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Assunto Especial – Textos Clássicos
Renovação da Estrutura Pública Frente às Mudanças Sociais
O Fundamentalismo como Desafio do Estado Constitucional:
Considerações a Partir da Ciência do Direito e da Cultura*
PETER HABERLE
Jurista alemão.
SUMÁRIO: Introdução ao problema; I – Delimitação conceitual do “fundamentalismo”, a ordenação
metódica de suas formas de aparição: elementos de um inventário; II – Teoria e realidade do tipo Estado constitucional. Caracterização a partir da perspectiva jurídica e científico-cultural; III – O Estado
constitucional na (prova de) confirmação frente aos fundamentalismos de nosso tempo; Perspectiva
e conclusão.
INTRODUÇÃO AO PROBLEMA
O leitor de periódicos encontra quase diariamente notícias que provam
um conflito entre o mundo moderno, “secularizado” e, sobretudo, de cunho
profundo ocidental de uma parte, e correntes fundamentalistas de outra. Recorde-se a “condenação à morte” ou “divina” do Ayatollah Khomeini e seus correligionários e companheiros de luta contra S. Rushdie, que desafia a comunidade
universal dos direitos humanos. Lemos manchetes como: “Os fundamentalistas
avançam – Por que cresce a resistência contra a civilização ocidental?”1 ou
“Nossa marcha começou – O fundamentalismo islâmico”2. Ouvimos a frase:
“um sérvio não se deixa comprar nunca... É seguirá sendo fundamentalista
nacionalista”3, e, no suplemento literário de um diário se encontra uma pergunta como “Guerra cultural global e total?”4. Lemos um ensaio: O fundamentalismo islâmico entre “meia modernidade” e a ação política5, e observamos uma
*
Título original: Der Fundamentalismus als Herausforderung des Verfassungstaates: rechts-bzw.
Kulturwissenschaftlich betrachtet. Publicado in: Líber Amicorum Josef Esser, editado por E. Schimidt e H.-L.
Weyers, C. F. Muller, Heidelberg, 1995, p. 49-75.
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2
3
4
5
M. Wollfsohn, in: Die Zeit nº 14, de 24 de abril de 1993, p. 54.
B. Dörle. In: Especial Spiegel, 4/1993, p. 34: “Die Erde 2000”.
Citado segundo H. Kurzke. In: FAZ, de 14 de agosto de 1993, p. 27.
SZ de 21/22, de agosto de 1993, p. 3.
De B. Tibi. In: Aus Politik und Zeitgeschichte B 33/93, de 13 de agosto de 1993; M. Riesebrodt, Islamicsher
Fundamentalismus aus soziologischer Sicht.
RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 58-80, mar-abr 2015
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campanha de G. Wallraf contra o fundamentalismo6. Inteiramo-nos de que existem nomes “na lista de objetivos criminosos dos fundamentalistas islâmicos”7,
e na França se forma um novo fundamentalismo, que invoca autores da revolução conservadora e oferece valores indubitáveis como “nação”, “povo”,
“cultura nacional”8. Na própria Turquia, o país modelo de Estado laico, apesar
de sua população islâmica, observa-se agora uma “diversidade de correntes
fundamentalistas”9. Um reputado autor10 de artigos de fundo, embora previna
contra a confusão do fundamentalismo com o Islã, assinala também: “o fundamentalismo islâmico e a democracia são incompatíveis”. Ouvimos diariamente
notícias sobre o terror dos fundamentalistas da Frente Islâmica de Salvação da
Argélia, que, em 1991, obteve uma grande vitória eleitoral, a qual, no entanto,
lhe foi “arrebatada” pelos militares. Entrementes deveria resultar motivo de reflexão a seguinte questão: eram fundamentalistas Pedro e Paulo, Maria e José?11.
Uma acumulação tal de notícias diárias faz presumir que as numerosas
formas de aparição do fundamentalismo desafiam radicalmente toda ciência,
como forma racional de busca da verdade em virtude de métodos manifestados, até no fundo a negam. O conjunto – aberto – das disciplinas particulares deve fazer frente ao fundamentalismo, na medida em que essa doutrina de
salvação predica, com pretensões de verdade, que não se questionam, e que
são, prima facie, o contrário da civilização científica atual, iniciada na antiga
Grécia. A teoria constitucional como forma da modernidade deve, dessa forma,
personificar-se também para opinar. Se, segundo Hegel, filosofia é “seu tempo
expresso em ideias”, pode-se ousar a variante: as Constituições são hoje, como
talvez nunca anteriormente, seu tempo expresso em ideias. Constituem o foro
da sociedade aberta, na qual se discutem e se decidem questões contemporâneas, e a fé atualmente quase global nas Constituições e nos direitos humanos
se confirma uma vez mais na luta pelas “corretas” Constituições nacionais da
Europa Oriental, formadas, conforme o modelo comum europeu/atlântico, após
a queda da sociedade fechada do marxismo.
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8
9
10
11
Ich gehe jetzt Klinken putzen. In: Der Spiegel, n. 35/1993, de 30 de agosto de 1993, p. 194 e ss.
Carta ao diretor de B. Tibi, FAZ, de 23 de novembro de 1993, p. 11.
Compare-se R. Herzinger. Der neue Kulturnationalismus, Die Zeit, n. 34, de 20 de agosto de 1993, p. 40.
A respeito, A. Baron, Von innen bedroht, FAZ, de 30 de outubro de 1993, p. 10. No entanto, sobre a
recepção progressiva do Direito ocidental na Turquia (p. ex., melhoria da posição da mulher e dos filhos não
matrimoniais), veja-se também G. Bozhurt, Vom Tanzimat zur europäischen Rechtsstaatlichkeit, FAZ, de 8 de
dezembro de 1993, p. 14.
W.G. Lerch, Bosnien und dis Muslime in Europa, FAZ, de 25 de agosto de 1993, p. 1.
Nesse sentido a contribuição de M. Spiker, FAZ, de 12 de maio de 1993, p. 12; vejam-se também as palavras
moderadas do Papa João Paulo II in: Centesimus annus (1991): “A Igreja não fecha os olhos ante o perigo
do fanatismo ou do fundamentalismo dos que crêem poder impor aos demais seres humanos, em nome da
ideologia presuntivamente científica ou religiosa, sua concepção do que é verdadeiro e bom. A verdade cristã
não é desse tipo. A fé cristã, que não é nenhuma ideologia, não pretende constranger a diversa realidade
sociopolítica em um rígido esquema. Reconhece que a vida do ser humano da história se desenvolve sob
diferentes e não sempre perfeitas condições. Por isso, o respeito à liberdade corresponde ao proceder da
Igreja, que sempre afirma a dignidade transcendente da pessoa”.
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O desafio do fundamentalismo de nossos dias se agrava ironicamente no
exato momento em que o fundamentalismo político-ideológico do marxismo
fracassou, e em que o ano de 1989 se nos deparou como “annus mirabilis”, a
“hora mundial do Estado constitucional”. Igualmente contraditório parece que
agora até esse Estado constitucional, encarnado pelos anos 1776, 1787, 1789,
1948, etc., precipite-se, por sua vez, em crises, que quiçá o debilitem frente aos
desafios do fundamentalismo, provocados também por ele: pense-se na crise
de identidade do Ocidente, no retorno do nacionalismo militante e das guerras
civis, no materialismo e economicismo, que caracterizam as democracias ocidentais saturadas de bem-estar. Expressões-chave são a falta de espírito cívico,
e, especialmente na Alemanha, a incapacidade de compartilhar – apesar do
afortunado acontecimento da reunificação alemã. Muitas democracias europeias têm como difícil fazer política constitucional com suas necessidades de
reforma, não somente a Itália. A Conferência de Direitos Humanos de Viena, de
1993, levou à consciência pública o conflito entre o fundamentalismo, a concepção do Direito islâmico e a universalidade dos direitos humanos de cunho
ocidental – o acordo de paz entre os palestinos e Israel, no outono de 1993,
constitui sinal contrário nesse panorama pessimista. Igualmente algumas dos
armistícios por intermediação da ONU (por exemplo, em Cambodja).
Essas expressões-chave devem provar que também um representante da
ciência do Direito está desafiado quando se trata de ocupar-se cientificamente
de “o” fundamentalismo. É evidente que aqui o jurista deve entender amplamente seu objeto e seus métodos: somente a ciência do Direito operante como
ciência da cultura pode realizar sua colaboração a um fenômeno como o fundamentalismo. Porque este concerne à cultura em sentido amplo, profundo e
totalmente. Nela, o Direito só forma um fragmento. Os textos jurídicos, escritos
ou não, como normas, como literatura, como textos clássicos desde Aristóteles
até Kant, J. Rawls e H. Jonas, ou como jurisprudência, vivem de seus contextos –
culturais. Apesar da importância do microcosmo das proposições jurídicas e das
constituições dogmáticas, igualmente eficazes resultam os contextos culturais,
nos que aquelas alcançam seu perfil último e realizam suas funções. A ciência
do Direito, em especial a teoria constitucional, é uma ciência cultural; colabora
conforme uma divisão de trabalho na busca da verdade com outras ciências
culturais como a história ou a economia política; mas conserva seu proprium (a
busca aberta da justiça e do bem comum) e sua própria responsabilidade – precisamente frente a uma corrente atual, que, como o fundamentalismo, a desafia
hoje radicalmente.
I – DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DO “FUNDAMENTALISMO”, A ORDENAÇÃO METÓDICA DE SUAS
FORMAS DE APARIÇÃO: ELEMENTOS DE UM INVENTÁRIO
Realizou-se um inventário do fundamentalismo em três passos: (1)
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histórico, em relação com as guerras de religião, a colonização e cristianização da América e o marxismo-leninismo como com o fundamentalismo
cristão e islâmico, também o protestante, (2) específico em cada âmbito, isto é,
religioso, político, econômico, também ecológico, bem como (3) contemporâneo: os exemplos de situações de conflito no Estado constitucional, Alemanha
(a título de exemplo).
Um propósito de definição conclui o inventário (4).
Como amplo problema cultural, o fundamentalismo tropeça, no Direito,
como manifestação cultural (ocidental), com sua aspiração de universalidade,
amiúde não suficientemente estudada; a ciência jurídica ordenada culturalmente somente abarca uma parte da confrontação. Também a mesma ciência jurídica, afinada, ampliada e aprofundada a partir da ciência da cultura depende do
trabalho prévio, simultâneo e posterior, das demais disciplinas. Essa consideração não diminui o trabalho, mas preserva expectativas exageradas.
1 INVENTÁRIO HISTÓRICO: A ANTIGUIDADE/CRISTIANISMO, GUERRAS DE RELIGIÃO, COLONIZAÇÃO E
CRISTIANIZAÇÃO DA AMÉRICA, O MARXISMO-LENINISMO E OUTROS REGIMES TOTALITÁRIOS
Vamos, inicialmente, dar uma olhada no material de exemplos históricos.
Em função do critério da sociedade aberta constituída em Estado constitucional,
entram nas categorias de fundamentalismo os seguintes períodos históricos: em
primeiro lugar, o desafio do mundo antigo existente no primeiro cristianismo
que se concebia de modo absoluto e o declínio daquele – a questão de se
Pedro e Paulo eram “fundamentalistas”, citada na introdução, não se formulou
ironicamente. Quando o cristianismo se converteu, sob Teodósio I, em religião
oficial (380 d.C) e começou a perseguir, por sua vez, as religiões competidoras,
já se era “fundamentalista”. Nas guerras de religião, bem como nas guerras civis
religiosas da Europa, as confissões opunham-se de forma “fundamentalista”,
isto é, excluindo-se reciprocamente em termos modernos de forma “totalitária” e “terrorista”. Outro exemplo, propicia-o a controvérsia de Valladolid, que
Reinhold Schneider cita no seu relato “Las Casas ante Carlos V”12(*). Em 1550
se tratava da questão de se os habitantes dos novos territórios de ultramar eram
filhos de Adão ou se haviam de ser imputados ao reino animal. Schneider faz
dizer ao capelão da Corte, Juan Ginés Sepúlveda, como garante da “solidez do
sistema terráqueo”:
12
R. Schneider. Las Casas vor Karl V, 1952, p. 158; veja-se também B. Dahms, Bartolomé de Las Casas
(1484-1566), 1993.
*
Bartolomé de Las Casas foi um frade dominicano, bispo de Chiapas (México) e defensor dos índios. Por isso,
é criticado por Juan Ginés Sepúlveda. Muito querido do povo mexicano, seu nome hoje é lembrado como um
dos maiores humanistas e missionários da História do Cristianismo (NTb).
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Por isso, combato eu o padre Las Casas, porque ele remove os fundamentos (!)
sobre os que nossa existência descansa, e introduz o destrutivo em nossa vida e
ousa fazer isso ademais na hora em que foi dada à nossa nação a ordenação do
mundo e ela deve mostrar para todos os tempos futuros, se é capaz de ordená-lo
e de ser responsável do destino do mundo.
O colonialismo, bem como uma versão do cristianismo teológico, buscava fazer os índios escravos por natureza. O imperador declarou desde logo
os índios homens. No fundo ressoam aqui modelos de argumentação típicos
de nossa terra. Em uma formulação moderna: o reconhecimento da natureza
humana dos índios significou uma etapa no caminho aos direitos humanos universais.
Como designação programática, o “fundamentalismo” está presente
desde princípios do século XX: no leste e sul americanos apareceu de 1910
a 1915 uma série de escritos intitulados “The Fundaments”, com o subtítulo
“A Testimony to the Truth”. Seus editores se uniram posteriormente (1919) na
“Worlds Christian Fundamental Association”. O protesto desses protestantes
dirigia-se em suma contra a modernização da religião e da sociedade. O ponto
de partida era a infalibilidade das Sagradas Escrituras, os adversários a ciência
bíblica crítica e a imagem científico-técnica do mundo13. Diretamente relevante
para os juristas foi o processo Scopes (“o processo dos macacos”), ocorrido em
Tennesse, em 1925. Nele solicitou o movimento fundamentalista protestante
a eliminação da teoria darwiniana da evolução (por “blasfêmia divina”) das
aulas de biologia nas escolas públicas. Se a Corte Suprema dos Estados Unidos
havia de se ocupar posteriormente da oração nas escolas e da admissibilidade
da leitura da Bíblia nas escolas públicas14; e se, na última década, aumentam as
escolas privadas orientadas para o fundamentalismo, põe-se de manifesto como
o fundamentalismo cristão desafiou os Estados Unidos da América como exemplo representativo do tipo Estado constitucional – como este, representante da
modernidade, suscita, por sua vez, uma variante de fundamentalismo. Depois
de que o fundamentalismo protestante nasceu no foro de uma sociedade aberta
como a dos Estados Unidos da América (também nominalmente), o fundamentalismo deve depender também dos problemas do Estado constitucional e não
vir somente “de fora”.
13
14
Na literatura: Th. Meyer. Fundamentalismus. Aufstand gegen die Moderne, 1989; W. Künneth/A. Schwarz/A.
Köberlein. Fundamentalismus?, 1990; St. Pfürtner. Fundamentalismus, 1991.
A Corte Suprema estadunidense exarou, em 1962 e 1963, duas sentenças, em virtude das quais se
eliminou a oração nas escolas públicas (aos olhos dos fundamentalistas, uma ofensa à “América cristã”).
O fundamentalismo cresceu igualmente em relação a uma decisão de 1973, que admitiu o aborto
até um determinado mês da gravidez. A respeito, veja-se, na literatura: K. Cartens. Grundgedanken der
amerikanischen Verfassung und ihre Verwirllichung, 1954, p. 220 e ss. (casos dos Testemunhas de Jeová);
G. R. Stone et alia. Constitutional Law, 2. ed., 1991, p. 1455 e ss. (“The Constitution and Religion”);
p. 929 e ss. (Roe v. Wade); W. Haller. Supreme Court und Politik in den USA, 1972, p. 52 (caso Saudação
à bandeira).
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Enquanto que o marxismo-leninismo é de ficar como advertência – era
uma “doutrina de salvação totalitária”, excludente das demais e com pretensão
de abarcar todo o mundo; e é – esperemos que não só temporariamente – inferior frente aos valores fundamentais do Estado constitucional dos direitos humanos, democracia, economia social de mercado (embora, também, tenha de
agradecer precisamente à sua crítica), agora umas palavras sobre o fundamentalismo islâmico15. Essa “variante” de fundamentalismo domina – como conceito
de luta – a imprensa diária; convém proceder de forma mais diferenciada. Antes
de tudo, não se deve perder de vista as formas historicamente mais antigas da
história da civilização cristã: existe, desde já, por exemplo, um “fundamentalismo católico”16, quiçá presente no “Opus Dei” ou no caso do bispo Haas, em
Chur/Zurich, bem como no protesto do bispo francês Lefebvre contra o concílio
Vaticano II; recorde-se da antiga disputa dos “modernistas”17. Como expressão política do fundamentalismo islâmico, consideram-se a revolução iraniana
(1978), o assassinato de Sadat (1981) e, também, a luta de resistência, com
êxito, contra a URSS no Afeganistão (até 1989). Na obstante, não nos devemos
deixar levar por esses acontecimentos para uma “condenação” global do fundamentalismo islâmico18.
A história da difícil relação entre a Europa cristã e o Islã não pode ser evocada aqui, nem sequer em grandes linhas. Até as pessoas cultas apenas sabem
já que a transmissão da filosofia clássica da antiga Grécia se deve, na Idade Média europeia, a sábios da religião muçulmana, como M. Maimónides, que era,
na Idade Média, o vínculo entre árabes e judeus. Outros pontos culminantes
constituem a aparição das “Mil e uma noites” (1717) e do “Diwán oriental” de
Goethe (1819). Como investigador oportuno do Oriente, é meritório F. Rückert.
No entanto, devem captar-se as muito diferentes correntes no Islã, também as
diferenças em cada país; os caminhos de “regresso ao ‘verdadeiro Islã’” e seu
tratamento do progresso científico e do desenvolvimento não são, em absoluto,
totalmente uniformes. Ademais, os problemas nacionais e sociais dos distintos
países são muito diferentes: pense-se nos governantes árabes e muçulmanos
15
16
17
18
Na literatura: A. Hottinger. Islamischer Fundamentalismus, 1993; Bassam Tibi. Islamischer Fundamentalismus,
moderne Wissenschaft und Technologie, 1992; Die fundamentalistische Herausforderung, 1992; Die
Verschwörrung. Das Trauma arabischer Politik, 1993; B. Dörler. “Unser Marsche hat begonnen”. Der
islamische Fundamentalismus, Especial Spiegel, 4/1993, p. 34 e ss., Die Erde 2000, Wohin sich die
Menschheit entwickelt. Em opinião do filósofo sírio Sadik al-Azm, nas sociedades do Islã, a tendência vai
também, desde já, em direção à privatização, individualização e interiorização da religião: “Seremos uma
sociedade pós-islâmica”. FR, de 7 de fevereiro de 1994, p. 10.
