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O Conrtole da Administração Pública Pelo Poder Judiciário.
AUTORIA: Luis Gustavo Serravalle Almeida, acadêmico do 5º ano
noturno.
SUMÁRIO 1. O controle da Administração Pública: uma necessidade
evolutiva. 2. Alguns aspectos do controle jurisdicional. 3. Sistema de
jurisdição dúplice e sistema de jurisdição una. 4. O princípio da
inafastabilidade do controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário.
5. Controvérsias sobre o alcance do controle jurisdicional da Administração
Pública. 6. O controle dos atos discricionários. 6.1 Vinculação e
discricionariedade. 6.2 O controle pela finalidade. 6.3 O controle pelos
motivos. 7. Conclusões finais 8. Referências.
1. O controle da Administração Pública: uma necessidade evolutiva
O controle da Administração Pública tem a sua origem vinculada basicamente ao fenômeno
da positivação das normas jurídicas, ocorrido a partir do século XVIII. Até então vingavam
os Estados Soberanos, chefiados pelos Reis, administradores que detinham em suas mãos
todos os Poderes estatais e que atuavam sem prestar conta de seus atos a nenhum outro
órgão.
O advento da Revolução Francesa e a conseqüente promulgação da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão foi um marco decisivo no tocante ao controle do atos da
Administração Pública. Esta Declaração, em seu art. 15º já dizia: “A sociedade tem o
direito de pedir conta a todo agente público de sua Administração”. Positiva-se, desde
então, o controle da Administração Pública.
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O ápice desta positivação dá-se com o advento do Código Napoleônico, que surge como
detentor de soluções para todas as lides. A Administração, então, passa a ficar atrelada, em
toda sua inteireza, aos limites impostos pela lei.
A partir do século XIX, a observância pelo administrador aos aspectos da legalidade tornase mais imprescindível ainda. Os ideais liberalistas de não intervenção estatal na economia
resultam em uma enorme crise econômico-social. Com isso o Estado vê-se obrigado a
intervir, a atuar em lugares que dantes não atuava, a fim de recuperar e manter a
estabilidade econômico-social. Cresce os poderes da Administração e mais necessário se
torna vinculá-los aos limites da lei, para que não se retroaja aos regimes dos Estados
Soberanos, em que não havia respeito aos direitos fundamentais. Eis a única maneira de
conter os abusos provenientes do poder, qual seja, sujeitar a Administração ao Direito.
Sucede que a observância da lei não deve ser confiada àquele que tem como dever observála. É preciso que se tenha um sistema estruturado de controle de legalidade capaz de manter
a atuação do administrador adstrito aos lindes legais. A grande questão do Direito
Administrativo contemporâneo, então, passa a ser como controlar uma Administração
Pública que por seu natural crescimento incentivou de forma considerável as possibilidades
materiais de abuso e excesso no poder.
Assim é que muitos países desenvolveram diversos sistemas de controle e que no Brasil
encontramos três: (1) o controle realizado pela própria Administração, denominado de
controle administrativo ou interno; (2) o controle que o Poder Legislativo exerce sobre o
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Executivo, denominado de controle parlamentar e (3) o controle que o Poder Judiciário
realiza sobre os atos administrativos.
O controle jurisdicional aqui merece especial atenção, tendo vista as suas peculiaridades
causadoras de grandes e eloqüentes discussões. Em um primeiro momento da história este
controle era realizado de forma bem tímida, pois alega-se que, ao controlar a atividade
administrativa o Judiciário estaria interferindo na esfera de competência própria do
Executivo e, pois, ferindo o princípio da separação de poderes. Desta forma,
primeiramente, ao Judiciário cabia apenas verificar os aspectos da competência e da forma.
Todavia a evolução dos estudos jurídicos e a consciência de que o Estado não mais poderia
ter os poderes usualmente concedidos ao príncipe absoluto, viabilizou a construção e
concretização de um arsenal de instrumentos jurídicos para o controle do exercício da
função administrativa.
Assim, veremos no presente trabalho o controle que o Poder Judiciário exerce sobre a
atividade administrativa, enfatizando as grandes celeumas que giram em torno do tema,
objetivando verificar: (1) até que ponto pode o Poder Judiciário controlar a atuação da
Administração, sem que haja ferimento ao princípio da separação de poderes; (2) se este
controle restringe-se aos aspectos da legalidade ou abrange igualmente o mérito do ato
administrativo; (3) se este controle abrange os atos de competência discricionária ou se é
restrito aos atos de competência vinculada.
2. Alguns aspectos do controle jurisdicional
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O controle judicial é o controle que o Poder Judiciário exerce sobre o Poder Público.
Consiste em um controle corretivo ou repressivo, feito a posteriori do ato. Tal controle veio
a se fortalecer como advento da Constituição Federal de 1988, vez que no ordenamento
jurídico anterior apenas protegia-se judicialmente as lesões a direito e, atualmente,
conforme art. 5º, XXXV, não somente a lesão a direito é tutelada, mas também a ameaça a
direito. Juntamente com o princípio da legalidade, este controle constitui um dos pilares do
Estado de Direito, pois, como nos ensina Di Pietro, (2001, p. 603) “de nada adiantaria
sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um
órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos
ilícitos por ela praticados.”
Diversos são os meios postos à disposição dos administrados para provocação do controle
dos atos administrativos pelo Poder judiciário. Estes remédios encontram-se no bojo da
Constituição Federal e de leis esparsas, sendo exemplos: ação popular (art. 5º, LXXIII,
CF/88, e Lei nº4.717/65); mandado de injunção (art. 5º, LXXI da CF/88); mandado de
segurança individual e coletivo (art. 5º, LXIX e LXX, da CF/88, e Lei nº1.533/51); habeas
corpus (art. 5º, LXVIII e arts. 647 e segs. do Código de Processo Penal); habeas data (art.
5º, LXXII); ação civil pública (art. 129, III da CF/88 e Leis nº7.347/85, 8.078/90 e
9.494/97).
Trata-se de um controle que só é exercido quando provocado e sua ação será nos termos
daquilo que lhe foi solicitado por quem o provocou, diferentemente de alguns sistemas
alienígenas, em que o juiz examina de ofício as questões de direito suscitadas ou não.
