavras vazias, mas
compromisso histórico.
Nesse contexto, as estratégias e práticas pensadas foram baseadas no próprio meio físico
em que se dariam as formações, no que já existia: a vontade de aprender, a força para romper
o cansaço, a distância entre o que aprenderam – os que escreviam e liam – e as novidades
tecnológicas, o “avanço do mundo”, na interação com os trabalhadores em ambiente de
trabalho, na “identificação pertinente” e permanente “das debilidades e potencialidades” de
cada educando, “consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida
e de trabalho” como rege a Lei Nº 9.394 DE 20 DE Dezembro e 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Além de outras contribuições imprescindíveis e
fundamentais, como o quadro que sintetiza “os primeiros elementos de uma nova visão de
EJA a partir do pensamento freireano:
O
QUE
É
EDUCAÇÃO
DE
(PROCESSOS E EXPERIÊNCIAS DE
RESSOCIALIZAÇÃO:
RECOGNIÇÃO,
JOVENS E ADULTOS¿
REINVENÇÃO)
PARA QUÊ¿
(AUMENTAR
CPACIDADES
E
CONSOLIDAR
INDIVIDUAIS
E
COLETIVAS), numa palavra CONTRIBUIR
COM
A
CONSTRUÇÃO
DA
HUMANIDADE DO SER HUMANO
DE QUEM¿
(DOS SUJEITOS POPULARES)
COMO¿
*(RECUPERAÇÃO,
DE
VALORES
RECRIAÇÃO
INDIVIDUAIS
E
COLETIVOS)
*(PROUÇÃO,
APLICAÇÃO
DE
APROPIAÇÃO,
CONHECIMENTOS
ESCOLARES)
COM QUE MEIOS¿
(DESENVOLVIMENTO
PROPOSTAS
MOBILIZADORAS
DE
DE
TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE:
MODELO SOIAL DEMOCRATIZADOR)
(SOUZA, 1999: 113).
2. OBJETIVOS
Durante os encontros, se percebia as dificuldades na escrita e na leitura, vez por outra
alguém dizia: “professora eu sei tirar do quadro, mas não sei bem o que é que eu tiro”, ou “só
sei desenhar, professora”. Quais alternativas oferecer para uma relação de cumplicidade, uma
dialógica se estabelecesse entre nós, formadora e formandos¿ É necessário compreender que
todo começo de trabalho em um coletivo de educando de EJA, é cingido por muitas
dificuldades e muitas hesitações, neste sentido, é fundamental que se conquiste o quanto antes
a confiança de todos, é necessário que se estabeleça entre todos, uma estreita relação de fé, de
convicção, de crédito, para que as formações possam atingir o que se propõe, especialmente
quando se trata de uma formação transdisciplinar, com um único mediador, diante de uma
pluralidade de sujeitos e diferentes níveis de conhecimento, e de necessidades individuais,
com uma bagagem cultural, social e histórica “delineada”.
Aonde chegaríamos, obteríamos alguma aprendizagem significativa, e para isso o que
fazer, por onde seguir¿ Quais alternativas pedagógicas utilizar, propor¿ como garantir a
escolarização¿ A Educação de Jovens e Adultos, apesar de envolver um grande dinamismo e
flexibilidade, “revelam a complexidade que é o campo teórico e prático da EJA” (Haddad,
2001; Souza, 2004), apud Carvalho, 2006: 7) Algumas vezes a dificuldade consiste em aplicar
teorias que soarão vazias, e será apenas um discurso meramente conteudista, destituído de
sentidos, diante da necessidade de um saber para praticar o que foi apreendido, na vida
cotidiana, no trabalho, no lazer, nas associações, e ou que atenda as demandas desse
educando. Como iriam aplicar as informações mediadas, como poderiam ampliar o
conhecimento, e torná-lo útil, o que de novo contribuiria no “saber fazer”, no “saber ser” de
cada um. O que exigia diariamente um confronto comigo mesma, a revisão diária, e a
assunção de uma prática pedagógica ampla, flexível, delicada e com diferentes planejamentos,
para uma mesma aula, pois no coletivo de vinte e três formandos – ao longo do processo,
quatro desistiram -, havia diferenciação na aquisição e compreensão básicas da escrita e da
leitura - em função do iletramento de dois deles, pouco letramento em um -, onde eram
perceptíveis maiores habilidades em uns que em outros. Um tempo de compreensão e
aprendizagem próprio, inerente a cada um deles. Valorizando e explorando a riqueza dessa
diversidade.