A esse respeito, W. Beinert (Ed.). “Katholischer Fundamentalismus”. Härelische Gruppen in der Kirche?,
1991.
Desde 1904, nos documentos eclesiais, falava-se do “modernismo” que havia de ser combatido. O Papa Pio X
condenou-o como herético. Em 1910, foi imposto a todo sacerdote o “juramento antimodernista”. A respeito,
N. Trippen. Antimodernisteneid. In: Lexikon für Theologie und Kirche, 3. ed., v. I, p. 761, 1993.
Da literatura sobre o Islã: E. Gellner. Der Islam als Gesellschaftsordnung, 1992; W. Ende/U. Steinbach (Ed.).
Der Islam der Gegenwart, 1984; Weltmacht Islam, editado pela Landeszentrale für politische Bildung, 1988;
A. Th. Khoury. Begegnung mit dem Islam, 1992.
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da Arábia Saudita e Kuwait e nas tensões sociais e distanciamento entre pobres e ricos (a maioria situada à margem do mundo moderno, a minoria hoje
europeizada, isto é, privilegiada), pense-se também nos países nos quais o Islã
é já ou ainda “ideologia do Estado” (Arábia Saudita, Paquistão, Irã, Sudão),
ou onde representa (ainda) uma ideologia contrária opositora (por exemplo,
Argélia, Egito, Jordânia, Malásia), e o diferente grau de islamização da ciência e
da economia ante a dinamização do mundo, convertido em um só nos séculos
XIX e XX. Assim, na teocracia do Irã somente um conselho de guardiões composto de sacerdotes tem acesso exclusivo ao “saber secreto” e à interpretação
do Alcorão (V. Neinhaus). Uma teoria constitucional comparativa do Islã, inexistente até agora, teria de investigar de que maneira a amplitude de variação
do Islã se reflete também nos Textos Constitucionais e em sua realidade, e que
influência tem a doutrina social do Islã (solidariedade dos ricos com os pobres,
proibição de práticas antissociais como negócios de interesse e jogos de azar).
Uma prova de natureza especial representa agora a luta por Bósnia.
Em lugar de todas as tendências de converter o Islã em uma “imagem
inimiga” é de se pôr outra coisa: o diálogo entre as religiões e culturas, como
se promove agora por um círculo formado em Paris19, para que não se chegue
à luta entre as culturas, profetizada por S. Huntington; e – com B.-H. Lévy – o
entendimento20 de que mais que nunca é necessário “incorporar os componentes islâmicos na cultura europeia – também na França, onde não se quer
reconhecer que o Islã se converteu na segunda religião”21. Isso não supõe apagar as diferenças, mais ou menos o entendimento de B. Tibi22 (22): “Na Europa
houve Reforma, Ilustração e a grande Revolução Francesa, isto é, acontecimentos históricos em que se baseiam o projeto cultural europeu da modernidade
e sua imagem racionalista do mundo”. Tudo isso falta no Islã. (Também por
isso existe um sentimento de inferioridade frente ao mundo de cunho europeu).
Entrementes deve-se criar uma base de diálogo, que faça impossível no futuro
que uma casa de modas ocidental, como ocorreu em janeiro de 1994, utilize
sacrilegamente traços árabes do Alcorão como ornamento no vestido de uma
modelo, o que imediatamente provocou que o autocrata líbio Kadafi falasse do
“início de uma nova Cruzada”23.
19
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21
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23
Veja-se FAZ, de 28 de janeiro de 1994, p. 27: “Islã fraterno”, em que servem apenas de ajuda as críticas
contra o Ocidente liberal como “adversário”, por parte do filósofo R. Garaudy (compare-se, no entanto,
também, o livro “Promessa Islã”, 1992).
Citado segundo a entrevista do SZ, SZ de 8/9 de maio de 1993, p. 13: “Guerra pela alma da Europa”.
Com acerto W. Lepenies. Mit dem Fernrohr gegen den Koran, mit der Wissenschaft gegen Fremde Kulturen,
Die Zeit de 5 de novembro de 1993, p. 46: “Sabem nossos estudantes de seletividade algo da grande
contribuição do Islã à civilização europeia”. Ibidem também em favor de meu “Programa Averroes” como
paralelo ao programa de Intercâmbio “Erasmus”.
Bassam Tibi. Die Verschwörung. Das Trauma arabischer Politik, 1993.
A respeito, W. G. Lerch. Was die Muslime an einem Kield von Chanel erregt, FAZ de 25 de janeiro de 1994,
p. 7.
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2 INVENTÁRIO SEGUNDO ÂMBITOS ESPECÍFICOS
Neste ponto podem bastar algumas expressões-chave24. Podem-se distinguir:
– o fundamentalismo religioso, exemplos se encontram em quase todas as religiões (mundiais), também no judaísmo (exceto no budismo?25. Quiçá até em todas
as religiões se encontre um “potencial fundamentalista” (M. E. Marty); – O fundamentalismo político, por exemplo, em forma de um nacionalismo extremo que
luta por “limpezas étnicas” nos Bálcãs; – o fundamentalismo econômico, mais
ou menos os “fundamentalistas” da economia pura de mercado que criticam os
modelos de “constituição econômica mista” (E. R. Huber) ou a “economia social
de mercado” ecologicamente orientada, como os que acolhem algumas Constituições dos Länder do Leste da Alemanha;– o fundamentalismo científico, no sentido de uma absolutização das ciências como no marxismo ou em paradigmas,
teorias e “escolas” científicas concretas. Conforme o entendimento moderno da
ciência, fundamentalismo e ciência se excluem em virtude do mandato de exame constante dos fundamentos sustentadores (que se aplica também ao Direito);
– por fim, o fundamentalismo ecológico – a disputa entre “fundamentalistas”
(Fundis) e “realistas” (Realos) é conhecida, mas se trata ademais da proibição
absoluta de ensaios com animais, a proibição de qualquer tecnologia genética.
Essas são somente classificações aproximativas. Os distintos âmbitos dependem amiúde uns dos outros. Assim, por exemplo, o fundamentalismo religioso orienta-se em parte também politicamente (os ortodoxos e sérvios ou os
protestantes norte-irlandeses); o fundamentalismo econômico se alimenta também de modelos políticos tidos por absolutos. O seguinte inventário proporciona mais material ilustrativo.
3 CONFLITOS ATUAIS NO ESTADO CONSTITUCIONAL DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA
O inventário deve ser aqui igualmente seletivo. Embora fosse adequado
ampliar os conflitos entre as correntes fundamentalistas e o Estado constitucional a vários países desse tipo – junto aos EEUU, seria de se analisar a França
e seus problemas como os fundamentalistas islâmicos na escola e na vida pública, também Israel –, nesse lugar se pode enumerar só alguns materiais da
Alemanha. Deve-se levar em conta que o Estado constitucional está desafiado
pelo fundamentalismo em muitas de suas singularidades nacionais, e que deve-
24
25
Algumas oportunas classificações em F. Hufen. Fundamentalismus als Herausforderung des Verfassungsrechts
und der Rechtsphilosophie. In: Staatswissenschaften und Staatspraxis, 1992, p. 455 (459 e ss.).
Segundo M. Spieker (Waren Petrus und Paulus, Maria e Josef Fundamentalisten?, FAZ de 12 de maio de
1993, p. 12), existe também no judaísmo e no hinduísmo um “fundamentalismo politicamente relevante”.
Referindo-se ao conceito de “totalitarismo religioso” de O. von Nell-Breuning, interpreta também a “teologia
da libertação” como um tipo de fundamentalismo que queria deduzir exclusivamente da fé uma resposta a
todas as questões da vida privada e pública.
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mos pensar sempre no plano de abstração mais elevado do Estado constitucional como tipo, não somente como exemplo nacional concreto.
O material alemão de casos de conflito entre o ordenamento jurídico da
Lei Fundamental e as correntes fundamentalistas é já variado e ocupa, sobretudo, os tribunais. Uma pequena seleção a respeito: o Tribunal administrativo de
Münster e o de Lüneburg defrontaram-se recentemente com a importância das
disposições de vestimenta do Alcorão no ensino escolar26. Ambos os tribunais
afirmaram que as estudantes muçulmanas podem deduzir do artigo 4.2 da Lei
Fundamental um direito à dispensa da aula coletiva de natação – o paralelismo
com o caso francês do “véu islâmico na escola”, decidido por um ditame do
Conseil d’Etat em 198927 é patente. No âmbito escolar se desenvolveram também os casos dos “professores Bhagwan”28. De forma clara e correta se decidiu
que as posições fundamentalistas dos padres não protegem da escolarização
obrigatória29. Outros conflitos se encontram no Direito Administrativo dos bens
de domínio público30 (por exemplo, cobre a atividade missionária dos grupos
fundamentalistas a finalidade a que se destinam as salas municipais?31 ou: tem o
Estado o dever de proteção de um membro de uma seita que quer abandoná-la
e que é ameaçado com sanções?). Quase dramático é o problema da punibilidade da repatriação de crianças para um país islâmico32. E igualmente atual e
controvertida é a questão de em que condições pode o Estado prevenir contra
“seitas juvenis” (adolescentes ou também adultos?)33. Em todas essas questões
reconhece-se a forte dependência do Direito34 de seu âmbito cultural e a intensidade, ainda hoje, do cunho cristão de nossa cultura jurídica.