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Algumas críticas são apontadas à esse controle, como a dificuldade de acesso, visto que
para a sua provocação é necessário o pagamento de custas judiciais, bem como de
honorários advocatícios. Registre-se também o desconhecimento da grande maioria dos
administrados dos remédios garantidores e, principalmente, a problemática da lentidão, da
morosidade da justiça, o que, por vezes, cria certa incredulidade nos administrados.
Todavia, apesar desses empecilhos, o controle judicial é de suma importância à
sobrevivência do Estado de Direito. A identificação de tais obstáculos não devem esvaziar,
nem minimizar o seu valor, mas servir de incentivo na busca de soluções, finalizando o seu
aprimoramento.
3. Sistema de jurisdição dúplice e sistema de jurisdição una
Dois são os sistemas em que se organiza o controle jurisdicional da Administração Pública:
o sistema de jurisdição una e o sistema de jurisdição dupla. Este último é proveniente da
doutrina francesa que, conforme nos ensina Bonnard (1934 apud WATANABE, 1980, p.
23), se assenta na idéia de que não deve haver ingerência de um poder naquilo que é
peculiar de outro, posto que implicaria em violação da teoria da separação de poderes se o
Poder Judiciário julgasse as lides envolvendo o Poder Executivo. Tal sistema caracteriza-se
pela existência de duas ordens de jurisdição paralelas, ou seja, há a jurisdição ordinária
competente para as causas que não envolvem a Administração e a jurisdição especial ou
administrativa, competente, em princípio, para julgar os litígios que envolvam a
Administração. Existem neste sistema tribunais especialmente instituídos para as contendas
em que a Administração seja parte. Nele, normalmente, os atos administrativos não se
submetem, ou se submetem de modo reduzido, ao exame do Poder Judiciário.
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Quanto ao sistema de jurisdição una, sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro,
também denominado de sistema comum, a competência para a apreciação dos litígios se
concentra exclusivamente no Poder Judiciário. Assim, “tem logar a apreciação das
atividades administrativas do Estado, seja no âmbito do Direito Privado, seja no Direito
Público, através do Poder Judiciário” (FAGUNDES, 1941, p.91). É no sistema de
jurisdição una que o Poder Judiciário assume papel significativo na defesa do
administrados.
Algumas pontos positivos e negativos são apontados pela doutrina a ambos os sistemas.
Assim, no ensinamento de Medauar (1993, p. 162), como aspecto positivo do sistema de
jurisdição dupla aponta-se “a especialização dos juízes no tocante ao direito administrativo,
ao direito público e aos problemas da Administração”. Segue ainda ressaltando o
procedimento mais simples do contencioso administrativo, o que o torna mais rápido
(ressalta, todavia, que tal aspecto hoje é discutível na própria doutrina francesa que aponta a
lentidão como um dos obstáculos da prestação). Em desfavor à esse sistema, a autora
aponta os constantes conflitos de competência com a jurisdição ordinária, “pois as regras de
repartição de atribuições dificilmente apresentam-se claras e sem dificuldades de
interpretação”.
Em relação ao sistema de jurisdição una, ainda com a mencionada autora, favoravelmente
aponta-se a unidade e, consequentemente, a ausência de problema no que concerne à
competência. Por outro lado, não há juízes especializados na matéria e, dita ainda, a
sobrecarga trazida ao Judiciário.
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A autora conclui dizendo que o importante para a eficácia do controle judicial da
Administração Pública não é o tipo de sistema adotado. Para ela qualquer dos dois poderá
ser eficaz, desde que se procure sanar ou atenuar as insuficiências apontadas.
Para Fagundes (1941, p. 104) o controle exercido por um órgão diverso e autônomo é mais
eficaz. Nas suas palavras:
O sistema de controle pela jurisdição comum assenta numa concepção da
separação de poderes oposta à francesa, bem como na opinião de que os direitos
individuais só ficam suficientemente amparados em face dos atos administrativos
quando o exame contencioso destes é entregue a um órgão autônomo. Parece-nos
melhor esse sistema. Alega-se, com razão, que, confiada a função jurisdicional
exclusivamente ao Poder Judiciário, ainda quando se haja de exercer a propósito
de ato do Poder Administrativo, atende-se melhor ao princípio da separação de
poderes e especialização de funções, porque, aquele se deixa exercer a sua
atividade sempre e até quando se trata de função peculiar. Isto é, procura-se
concentrar num órgão único a jurisdição, dado principalmente o seu feitio de
função essencialmente jurídica, em contraste com as demais em que prevalece o
caráter político. Tal sistema, além disso, dá margem a um regime de melhor
equilíbrio entre os poderes estabelecendo a reciprocidade de controle. O
argumento de que só existe garantia eficaz aos direitos do administrado, se
protegidos pela intervenção do Poder Judiciário, é também convincente. Com
efeito. O reexame dos atos do Poder Executivo por um corpo especializado, que
dele se destaque apenas pelo fim de metodizar as atribuições a ele entregues
(administração ativa e administração contenciosa, como dizem os franceses),
não infunde confiança. O pronunciamento suscitado pelas reclamações
individuais fica à mercê de influencias diretas da administração ativa, influencias
cujas possibilidades são bem mais restritas em face de órgãos inteiramente
autônomos e independentes. Praticamente a grande vantagem da apreciação
jurisdicional desse atos decorre das garantias que a evolução do direito político
tornou inseparáveis do Poder Judiciário, dando-lhe condições de independência
assecuratórias de imparcialidade no exercício de suas atribuições.
Mais pertinente o posicionamento de Seabra Fagundes, posto que a atuação de um órgão
independente e autônomo é mais imparcial e, certamente, mais difícil de sofrer influências
políticas.
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4. O princípio da inafastabilidade do controle da Administração Pública pelo poder
Judiciário
Como dissemos acima, o ordenamento jurídico brasileiro elegeu para si o sistema de
jurisdição única. Disso resulta grande conseqüência, vez que com isso o Judiciário passa a
exercer um papel de grande relevância na defesa dos interesses individuais e coletivos, não
podendo nenhuma contenda sobre direitos ser excluída de sua apreciação.
