Aspectos semânticos e sintáticos das construções

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Projeto de Pesquisa
Aspectos semânticos e sintáticos das construções
anticausativas reflexivas em português e alemão
Subprojeto do TRADICE (PPGL – UFC)
Área do Conhecimento (CNPq): Lingüística
Sub-Área do Conhecimento (CNPq): Teoria e Análise Lingüística
Especialidades do Conhecimento (CNPq): Semântica e Sintaxe
Leonel Figueiredo de Alencar Araripe (Dr. phil.)
prof_leonel-projeto A R R O B A yahoo.com.br
Consultora externa: Profa. Dra. Carmen Kelling, Departamento de
Lingüística, Universidade de Constança, Alemanha
Universidade Federal do Ceará
Departamento de Letras Estrangeiras e
Programa de Pós-Graduação em Lingüística
Fortaleza, 28 de fevereiro de 2005
1. ARCABOUçO TEóRICO, OBJETO E RELEVâNCIA DA PESQUISA
Lançada em 1982 por equipe multidisciplinar das áreas de Lingüística,
Computação e Matemática, ligada ao MIT, à Universidade Stanford e ao Palo Alto
Research Center (PARC) da Xerox, a Gramática Léxico-Funcional (Lexical-Function
Grammar – LFG) é um dos modelos gramaticais mais difundidos não só no âmbito da
Lingüística Computacional, mas também da Tipologia Lingüística. Em seu estado atual,
a LFG não constitui apenas um rigoroso formalismo matemático-computacional para
descrição de línguas naturais, mas também uma teoria sobre os aspectos universais e
sobre a diversidade da linguagem humana, fundamentada em dados de dezenas de
línguas das mais diferentes famílias (BRESNAN, 2001). Ao contrário do que ocorre
com outras línguas românicas como francês, italiano e espanhol, o português ainda não
foi analisado em larga escala sob essa perspectiva teórica.1
Desenvolvida na década de 90 por Dieter Wunderlich e colaboradores da
Universidade de Düsseldorf na Alemanha, a Gramática de Decomposição Lexical
(Lexical Decomposition Grammar – LDG) consiste numa teoria formal das estruturas
semânticas sublexicais, dos processos que expandem ou reduzem essas representações e
de sua projeção sobre estruturas sintáticas (WUNDERLICH, 2000).
Como a LFG, a LDG também possui uma forte orientação tipológica, mas ainda
não foi aplicada ao português, exceto em Alencar (2003). Essas duas teorias gerativas,
não obstante divergirem em alguns aspectos, compartilham pressupostos fundamentais
como o lexicalismo e a arquitetura modular projecionista. Em um como outro modelo,
diáteses verbais como a passiva não são explicadas como resultado de operações sobre
estruturas sintáticas, mas de regras que alteram as especificações de itens lexicais.
Como proponho em Alencar (2003), essas duas teorias se completam,
principalmente quando se trata de comparar uma língua essencialmente não-casual
como o português com uma língua tipicamente casual como o alemão.2 Por um lado, a
LFG não oferece uma teoria elaborada do significado lexical, que, nesse modelo, se
limita a uma lista de papéis semânticos. A LDG, por outro lado, não trata da estrutura
constitucional nem funcional das frases. Essa última teoria, no entanto, oferece uma
solução mais econômica e, ao meu ver, mais elegante para o problema da vinculação
(linking) entre argumentos semânticos e funções gramaticais (ALENCAR, 2003).
1
No Brasil, pelo que pude apurar até o momento, a LFG tem recebido mais atenção no âmbito da Ciência
da Computação, enquanto formalismo matemático-computacional (PARDO, 1999). Entre lingüistas, o
modelo não parece ser muito difundido. No banco de teses e dissertações da CAPES, a única referência à
LFG é Morais (1988), que propõe uma análise léxico-funcional da passiva no português. Além disso,
alguns aspectos da gramática do português são discutidos por Alencar (2003) sob a perspectiva das
abordagens teóricas mais recentes em LFG. Análises léxico-funcionais dos pronomes clíticos no
português europeu encontram-se em Luís (2004), Luís e Otoguro (2004) e Luís e Spencer (2004).
