MÃOS À OBRA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA COM JOVENS E ADULTOS OPERÁRIOS DA CONSTRUÇÃO CIVIL Maria Valda Pereira Colares – SESI –Serviço Social da Indústria1 Eixo Temático: Educação e Trabalho RESUMO: O presente trabalho se refere a uma experiência realizada ao longo de um ano pedagógico, compreendido entre agosto de 2012 a junho de 2013, equivalente a dois módulos, de Educação Fundamental II, no município de Olinda – PE. (Brasil), na empresa ROMARCO, no âmbito da construção civil, oferecido pelo Serviço Social da Indústria – SESI, e que tem como proposta político pedagógico, alfabetizar, formar, elevar e certificar o trabalhador da indústria e seus dependentes. Cuja “prática educativa, tem como suporte pedagógico a filosofia freireana, visando favorecer a preparação básica para o trabalho e a cidadania do (a) educando (a)”, bem como provocar e “desenvolver a conscientização política, a partir da sua leitura de mundo”, significar os conhecimentos adquiridos no espaço aula, “com as exigências atual do contexto sócio, político, econômico e cultural”, que cada um seja capaz de “relacionar o contexto local com o global”, não apenas no mundo do trabalho, mas em todas as dimensões, além de “utilizar os quatro pilares educativos propostos (aprender a ser, aprender a conhecer, aprender a fazer, e aprender a conviver)”, entre outros. Período no qual ministramos as disciplinas de Português, SST (Saúde e Segurança no Trabalho), História e Geografia, respectivamente, no canteiro de obras da citada empresa. A experiência em destaque pretende apresentar as vivências, as dificuldades, os possíveis ganhos e avanços durante o processo de ensino aprendizagem dos envolvidos. Palavras- chave: educação, alfabetização de adultos, formação em contexto de trabalho. 1. INTRODUÇÃO Com este relato pretendemos apresentar um percurso de experiência, onde o processo de ensino aprendizagem está sendo, está sendo construído, uma vez que, o projeto está em curso, e temos ainda um módulo a ser concluído. Como também por possuírem natureza inconclusa, homens, mulheres e a educação - formação - sistematizada, a existência do continuum não 1 Professora do SESI- Serviço Social da Indústria – Unidade Vasco da Gama- Recife, PE. (Brasil) Especialista em Capacitação Pedagógica. [email protected] significa uma antítese, um fracasso, ou uma inexistência de resultados alcançados, muito pelo contrário, ao longo do caminho podem-se perceber os avanços obtidos. Além do desejo de que seja um contributo para as discussões relacionadas em torno de problemáticas que (r)ex(s)istem no campo da Educação de Adultos, Educação Popular, com a intenção de colaborar para a busca de práticas pedagógicas que possam cooperar com outros e outras educadores, educadoras, como também para ampliar não apenas os debates, mas, possibilitar uma reflexão sobre a própria práxis e encontrar caminhos para facilitar esse fazer educativo, formativo. Tendo como respaldo “a concepção” de uma “educação voltada para a construção do conhecimento, em articulação com as histórias dos” educando e “da humanidade”, para que possamos possibilitar “formas de relações sociais mais humanas e mais justas”, uma educação “entendida numa perspectiva mais abrangente” que possa “possibilite uma enquanto elemento estruturador do desenvolvimento do indivíduo” (Barbosa, 2003) Compete-nos, portanto, buscarmos formações que não apenas objetivam atender às tantas exigências do mercado de trabalho, caracterizado por grandes transformações (e tensões) sociais e tecnológicas, e que priorizam a produtividade, o resultado material, como também que possa ressignificar a Educação de Jovens e Adultos, que desenvolva com o educando o conhecimento, os múltiplos saberes, as competências - leitoras e escritoras -, atualizações e formações contínuas, além de outros tantos desafios e da necessidade urgente do desenvolvimento