O SESI – Serviço Social da Indústria dispõe de cadernos que propõem um conjunto de
atividades, problematizando de acordo com cada segmento, “organizado por área de
conhecimento”, com um “currículo contextualizado”, de acordo com os idealizadores dos
cadernos, e “parte das experiências concretas observadas no âmbito” de cada indústria
envolvida na formação dos trabalhadores, “em especial da experiência do trabalho, seus
valores e significados”. Há uma preocupação em envolver o educando com temas relevantes,
voltados para cada segmento,
“as atividades foram concebidas, com a intenção de enfatizar a importância social de
cada função desempenhada na construção civil. Os autores, das diferentes áreas, ao
definir os temas procuram selecionar aqueles que pudessem contribuir para o
aperfeiçoamento da atuação dos jovens e adultos no seu ambiente de trabalho”2.
Ainda que os cadernos sejam bem elaborados e contemplem o universo do educando,
contextualizando as propostas de atividades, não atendem às necessidades de alguns, dado ao
nível de complexidade dos mesmos. Entretanto não havia impedimento para buscar elementos
facilitadores para o ensino-aprendizagem, linguagens mais simples, e outros recursos
didáticos, para que mantivéssemos o diálogo necessário para a construção dos saberes.
A educação de Jovens e Adultos jamais se dissocia do planejamento, da prática e do
discurso, entretanto, por mais que a experiência nos alerte para os diferentes contextos,
condições e perfis de EJA, e do “conhecimento das condições em que vamos interagir, dos
instrumentos e dos meios de que dispomos”, a inquietação e a angústia estão sempre presentes
no fazer diário de cada formador. Sempre nos depararemos com muitas complexidades,
algumas delas estão na carência de instrumentos didáticos disponíveis, pois não encontramos
com facilidade esse tipo de material destinado ao adulto, foi necessário adaptar o que se
encontrava nas livrarias, às necessidades dos formandos, entretanto, fugindo da infantilização
deste material didático - que é o que comumente acontece. Embora estejamos amparados
numa lei (9394-96), entendendo-a
“como um conjunto do ensino fundamental, destinado às pessoas que não tiveram
acesso ou continuidade de estudos na idade própria”, os sistemas de ensino manterão
Cursos e Exames Supletivos, que compreenderão a Base Nacional Comum do
currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos, em caráter regular”,
e que flexibiliza a formação, mas a nosso ver não garante a homogeneidade das aprendizagens
e nem tampouco (infelizmente) o desenvolvimento das habilidades e competências leitoras e
escritoras dos formandos de Educação de Jovens e Adultos, mas também não podemos e nem
temos o direito de desistirmos, pois diante das transformações sociais, políticas e culturais a
educação contínua, ou permanente são grandes auxiliares para os deabtes, confrontos e
reflexões em busca dos caminhos para as mudanças que queremos e necessitamos, nesse
mercado global e que exige cada vez mais investimentos do/a trabalhador/a no campo da
formação,
2
Carta ao aluno. Ensino fundamental de jovens e adultos no contexto da indústria da construção civil: 2º
segmento: caderno do aluno/Serviço Social da Indústria – SESI. Departamento Regional da Bahia. _ Salvador:
FIEB, 2008.