2 O termo "língua casual" (case language) é utilizado, por exemplo, por Blake (2001:1), para designar
uma língua que possui um sistema de casos como, por exemplo, o latim. Em português, os casos
subsistem apenas no sistema pronominal.
2
Pretendo, nos próximos 12 meses, realizar uma pesquisa sobre verbos com
reflexivo3 com base nos arcabouços teóricos da LDG e LFG. Trata-se de subprojeto de
um projeto maior de descrição das estruturas semânticas e sintáticas básicas do
português nesses formalismos, levando em conta a perspectiva contrastiva alemãoportuguês, a ser desenvolvido nos próximos anos.
Construções reflexivas desde o início ocuparam a LFG, a exemplo do trabalho
pioneiro de Grimshaw (1982) sobre o francês, ao qual sucederam estudos sobre outras
línguas românicas bem como sobre várias outras famílias de línguas.4 No âmbito da
LDG, por sua vez, construções reflexivas e médias foram discutidas intensamente nos
últimos cinco anos em estudos de Kaufmann sobre o alemão, grego e fula
(KAUFMANN, 2000, 2002, 2003a, 2003b, 2004). Verbos reflexivos do português,
contudo, ainda não foram analisados (pelo menos de forma aprofundada) sob o prisma
de nenhum desses modelos.5
Tanto na gramática tradicional quanto em abordagens teóricas recentes,
combinações de verbo e reflexivo não se subsumem num tipo único de construção, mas
instanciam vários subtipos. Há várias propostas de classificação, que não cabe elencar
aqui. As frases abaixo ilustram três dos tipos propostos por Kaufmann (2003a): (i)
transitivo reflexivo (cf. (1 a)), (ii) reflexivo direto (cf. (2 a)) e (iii) descausativo
(denominado anticausativo no presente projeto) (cf. (3 a) – (5 a)). O primeiro tipo
corresponde ao que Camacho (2003) chama de reflexivo-recíproco, ao passo que os dois
últimos tipos integram o que ele denomina de voz média.
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
a. Maria se viu no espelho.
b. Ela viu uma criança no espelho.
a. Pedro se barbeou.
b. O barbeiro barbeou Pedro.
a. A garrafa se quebrou.
b. O bêbado quebrou a garrafa.
a. A criança se assustou.
b. O cachorro assustou a criança.
a. Eu me assustei.
b. O cachorro me assustou.
As construções reflexivas estão entre as questões mais polêmicas da teoria
gramatical. De fato, ainda não há análise consensual para as diferentes facetas dessas
construções nas diferentes línguas onde ocorrem. Na literatura atual, depara-se com
3
Ao longo deste projeto, diferentemente, por exemplo, de Camacho (2003), utilizo o termo reflexivo com
conotação puramente sintática, a exemplo de Kaufmann (2003a, b), entre outros.
4 Ver, por exemplo, o estudo comparativo de Sells, Zaenen e Zec (1987) sobre as construções reflexivas
no inglês, finlandês, chichewa, alemão, holandês, japonês, warlpiri e servo-croata.
5 Luís e Otoguro (2004), por exemplo, limitam-se a construções reflexivas do tipo de frases como Dele se
sabe pouco.
3
propostas antagônicas para a representação semântica e a classificação sintática dos
verbos envolvidos, o tipo de relação entre as construções com e sem reflexivo (cf. a
oposição entre os exemplos (a) e (b) acima) e o estatuto morfossintático desse elemento.
Com propriedade prevê Monteiro (1994:108) que "todos aqueles que se
dispuserem a estudar o assunto penetrarão num grande labirinto e com toda a certeza,
mesmo que encontrem uma saída, não conseguirão convencer a todos a irem por esse
caminho". Impõe-se, portanto, uma delimitação no objeto de estudo para um projeto de
um ano. Conforme Mendes (2003), construções como (3 a) – (5 a), que alternam com
construções com causativas transitivas (cf. (3 b) – (5 b)), constituem "anticausativas
pronominais", denominadas anticausativas reflexivas por Steinbach (2002),
terminologia que aqui se adota. O presente subprojeto se restringirá à semântica e à
sintaxe dessas construções, que têm recebido bem menos atenção na lingüística do
português do que outras construções reflexivas.