e da promoção social e econômica do trabalhador. Uma educação que possa ser vivida, experimentada qualitativamente, seja nos espaços formais, informal, e não formais. pautada nos movimentos populares, de resistência, educação como instrumento de mudanças, educação como elemento primordial e fundamental para o processo organizativo das massas “incluídas de forma perversa” na sociedade, educação para a classe trabalhadora, educação como um processo e ferramenta essencial de construção de cidadania, como reza a carta maior do Brasil, “É dever do Estado brasileiro garantir a todos os cidadãos o ensino fundamental gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria” Artigo 208, inciso I, da Constituição Federal de 1988. O trabalho começou a ser pensado em agosto de 2012, durante um dos tantos intervalos de aulas do Ensino Médio Regular, na sala dos professores, na Unidade de Ensino SESI – Serviço Social da Indústria – Vasco da Gama, Recife, Pernambuco (Brasil), onde trabalhamos e nos reunimos de segunda à sexta feira, no meio da manhã, para um pequeno descanso, posto que alguns de nós, também somos formadores de Jovens e Adultos. E aproveitávamos esse momento para socializar as nossas experiências, as nossas dificuldades, no programa de alfabetização, de elevação da escolaridade e formação dos trabalhadores da indústria que participam desse projeto. Como também sugestões para dinamizarmos esse processo de ensino e aprendizagem, uma vez que cabe ao formador a responsabilidade de mediar às formações de maneira que deixássemo-los atraídos e encantados com as atividades, e que percebessem esse importante momento político-pedagógico, de autonomia, de liberdade que vivíamos educadores e educando, e da nossa “inserção num permanente movimento de procura” (Freire, 1999:16), de buscas e de saídas de maneira amorosa e ética para a garantia dessa aprendizagem. E constatamos que tínhamos desafios e preocupações comuns. E uma grande angústia envolveu-nos a todos, porque mesmo cada um de nós ministrando disciplinas diferentes, em espaços aulas também distintos, em outros segmentos profissionais, tínhamos um desassossego e tensão semelhante. E a nossa principal inquietação era como fazer¿¿ Como formar esses sujeitos, como promover a autoestima, como estimulá-los - e mantê-los interessados para essa vivência diária do ensino-aprendizagem -, após um exaustivo dia de trabalho, que para alguns começa ainda na madrugada¿ Quais conteúdos de fato teriam para eles a devida importância do ponto de vista prático, que aprendizagem significativa efetivamente aconteceria¿ como utilizar a melhor forma os recursos didático-pedagógicos de que dispúnhamos, e que apesar de terem sido pensados para aquele coletivo, nem sempre correspondem aos seus anseios¿ As nossas dúvidas eram inesgotáveis... As formações dos demais professores e professoras eram congêneres, e seguiam uma mesma dinâmica, o que nos colocavam demandas e questionamentos semelhantes, pois todas elas se davam no ambiente de trabalho: após o expediente, e a devida refeição noturna, sem intervalo para descanso, respeitando-se as horas trabalhadas e o cansaço físico de todos, os formandos reuniam-se no refeitório, para em seguida iniciarem-se as aulas. O que para eles era uma oportunidade desejada, pois trabalhar e estudar no mesmo ambiente, a in-formação em contexto, era um elemento facilitador. A história de todos é muito semelhante, as dificuldades materiais, a necessidade de sobrevivência desde a mais tenra idade, o abandono da escola em função do trabalho, levando-os a desistirem desde cedo do processo ensino aprendizagem. Mas com a esperança de um dia retornarem, recomeçarem, apreenderem, adquirirem mais, outros, novos conhecimentos, como também a qualificação e a certificação. E esse conjunto de situações, é um grande desafio, pois esses trabalhadores fazem parte de uma sociedade altamente