3. METODOLOGIAS
Considerando como indispensável a informação sobre os níveis de conhecimentos,
saberes e desejos do educando, para que não ocorram situações melindrosas e frustrações de
ambas as partes, buscamos uma maneira de instigá-los, de desafiá-los em nossas primeiras
aulas, uma tentativa de fazer com que cada um exteriorizasse suas reais necessidades, porque
apesar de ter um perfil dos formandos, ainda pairava uma certa indefinição com relação aos
temas que seriam trabalhados, partindo da perspectiva deles. Isso ficou claro, quando em
nossas primeiras aulas, na disciplina de Português, pedi que cada um dissesse qual a sua
função no canteiro de obra e como se chamava, o que aconteceu, todos fizeram de bom grado
o que foi proposto. Era a oportunidade que eu buscava para conceituar e falar sobre
“Substantivo”. Apesar da explicação e dos exemplos, a maioria não entendeu qual a razão
daquela aula e qual a utilidade disso, qual o sentido de saber sobre “Substantivo”¿ Queria
provocá-los, já que se mantinham ainda inseguros durante as aulas. Até que o educando
Ozenildo manifestou sua opinião e disse que “aquilo não servia para ele, pois queria mesmo
era aprender a ler e a escrever, e os demais companheiros também”. Finalmente começávamos
a estabelecer um diálogo “este encontro de homens, mediatizados pelo mundo, para
pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (Freire,1983: 93). Ao contrário do
que possa parecer, nessa noite saí bastante animada, ainda mais motivada para enfrentar os
nossos medos e limites. Estávamos finalmente vivendo a “educação libertadora”, a educação
como instrumento de mudança real, que possibilita uma compreensão do mundo de forma
crítica e que insira esse homem, esse sujeito, nas “esferas social, política, econômica e
cultural, ou seja coexistir com a história da sociedade”, com a sua história, porque apesar de
estar à margem, aparentemente, nas dimensões citadas, ele é parte preponderante e
fundamental nesse processo de marginalização, porque sem a crueldade do sistema, de um
invisível-visível que lhe diga que ele não têm direitos, não haveria a relação opressoroprimido. Essa reação foi a voz do desejo, o momento de aproveitar a oportunidade acenada,
para finalmente ultrapassar o limite, de avançar, de ir além do apenas conhecer as letras, mas
de “querer juntá-las, escrever palavras, ler o que bem entendesse, uma placa na rua, o nome
das lojas, o itinerário dos ônibus”. É um avanço que comemoro, levando-se em conta a
desconfiança e a resistência inicial de boa parte deles, o que considerei natural, tendo em vista
que a maioria não acredita em si mesmo, se depreciam , consideram-se incapaz, com baixa
estima, como a exemplo do senhor Severino. que o tempo inteiro se chama de “burro velho e
que não sabe o que faz ali”. Aproximo-me mais dele, redobro minha atenção, contrapondo sua
ácida autocrítica, uma autoafirmação cruel, e o quanto se sente marginal não apenas no
processo ensino-aprendizagem, mas no contexto social, sobretudo. Essa aproximação foi
fundamental para que algum tempo depois, essa imagem de si, fosse mudada, muito mais
internamente. É bastante pertinente refletir sobre as formações baseadas em relatos de
experiências, que nem sempre é tematizado nas formações, acreditamos ser fundamental dar
atenção à experiência de formação a partir dos sujeitos, o que penso, enriqueceria em muito,
posto que o olhar sobre si, sobre o próprio percurso, é uma ferramenta a explorar e ao mesmo
tempo pode-se rever os percursos, os equívocos (sempre existem, e aprendemos com eles),
dando ainda mais sentido à formação.
Foi essencial o uso de cadernos de caligrafia, sendo possível oferecer-lhes esse
instrumento, para o manejo do lápis, para o exercício da coordenação motora, e uma melhoria
na caligrafia, facilitando para uma maior clareza no que escreviam. Assim como foi
necessário utilizar um livro pedagógico – alternando com o material didático-pedagógico do
SESI – Serviço Social da Indústria -, que ao alfabetizar considerasse o adulto como um sujeito
conhecedor de outras linguagens, tais como: imagens, fotografias, cartazes, rótulos, filmes,
músicas, propagandas, etc;
A produção e anotação dos acontecimentos, no diário etnográfico, durante a formação,
teve um aspecto importante, pois ao término de cada aula, fazia uma comparação entre o
planejamento e o que de fato foi vivenciado, isso propiciava uma reconstrução diária das
estratégias de aprendizagem, para “fazer cada dia melhor o que devemos fazer” todo dia, para
a mediação do conhecimento, e na construção de uma sociedade mais justa, mais feliz, mais
rica materialmente e simbolicamente.