O princípio da inafastabilidade do controle pelo Poder Judiciário já era encontrado no bojo
de outras constituições que não a de 1988. Assim dispunha o art. 141, parágrafo 4º da
CF/1946: “A lei não poderá excluir da apreciação do poder Judiciário qualquer lesão de
direito individual”. Também o art. 153, parágrafo 4º da Emenda Constitucional de 1969
praticamente repetiu a norma anterior, ao dizer:
A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de
direito individual. O ingresso em juízo poderá ser condicionado a que se exauram
previamente as vias administrativas, desde que não exigida garantia de instância,
nem ultrapassado o prazo de 180 dias, para a decisão sobre o pedido.
Nota-se que em ambos os casos, as normas previam proteção apenas a lesão a direito
individual. Inobstante tal restrição, a doutrina daquela época já atentava para a importância
destes dispositivos. É o que se verifica com Watanabe (1980, p. 29), quando, já na década
de 80, se referindo ao artigo da constituição de 1946, já dizia: “Os juristas brasileiros têm
procurado extrair deste dispositivo todas as conseqüências possíveis, de relevância não
somente no campo do direito constitucional como também no direito processual”.
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Marques (1960 apud WATANABE, 1980, p.29), acresce que: “Desde que se alegue lesão a
direito individual, o Estado não pode furtar-se de exercer sua atividade jurisdicional,
quando invocada; mas isto ele só o pode fazer através de um órgão específico, que é o
Judiciário”. Continua o autor dizendo:
A Constituição não entregou, ao Judiciário, a tutela jurisdicional dos direitos
individuais, com o intuito apenas de que o julgamento das ações se inserisse
como ato final de “qualquer procedimento” que a lei traçasse, pois de nada, ou de
quase nada, valeria a regra do art. 141º, parágrafo 4º, se a magistratura, para
aplicar os mandamentos da ordem jurídica, não dispusesse de normas processuais
perfeitamente adequadas a um exame cabal e amplo do litígio.
E conclui afirmando que “o processo é inerente à própria garantia da tutela jurisdicional”.
Vê-se o quão substancial já era este princípio para a doutrina, na vigência das constituições
anteriores. Com o advento da Constituição federal de 1988, tal princípio ampliou-se e se
fortaleceu, tendo em vista a nova redação, no art. 5º, XXXV que prescreve: “A lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. A norma não mais
restringe a proteção judiciária aos direitos individuais, o que foi foco de imensas
controvérsias, apesar de já pacificadas, como também admite o acesso ao Judiciário tão
somente pela ameaça de direito, não exigindo mais a lesão ao direito. Nas palavras de Silva
(1999, p.432), sentimos, com clareza, a importância que tal preceito assume em nosso
ordenamento jurídico:
A primeira garantia que o texto revela é a de que cabe ao Poder Judiciário o
monopólio da jurisdição, pois sequer se admite mais o contencioso
administrativo, que estava previsto na Constituição revogada. A Segunda garantia
consiste no direito de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como
lesado ou simplesmente ameaçado um direito, individual ou não, pois a
constituição já não mais o qualifica de individual, no que andou bem, porquanto a
interpretação sempre fora a de que o texto anterior já amparava direitos, p. ex., de
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pessoas jurídicas ou de outras instituições ou entidades não individuais, e agora
hão de levar-se em conta os direitos coletivos também.
Este preceito é de fundamental importância prática, uma vez que veda se negue à
apreciação do Judiciário determinadas condutas da Administração Pública ou mesmo
determinadas matérias, evitando arbitrariedades. É de fundamental valor quando se quer
identificar até que ponto pode haver controle do ato administrativo pelo órgão jurisdicional,
tendo em vista sua vasta amplitude.
Cumpre ressaltar, por fim, que o ordenamento jurídico atual, diferentemente do anterior,
não mais permite que a lei preveja o condicionamento da apreciação judicial ao
esgotamento das vias administrativas. Bem leciona Medauar (1993, p. 167):
Com efeito, uma das decorrências extraídas do princípio da proteção judiciária
situa-se na regra geral de não exigência de exaustão prévia da via administrativa
para que se possa ingressar em juízo. Assim, quem sofrer lesão a direito ou
estiver sob ameaça de lesão a direito, advinda de atividade da Administração, não
é obrigado a interpor recursos administrativos, primeiro, para depois, decididos
estes, ajuizar uma ação.
5. Controvérsias sobre o alcance do controle jurisdicional da Administração Pública
Uma das indagações de maior relevo em matéria de controle exercido pelo Judiciário é
saber qual a amplitude e alcance desse controle. Pergunta-se: até que ponto pode o Poder
Judiciário controlar as atividades do Poder Executivo? Este controle encontra-se adstrito
apenas à verificação da legalidade, isto é, a adequação do ato à norma, ou abrange também
o mérito do ato administrativo? Há controle sobre os atos de competência discricionária ou
ele se restringe aos atos de competência vinculada?
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Estes são questionamentos que, apesar de já amplamente debatidos na doutrina, ainda
geram eloqüentes discussões entre a Administração Pública, ansiosa por maior liberdade, e
o Judiciário, a quem incumbe a defesa dos direitos e garantias dos cidadãos.
Inobstante grande evolução ao tema, uma minoria da doutrina ainda possui uma posição
mais conservadora e adota um sistema de controle restrito, cuja abrangência atinge somente
poucos aspectos da legalidade. Assim, o controle verificaria apenas os aspectos da
competência, licitude do objeto e forma. Todavia, a grande maioria dos doutrinadores e da
jurisprudência já vêm, de algum tempo, admitindo um controle amplo, que abarca não
somente tais aspectos da legalidade, mas outros como o motivo, a finalidade e a
moralidade. Nesse sentido é Fagundes (1941, p. 80) que em sua obra clássica, em 1941, já
admitia restrições a atuação da Administração Pública não apenas relacionada a aspectos
extrínsecos da legalidade. São seus os dizeres seguintes ao se referir à competência
discricionária:
Não há, porém, nessas diversas hipóteses, uma quebra de submissão à ordem
jurídica. Trata-se apenas de duma submissão adstrita a limites diversos dos
comuns, mas regulada e admitida pelo próprio direito escrito. Aliás, é ainda de
notar que a própria competência discricionária pode ser, ora mais, ora menos
extensa. Vezes há em que diz respeito à utilidade e oportunidade (motivos do ato
administrativo). Algumas vezes refere-se ao modo de agir (objeto ou conteúdo do
ato administrativo). Outras vezes, ainda, alcança a ambos simultaneamente. Mas,
como quer que seja, subsistem, mesmo na hipóteses de competência
discricionária, limitações às atividades administrativas, como as referentes á
forma, à competência, à finalidade, etc., vinculando-a à legalidade.