tecnológica, grafocêntrica, e como se sentem os trabalhadores com pouco ou nenhum letramento, em uma sociedade que prima pelo conhecimento, e que manuseiam um maquinário pesado, onde é necessário o domínio da tecnologia, e necessitam da formação para compreenderem tais mecanismos e manuseios dessas máquinas, sem se acidentarem, como também produzirem sem “grandes desperdícios”, e para cumprirem metas. Como a aprendizagem humana no trabalho pode contribuir para o avanço pessoal, e social desses homens trabalhadores na construção civil¿ Com uma faixa etária bastante variada, entre 23 a 59 anos, contudo suas histórias passadas de lutas e dificuldades; um trabalho braçal pesado, tenso e cansativo, não lhes impediu de estarem lá nas noites determinadas, para as aulas, como na minha experiência, por exemplo. As inquietações, as dificuldades apresentadas foram o ponto de partida para que este projeto fosse se desenhando, que veredas seguir, quais metodologias utilizar, na construção dos saberes, para uma educação “esperançosa”, que de acordo com Freire (1984:84-85), uma educação profética e, como tal esperançosa que resultam do caráter utópico de tal forma de ação, tornando-se utopia como a unidade, inquebrantável entre a denúncia e o anúncio. Denúncia de uma realidade desumanizante e anúncio de uma realidade em que homens e mulheres possam ser mais. Anúncio e denúncia não são, porém palavras vazias, mas compromisso histórico. Nesse contexto, as estratégias e práticas pensadas foram baseadas no próprio meio físico em que se dariam as formações, no que já existia: a vontade de aprender, a força para romper o cansaço, a distância entre o que aprenderam – os que escreviam e liam – e as novidades tecnológicas, o “avanço do mundo”, na interação com os trabalhadores em ambiente de trabalho, na “identificação pertinente” e permanente “das debilidades e potencialidades” de cada educando, “consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho” como rege a Lei Nº 9.394 DE 20 DE Dezembro e 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Além de outras contribuições imprescindíveis e fundamentais, como o quadro que sintetiza “os primeiros elementos de uma nova visão de EJA a partir do pensamento freireano: O QUE É EDUCAÇÃO DE (PROCESSOS E EXPERIÊNCIAS DE RESSOCIALIZAÇÃO: RECOGNIÇÃO, JOVENS E ADULTOS¿ REINVENÇÃO) PARA QUÊ¿ (AUMENTAR CPACIDADES E CONSOLIDAR INDIVIDUAIS E COLETIVAS), numa palavra CONTRIBUIR COM A CONSTRUÇÃO DA HUMANIDADE DO SER HUMANO DE QUEM¿ (DOS SUJEITOS POPULARES) COMO¿ *(RECUPERAÇÃO, DE VALORES RECRIAÇÃO INDIVIDUAIS E COLETIVOS) *(PROUÇÃO, APLICAÇÃO DE APROPIAÇÃO, CONHECIMENTOS ESCOLARES) COM QUE MEIOS¿ (DESENVOLVIMENTO PROPOSTAS MOBILIZADORAS DE DE TRANSFORMAÇÃO DA REALIDADE: MODELO SOIAL DEMOCRATIZADOR) (SOUZA, 1999: 113). 2. OBJETIVOS Durante os encontros, se percebia as dificuldades na escrita e na leitura, vez por outra alguém dizia: “professora eu sei tirar do quadro, mas não sei bem o que é que eu tiro”, ou “só sei desenhar, professora”. Quais alternativas oferecer para uma relação de cumplicidade, uma dialógica se estabelecesse entre nós, formadora e formandos¿ É necessário compreender que todo começo de trabalho em um coletivo de educando de EJA, é cingido por muitas dificuldades e muitas hesitações, neste sentido, é fundamental que se conquiste o quanto antes a confiança de todos, é necessário que se estabeleça entre todos, uma estreita relação de fé, de convicção, de crédito, para que as formações possam atingir o que se propõe, especialmente quando se trata de uma formação transdisciplinar, com um único mediador, diante de uma pluralidade de sujeitos e diferentes níveis de conhecimento, e de necessidades individuais, com uma bagagem cultural, social e histórica “delineada”. Aonde chegaríamos, obteríamos alguma aprendizagem significativa, e para isso o que fazer, por onde seguir¿ Quais alternativas