4 PRIMEIRO INTENTO DE DELIMITAÇÃO: CARACTERÍSTICAS DOS MOVIMENTOS FUNDAMENTALISTAS
O inventário desenvolvido, em diversas direções – histórica, por âmbitos
específicos, atual da República Federal –, permite um primeiro intento de de26
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33
34
OVG Münster, NVwZ 1992, p. 77; OVG Lüneburg, ibid., p. 79; a respeito na lit.: F. Hufen, loc. cit., p. 462;
A. Spies, Verschleierte Schülerinnen in Frankreich, NVwz 1993, p. 637 (638).
A respeito, A. Spies, op. cit., p. 637 e ss.
BVerwG, DVBl. 1988, p. 695.
Veja-se BVerwG, NVwZ 1992, p. 371.
O Tribunal Federal suíço afirmou que o dever dos motoristas de portar boné também se aplica aos membros
da comunidade religiosa dos sijs: EuGRZ 1993, p. 595 e ss.
A respeito, F. Hulen, op. cit., p. 462.
BGH, NJW 1990, p. 1489.
A respeito, F. Hufen. op. cit., p. 463; BVerwGE 82, 76; da crescente lit. geral: P. Badura, Der Schulz
von Religion und Weltanschauung durch das GG, 1989; A. von Campenhausen, Aktuelle Aspekte der
Religionfreikeit, ZevKR 37 (1992) p. 1152 e ss.; W. Heintschel von Heinegg/O. Schäfer, Der Grundrechtsschutz
(neuer) Religionsgemeinschaften unda die Grenzen staatlichen Handelns, DVBl. 1991, p. 1341 e ss.: W.
Shatzschneider, Rechtsordnung und “destruktive Kulte”, BayVBl. 1985, p. 321 e ss. – Sobre o problema da
subvenção de uma associação que luta contra as regiões juvenis: BVerwGE 90, 112.
A respeito, por exemplo, R. Zippelius, Die Bedeutung spezifischer Keitden für die Staats - und Rechtsgestaltung,
1987; id., Weltanschauung und Rechtsgestaltung, JUS 1993, p. 889 e ss.
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limitação das características dos movimentos fundamentalistas. Deve-se evitar
que o “fundamentalismo” degenere em um conceito de todo o mundo, sem
consequências, em última instância, o polêmico, ou se instrumentalize isoladamente como conceito de luta só contra o Islã. Deve ser adequado para designar
traços típicos, apesar de toda a variedade e diversidade do fundamentalismo no
tempo e no espaço, a fim de que o jurista constitucional que opera a partir da
ciência da cultura se possa ocupar dele35.
35
(1)
Os “fundamentalismos” hão de se tomar em primeiro lugar literalmente: querem chegar, amiúde, regressar, aos “fundamentos” (às
roots). E querem tomar esses como “uma” “verdade” válida para
todos os tempos de sua imagem do mundo, dos homens e de Deus
(com referência a uma Sagrada Escritura, a Tradição ou a Revelação); projetam “imagens inimigas” sobre o plano de uma ampla
“concepção do mundo”.
(2)
Com isso se inscrevem no “simples” monismo, em oposição ao
“complexo” pluralismo. A pretensão de verdade é monopolizada e
defendida, não discutida, como “certeza de salvação”.
(3)
O fundamentalismo recusa o discurso; rechaça a relação de diálogo
característica da modernidade na ciência, a política e a sociedade,
também a transigência, o conciliador, tanto isso como o querer conviver pacificamente; de modo breve: a tolerância e a franqueza.
(4)
O fundamentalismo é reação às mudanças e às transformações.
Reage a fenômenos de crise do novo em cada momento. Nessa medida pode diagnosticar o problemático, por exemplo, os sintomas
de dissolução e os défices éticos da sociedade ocidental (consequência: crescente criminalidade juvenil, decadência do matrimônio e da família, sex and crime na televisão, decadência dos chapéus urbanos e o fracasso das igrejas oficiais).
(5)
O fundamentalismo é uma pretensão de propensão compreensível
para lograr identidade, segurança, solidez para o indivíduo e grupo,
em que (como em alguns sinais da sociedade moderna) tudo é “a
discrição”, intercambiável, “negociável”, e os modelos vinculantes
de sentido e orientação se vão perdendo. Mas corre o perigo de
anular a liberação do indivíduo documentada nos direitos humanos. Pode ir acompanhado de in-humana submissão para dentro,
de violenta afirmação para fora e de pretensões de universalidade.
Com respeito ao seguinte parcialmente de forma análoga já F. Hufen, loc. cit., p. 465 e ss.
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36
37
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(6)
É comum a todos os fundamentalistas que, em um momento determinado, entrem em conflito com as conquistas culturais do Estado
constitucional e de sua sociedade aberta.
(7)
Os fundamentalismos de todo tipo, embora operem setorialmente,
expressam problemas culturais. A modernidade os deve tratar em
todas suas disciplinas particulares, operando em correspondência
de forma ampla, isto é, a partir da ciência da cultura. A ciência do
Direito não pode responder-lhes com o positivismo ou exclusivamente com o racionalismo crítico de um Sir Popper. Somente um
“debate cultural” mais profundo promete uma maior compreensão
e ajuda prática. E somente o enfoque diferenciado é a resposta adequada. Esse enfoque se dirige também contra o “anti-fundamentalismo fundamentalista” (M. Spieker).
(8)
M. Riesebrodt36 merece assentimento quando assinala que, no movimento fundamentalista, não se manejam questões enganosas de
séculos anteriores, mas questões centrais da sociedade atual. Em
outras palavras: os fundamentalismos põem nome a crises internas
do “projeto da modernidade”. Esse é seu lado positivo.
(9)
A doutrina do Estado constitucional, que dá lugar à aparição de
fundamentalismos, e hoje em dia de alguma forma até em seus aspectos de crise os “provoca”, deve achar meios e vias para, por um
lado, organizar pragmaticamente a convivência dos muitos fundamentalismos de nosso tempo; quiçá até integrá-los em parte, por
exemplo, mediante a proibição da violência e o monopólio estatal
da violência, a proteção da dignidade humana de todos também
no âmbito social; por outro lado, precisamente também, em virtude
dessa missão, deve, mediante seus próprios princípios que o fundamentam, traçar e impor limites no âmbito interno e na convivência
dos povos. O objetivo educativo “tolerância” poderia possibilitar
que o Estado constitucional recuperasse conscientemente a “história da conciliação e diálogo” entre as três religiões mundiais que
durou até 1492 (na Espanha)37. Finalmente, em alguns lugares pode
M. Riesebrodt, Fundamentalismus als patriarchalische Protestbewegung, 1990; id., Islamischer
Fundamentalismus aus soziologischer Sicht, in: Aus Politik und Zeitgeschiche B 33/93, de 13 de agosto de
1993, p. 12 e ss.
A respeito, Hans Küng, Konstruktive Provokation, Eine Erklärung für ein Weltethos mu konsensfähig,
selbstkrittisch und wirklichkeitsbezogen sein, in: Deutsches Allgemeines Sonntagsblatt, de 8 de outubro de
1993, p. 20, com frases como: “Cada homem deve ser tratado humanamente”, com a “regra de ouro”, as
quatro máximas: “não matar, não roubar, não mentir, não praticar a luxúria”, bem como a sustentação ética da
Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas. 1993 foi também o ano de debate sobre “Pluralismo e
identidade” no oitavo Congresso Europeu de Teólogos em Viena: a respeito, FAZ, de 20 de setembro de 1993,
p. 6.
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até, graças aos “diagnósticos” dos fundamentalistas, encontrar “terapias” para as próprias crises mediante a reforma de si mesmo,
sem abandonar sua raison d’être: dignidade humana, democracia,
pluralismo, proteção da privacidade, tolerância e neutralidade, justiça social. O modelo pluralista, com suas muitas “identidades e
verdades” competidoras, necessita, como ordenamento marco, da
Constituição e do patriotismo constitucional a ela referidos de todos
os cidadãos; de outra forma se dissolveria em arbitrariedades e em
guerra civis; no entanto, necessita também de elementos de uma
“ética mundial”, como se manifestam na “Declaração para uma ética mundial”, aprovada em 1993.
II – TEORIA E REALIDADE DO TIPO ESTADO CONSTITUCIONAL. CARACTERIZAÇÃO A PARTIR DA
PERSPECTIVA JURÍDICA E CIENTÍFICO-CULTURAL
Antes que o Estado constitucional possa colocar-se na Terceira Parte na
prova de confirmação frente a todos os fundamentalismos, deve ser caracterizado como tal de uma forma acessível também a outras ciências. Isso só é possível a título de esboço e simplificando. Colocaram-se em relevo os elementos
do Estado constitucional do nível de desenvolvimento atual, que convertem o
fundamentalismo em um problema para aquele e que o situam em oposição em
amplos âmbitos.