Por fim, cumpre ressaltar que a atuação do Judiciário na correção dos atos administrativos
não deve ser tímida ao ponto de tornar-se ineficaz na defesa dos administrados, não
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devendo, contudo, ser ampla de maneira a culminar com a substituição do administrador
pelo juiz. Sob tais questionamentos e afirmações é que passaremos a analisar doravante
alguns aspectos sobre o alcance e o limite deste controle.
6. O controle dos atos discricionários
6.1 Vinculação e discricionariedade
Importante classificação feita pela doutrina é a que distingue os atos em vinculados e
discricionários. Vale ressaltar que em verdade não existem atos vinculados e
discricionários, mas competências diferentes. Falar em vinculação ou discricionariedade é
falar da forma de competência diversa de produção de atos e não de atos diferentes em si
próprios. De qualquer forma adotaremos a terminologia de atos vinculados e
discricionários, vez que já amplamente difundida e aceita pela doutrina.
Os vinculados são aqueles que não há margem de apreciação alguma para o administrador,
ou seja, a lei traça de forma objetiva qual deve ser a sua conduta diante de determinada
situação também prevista objetivamente por ela. Quanto aos discricionários, há apreciação
subjetiva da Administração para a expedição dos atos, isto é, a lei dá certa margem de
liberdade ao administrador de poder verificar a conveniência e oportunidade da sua
expedição.
Ressaltamos que mesmo na ação discricionária, o agente não possui liberdade total para
atuar. Ele tem uma margem de liberdade, estando adstrito a algumas limitações,
especialmente em relação a competência, forma e finalidade trazidos pela lei. Deve, então,
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agir dentro desses limites, sob pena de incorrer em ação arbitrária. Também ressalta essa
limitação Coelho (2002, p. 49) ao dizer:
Importar ressaltar que a existência de uma possibilidade de opção discricionária
não torna imune a atividade administrativa ao controle jurisdicional, uma vez que
sua atribuição ao administrador público não significa um “cheque em branco” ou
possibilidade de opções desarrazoadas, personalíssimas, preconceituosas e,
sobretudo, ofensiva aos vetores axiológicos do ordenamento jurídico.
A jurisprudência igualmente corrobora o entendimento. Nesse sentido cite-se, como
exemplo, trecho do voto proferido pelo Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, no
Mandado de Segurança nº6166 do Superior Tribunal de Justiça:
Em nosso atual estágio os atos administrativos devem ser motivados e vinculamse aos fins para os quais foram praticados (V. Lei 4,717/65, Art. 2º). Não existem,
nesta circunstância, atos discricionários, absolutamente imunes ao controle
jurisdicional. Diz-se que o administrador exercita competência discricionária,
quando a lei lhe outorga a faculdade de escolher entre diversas opções aquela que
lhe pareça mais condizente com o interesses público. No exercício dessa
faculdade, o Administrador é imune ao controle judicial. Podem, entretanto, os
tribunais apurar se os limites foram observados.
Justifica-se o poder discricionário pela impossibilidade de o legislador prever todas as
variadas e complexas situações que terá de enfrentar o administrador, a fim de satisfazer as
necessidades coletivas. Por mais casuística que seja a legislação, é impossível se prever de
antemão todas as soluções, e quais as melhores, para os problemas que existirão. Assim,
visando a otimização das medidas adotadas pela Administração, tendo vista o interesse
público, é que o legislador confere essa liberdade ao administrador.
A discricionariedade é decorrente da lei. Como nos ensina Mello (1992, p.19), ela pode
decorrer (1) da hipótese normativa, ou seja, quando a norma traça conceitos vagos,
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indeterminados, em relação aos fatos, aos motivos que fundamentam e exigem a ação
administrativa; (2) do comando da norma, quando a própria legislação ao regular as
situações deixa certa porção de liberdade quanto ao agir ou não, quanto ao momento de
agir, quanto a forma jurídica que se revestirá o ato e qual a melhor medida a ser tomada,
frente a outras possíveis, no caso concreto e, por fim, (3) da finalidade da norma, quando o
fim que a mesma trouxer se revista de conceitos vagos, imprecisos, como, por exemplo,
“moralidade pública”.
6.2 O controle pela finalidade
O Estado de Direito possui a sua atuação normativa fundamentada, mas também limitada
na lei. Em nosso ordenamento jurídico, determina o art. 5º, II da CF/88 que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Segue também o
art.1º, no seu parágrafo único dizendo que “todo poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Tais
preceitos sagram a tese, respectivamente, da soberania popular e da primazia do poder
legal.
Tácito (1975, p.1) leciona que “a liberdade administrativa cessa onde principia a vinculação
legal. O Executivo opera dentro em limites traçados pelo Legislativo, sob a vigilância do
Judiciário”. A Administração, então, não pode agir nem contrariamente à lei, nem ir além
daquilo que ela determina. A sua atuação deve ser secundum legem.
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O controle do ato vinculado é perfeitamente cabível e tranqüilamente realizável, vez que a
norma traça objetivamente todos os elementos do ato administrativo, determinando quando
e qual a conduta que a Administração Pública deverá tomar ao se deparar com uma situação
específica. Assim, basta ao Judiciário verificar a legalidade da conduta administrativa, ou
seja, se a Administração agiu conforme o que prescreve a lei.