pedagógicas utilizar, propor¿ como garantir a escolarização¿ A Educação de Jovens e Adultos, apesar de envolver um grande dinamismo e flexibilidade, “revelam a complexidade que é o campo teórico e prático da EJA” (Haddad, 2001; Souza, 2004), apud Carvalho, 2006: 7) Algumas vezes a dificuldade consiste em aplicar teorias que soarão vazias, e será apenas um discurso meramente conteudista, destituído de sentidos, diante da necessidade de um saber para praticar o que foi apreendido, na vida cotidiana, no trabalho, no lazer, nas associações, e ou que atenda as demandas desse educando. Como iriam aplicar as informações mediadas, como poderiam ampliar o conhecimento, e torná-lo útil, o que de novo contribuiria no “saber fazer”, no “saber ser” de cada um. O que exigia diariamente um confronto comigo mesma, a revisão diária, e a assunção de uma prática pedagógica ampla, flexível, delicada e com diferentes planejamentos, para uma mesma aula, pois no coletivo de vinte e três formandos – ao longo do processo, quatro desistiram -, havia diferenciação na aquisição e compreensão básicas da escrita e da leitura - em função do iletramento de dois deles, pouco letramento em um -, onde eram perceptíveis maiores habilidades em uns que em outros. Um tempo de compreensão e aprendizagem próprio, inerente a cada um deles. Valorizando e explorando a riqueza dessa diversidade. O SESI – Serviço Social da Indústria dispõe de cadernos que propõem um conjunto de atividades, problematizando de acordo com cada segmento, “organizado por área de conhecimento”, com um “currículo contextualizado”, de acordo com os idealizadores dos cadernos, e “parte das experiências concretas observadas no âmbito” de cada indústria envolvida na formação dos trabalhadores, “em especial da experiência do trabalho, seus valores e significados”. Há uma preocupação em envolver o educando com temas relevantes, voltados para cada segmento, “as atividades foram concebidas, com a intenção de enfatizar a importância social de cada função desempenhada na construção civil. Os autores, das diferentes áreas, ao definir os temas procuram selecionar aqueles que pudessem contribuir para o aperfeiçoamento da atuação dos jovens e adultos no seu ambiente de trabalho”2. Ainda que os cadernos sejam bem elaborados e contemplem o universo do educando, contextualizando as propostas de atividades, não atendem às necessidades de alguns, dado ao nível de complexidade dos mesmos. Entretanto não havia impedimento para buscar elementos facilitadores para o ensino-aprendizagem, linguagens mais simples, e outros recursos didáticos, para que mantivéssemos o diálogo necessário para a construção dos saberes. A educação de Jovens e Adultos jamais se dissocia do planejamento, da prática e do discurso, entretanto, por mais que a experiência nos alerte para os diferentes contextos, condições e perfis de EJA, e do “conhecimento das condições em que vamos interagir, dos instrumentos e dos meios de que dispomos”, a inquietação e a angústia estão sempre presentes no fazer diário de cada formador. Sempre nos depararemos com muitas complexidades, algumas delas estão na carência de instrumentos didáticos disponíveis, pois não encontramos com facilidade esse tipo de material destinado ao adulto, foi necessário adaptar o que se encontrava nas livrarias, às necessidades dos formandos, entretanto, fugindo da infantilização deste material didático - que é o que comumente acontece. Embora estejamos amparados numa lei (9394-96), entendendo-a “como um conjunto do ensino fundamental, destinado às pessoas que não tiveram acesso ou continuidade de estudos na idade própria”, os sistemas de ensino manterão Cursos e Exames Supletivos, que compreenderão a Base Nacional Comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos, em caráter regular”, e que flexibiliza a formação, mas a nosso ver não garante a homogeneidade das aprendizagens e nem