1 A DIGNIDADE HUMANA COMO PREMISSA ANTROPOLÓGICO-CULTURAL – AS LIBERDADES CULTURAIS, A
DEMOCRACIA PLURALISTA COMO “CONSEQUÊNCIA ORGANIZATIVA”
O Estado constitucional é a obra, que não se cessa de escrever, de muitas
épocas e gerações. Textos clássicos de Aristóteles a Montesquieu, Rousseau e
Kant o expressam em um diálogo na cúpula dos “titãs”, sobre cujos ombros
grandes tribunais constitucionais como a Supreme Court norte-americana e o
Tribunal Federal alemão, também o Tribunal Federal suíço e os tribunais constitucionais europeus como o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de
Luxemburgo e o Tribunal Europeu de Direitos Humano de Estrasburgo operam,
de igual forma que o juiz de primeira instância que, dia a dia, na frente, busca
realizar justiça em diminuto, ou o jurista que exerce uma “política de ajustamento científico”. O contrato cultural de gerações de muitas épocas e lugares
encontrou sua expressão nas grandes contribuições dos fundadores como a declaração de independência americana e a Virgínia Bill of Rights, 1776, ou em
elementos da Revolução Francesa (1789) e recentemente nas revoluções pacíficas na Europa Oriental (1989). Como tal, está de novo em perigo – como se
mostra hoje demasiado claro nas guerras civis. Os próprios literatos e músicos
participam no Estado constitucional como foro do desenvolvimento da humaRDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 58-80, mar-abr 2015
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nidade em nações: a Iphigenia de Goethe como “manifesto da humanidade”, o
“Guilherme Tell” de F. Schiller e a pergunta provocadora de Bert Brecht, “todo
o poder do Estado provém do povo, mas para onde vai?”, cofundamentam o
Estado constitucional, e a eliminação por Beethoven da dedicatória a Napoleão
de sua “Heroica”, quando esse se coroou imperador, contribuiu historicamente
mais para a difusão das ideias republicanas do que alguns tratados jurídicos. O
princípio da dignidade humana de I. Kant é, por sua vez, texto clássico da filosofia do direito e texto constitucional positivo, se se amplia com a horizontal do
“imperativo categórico” e se concebe na dimensão temporal como contrato gerador: o ser humano não deve ser convertido em objeto da ação estatal e social,
ele é – no espaço – sujeito de um contrato social idealizado e é no tempo – no
contrato gerador – responsável frente à posteridade – atualmente, por exemplo,
na proteção do meio ambiente (depósito definitivo dos dejetos nucleares) e no
endividamento público. Dessa garantia da dignidade humana emanam as muitas liberdades culturais como as de religião e de consciência, também a liberdade científica e artística, e têm como consequência essa “cultura da liberdade”,
também essa “liberdade da cultura” que é estranha, quando não impossível, no
fundamentalismo.
A democracia pluralista forma uma consequência organizadora da dignidade humana38 – o que aparece como simples “forma estatal” é uma correspondência mais profunda. O ser humano dotado de dignidade própria a contar
do nascimento cresce graças a processos culturais de socialização em um status de liberdade, que lhe atribui a participação democrática, o status de homo
politicus como “natural”. Dignidade humana e democracia formam as duas
faces da mesma res publica, que dão forma ao Estado constitucional do atual
estágio de evolução. A ilustração e o entendimento ocidental da democracia
atuam profundamente. A dignidade e o valor próprio da pessoa tiveram de ser
concebidos por filósofos antes de se “coagularem” em princípios jurídicos. A
democracia teve de ganhar-se lutando bem duramente – partindo da Inglaterra
–, até que amadureceu nesse conjunto de procedimentos e instituições múltiplas que hoje a caracteriza. Competência e diversidade, alternativas e oposição,
a alternância de maioria e minoria, o desenvolvimento aberto – tudo isso são
consequências da dignidade humana como premissa antropológico-cultural do
Estado constitucional. O contraste desses elementos do Estado constitucional
com o fundamentalismo salta aos olhos.
Em particular: a liberdade científica e artística não pode ser limitada
no Estado constitucional no interesse de verdades pretendidas ou reveladas;
a dignidade do ser humano permanece indisponível, as crianças não devem
38
A respeito, P. Häberle, Die Menschenwürde als Grundlage der staatlichen Gemeinschaft, HdBStR, v. I, p. 815
(845 e ss.), 1987.
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ser apartadas de seus pais nem subtraídas de sua “natural” missão educativa, o
assassínio com motivações fundamentalistas segue sendo também assassínio39.
Em outras palavras: acima de tudo, os conflitos e problemas de direitos fundamentais são campos em que o Estado constitucional tem de afirmar-se frente ao
fundamentalismo. As questões democráticas formam o outro campo. As orientações fundamentalistas podem articular-se em partidos e associações, mas estão
sujeitas aos limites do ordenamento jurídico geral; os artigos 21.2, 9.2 e 18 da
Lei Fundamental regem também e justamente frente a elas.
2 A FUNDAMENTAÇÃO CULTURAL DA SOCIEDADE ABERTA – OS VALORES BÁSICOS OCIDENTAIS COMO
“AGLUTINANTE” E LIMITE FRENTE ÀS EXAGERADAS EXIGÊNCIAS E PRETENSÕES FUNDAMENTALISTAS
A “sociedade aberta”, de K. R. Popper, proporciona a expressão-chave
para a caracterização “metajurídica” do Estado constitucional, e foi desenvolvida em contraste com os sistemas fechados de Platão, Hegel e Marx40. Claro
que isso não deve levar a ignorar a fundamentação cultural de cada sociedade
ainda tão aberta, de outro modo ficaria, literalmente, sem fundo, não poderia
criar a identidade nacional nem manter unido nenhum povo. Cada singular
Estado constitucional vive de consenso fundamental e pluralidade, de identidade alcançada em um desenvolvimento histórico, por exemplo, mediante a
“memória coletiva” e diversidade, valores básicos e alternativas variáveis. Tais
valores básicos do Estado constitucional são perceptíveis segundo cada nação
nos artigos da língua oficial, nas bandeiras, escudos e hinos, nos dias de festa
nacional e nas normas sobre a confissão, nas cláusulas de herança cultural,
etc.41. O desenvolvimento da neutralidade ideológico-confessional do Estado,
invocada repetidamente pelo Tribunal Constitucional Federal e pela doutrina42,
comporta uma grande contribuição – cultural – do Estado constitucional, expressão da disposição ocidental do mundo; não deve, no entanto, esquecer-se
que é, por sua vez, uma cultura determinada, a saber, a do cristianismo, a que
forma o contexto e o limite desse princípio. Precisamente em questões limites,
às que o fundamentalismo provoca, é imprescindível o recurso ao “cristianismo
como fator cultural” (Tribunal Constitucional Federal). Em outras palavras: o
famoso “princípio da não identificação”, de Herb. Krüger, isto é, a ideia de que
o Estado não deve identificar-se com determinadas religiões, confissões, ideologias, tem, por sua vez, certas premissas. Não se aplica de forma absoluta. Exis-
39
40
41
42
Outros exemplos em F. Hufen, Fundamentalismus als Herausforderung des Verfassungsrechts und der
Rechtsphilosophie. In: Sttatsswissenschaften und Staatspraxis, v., 3, p. 455 (469 e ss.), 1992.
Veja-se K. Popper. Die offene Gesellschaft und ihre Feinde, 7. ed., v. I e II, 1992.
Prova em P. Häberle. Rechtsvergleichung im Kraftfeld des Verfassungsstaates, 1992, especialmente p. 238
e ss., 836 e ss.
Da lit.: K. Schlaich. Neutralität als Verfassungsrechitliches Prinzip, 1972. Da jurisprudência: BVerfGE 19,
206 (216); 24, 236 (246); 33, 23 (28).
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tem, horribile dictu, valores básicos fundamentadores do Estado constitucional,
que este necessita precisamente no conflito com o fundamentalismo; isso, no
entanto, não converte, por sua vez, o Estado constitucional em um sistema fundamentalista. Justamente em sua vitoriosa luta contra os sistemas totalitários,
por exemplo, a ideologia nacional-socialista e o marxismo-leninismo, o Estado
constitucional viveu, também padeceu, que ele pode realizar esse difícil ato
de equilíbrio; ser e converter-se, uma e outra vez, em sociedade aberta por um
lado, invocando seus valores básicos como dignidade humana, liberdades culturais, democracia, bem como divisão estatal e social de poderes, afirmando-se
em seu próprio pluralismo contra as sociedades fechadas e seu monismo por
outro. Não modificam nada esse juízo as novas cláusulas anti-ideologia estatal
com as que se dotam tantos projetos constitucionais de Estados pós-comunistas
como a Rússia ou a Ucrânia – precisamente devido a suas más experiências
com a identificação absoluta do Estado com uma determinada ideologia43.
Desde já, na forma do Direito, isto é, juridicamente, somente se pode
alcançar uma parte da autoafirmação. Em amplas parcelas, trata-se de um conflito das culturas. Começa com objetivos educativos enriquecidos da tolerância,
vividos na escola, e finaliza no respeito da dignidade humana do outro na vida
cotidiana. Do Direito não se pode esperar demasiado no desafio por parte dos
fundamentalistas; em seus limites, no entanto, tem muito provavelmente sua
missão. O monopólio estatal da violência, praticada como ultima ratio, conserva sua justificação. Em qualquer caso, sempre há de se recordar que o Estado
e o Direito só têm importância instrumental, que não são um fim em si mesmo
como nos “Estados teocráticos”. Apesar de todas as fundamentações sem as
quais a sociedade aberta não pode passar, seu signo segue sendo a eterna busca
da verdade na política, ciência e arte, o conhecimento do possível fracasso, em
lugar da certeza de salvação.