Tal pacificidade, todavia, não prospera ao nos deparar com o controle do ato discricionário,
em que em alguns aspectos do ato administrativo são deixados à margem de uma
apreciação subjetiva da Administração. Vale frisar desde logo que, “a regra de competência
não é um cheque em branco concedido ao administrador” (TÁCITO, 1975, p.5). Mesmo
nos atos de competência discricionária, o agente não está livre para atuar ao seu bel-prazer,
conforme convicções próprias que sejam vantajosas para si ou para outrem
especificamente, ou mesmo desvantajosa a um desafeto seu. A sua atuação está sempre
vinculada à finalidade da lei, qual seja, o interesse público.
A finalidade além de constituir um princípio orientador da Administração Pública, é
também um dos elementos ou requisitos do ato administrativo. Aquilo que é trazido no bojo
das normas como algo a ser atingido, que deve ser sempre observado pelo administrador.
Luminosos são os dizeres de Mello (1992, p.13):
A ordenação normativa propõe um série de finalidades a serem alcançadas, as
quais se apresentam, para quaisquer agentes estatais, como obrigatórias. A busca
dessas finalidades tem o caráter de dever (antes do que “poder”), caracterizando
uma função, em sentido jurídico.
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Continua o renomado autor dizendo que o Poder Público atua direcionado pela finalidade
da norma e que sua atuação é um dever e não um poder, vez que exerce um poder, não em
proveito próprio, mas em proveito alheio. Exercita o poder “não porque acaso queira ou
não queira. Exercita-o porque é um dever”, que é imposto pela finalidade normativa. Não
há outro meio para que se atinja este fim, senão o de conceder certos poderes a alguém.
Assim, prossegue, “surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento
impostergável para que se cumpra o dever”. Conclui o autor afirmando que o “Direito
Público não gira em torno da idéia de poder, mas gira em torno da idéia de dever”. É este
que direciona a lógica do Direito público.
Na prática o que se observa é proliferação de teorias que realçam e fortalecem os poderes
dos administradores. Tenta-se pôr em plano secundário a finalidade legal, o interesse
público, fatores de criação deste dever-poder, para elevá-lo à condição de apenas poder.
Estas desfigurações, deformações vêm, já de algum tempo, sendo combatida pela Teoria
do Desvio de Poder, também denominada de Teoria do Desvio de Finalidade.
O controle da finalidade constituiu em um dos passos mais importantes na fixação de
parâmetros para o exercício do poder discricionário. É originária do direito francês. No
Brasil, é famoso o voto proferido por Seabra Fagundes, no acórdão do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Norte, na Ap. Cível 1.422, comentado por Vítor Nunes Leal (RDA, vol.
14, 1948, p. 52-82). Tal acórdão tornou-se o leading case na jurisprudência nacional na
matéria.
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O desvio de poder constitui uma das formas de abuso do poder e consiste no uso de uma
competência para atingir um fim diverso daquele previsto na lei. Aqui o agente atua de
maneira dissimulada, se evadindo do fim legal, seja dolosamente ou não. Não importa se a
sua intenção é burlar o fim da norma, mas tão somente o desatendimento à finalidade legal.
Existem duas formas de desvio de finalidade: (a) quando o administrador busca fim diverso
do interesse público e (b) quando, apesar de visar o interesse público, se vale de
competência que não é a própria, a específica para o alcance de determinado fim.
No desvio de poder em que o agente atua alheio a qualquer finalidade pública, há a prática
de atos administrativos que colimam alcançar fins pessoais, seja para favorecer alguém,
seja a perseguir algum inimigo. Assim, por exemplo, no caso em que ele desapropria um
imóvel para fins de perseguição de seu proprietário, ou também no caso de aplicação de
penalidade a servidor público por motivos estritamente políticos.
Quando ocorre a segunda modalidade de desvio de poder, ou seja, quando o administrador
age objetivando uma finalidade legal, é possível que o mesmo tenha agido de boa-fé.
Poderá ele ter se valido de uma competência, que em sua consciência admitia como correta
para atingir determinado fim, quando em verdade a competência era inadequada. Não
importa se o administrador tenha agido de boa-fé, imaginando que aquela competência
poderia alcançar um fim só alcançado por outra, ou se tenha atuado de má-fe, querendo se
ver livre de algum embaraço, em ambas as situações terá incorrido em desvio de finalidade
e seu ato deverá ser anulado pelo Judiciário.
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Apesar do desvio de poder existir quase sempre quando se atua com discricionariedade, é
importante frisar que o controle que se exerce é de estrita legalidade. É desse entendimento
Tácito (1975, p.111) ao afirmar que “o controle de finalidade pelo Poder Judiciário não
ultrapassa, de nenhuma forma, o campo da legalidade para incidir sobre a discrição
administrativa”. Sucede que há casos em que pode haver discricionariedade em relação ao
fim. É a posição de Mello (2001, p.383) que admite que o fim do ato seja sempre o
interesse público, todavia observa com exatidão que há casos em que a caracterização deste
requer certa medida de apreciação subjetiva.
Mesmo neste caso, o juiz poderá fiscalizar o ato administrativo sob o prisma da legalidade.
Deverá, ao analisar o caso concreto, verificar se o agente se manteve dentro da esfera de
liberdade que lhe foi conferida pelo legislador, não analisando se a medida foi boa ou ruim,
mas apenas verificando se ela manteve-se dentre as possíveis decisões que visavam o
interesse público. O mérito do ato administrativo, ou seja, a oportunidade e conveniência, é
zona própria de atuação da Administração, de maneira que ao Judiciário é defeso interferir
neste aspecto. Lúcido o ensinamento de Tácito (1975, p.64) ao dizer que:
O próprio equilíbrio jurídico exige que o juiz e o administrador se coloquem em
seus pólos respectivos, exercendo a função típica a que se acham habilitados, não
somente pela graduação da competência, como mesmo pela formação
profissional.
E continua mais adiante a afirmar:
O administrador dotado de experiência prática e maior capacidade de adaptação
aos fatos decidirá com mais plasticidades os problemas administrativos. Não cabe
ao juiz, mesmo perante erros e desacertos, substituir a ação executiva pelo
arbítrio da toga A ditadura judiciária é tão nociva quanto o descritério da
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administração. Não é, porém, absoluta a inviolabilidade do poder discricionário.
Soberano nos aspectos de oportunidade e conveniência, o ato administrativo está
franqueado a análise jurisdicional no capítulo da legalidade.