tampouco (infelizmente) o desenvolvimento das habilidades e competências leitoras e escritoras dos formandos de Educação de Jovens e Adultos, mas também não podemos e nem temos o direito de desistirmos, pois diante das transformações sociais, políticas e culturais a educação contínua, ou permanente são grandes auxiliares para os deabtes, confrontos e reflexões em busca dos caminhos para as mudanças que queremos e necessitamos, nesse mercado global e que exige cada vez mais investimentos do/a trabalhador/a no campo da formação, 2 Carta ao aluno. Ensino fundamental de jovens e adultos no contexto da indústria da construção civil: 2º segmento: caderno do aluno/Serviço Social da Indústria – SESI. Departamento Regional da Bahia. _ Salvador: FIEB, 2008. 3. METODOLOGIAS Considerando como indispensável a informação sobre os níveis de conhecimentos, saberes e desejos do educando, para que não ocorram situações melindrosas e frustrações de ambas as partes, buscamos uma maneira de instigá-los, de desafiá-los em nossas primeiras aulas, uma tentativa de fazer com que cada um exteriorizasse suas reais necessidades, porque apesar de ter um perfil dos formandos, ainda pairava uma certa indefinição com relação aos temas que seriam trabalhados, partindo da perspectiva deles. Isso ficou claro, quando em nossas primeiras aulas, na disciplina de Português, pedi que cada um dissesse qual a sua função no canteiro de obra e como se chamava, o que aconteceu, todos fizeram de bom grado o que foi proposto. Era a oportunidade que eu buscava para conceituar e falar sobre “Substantivo”. Apesar da explicação e dos exemplos, a maioria não entendeu qual a razão daquela aula e qual a utilidade disso, qual o sentido de saber sobre “Substantivo”¿ Queria provocá-los, já que se mantinham ainda inseguros durante as aulas. Até que o educando Ozenildo manifestou sua opinião e disse que “aquilo não servia para ele, pois queria mesmo era aprender a ler e a escrever, e os demais companheiros também”. Finalmente começávamos a estabelecer um diálogo “este encontro de homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (Freire,1983: 93). Ao contrário do que possa parecer, nessa noite saí bastante animada, ainda mais motivada para enfrentar os nossos medos e limites. Estávamos finalmente vivendo a “educação libertadora”, a educação como instrumento de mudança real, que possibilita uma compreensão do mundo de forma crítica e que insira esse homem, esse sujeito, nas “esferas social, política, econômica e cultural, ou seja coexistir com a história da sociedade”, com a sua história, porque apesar de estar à margem, aparentemente, nas dimensões citadas, ele é parte preponderante e fundamental nesse processo de marginalização, porque sem a crueldade do sistema, de um invisível-visível que lhe diga que ele não têm direitos, não haveria a relação opressoroprimido. Essa reação foi a voz do desejo, o momento de aproveitar a oportunidade acenada, para finalmente ultrapassar o limite, de avançar, de ir além do apenas conhecer as letras, mas de “querer juntá-las, escrever palavras, ler o que bem entendesse, uma placa na rua, o nome das lojas, o itinerário dos ônibus”. É um avanço que comemoro, levando-se em conta a desconfiança e a resistência inicial de boa parte deles, o que considerei natural, tendo em vista que a maioria não acredita em si mesmo, se depreciam , consideram-se incapaz, com baixa estima, como a exemplo do senhor Severino. que o tempo inteiro se chama de “burro velho e que não sabe o que faz ali”. Aproximo-me mais dele, redobro minha atenção, contrapondo sua ácida autocrítica, uma autoafirmação cruel, e o quanto se sente marginal não apenas no processo ensino-aprendizagem, mas no contexto social, sobretudo. Essa aproximação foi fundamental para que algum tempo depois, essa imagem de si, fosse mudada, muito mais internamente. É bastante pertinente refletir sobre as