III – O ESTADO CONSTITUCIONAL NA (PROVA DE) CONFIRMAÇÃO FRENTE AOS
FUNDAMENTALISMOS DE NOSSO TEMPO
1 PERIGOS
Os perigos que ameaçam o Estado constitucional e os pactos internacionais de direitos humanos levados por ele ao interior e ao exterior, isto é, o
Direito Internacional, são evidentes. O fundamentalismo religioso, por exemplo
43
Exemplos: a Carta de Direitos Fundamentais da República Federativa Tcheca e Eslovaca de 1991 (art. 2.1):
“The state is founded on democratic values and must not be bound either by an exclusive ideology or by a
particular religion” (veja-se minha contribuição: Verfassungsentwicklungen in Osteuropa..., AöR 117 (1992),
p. 169 (191); a Constituição da Federação Russa (1993), art. 13.2: “No ideology may be established as the
state ideology or as compulsory ideology”; o Projeto de Constituição da Ucrânia (1993), art. 9.4: “No ideology
shall limit the freedom of convictions, opinions, and thoughts or be recognized as the oficial state ideology”.
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o islâmico pode conduzir a guerras e atos de terror (exemplo, Irã, Egito, Sudão),
o nacional a guerras civis (exemplo, os Bálcãs); o fundamentalismo econômico,
que estiliza o mercado como medida de todas as coisas, pode ter como consequência exploração e prejuízos ao meio ambiente que ameaçam a humanidade, o fundamentalismo ecológico pode provocar na equiparação entre ser
humano e animal (por exemplo, proibição absoluta de experimentação com
animais) um retrocesso na pré-modernidade. Em geral, a cultura da humanidade
está em jogo. A ameaçadora perda de universalidade dos direitos humanos –
perceptível na reunião da ONU, em Viena, de 1993 (expressão-chave negativa:
“imperialismo ocidental dos direitos humanos”) – corresponde-se com o perigo
de esvaziamento dos princípios do Direito Internacional – os dois vão juntos.
Em última instância está em perigo a ONU como elemento da “Constituição da
comunidade de nações”, já que se baseia na ideia de coexistência e cooperação. Se se recorre aos textos da ONU, vê-se que não falam precisamente em
favor do monismo global e fundamentalismo, mas do pluralismo universal. Isso
se vê nas declarações e pactos de direitos humanos. Exemplos: Preâmbulo da
Declaração Geral dos Direitos Humanos da ONU de 1948: “povos”, “nações”,
“Estados membros”, artigo 27: livre participação na “vida cultural da comunidade”. E se desprende da Carta da ONU, por exemplo, o artigo 1.2: “relações
de amizade entre as nações baseadas no respeito ao princípio da igualdade de
direitos e à livre determinação dos povos”.
Já que a humanidade está hoje imersa em crise de sentido, frente às quais
os fundamentalismos prometem pronto remédio, são princípios jurídicos os que
primeiro oferecem apoio. Eles se devem historicamente à superação de muitos
fundamentalismos, e deram bons resultados no grande processo de secularização: pense-se na configuração gradual da tolerância e da liberdade religiosa,
depois da coação religiosa e da inquisição, as guerras de religião e a expulsão
por motivos religiosos. A “Constituição da humanidade”, se se permite essa
pomposa e redundante expressão, é o resultado da relativização de muitos fundamentalismos. Se de novo regressam, está ameaçada a família humana como
tal e como parte dela os direitos indisponíveis do indivíduo.
Pode-se objetar que aqui se situa de modo absoluto e se priva de sua
relatividade histórica uma fase evolutiva da humanidade, apreensível no tipo
Estado constitucional e na constituída comunidade internacional. No entanto,
a meu juízo, a série dignidade do homem, família internacional, humanidade,
direitos humanos – todos conceitos dos textos da ONU – marca um estado
cultural do status civilis mundialis, que não se pode voltar atrás e que deveria
ser irreversível. Todo estado natural é um bellum omnium contra omnes (T.
Hobbes), e o fundamentalismo conduz de volta a tais estados naturais, bem
como à anulação da liberdade do indivíduo. Tão impossíveis de ignorar, as
crises são também “custos” da modernidade: por trás da comunidade internaRDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 62, 2015, 58-80, mar-abr 2015
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cional de coexistência pacífica, representada pela ONU, e, por trás das ideias
de I. Kant sobre a dignidade humana que os direitos humanos abarcam, não há
regresso possível – nem por meio da via de um novo “fisiocentrismo”, nem dos
“Estados teocráticos”, nem dos Estados nacionais que se dispõem absolutamente, nem de militantes doutrinas de salvação.
Já que na sociedade aberta amiúde faltam instâncias criadoras de sentido,
o perigo de que os seres humanos se aferrem a doutrinas de salvação de todo
tipo e, com isso, ponham inconscientemente em perigo a própria humanidade,
é desde já grande. O Estado constitucional tem de criar, portanto, muita força
atrativa e dispor de meios pedagógicos para levantar diques contra o fundamentalismo, para contrarrestá-lo também como moderno problema.
INCURSÃO: ZONAS DE CONFLITO DOS PRINCÍPIOS ESTRUTURAIS DO ESTADO CONSTITUCIONAL E DAS POSIÇÕES DO
“DIREITO DIVINO” E DO “ESTADO DIVINO” ISLÂMICOS – A QUESTÃO DOS DIREITOS HUMANOS
Em forma de incursão elegeram-se as zonas nas quais se opõem “criticamente” princípios e funções jurídicos concretos do Estado constitucional por
uma parte, e o entendimento islâmico do Direito e do Estado por outra, embora
o fundamentalismo islâmico certamente seja hoje somente uma forma de aparição do fundamentalismo. Na medida em que se consiga lograr de novo uma
cultura do diálogo entre a ciência jurídica ocidental e o Islã, e o Estado constitucional proporcione, graças à sua abertura, o melhor marco para isso, “o” Islã,
até suas correntes mais extremas, poderia ser integrado em bastantes aspectos
– sem nivelar as diferenças – nesse foro pluralista. Embora o fundamentalismo
islâmico não se deixe apenas conduzir ao discurso científico, a ciência do Estado constitucional tem de abrir, lutando, vias de diálogo. Aí reside sua fortaleza.
Pode demonstrar assim até que ponto deixa espaço aos fundamentalismos e
onde tem de insistir em seus fundamentos e valores básicos como bloc des idées
incontestables (M. Hauriou). Escolheram-se os seguintes temas:
(1) Comecemos com o problema “direitos humanos universais e Islã”. A
“Declaração dos Direitos Humanos no Islã do Cairo” (1990)44 serve para continuação como fundamento (não a “Declaração geral islâmica dos Direitos humanos”, de 198145) da lavra do “Conselho Islâmico para a Europa”, de influên44
45
Citada segundo Gewissen und Freiheit 19 (1991), p. 93 e ss.
Citado segundo Christilch-Islamischer Begegnung, Dokumentationsleitstelle (CIBEDO), ns. 15/16, jun./set.
1982, p. 53 e ss. Em seu preâmbulo se diz, entre outras coisas: “os direitos humanos que emanam da
lei divina têm como objetivo atribuir dignidade e honra ao gênero humano”. A Declaração contém um
catálogo amplo de direitos fundamentais, p. ex., também direitos das minorias (art. X), liberdade religiosa, de
pensamento e de palavra (art. XII), direitos à seguridade social (art. XVIII), direitos à esfera privada e imigração
e emigração (art. XXII e ss.): no entanto, a reserva de limitações e legal acrescentada amiúde não deve levar
a engano. “Lei” é, conforme uma “indicação explicativa” (número 1b), a sharia, isto é, “o conjunto das
disposições do Alcorão e da Suna e todas as demais leis, que provêm dessas fontes por uma via considerada
como válida pela ciência jurídica islâmica”.
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cia árabe-saudita, já que se caracteriza por uma “acumulação não crítica” dos
direitos humanos46. No próprio preâmbulo se diz que os membros da Organização da Conferência Islâmica “crêem que os direitos e liberdades fundamentais
no Islã são um componente integrante da religião islâmica”. Lemos no artigo 1
A: “Todos os seres humanos são iguais em dignidade, deveres e responsabilidade, sem distinção de raça, cor da pele, língua, sexo, religião, ideias políticas”
etc.; mas também o acréscimo: “A fé verdadeira é a garantia para a obtenção
de tal dignidade no caminho para a perfeição humana”. A título de catálogo se
encontram direitos fundamentais que lembram, segundo seu teor literal, as declarações ocidentais, por exemplo: “A família é a célula nuclear da sociedade”
(art. 5 A), “A mulher é igual em dignidade ao homem” (art. 6 A), ou até art. 11
A: “ser humano nasce livre”. Também o direito de todo ser humano à “segurança pessoal” (art. 18 A), à igualdade jurídica (art. 19 A: “todos os seres humanos
são iguais perante a lei”) e à presunção de inocência no artigo 19 C indica, em
princípio, a existência de uma cultura comum em relação aos direitos humanos.