Uma análise das construções anticausativas reflexivas em português, sob a
perspectiva dos modelos da LDG e LFG, defronta-se com as seguintes questões:
•
Qual a classificação sintática das variantes dos verbos quebrar e assustar nas
frases de (3 a) a (5 a)? Trata-se realmente de verbos intransitivos como
sugerem, entre outros, Butt et al. (1999:81) e Reinhart e Siloni (2004:166) para
o francês? Ou de verbos transitivos reflexivos como propõe Steinbach (1998,
2002a) para o alemão? Essas variantes verbais constituem entradas inacusativas
ou inergativas?
• Qual a representação lexical das variantes dos verbos quebrar e assustar nas
frases de (3 a) a (5 a)? Particularmente, em que diferem das representações das
variantes causativas de (3 b) a (5 b)?
• Qual o estatuto morfossintático do reflexivo nas construções anticausativas?
Trata-se de um objeto atemático do verbo ou de mero "marcador gramatical"
(grammatisches Signal) de uma diátese verbal, como propõem,
respectivamente, Kaufmann (2003a:151) para o alemão e Schwarze (1987:108)
para o italiano? Pode-se dizer que o reflexivo da construção (3 a), paralelamente
à análise de Waltereit (2000:258) para o francês, constitui um afixo da raiz
verbal? Em algum caso o reflexivo português funciona como "verbo leve" (light
verb), como propõem Folli (2001) e Folli e Harley (2002) para o italiano?
• O reflexivo constitui, nas construções anticausativas, um marcador de
telicidade, como se propôs para o francês e o italiano (LABELLE, 1990, 1992;
FOLLI, 2001), ou não há correlação entre a ocorrência do reflexivo e as
propriedades aspectuais do verbo, como sugere Schäfer (2003) para o alemão?
Há um paralelismo entre o reflexivo em verbos anticausativos e as construções
4
análogas do grego moderno na voz não-ativa
ANAGNOSTOPOULOU, 2004)?
• Que representação lexical atribuir ao reflexivo?
(ALEXIADOU;
Questões análogas se deparam a uma análise das construções anticausativas
reflexivas em alemão (cf. (6) e (7)), que têm também recebido tratamentos radicalmente
opostos.
(6)
(7)
Die Tür
hat
sich
a porta
tem se
'a porta se abriu'
Das Kind
hat
sich
a criança
tem se
'a criança se assustou'
geöffnet.
aberto
erschreckt.
assustado
O estatuto morfossintático do reflexivo em (6) e (7), por exemplo, é bastante
controverso. Por um lado, Helbig e Buscha (1991) e Eisenberg et al. (1998), entre
outros, tratam esse elemento não como integrante da valência verbal, mas como parte do
predicado ou complexo verbal, à semelhança das partículas verbais. Por outro lado,
Bierwisch (1996) e Kaufmann (2003a, b), que trabalham no âmbito da LDG,
classificam-no como objeto direto.
Uma limitação de Bierwisch (1996) e outras abordagens na mesma linha, é que
não fazem um levantamento exaustivo das propriedades semânticas e sintáticas dessas
construções que corroborem a análise do reflexivo como realizando uma posição
sintática do verbo. Essa lacuna é preenchida, em grande parte, por Steinbach (1998,
2002a), o qual, no âmbito da Teoria da Regência e da Ligação e do Programa
Minimalista, argumenta de forma convincente que o reflexivo alemão, no que tange à
ordem das palavras, em todas as construções se comporta como um objeto direto
pronominal.
A ordem das palavras não é, porém, o único diagnóstico do estatuto do reflexivo
como objeto, como sugere o contraste entre (7) e (8). De fato, o anticausativo com
reflexivo, tal qual os verbos transitivos, seleciona o auxiliar TER (haben) no perfeito, ao
passo que o anticausativo sem reflexivo, como os intransitivos perfectivos, seleciona o
auxiliar SER (sein). Em alemão, verbos com reflexivo no acusativo selecionam sempre
TER no perfeito, como salientam tanto Kaufmann (2003b), defensora da análise desse
elemento, em todos os casos, como objeto direto, quanto Helbig e Buscha (1991),
contrários a essa análise.