formações baseadas em relatos de experiências, que nem sempre é tematizado nas formações, acreditamos ser fundamental dar atenção à experiência de formação a partir dos sujeitos, o que penso, enriqueceria em muito, posto que o olhar sobre si, sobre o próprio percurso, é uma ferramenta a explorar e ao mesmo tempo pode-se rever os percursos, os equívocos (sempre existem, e aprendemos com eles), dando ainda mais sentido à formação. Foi essencial o uso de cadernos de caligrafia, sendo possível oferecer-lhes esse instrumento, para o manejo do lápis, para o exercício da coordenação motora, e uma melhoria na caligrafia, facilitando para uma maior clareza no que escreviam. Assim como foi necessário utilizar um livro pedagógico – alternando com o material didático-pedagógico do SESI – Serviço Social da Indústria -, que ao alfabetizar considerasse o adulto como um sujeito conhecedor de outras linguagens, tais como: imagens, fotografias, cartazes, rótulos, filmes, músicas, propagandas, etc; A produção e anotação dos acontecimentos, no diário etnográfico, durante a formação, teve um aspecto importante, pois ao término de cada aula, fazia uma comparação entre o planejamento e o que de fato foi vivenciado, isso propiciava uma reconstrução diária das estratégias de aprendizagem, para “fazer cada dia melhor o que devemos fazer” todo dia, para a mediação do conhecimento, e na construção de uma sociedade mais justa, mais feliz, mais rica materialmente e simbolicamente. Dentre as estratégias de aprendizagem – a metodologia -, vivenciamos aulas de campo, uma delas no Sítio Histórico em Olinda, para conhecer – pois nem todos sabiam dessas construções - os seguintes monumentos arquitetônicos e históricos: Convento do Carmo, Ruínas do Senado, Mercado da Ribeira, Observatório Astronômico, Igreja de São Salvador do Mundo e o Convento de São Francisco, além da Caixa D’ Água da Sé. Ali mesmo começamos os debates e as investigações, sobre planejamentos e estratégias; quais os materiais utilizados nessas construções; quanto tempo entre o começo e o fim da obra; a quantidade de operários envolvidos; a tecnologia e os materiais empregados; o poder político e religioso a partir das edificações, entre outros; a parte mais rica desse momento foi a participação, a interação e o interesse de todos, o empenho, a surpresa, o envolvimento e as discussões, diante de cada monumento, tentando descobrir as técnicas utilizadas, afinal a construção civil faz parte do universo deles. Imagem 01 - Aula de campo em Olinda – PE. (Brasil) – Convento do Carmo Imagem 02 – Ruínas do Senado – Olinda, PE. (Brasil) Recorremos à leitura do livro, O Cortiço (uma edição simplificada e “reduzida”, da L&PM EDITORES, com uma linguagem bastante acessível, cuja narrativa é de fácil compreensão, para “neoleitores”), de Aluísio de Azevedo, onde não faltaram debates sobre a forma de habitação, a moradia coletiva, quem eram os moradores do cortiço, a história de vida de cada um, para que eles conhecessem um pouco o processo de “favelização” e a posterior urbanização de uma cidade (no caso do livro, o Rio de Janeiro), uma vez que eles trabalham na construção civil, e na qualidade de operários desse ramo, dentro da aprendizagem significativa, apreendessem um pouco sobre outras formas de moradias, ao longo dos tempos, sobre a urbanização e a verticalização das cidades, que é o trabalho que executam: construir torres habitacionais; Imagem 03 – formando Rinaldo Imagem 05 – formando Pedro Imagem 04 – formando Daniel Imagem 06 – formando Sebastião Imagem 07 - formando Manuel Imagem 09 – formando Sandro Imagem 08 – formando Ricardo Imagem 10 - formando Amaro Imagem 11 – formando Paulo Figura 13 – formando Josenildo Imagem 12 – formando José Figura 14 – formando Manuel Santana Outra estratégia que utilizamos foi a alfabetização audiovisual, nesse caso específico, assistimos ao filme, O Cortiço, pois acreditamos