O que a Suécia nos pode ensinar

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Em 1992 uma bolha imobiliária e financeira acordou-os. Os suecos meteram mãos às reformas para
salvar a economia e o modelo do Estado social
O que a Suécia nos pode ensinar
H&M é uma conhecida cadeira sueca
D.R.
08/12/2012 | 00:00 | Dinheiro Vivo
"A Grécia devia reestruturar a dívida uma ou duas vezes. Mas é fácil para mim falar sobre isso,
sentado aqui na Suécia." Per Jansson, vice-governador do Riksbank, o banco central sueco e o mais
antigo do mundo, sorri. Lá fora, o dia amanheceu cinzento como a economia europeia, mas em
vésperas de Natal, a Suécia encontra razões para acreditar num futuro de crescimento.
A economia sueca tem resistido melhor do que alguns esperavam à crise europeia das dívidas
soberanas. As exportações abrandaram, mas a coroa sueca, que flutua livremente desde 1992,
mantém-se em níveis normais, não sendo de prever uma tendência de valorização. O consumo
interno, por outro lado, é estável e deverá subir 2,5% em 2013. Os salários dos trabalhadores
aumentarão na casa dos 3%, à semelhança do que tem vindo a acontecer nos últimos anos, e a
riqueza global das famílias corresponde a 500% do rendimento disponível. Embora o nível de
endividamento, cerca de 170% do rendimento disponível, cause apreensão. A riqueza da Suécia
também deverá crescer: 0,9% este ano e quase 2% em 2013. Para 2014 e 2015, as previsões são
ainda melhores: 2,7% e 2,9%, respetivamente.
Per Jansson, que já foi secretário de Estado para as Políticas Económicas e Internacionais, tem um
único pesadelo: "Que as coisas comecem a correr mal na Alemanha. A Alemanha também tem de
traçar limites, não pode resolver todos os problemas atirando dinheiro para cima deles,
eternamente." Para já, no entanto, o vice-governador segue a linha otimista do Relatório de Política
Monetária do banco central sueco. "Eu tenho esperança e ainda acredito", diz, que a crise das dívidas
públicas pode ser gerida, levando ao declínio do clima de incerteza que tem vindo a afetar as
economias europeias. E que pode ainda vir a desestabilizar a economia da Suécia, onde as
exportações representam 50% do produto interno bruto (PIB) e cujos maiores clientes são os países
da União Europeia, quase metade deles na zona euro.
A dez minutos a pé, o ministro das Finanças sueco tem ainda meia hora disponível para explicar a sua
política antes de se meter num avião para Bruxelas. Anders Borg, eleito há duas semanas pelo
Financial Times como o vice-campeão europeu das Finanças (atrás do homólogo alemão Wolfgang
Schäuble), é também o dono do aspeto exterior menos ortodoxo de todos os governantes da Europa.
O rabo de cavalo e o brinco na orelha esquerda podiam até indiciar um espírito mais à esquerda, mas
seria engano. Em 2006, quando assumiu o cargo das Finanças no governo de centro-direita de Fredrik
Reinfeldt, já iam longe os tempos em que o adolescente Borg tinha defendido a descriminalização
das drogas num artigo de jornal.
Manter as finanças públicas na ordem é o seu principal objetivo. E é com pragmatismo e férrea
convicção que mantém a Suécia no rumo traçado, prevendo-se para 2013 uma dívida pública de 36%
e um superavit no Orçamento do Estado. "Durante a crise regressámos com números muito altos de
crescimento em 2010 e 2011. Na verdade ultrapassámos os valores do PIB registados antes da crise",
explica. E a capacidade de resistência da economia sueca tem, pelo menos, duas razões
fundamentais, segundo Borg: "Fomos capazes de fazer uma grande série de reformas estruturais que
nos permitiram aumentar a nossa competitividade, sobretudo referente ao sector interno de
serviços." As exportações sofreram uma quebra, mas recuperaram rapidamente. "Temos muitos
bens industriais e indústria de alta tecnologia, por isso tendemos a ser mais cíclicos, mas também
temos uma tendência para recuperar mais fortemente do que muitos outros países", explica.
Quando outros pediam estímulos à economia em forma de crédito, Anders Borg preferiu continuar a
aplicar reformas ao Estado social, aliviar a carga de impostos sobre as empresas (uma redução de
15% em 2013) e manter o esforço de investimento em investigação e desenvolvimento e
infraestruturas. As reformas, aliás, já não são novidade para os suecos. Têm vindo a ser introduzidas
desde o início da década de 90 pelos sucessivos governos, altura em que uma bolha imobiliária e
financeira na Suécia abalou os bancos nacionais e em seis meses atirou o país do equilíbrio
orçamental para um défice de 13% e uma crise de que só recuperou na viragem para o século XXI. De
um dos países mais ricos do mundo nos anos 70, a Suécia deu um trambolhão para o 15.o lugar onde aliás se mantém quando se comparam PIB per capita.
Vinte anos de reformas (que continuam a ser implementadas) - e muita desregulação - depois, o
atual ministro das Finanças não tem dúvidas: "Quando a perceção no país é de que todos estão no
mesmo barco, é mais fácil levar a cabo reformas estruturais e tomar decisões políticas difíceis." Na
Suécia, um dos países com diferenças de rendimento mais baixas na União Europeia e na OCDE, a
coesão social não é só um conceito. Com menos subsídios, o chamado "modelo sueco" do Estado
social já não é o mesmo, mas mantém altos os níveis de proteção social - das creches ao
desemprego, aos cuidados de terceira idade. O pagamento de pensões, por exemplo, obedece agora
ao princípio "o que entra é o que sai" e os valores são ajustados anualmente. Altos mantêm-se
igualmente os impostos sobre o rendimento - 50% do salário da maioria dos suecos entra nos cofres
públicos: 20% para o Estado central e cerca de 30% para os municípios e regiões, que têm a seu
cargo, entre outros serviços, a gestão da saúde e educação gratuitas.
"De uma maneira geral estamos fortes e é provável que, quando fizermos o Orçamento do Estado
para 2014, possamos adotar medidas adicionais para tentar pôr um pouco de mais energia na
economia", promete o ministro das Finanças sueco.
Nem tudo são rosas, obviamente. Stefan Fölster, economista-chefe da Confederação Empresarial
Sueca, gostaria de ver cortes maiores nos impostos e mais flexibilização na lei laboral. Não são
poucas as empresas que já trocaram a Suécia por ambientes fiscais mais simpáticos, como o Skype,
por exemplo, que preferiu instalar-se na Estónia. O princípio que obriga a respeitar a antiguidade dos
trabalhadores na empresa quando é preciso dispensar força de trabalho, queixam-se os empresários,
não deixa que a competência possa ser o principal critério de avaliação. Fölster acredita que esta
medida poderia ajudar a baixar o elevado desemprego jovem, 20% dos cerca de 700 mil suecos
desempregados. Argumento que não convence o sindicalista e economista Ola Pettersson, da
Confederação dos Sindicatos Sueca: "Os mais novos resistem melhor a períodos de transição entre
empregos."
Portugal está a milhas da Suécia em inúmeros indicadores e as receitas suecas de crescimento
económico, redistribuição de riqueza e bem-estar social não servirão certamente a todos. Isaac
Newton, o físico, matemático, astrónomo e filósofo britânico do século xvii, disse: "Se eu vi mais
longe, foi porque me pus em pé nos ombros de gigantes." A frase, inscrita numa das paredes da
cafetaria do museu dedicado a Alfred Nobel, no centro histórico de Estocolmo, pode ser inspiradora.
*A jornalista viajou a convite da Embaixada da Suécia
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