(8)
Das Kind
ist
erschrocken.
a criança
é
assustada
'a criança se assustou'
5
Este projeto se propõe, portanto, levantar argumentos adicionais em prol da
análise de que o reflexivo em alemão sempre instancia um objeto, e verificar a
viabilidade dessa proposta para o português do Brasil.
Outra questão que se pretende investigar é a omissão do reflexivo nas construções
anticausativas, possível nas duas línguas, não obstante exemplos como (10 b), com
sentido equivalente a (10 a), se restringirem a variedades não-padrão.6
(9)
(10)
a. A porta abre e fecha automaticamente.
b. Die Tür öffnet und schließt automatisch. (DUDEN, 2003)
a. A criança se assustou.
a. A criança assustou.7
b. Das Kind ist erschrocken.
Para a realização desta pesquisa, que constitui subprojeto do projeto TRADICE do
PPGL da UFC, já está em curso colaboração com o Departamento de Lingüística da
Universidade de Constança, particularmente com a Profa. Dra. Carmen Kelling. Essa
pesquisadora, que gentilmente já me enviou centenas de páginas de trabalhos recentes
sobre reflexivos, estuda o mesmo fenômeno no espanhol, alemão e francês. Outros
participantes (colegas do DLE, DLV, PPGL e alunos de graduação ou pós-graduação)
serão bem-vindos, os quais poderão, inclusive, estudar o fenômeno nos idiomas de sua
especialidade.
2. OBJETIVOS
O objetivo maior é a descrição contrastiva das construções anticausativas
reflexivas em português e alemão no formato de representação da LDG-LFG, o que
envolve os seguintes objetivos particulares:
i. Fazer um levantamento das propriedades semânticas e sintáticas dos
verbos anticausativos reflexivos.
ii. Verificar a hipótese de que o reflexivo constitui um objeto verbal
atemático.
iii. Verificar a hipótese de que as construções anticausativas não-reflexivas
derivam das construções anticausativas reflexivas por erosão da estrutura
argumental, que elimina o reflexivo atemático, ajustando-a aos padrões
canônicos de projeção argumental.
6
Também no português padrão há alternância entre anticausativos com e sem reflexivo, como atesta o
verbo quebrar (FERNANDES, 1987; FERREIRA, 1999).
7 Frase ouvida a falante da região Centro-Oeste.
6
iv. Verificar a hipótese de que a realização do reflexivo não altera as
propriedades aspectuais das construções anticausativas.
v. Elaborar as representações lexicais para esses verbos.
vi. Elaborar as representações lexicais dos pronomes reflexivos dessas
construções.
vii. Elaborar as regras lexicais que derivam verbos anticausativos reflexivos
de verbos causativos.
viii. Elaborar as regras lexicais que derivam verbos anticausativos nãoreflexivos de variantes reflexivas.
ix. Determinar a produtividade dessas regras lexicais.
3. METODOLOGIA
A partir, sobretudo, de gramáticas, dicionários como as versões digitais do
Aurélio e do Duden e corpora eletrônicos como COSMAS e NILC assim como o corpus
do projeto TRADICE, será coletada uma amostra representativa de frases com
construções anticausativas. As propriedades semânticas e sintáticas dessas frases serão
analisadas. Finalmente, essa análise permitirá verificar as hipóteses e fundamentará a
elaboração das representações e regras lexicais mencionadas na seção 2.
4. INFRA-ESTRUTURA DISPONíVEL PARA O PROJETO
§
Equipamentos: computador conectado à Internet e impressora.
§
Material de consumo: papel e cartuchos de tinta para impressora.
§
Ambientes de trabalho: gabinetes de trabalho do pesquisador.
§
Objeto de pesquisa: frases autênticas e construídas com anticausativos em
alemão e português.
5. CRONOGRAMA DE EXECUçãO DO PROJETO
De março a junho de 2005: Revisão da literatura.
Julho e agosto de 2005: Coleta dos dados.
De setembro a dezembro de 2005: Análise dos dados e verificação das
hipóteses.
Janeiro e fevereiro de 2006: Elaboração das conclusões.
6. BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
7
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