que é uma metodologia, uma estratégia que está para além da formação audiovisual, é também uma formação cidadã, onde utilizar a linguagem cinematográfica como ferramenta pedagógica e suporte de comunicação & reflexão & debate sobre a vida, sobre o mundo, amplia, desenvolve o conhecimento e as potencialidades de todos; Dinâmicas de grupo, com o intuito de propiciar uma maior integração entre todos, pois apesar de serem companheiros de trabalho, exercem funções distintas. Como também para romper as desconfianças iniciais entre a formadora e os formandos; para a reflexão sobre o momento e a oportunidade da aprendizagem e a sistematização dos conteúdos oferecidos nos módulos; que a construção coletiva dos saberes se desse com sabor e criatividade; que tivessem uma consciência crítica diante da vida; fizessem uma auto-avaliação e descobrissem o potencial criativo de cada um e de todos; e que esse momento lúdico facilitasse a aprendizagem e a convivência no coletivo. Imagem 15 – dinâmica de grupo 4. CONCLUSÕES: As mudanças no campo da educação ainda estão se fazendo, ”É a partir deste saber fundamental: mudar é difícil, mas é possível, que vamos programar nossa ação políticopedagógico”, rumo às mudanças desejadas e necessárias. Acreditamos que as formações, objetivam atender às tantas exigências do mercado de trabalho, caracterizado por grandes transformações (e tensões) sociais e tecnológicas, e que priorizam a produtividade, o conhecimento, os múltiplos saberes, as competências - leitoras e escritoras -, atualizações e formações contínuas, além de outros tantos desafios e da necessidade urgente do desenvolvimento e da promoção social e econômica do trabalhador - e da trabalhadora. Com a intenção de aproveitar todos os recursos disponíveis, e buscando a realização dos objetivos, continuamos nosso processo de aprendizagem, utilizando todas as ferramentas disponíveis: das aulas de campo, às sessões de cinema, e os debates a partir da literatura. Esbarrar nas dificuldades inerentes do contexto de trabalho dos formandos, não era desestímulo para nenhum de nós, mesmo quando esta implicava uma pausa nas formações, como por exemplo na ocasião da concretagem, quando chegavam para a obra, os caminhões de cimento, pois o despejo desse material é feito com muito barulho e tensão, e normalmente os operários que exerciam a função de pedreiro, eram destinados para dar continuidade ao trabalho, apesar do horário noturno, o que implicava na sua ausência, do espaço aula, e nem sempre isso os deixavam satisfeitos - embora tivessem os direitos trabalhistas assegurados -, preferiam estar “na aula”. O que nos leva a refletir o quão é valoroso acompanhar as eventuais transformações vividas pelos sujeitos envolvidos nos contextos formativos, e a sua caminhada durante o percurso, onde se começa de uma forma, e vai seguindo de outra e chega-se sempre modificado. Os caminhos da formação são inesperados, sempre carregados de confrontos, e novas aprendizagens, sempre dentro de uma perspectiva ressocializante, onde todos e todas são de fato protagonistas de saberes, estares e fazeres, e que mantêm mais fundo em mim, o desejo de avançar na investigação da formação, priorizando as experiências de cada formando/a, no campo da educação de adultos, como afirma Freire (2001: 156), “A história não faz nada, não possui nenhuma imensa riqueza, não liberta nenhuma classe de lutas: quem faz tudo isto, quem possui e luta é o homem mesmo, o homem real, vivo; não é a história que utiliza o homem como meio para trabalhar seus fins – como se se tratasse de uma pessoa à parte – pois a história não é senão a atividade do homem que persegue seus objetivos”. REFERÊNCIAS: BARBOSA, Márcia Regina. Educação e qualificação profissional de jovens e adultos: impactos de uma experiência vivenciada no semi-árido nordestino brasileiro. 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