Como muitas vezes em que ocorre o desvio de poder a ação do agente é viciada de má-fé,
caberá ao juiz, ao se deparar com determinada situação, analisar as entranhas da emanação
do ato, penetrar nas intenções do agente e verificar qual intento o animou.
É isto que, a uma só voz, registram os estudiosos de direito administrativo, reconhecendo
que se impõe para o juiz a indeclinável tarefa de esquadrinhar as intenções do agente para
conferir se o móvel que o inspirou a praticar o ato foi bem aquele que deveria impulsioná-lo
ou se, pelo contrário, foi animado por intentos diversos. (MELLO, 1992, p.64)
O Problema é conhecer a verdadeira intenção do agente, vez que se trata de um elemento
psíquico, interno e, pois, muito difícil de se determinar. Por isso muitos autores sustentam a
impossibilidade de se levar a rigor as regras das provas, sob pena de tornar inviável o
controle do ato administrativo viciado pelo Poder Judiciário. É necessária uma relativização
aos rigores de demonstração do vício. Diversos são os fatores que devem ser levados em
consideração para a caracterização do desvio de poder. Leciona Mello (1992, p.80) que:
Concorrem para identificar o desvio de poder fatores como a irrazoabilidade da
medida, sua discrepância com a conduta habitual da Administração em casos
iguais, a desproporcionalidade entre o conteúdo do ato e os fatos em que se
embasou, a incoerência entres as premissas lógicas ou jurídicas firmadas na
justificativa e a conclusão que delas foi sacada, assim, como antecedentes do ato
reveladores de animosidade, indisposição política ou, pelo contrário, de intuitos
de favoritismo. Até mesmo a conduta pregressa do agente, reveladora de
temperamento descomedido, vindicativo ou proclive a apadrinhamentos a
compadrios políticos, pode acudir para compor um quadro que, em sua
globalidade, autorize a reconhecer desvio de poder. Em rigor é o plexo de
elementos antecedentes do ato que propicia rastrear seu ânimo impulsor
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ensanchando que se forme ou não a “convicção moral” sobre o extravio em
relação fim que deveria atender.
Continua o autor sintetizando:
Em síntese: para detectar o desvio de poder estranho a qualquer interesse público,
cumpre analisar todo o conjunto de circunstâncias que envolve o ato, verificandose, assim, se a discricionariedade alegável foi bem usada ou se correspondeu a um
pretexto para violar o fim legal e saciar objetivos pessoais.
Havendo o administrador fundamentado sua ação, demonstrando expressamente os motivos
que o animou, a questão se torna um pouco menos complexa. O problema maior é quando a
lei não exige a motivação e que, pois, o ato não é motivado. Para que se anule um ato neste
caso, a avaliação de todo o conjunto de fatores trazidos por Bandeira de Mello não deve
deixar dúvidas quanto ao vício da finalidade, pois, se um mínimo de dúvida houver, deverá
prevalecer a presunção de veracidade e legitimidade que favorecem à Administração
Pública.
6.3 O controle pelos motivos
O motivo do ato administrativo constitui um dos seus elementos e consiste na hipótese
fática e de direito que exige e fundamenta a prática do ato. O pressuposto de fato é a
circunstância ou situação no plano dos fatos que levam a Administração a agir, enquanto
que o pressuposto jurídico consiste no preceito normativo em que o ato se baseia. Assim,
por exemplo, temos que o motivo no caso da aplicação de uma punição a determinado
funcionário é a infração por ele cometida. O ato administrativo para ser válido é preciso que
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tenha havido perfeita adequação entre o motivo de fato, ou seja, aquilo que ocorreu no
plano fático e o motivo legal, isto é, a hipótese contida no bojo da norma.
A possibilidade do controle jurisdicional dos antecedentes fáticos e das fundamentações
jurídicas na emanação dos atos administrativos consistiu em um grande passo na evolução
desse controle. Num primeiro momento não se admitia o controle dos fatos e das
fundamentações jurídicas, mas apenas da competência e da forma. Havia controvérsia
quanto a admissão da apreciação da fatos e provas relacionados a atividade administrativa.
Todavia a evolução nos estudos jurídicos passam não apenas a admiti-los, mas o vê como
necessário para se impor limitações ao poder discricionário da Administração. Passa-se a
verificar o nexo entre o antecedente fático e o ato emanado. É o que nos ensina Medauar
(1993, p.177):
A idéia originária de discricionariedade como espaço totalmente livre conferido à
Administração, vai se atenuando a partir das primeiras décadas deste século.
Fixa-se primeiro exigência de observância de competência; depois, de regras de
forma. Posteriormente se elaborou a exigência de nexo entre o ato administrativo
e seus antecedentes ou circunstâncias de fato, situando-se no motivo um vínculo a
mais no exercício do poder discricionário. Como conseqüência adveio a
possibilidade de controle jurisdicional dos antecedentes de fato e das
justificativas jurídicas que levaram à tomada de decisão em determinado sentido,
ou seja, o controle do motivo.
O controle do motivo, então, é imprescindível a verificação da legalidade do ato
administrativo. Esse o entendimento de Tácito (1975, p. 60) ao dizer:
Se inexiste o motivo, ou se dele o administrador extraiu conseqüências
incompatíveis com o princípio de direito aplicado, o ato será nulo por violação da
legalidade não somente o erro de direito, como o erro de fato autorizam a
anulação jurisdicional do ato administrativo.
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O motivo não se confunde com a motivação. Esta é a exposição dos motivos, é a
fundamentação ou justificativa do ato. É, nas palavras de Di Pietro (2001, p.195) “a
demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram”. A
motivação do ato é de suma importância para a verificação da sua regularidade. Sem a
exposição das premissas de fato e de direito em que se baseia a emanação do ato, difícil se
tornará constatar a sua existência material, mais ainda, a sua adequação ao suposto
normativo. Como controlar a legalidade deste ato se não se sabe quais razões
impulsionaram sua expedição? Nas palavras de Figueiredo (2000, p.169):
A motivação é elemento essencial para o controle, sobretudo para o controle
judicial.
Não haverá possibilidade de aferir se o ato se conteve dentro da competência
administrativa, dentro da razoabilidade, que deve nortear toda competência, caso
não sejam explicitadas as razões condutoras do provimento emanado.