Dentre as estratégias de aprendizagem – a metodologia -, vivenciamos aulas de campo,
uma delas no Sítio Histórico em Olinda, para conhecer – pois nem todos sabiam dessas
construções - os seguintes monumentos arquitetônicos e históricos: Convento do Carmo,
Ruínas do Senado, Mercado da Ribeira, Observatório Astronômico, Igreja de São Salvador do
Mundo e o Convento de São Francisco, além da Caixa D’ Água da Sé. Ali mesmo
começamos os debates e as investigações, sobre planejamentos e estratégias; quais os
materiais utilizados nessas construções; quanto tempo entre o começo e o fim da obra; a
quantidade de operários envolvidos; a tecnologia e os materiais empregados; o poder político
e religioso a partir das edificações, entre outros; a parte mais rica desse momento foi a
participação, a interação e o interesse de todos, o empenho, a surpresa, o envolvimento e as
discussões, diante de cada monumento, tentando descobrir as técnicas utilizadas, afinal a
construção civil faz parte do universo deles.
Imagem 01 - Aula de campo em Olinda – PE. (Brasil) – Convento do Carmo
Imagem 02 – Ruínas do Senado – Olinda, PE. (Brasil)
Recorremos à leitura do livro, O Cortiço (uma edição simplificada e “reduzida”, da
L&PM EDITORES, com uma linguagem bastante acessível, cuja narrativa é de fácil
compreensão, para “neoleitores”), de Aluísio de Azevedo, onde não faltaram debates sobre a
forma de habitação, a moradia coletiva, quem eram os moradores do cortiço, a história de vida
de cada um, para que eles conhecessem um pouco o processo de “favelização” e a posterior
urbanização de uma cidade (no caso do livro, o Rio de Janeiro), uma vez que eles trabalham
na construção civil, e na qualidade de operários desse ramo, dentro da aprendizagem
significativa, apreendessem um pouco sobre outras formas de moradias, ao longo dos tempos,
sobre a urbanização e a verticalização das cidades, que é o trabalho que executam: construir
torres habitacionais;
Imagem 03 – formando Rinaldo
Imagem 05 – formando Pedro
Imagem 04 – formando Daniel
Imagem 06 – formando Sebastião
Imagem 07 - formando Manuel
Imagem 09 – formando Sandro
Imagem 08 – formando Ricardo
Imagem 10 - formando Amaro
Imagem 11 – formando Paulo
Figura 13 – formando Josenildo
Imagem 12 – formando José
Figura 14 – formando Manuel Santana
Outra estratégia que utilizamos foi a alfabetização audiovisual, nesse caso específico,
assistimos ao filme, O Cortiço, pois acreditamos que é uma metodologia, uma estratégia que
está para além da formação audiovisual, é também uma formação cidadã, onde utilizar a
linguagem cinematográfica como ferramenta pedagógica e suporte de comunicação &
reflexão & debate sobre a vida, sobre o mundo, amplia, desenvolve o conhecimento e as
potencialidades de todos;
Dinâmicas de grupo, com o intuito de propiciar uma maior integração entre todos, pois
apesar de serem companheiros de trabalho, exercem funções distintas. Como também para
romper as desconfianças iniciais entre a formadora e os formandos; para a reflexão sobre o
momento e a oportunidade da aprendizagem e a sistematização dos conteúdos oferecidos nos
módulos; que a construção coletiva dos saberes se desse com sabor e criatividade; que
tivessem uma consciência crítica diante da vida; fizessem uma auto-avaliação e descobrissem
o potencial criativo de cada um e de todos; e que esse momento lúdico facilitasse a
aprendizagem e a convivência no coletivo.