Então, no entanto, aparecem dúvidas. Vários direitos fundamentais são postos
expressamente sob a reserva da sharia, isto é, a lei divina deduzida do Alcorão:
assim a liberdade de movimento (art. 12), o direito de propriedade intelectual
(art. 16), o direito à livre expressão da opinião (art. 22 A). O ponto final e o
marco opõem, no entanto, os artigos 24 e 25: “Todos os direitos e liberdades designados nesta declaração estão subordinados à sharia islâmica”, bem como “A
sharia islâmica é a única fonte competente para a interpretação ou clarificação
de cada artigo desta declaração”47. Da perspectiva ocidental se abrem, inteiramente, as portas para uma relativização dos direitos humanos, o que dificulta
que se possam estender pontes às declarações universais, desde a de 1789 até
as da ONU (1948 e 1966). Porque os direitos humanos dependem, no que se
refere a seu conteúdo e em seus limites, dos intérpretes competentes da sharia, e
esses vão desde o entendimento moderado em Túnis48 até a teocracia totalitária
46
47
48
H. Bielefeldt. Menschenrectte und Menschenrechtsverständnis im Islam, EuGRZ 1990, p. 489 (496).
Sobre o discurso islâmico dos direitos humanos, H. Bielefeldt. Der islamische Menschenrechtsdiskurs, ZRP
1992, p. 146 e ss., que distingue três contradições entre a sharia e os direitos humanos: castigos corporais,
discriminação da mulher e limitações da liberdade religiosa e que fala da “ambiguidade” dos documentos
islâmicos de direitos humanos. – Terminante M. Tworuschka. Die Rolle des Islam in den arabischen
Staatsverfassungen, 1976, p. 43: “Os direitos humanos no sentido hoje habitual jamais existiu no Islã”.
Não existe, de nosso conhecimento, nenhum trabalho que desenvolva comparativa e historicamente as
questões constitucionais e de direitos humanos nos Estados islâmicos com o alto nível do de J. Schacht, Na
Introduction to Islamic Law, 1964.
No Parlamento do Kuwait existem atualmente pretensões de “islamizar” esse país. O parágrafo 2 da Constituição
deve ser modificado: a lei islâmica (sharia) não deve ser daqui para frente “uma” fonte principal, mas “a” fonte
principal da legislação. Alguns queriam até declarar a sharia fonte “única”. Um de seus partidários queria
evitar, com essa emenda constitucional, novas leis “não islâmicas” e unificar progressivamente as existentes
que não são “totalmente islâmicas” (a respeito, W. Köhler, Auf korrekter religiöser Grundlage, FAZ, de 27de
janeiro de 1994, p. 10). Uma voz professoral do Kuwait teme uma possível interpretação, “estreita de miras”,
que faria do Kuwait uma “sociedade fechada”; teriam de ser temidos efeitos prejudiciais para a liberdade
pessoal, os direitos da mulher, a práxis da economia e dos estrangeiros residentes no emirado.
A respeito, H. Bielefeldt. EuGRZ, loc. cit. p. 495.
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no Irã do Ayaltollah Khomeine. Certamente, também o Ocidente se distingue
nos conteúdos e limites dos direitos humanos de nação para nação, segundo
cada Constituição, mas um determinado padrão mínimo, junto à independência do juiz, está fixado, no entanto, com caráter transnacional. Pelo contrário,
no mundo árabe são possíveis castigos corporais de acordo com a sharia ou a
subordinação da mulher (também, por exemplo, em forma da poligamia permitida49). E o Direito Penal dos Estados islâmicos se apresenta medido segundo
o padrão universal dos direitos humanos, muito questionável em diversos aspectos (por exemplo, em relação à pena de morte). Não se objete que também
os direitos humanos ocidentais estariam relativizados mediante cláusulas de
ordem pública e reservas legais. Porque, por uma parte, a última palavra da
interpretação corresponde a juízes independentes estatais e supranacionais, por
outra, o alcance das ingerências nos conteúdos das liberdades é, por sua vez,
limitada, pense-se, por exemplo, nos sólidos padrões da interpretação dos bens
jurídicos restritivos, necessários em uma “sociedade democrática” no sentido
dos artigos 10,2 e 11,2 CEDH50.
(2) No presente trabalho não se pode realizar um inventário comparativo das formas de aparição dos direitos humanos nas Constituições islâmicas.
Somente se selecionou um exemplo: a Constituição da República Islâmica do
Irã, de outubro de 197951. É a mais próxima do fundamentalismo islâmico no
texto e na realidade. Isso se vê no entendimento constitucional (compare-se o
Preâmbulo: criação de uma “única comunidade de fé mundial”) no conceito
de Direito (Preâmbulo: “sistema jurídico sobre a base da justiça islâmica com
recurso a justas regras jurídicas e as regras jurídicas islâmicas de juízes experientes”). Embora certamente se encontrem fórmulas tão abundantes como: “A
justiça de Deus na criação e legislação” (art. 1,4) ou “nobreza e dignidade do
homem e sua liberdade responsável perante Deus” (art. 2,6), no entanto, o art. 4
faz do Islã fio condutor de todos os princípios da Constituição e de todas as
leis com a adição: “sobre isso velam os sábios do direito islâmico do Conselho
de Guardiões”. Embora o Governo esteja obrigado, em virtude do art. 14, “a
atuar em relação aos não muçulmanos segundo o melhor costume, com bons
modelos e observando a justiça islâmica e a respeitar seus direitos humanos”52,
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50
51
52
Sobre esse problema, de forma diferenciada, H. Bielefeldt, loc. cit., p. 495.
A respeito da lit.: K. Weldmann. Der Europäische Gerichthof für Menschenrechte als Verfassungsgericht,
1985, p. 267 e ss.; J. A. Frowein/Peukert. Europäische Menschenrechts-konvention, Kommentar, 1985,
p. 233 ss.; P. Häberle. Die Wesensgehaltsgarantie des Art. 19 Abs. 2 GG, 3. ed., 1983, p. 271 e ss.
Citada segundo A. P. Blaustein/G.H. Flanz (Ed.). Constitutions of the countries of the world, ed. de 1992:
tradução alemã da Embaixada da República Islâmica do Irã, Bonn, 1980.
No Irã proferem-se frequentemente condenação de morte contra membros da comunidade religiosa dos
bahai. Recentemente, com a fundamentação (citado segundo FAZ, de 27 de janeiro de 1994, p. 6): “Em
virtude de leis religiosas e normas teológicas, os acusados não podem ser incluídos entre os privilegiados e
protegidos infiéis... e, por isso, os condena o Tribunal a morte como infiéis não protegidos que se encontram
em guerra com a nação muçulmana”. Em dezembro de 1993, um bahai foi condenado à morte por apostasia.
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o catálogo dos “direitos do povo”, no entanto, põe literalmente todos os direitos
humanos, políticos, econômicos, sociais e culturais sob a reserva dos “princípios islâmicos” (cf. art. 20,21), também a liberdade de opinião e de imprensa
(art. 24), a liberdade de partidos e de associação (art. 26), a liberdade de reunião
e de manifestação (art. 27). A justiça está em geral vinculada aos princípios islâmicos (arts. 61, 167). O artigo 177,9 regula a cláusula de eternidade perante
revisões constitucionais e protege, de modo absoluto, o “caráter islâmico do
sistema político”, os princípios islâmicos como “fundamento de todas as regras”
e o Islã como “religião do Estado”53.
Assim toda possibilidade de acordo entre Ocidente e Oriente em relação
aos direitos humanos depende, portanto, em última instância, dos “princípios
islâmicos, de sua interpretação e práxis moderada ou agressivamente intolerante54. O artigo 26 do Decreto árabe-saudita sobre os fundamentos da sharia, de
2 de março de 199255 dispõe, sem rebuços: “O Estado protege os direitos humanos conforme a sharia”. E o projeto de constituição modelo da Universidade
Azhar, de 197956, conclui seu impressionante catálogo de direitos fundamentais
com a inequívoca frase (art. 43): “Rights are enjoyed according to the objectives
of the sharia”. Isso significa “Estado religioso”, em lugar de “Estado dos direitos
fundamentais”.
(3) A oposição entre as declarações islâmicas de direitos humanos que
estão sob a reserva do “Direito Divino” e as declarações gerais de direitos humanos de 1948/6657 põe-se de novo em evidência, se se recorre conjuntamente
à concepção sobre o Estado, o Direito e a democracia como “texto e contexto”.
Frases como: “O Alcorão é nossa Constituição”58 o provam. Porque qualquer
tipo de “concepção estatal-divino” afeta a ideia universal dos direitos humanos
em sua essência. Assim, é sintomático que um porta-voz dos fundamentalistas
do FIS da Argélia59 formule a frase: “Neste país haverá um amplo espectro de
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57
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59
O abandono do Islã é punível no Irã; a fé bahai é considerada “heresia” pelos doutores da lei iraniana (FAZ,
loc. cit.).
Sobre o Islã como religião de Estado, com distintas configurações nas constituições árabes: M. Tworuschka.
Die Rolle des Islam in den arabischen Staatsverfassungen, 1978, p. 32 e ss.