Um questionamento que se faz é se a motivação é obrigatória para todos os atos, sejam
vinculados, sejam discricionários. Para nós, tendo em vista a importância da motivação na
garantia dos direitos dos administrados, todos os atos devem ser motivados. Deve-se
acrescentar também que se a Constituição Federal exige que os julgamentos do Poder
Judiciário sejam todos fundamentados, como se vê no art.93, inciso IX, e igualmente as
suas decisões administrativas também devam ser motivadas, art. 93, inciso X, porque às
decisões da Administração não haveria tal exigência? Di Pietro (2001, p.195) é também do
entendimento de que todos os atos devem ser motivados. Diz:
Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos
vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade,
que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a
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motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato,
até mesmo pelos demais poderes do Estado.
Como dito anteriormente, uma das causas que originam a discricionariedade é exatamente
em relação a hipótese normativa e aqui pode haver algumas dúvidas referentes à
possibilidade do controle. Se a norma trouxer o motivo de maneira determinada, clara,
precisa, sem espaços a interpretações diversas, não haverá discrição em relação ao motivo e
o controle será sem dificuldades. Neste caso o Judiciário terá que verificar, primeiramente,
se os fatos que a norma elegeu necessários a produção de determinado ato realmente
existiram ou não. Após constatada a existência desses fatos, deverá, em segundo momento,
analisar se houve a perfeita subsunção deles à hipótese normativa. Irá importar, realmente,
é ter havido “um ajuste entre a realidade concreta e a previsão abstrata da lei, de tal sorte
que o suposto normativo se tenha realizado no plano empírico” (MELLO, 1992, p. 89).
Seria, por exemplo, o caso em que a lei determina a apreensão de medicamentos com prazo
de validade vencido. Neste caso o motivo não deixa qualquer margem de apreciações
subjetivas.
A grande problemática existe quando a hipótese normativa não está clara, precisa, quando
os conceitos por ela trazidos não são objetivos, são fluidos, indeterminados e dão margem a
interpretações diversas. Aqui o confronto entre a situação fática e a suposição normativa
apresentará algumas dificuldades. Se, por exemplo, a lei diz que deve ser expulso o cidadão
que tiver “comportamento indecoroso” em determinado local, a qualificação do que venha
a ser “comportamento indecoroso” requer uma análise subjetiva. Pergunta-se: poderá o
Judiciário realizar o controle neste caso ou a classificação do motivo é matéria exclusiva da
Administração?
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Ainda na ensinança de Mello (1992, p.90) tais expressões vagas, de conceitos fluidos,
certamente que possuem um “campo significativo induvidoso”. São, continua o autor,
citando as expressões de Fernando Sainz Moreno, a “zona de certeza positiva” e a “zona de
certeza negativa”, já amplamente divulgadas e aceitas pela doutrina. Nestas zonas não
persistem dúvidas se, tomando aqui o exemplo supramencionado, uma certa conduta seria
ou não um “comportamento indecoroso”. Essa análise, ressalte-se, dependerá dos padrões
de cultura vigentes à época do ato. O problema é que persiste uma zona de incertezas, de
penumbra, onde proliferam dúvidas acerca das medidas a serem tomadas. Neste caso, não
poderá o Judiciário exercer controle algum, pois estaria adentrando ao mérito da questão e,
consequentemente, invadindo esfera de competência própria do administrador.
Nos conceitos jurídicos indeterminados o juiz deverá apenas analisar a razoabilidade do
ato, ou seja, caberá a ele verificar se a Administração Pública atuou dentro da esfera de
possibilidades razoáveis para o alcance da finalidade da norma. Ao administrador não lhe é
facultado medidas desproporcionais, ilógicas, mas tão somente medidas que visem o
melhor ao interesse público. Essa razoabilidade poderá ser verificada na medida em que se
vislumbra um mínimo de sentido, de significação aos conceitos jurídicos indeterminados.
Por mais vago que seja o conceito, certamente ele carrega um
conteúdo mínimo de
significação, de sentido, que possibilitará ao Judiciário controlar se a medida tomada fixouse dentro de padrões razoáveis.
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A jurisprudência, por seu turno, também tem se manifestado nesse sentido. Veja-se, a título
exemplificativo, a Apelação em Mandado de Segurança de nº 1998.01.00.065057-5, do
Tribunal Regional Federal de 1º Região, cujo relator foi o juiz João Batista Gomes Moreira:
ADMINISTRATIVO. MEDIDAS DE DEFESA AMBIENTAL. PROIBIÇÃO
DA
PESCA
EMBARCADA
NO
PERÍODO
DA
PIRACEMA.
DISCRICIONARIEDADE DO ADMINISTRADOR. ATO MOTIVADO.
CONTROLE JUDICIAL DE MÉRITO LIMITADO À RAZOABILIDADE.
1. Nos termos do art. 33º, parágrafo 2º, do Dec.- Lei nº221/67, “a pesca pode ser
transitória ou permanentemente proibida em águas de domicílio público ou
privado”.
2. A lei nº7.679/88, art. 2º, também prevê que “o Poder Executivo fixará, por
meio de atos normativos do órgão competente, os períodos de proibição da pesca,
atendendo às peculiaridades regionais e para proteção da fauna e flora aquáticas,
incluindo a relação de espécies, bem como as demais medidas necessárias ao
ordenamento pesqueiro”.
3. Em se tratando de ato administrativo predominantemente discricionário, o
controle judicial de mérito está l imitado à razoabilidade.
4. Vai além desse limite sentença em que o juiz substitui o administrador na
escolha entre o interesse ambiental, que envolve, inclusive, a questão da
sobrevivência de gerações futuras, e o interesse social e econômico de um grupo
restrito de pescadores.