Imagem 15 – dinâmica de grupo
4. CONCLUSÕES:
As mudanças no campo da educação ainda estão se fazendo, ”É a partir deste saber
fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação políticopedagógico”, rumo às mudanças desejadas e necessárias.
Acreditamos que as formações, objetivam atender às tantas exigências do mercado de
trabalho, caracterizado por grandes transformações (e tensões) sociais e tecnológicas, e que
priorizam a produtividade, o conhecimento, os múltiplos saberes, as competências - leitoras e
escritoras -, atualizações e formações contínuas, além de outros tantos desafios e da
necessidade urgente do desenvolvimento e da promoção social e econômica do trabalhador - e
da trabalhadora. Com a intenção de aproveitar todos os recursos disponíveis, e buscando a
realização dos objetivos, continuamos nosso processo de aprendizagem, utilizando todas as
ferramentas disponíveis: das aulas de campo, às sessões de cinema, e os debates a partir da
literatura.
Esbarrar nas dificuldades inerentes do contexto de trabalho dos formandos, não era
desestímulo para nenhum de nós, mesmo quando esta implicava uma pausa nas formações,
como por exemplo na ocasião da concretagem, quando chegavam para a obra, os caminhões
de cimento, pois o despejo desse material é feito com muito barulho e tensão, e normalmente
os operários que exerciam a função de pedreiro, eram destinados para dar continuidade ao
trabalho, apesar do horário noturno, o que implicava na sua ausência, do espaço aula, e nem
sempre isso os deixavam satisfeitos - embora tivessem os direitos trabalhistas assegurados -,
preferiam estar “na aula”. O que nos leva a refletir o quão é valoroso acompanhar as eventuais
transformações vividas pelos sujeitos envolvidos nos contextos formativos, e a sua caminhada
durante o percurso, onde se começa de uma forma, e vai seguindo de outra e chega-se sempre
modificado. Os caminhos da formação são inesperados, sempre carregados de confrontos, e
novas aprendizagens, sempre dentro de uma perspectiva ressocializante, onde todos e todas
são de fato protagonistas de saberes, estares e fazeres, e que mantêm mais fundo em mim, o
desejo de avançar na investigação da formação, priorizando as experiências de cada
formando/a, no campo da educação de adultos, como afirma Freire (2001: 156),
“A história não faz nada, não possui nenhuma imensa riqueza, não liberta nenhuma
classe de lutas: quem faz tudo isto, quem possui e luta é o homem mesmo, o homem
real, vivo; não é a história que utiliza o homem como meio para trabalhar seus fins –
como se se tratasse de uma pessoa à parte – pois a história não é senão a atividade do
homem que persegue seus objetivos”.
REFERÊNCIAS:
BARBOSA, Márcia Regina. Educação e qualificação profissional de jovens e adultos:
impactos de uma experiência vivenciada no semi-árido nordestino brasileiro. Fênix – Revista
Pernambucana de Educação de Jovens e Adultos e de Educação Popular. Editada pelo Núcleo
de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em Educação Popular
(NUPEP) do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife.
Ano 2 – Nº 1 – janeiro barra junho de 2003.
CARVALHO, Rosângela Tenório de. Alfabetização e Escolarização de Jovens e Adultos,
Fênix – Revista Pernambucana de Educação de Jovens e Adultos e de Educação Popular.
Editada pelo Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação de Jovens e Adultos e em
Educação Popular (NUPEP) do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Recife. Ano 5 – Nº 7 – janeiro barra junho de 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo:
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SOUZA, João Francisco de. Pedagogia da Revolução: Subsídios / (Confronto do Discurso dos
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SOUZA, João Francisco de. (org). A Educação Escolar, nosso Fazer Maior, Des(A)fia o
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SOUZA, João Francisco de. E a educação: ¿¿quê¿¿; a educação na sociedade e /ou a
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