Nos países islâmicos existem interpretações muito diferentes sobre a “sharia como fonte legislativa”. A
respeito, M. Tworuschka. Die Rolle des Islam in den arabischen Staatsverfassung, 1976, p. 37 e ss. Sobre
os problemas constitucionais dos Estados islâmicos modernos” e os pensadores conservadores e os mais
progressistas: R. Dreyer. Die Arabische Republik Jemen, 1983, p. 40 e ss.
Boletim Oficial árabe-saudita, ano 69, n. 3397.
Al-Azhar Magazine, English Section, April 1979.
Cf. também W. Graf Vitzhum. Die Überstaatliche Bedingheit des Staates, EuR, suplemento 1/1993, p. 19
(24 ss.).
Cf. G. Kepel. Der Koran ist unsere Verfassung, vom Indus bis zum Atlas predigen Islamisten einen Gottestaat.
In: Der Islam – Feind des Westens?, Zeitmagazin 1993, p. 19 e ss.; Id., in: Die Zeit n. 47 de 13 de novembro
de 1992, p. 13 e ss. Cf. também W. Köhler, “Dem Buche Gottes folgen”, Die Schura in Saudi-Arabien kann
den König allenfalls beraten, FAZ, de 16 de fevereiro de 1994, p. 10.
Abdullah Anas. “Militarische Lösungen erzwingen”. In: Der Spiegel n. 1, de 3 de janeiro de 1994, p. 105.
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opiniões e também um sistema pluralista de partidos. Mas há quem negue a sharia, o Direito islâmico e o Alcorão como pauta de conduta, vinculante moral e
politicamente, não cabe em um Estado islâmico”60. Todas as conquistas da cultura jurídica ocidental, como a distinção entre o profano e o religioso-espiritual,
entre Direito e moral, entre Estado e sociedade, a neutralidade do Estado em
assuntos religiosos e a imparcialidade do Direito e da jurisprudência – havendo
lutado penosamente por elas durante séculos! (depois de cismas religiosas e
guerras de religião) – estariam afastadas com tais declarações. As conquistas da
cultura jurídica ocidental começam na sociedade aberta, bem como na democracia pluralista61, passam por vinculação, estranha ao Islã, do juiz (estatal) independente62 exclusivamente para a lei (ocidental) e para os métodos de interpretação controláveis racionalmente e terminam no Direito Internacional: somente
a “umma”, a unidade política dos muçulmanos, é reconhecida pelo Islã, não a
comunidade de Direito Internacional, constituída, fundamentalmente, por Estados e o Direito Internacional de cunho europeu ocidental, e norte-americano63,
que não exige “fieis” e “infiéis” e que conserva precisamente, assim, a unidade
da comunidade de Direito Internacional e a universalidade desse Direito (até
na época álgida do marxismo-leninismo). Poder-se-ão desmontar algum dia,
conjuntamente com representantes do Islã, livres de prevenções, tais “âmbitos
de tensão” no pensamento sobre o Estado, a Constituição, o Direito e o Direito
Internacional? Também com representantes das cinco escolas jurídicas do Islã?
2 POSSIBILIDADES DE CONFIRMAÇÃO DO ESTADO CONSTITUCIONAL
À vista dos desafios fundamentalistas, o Estado constitucional não só deve
ser preservado, também tem de ser confirmado, isto é, tem de seguir evoluindo.
Há de ser constantemente reformado no sentido da técnica de obra imperfeita do racionalismo crítico. Não somente é de se lamentar o fundamentalismo
como perigo, mas que deveria dar lugar para perguntar-se pelos défices e carências do Estado constitucional. No fundo, trata-se de uma marcha pela corda
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Veja-se o informe sobre o “terror dos fundamentalistas” no Sudão (FAZ, de 28 de janeiro de 1994, p. 6),
segundo o qual já se começou com a castração dos adultos que não querem converter-se ao Islã, e onde,
por exemplo, a Igreja Evangélica da Alemanha, por motivo da visita de seu representante, tem de perguntar
que será da diversidade religiosa e cultural do país, se o Alcorão tiver de ser a lei fundamental do Estado e a
sharia o único Direito. Veja-se também o artigo de H. Mosbahi, “Die verratene Tradition”, Die Zeit n. 7, de 11
de fevereiro de 1964, p. 47 s., segundo o qual junto a Rushdie outros muitos intelectuais islâmicos já foram
vítimas do terror fundamentalista. Veja-se também o informe sobre a “morte na fogueira de Sivas” (FAZ, de 4
de fevereiro de 1994, p. 35) e a acusação contra “fundamentalistas suspeitos” em Ancara.
A respeito, Bassam Tibi. Das Königs-Dilema, Mit der Gründung einer Schura in Riad hat nicht die Demokratie
begonnen, FAZ, de 17 de dezembro de 1993, p. 14, com referência aos “fundamentalistas islâmicos”, como
o egípcio Mustafá Abu Zaid-Fahni, que interpretam a “shura” como uma forma autenticamente islâmica de
democracia (o Islã havia sido “a primeira democracia da terra”).
Primeiros materiais é o que proporciona I. Schneider a partir da ciência islâmica e literária: Das Bild des
Richters in der adab-quadi-Literatur, 1990.
A respeito, W. Graf Vitzhum, loc. cit., p. 25 ss.
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bamba. Por um lado, é de se trabalhar em uma fundamentação aprofundada e
aprofundante de valores – isso vai desde a transposição prática dos objetivos
educativos como tolerância, respeito dos direitos humanos, responsabilidade
pelo meio ambiente etc., até a recuperação da dimensão dos deveres e cargos
honoríficos a serviço do bem comum (o comunitarismo americano64 indica aqui
um défice). Por outro lado, deve-se conservar, apesar de toda diferença das culturas, a abertura do Estado constitucional e sua universalidade.
Alguns exemplos aqui: ante os danos ao meio ambiente é de se desenvolver a economia “social” de mercado com vista a uma economia “ecológica”
de mercado também, como fazem agora algumas Constituições dos Länder alemães orientais, (por exemplo, Brandemburgo: art. 42, art. 2, art. 38 Turíngia).
Ou: na Europa Oriental, os Estados ante o vazio deixado pelo fracasso do marxismo-leninismo podem recordar de forma acentuada seu fundo nacional, mas
essa renacionalização só é tolerável em conexão com uma proteção efetiva das
minorias; na Europa Ocidental a crise da comunitarização europeia só pode ser
superada mediante a reflexão sobra a “Alemanha europeia” (Thomas Mann).
Estados unitários como França e Itália têm de pluralizar-se mediante uma regionalização interna. A estatalidade de partidos é de ser disciplinada mediante
novas formas e procedimentos, (por exemplo, incompatibilidades), para que o
Estado constitucional não se converta em “botim dos partidos”. Em seu conjunto, os fundamentalismos de todo tipo intensificam a pressão para que o Estado constitucional se reforme. Contemplamos, por exemplo, as dificuldades
e capacidade parcial de reforma da Itália, onde a justiça se acostuma a uma
(demasiado) grande responsabilidade. A política e também as ciências e as artes
cujo trabalho lhe antecedem são chamadas a criar tantos valores orientadores65
que o Estado constitucional seja capaz de afirmar-se na “luta cultural” contra os
fundamentalismos que põem em perigo a liberdade do indivíduo e a sociedade
aberta. A ideia da dignidade humana, de I. Kant e de F. Schiller, a ideia de tolerância de Lessing e o ideal de humanidade da ONU, por exemplo, a respeito
da paz mundial, podem marcar a pauta. Isso não é demasiado exagerado, tendo
em vista a “oposição fundamental” dos fundamentalismos. A ciência jurídica –
comparativa – tem de cumprir sua missão mais intensamente.
PERSPECTIVA E CONCLUSÃO
A humanidade em geral e os cidadãos dos Estados constitucionais em
particular puderam respirar, uma vez que o fundamentalismo político agressivo do marxismo-leninismo fracassara em 1989. Os outros fundamentalismos,
64
65
A respeito, por exemplo: M. Brumlik/H. Brunkhorst (Eds.), Gemeinschaft und Gerechtigkeit, 1993; A.
Honneth (Ed.), Kommunitarismus, 1993; C. Zahlmann (Ed.), Kommunitarismus..., 1992.
Sobre o fundo: P. Häberle. Erziehungsziele und Orientierungswerte im Verfassungsstaat, 1981.
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atuais hoje, não são quiçá menos perigosos, mas deveriam ser dominados segundo os valores básicos do Estado constitucional, que segue desenvolvendo-se no tempo e a partir de sua cultura da liberdade e da tolerância, bem como
de seu horizonte fixo na humanidade. O “princípio esperança”, bem como a
“marcha ereta” (E. Bloch), ganha para o homem e a humanidade, e o “princípio
responsabilidade” (H. Jonas) teria de abordar uma associação que proporcione
confiança na condição aberta da história universal e da possibilidade de que os
homens a dotem de sentido. O Estado constitucional e a comunidade internacional podem contrarrestar os fundamentalismos de nosso tempo, se o próprio
jurista recorda a frase de Goethe: “Quem possui arte e ciência tem religião, o
que não possui essas duas, provavelmente tem religião”. Porque a proteção e o
“cumprimento” desses três campos da antropologia cultural: a saber, liberdade
de religião, arte e ciência, criam as melhores precauções perante todos os fundamentalismos. A sociedade aberta não é aqui uma palavra oca, mas cifra para
nossa cultura de liberdade, que segue ameaçada, mas que pode também dar
bom resultado em geral e em particular.
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