Destaque-se esta passagem do voto do relator em que diz:
Quanto à existência e adequação de motivos para a prática de atos discricionários,
cabe ao Poder Judiciário, em sua missão de controle, avaliar tão só a
razoabilidade. De acordo com a doutrina, haverá uma zona de certeza positiva (o
ato é razoável), uma zona de certeza negativa (o ato é irrazoável) e uma zona de
penumbra. Neste caso (zona intermediária ou de dúvida), participo da opinião
segundo a qual a conclusão deve ser pela confirmação (“...o Judiciário terá que
respeitar o ato que implique opção entre duas ou mais soluções possíveis de
serem adotadas segundo critérios puramente administrativos, de conveniência e
oportunidade”- MELLO, Celso Antônio B. de, apud DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de 1988. São Paulo:
Atlas, 1991, p.151)
Vale frisar ainda que, mesmo a norma não prevendo os motivos necessários a ação
administrativa, a Administração não poderá agir frente a ausência de motivos, ou seja, o
agir administrativo mesmo nesses casos terá que encontrar apoio em circunstâncias fáticas.
É o entendimento que corrobora Mello (1992, p. 94):
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Com efeito, de um lado – já se viu – a atividade administrativa é “atividade de
quem não é proprietário” e por isso de quem carece da possibilidade de atuar a
seu libito ou inconseqüentemente, o que só poderia ser admitido para o dominus,
para o senhor de determinado bem. De outro lado, os poderes administrativos,
sendo como são a contraface de deveres – consoante assinalado – não estão
deferidos ao administrador para que atue desarrazoadamente, ilogicamente, ou em
descompasso com a finalidade em vista da qual não estão outorgados. Por força
disto, mesmo se a lei deixar de enunciar explicitamente os motivos, poder-se-á,
através da índole de competência, da finalidade que visa prover, reconhecer
perante que circunstâncias, ou seja, perante que motivos implícitos na lei, ela é
utilizável.
Jamais seria de admitir que a autoridade pudesse expedir um ato sem motivo
algum – pois isto seria a consagração da irracionalidade – ou que pudesse
escolher qualquer motivo, fosse qual fosse, pois redundaria no mesmo absurdo da
irracionalidade.
Desta forma, mesmo que a norma não traga os motivos de forma explícita, está o
administrador atrelado a motivos implícitos da lei, que se tornam possíveis de serem
verificados tendo em vista a finalidade legal.
Aliás, frise-se, motivo e finalidade são dois elementos indissociáveis quando se analisa no
caso concreto a legalidade do ato administrativo. No presente trabalho, apenas por motivos
didáticos optou-se pelo estudo individual de cada um, mas por imposição legal o
diagnóstico de violação do fim legal determina a análise dos motivos, bem como a
finalidade possibilita verificar se os motivos foram compatíveis com o conteúdo do ato. É
pela finalidade que se pode constatar se houve pertinência lógica entre o motivo e o
conteúdo do ato, de forma que não existindo adequação entre eles o ato deverá ser inválido.
Esta inter-relação é possível na medida em que pelo esquema da lei a Administração deverá
agir quando decorridas certas circunstâncias de fato, sempre em busca da finalidade legal.
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Por fim, ainda relacionado com o motivo e a motivação, existe a Teoria dos Motivos
Determinantes. Por esta, os motivos que determinaram e serviram de fundamento a
emanação do ato administrativo integra a sua validade. Assim, se os motivos alegados
forem inexistentes, falsos ou mesmo qualificados de maneira inadequada, o ato encontrarse-á viciado, devendo ser invalidado. “Por outras palavras, quando a Administração motiva
o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem
verdadeiros” (DI PIETRO, 2001, p. 196).
7. Conclusões finais:
1. O controle jurisdicional consiste em princípio básico de um Estado de Direito que na
Constituição Federal de 1988 teve o seu conteúdo corroborado e ampliado, não mais
protegendo somente as lesões de direitos individuais, mas também as lesões e as simples
ameaças a direitos, sejam individuais, sejam coletivos, conforme art. 5º, inciso XXXV;
2. A Administração Pública, mesmo no uso de seu poder discricionário, nunca terá
liberdade total para agir. Ela atua dentro de uma margem de liberdade que lhe é conferida,
tendo em vista o interesse público, de maneira que sempre estará atrelada à essa finalidade;
3. A finalidade consiste em um elemento do ato administrativo e num princípio norteador
da Administração. Constitui ainda um limite à atuação do administrador, sobretudo quando
age no uso de competência discricionária;
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4. A Teoria do Desvio de Poder surge para pôr fim aos casos em que ocorre a substituição
do fim legal por outro que não o previsto em lei, ainda que vise um interesse público. Neste
caso o ato administrativo torna-se viciado e deve ser fulminado pelo Judiciário;
5. A verificação do motivo do ato administrativo é de fundamental importância no controle
de legalidade. Para que se possa haver o controle pelo motivo é imprescindível haver a
motivação do ato que, como visto, são conceitos diferentes;
6. Nos casos em que o motivo vir expresso de forma clara, precisa, sem enunciados
plurissignificativos o seu controle se dará sem maiores problemas, cabendo ao Judiciário
verificar, primeiramente, se os fatos que a norma elegeu necessários a produção de
determinado ato realmente existiram ou não e, após constata a existência desses fatos, se
houve a perfeita subsunção deles à hipótese normativa. Todavia casos haverá que os
motivos trazidos pela norma não serão preciso e darão margem a interpretações diversas.
Disse, nestes casos, que há um conceito jurídico indeterminado. Aqui, ao juiz apenas caberá
controlar a razoabilidade da medida, verificando se a Administração atuou dentro dos
limites considerados razoáveis aos padrões culturais da época em que for emanado o ato. Se
a decisão estiver dentro da zona de penumbra, o juiz não poderá interferir, pois estará
invadindo a esfera de competência do Poder Executivo;
7. Motivo e finalidade são dois elementos indissociáveis na análise da legalidade do ato
administrativo. A verificação de violação do fim legal determina a análise dos motivos,
assim como a finalidade possibilita verificar se os motivos foram compatíveis com o
conteúdo do ato.
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8. É lícito ao Judiciário controlar esses atos somente sob o prisma da legalidade. Poderá
dizer se a Administração atuou conforme a lei, se não houve decisões ilegais, infundadas,
desarrazoadas, desproporcionais, ilógicas, mas nunca poderá dizer se a medida
administrativa foi boa ou ruim, pois aí estaria a controlar o mérito, que é matéria própria da
Administração.
8. Referências
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