Diretrizes de Prática Clínica para Doença Renal Crônica: Avaliação, Classificação e Estratificação RESUMO EXECUTIVO 1 ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE K/DOQI Estas diretrizes estão baseadas nas melhores informações disponíveis à época de sua publicação. Elas foram concebidas para informar e auxiliar na tomada de decisões. Não têm o propósito de estabelecer um padrão de atendimento e não devem ser interpretadas como tal. Também não devem ser tomadas como prescrição de uma linha de conduta exclusiva. Variações na prática ocorrerão inevitável e adequadamente sempre que o clínico levar em consideração as necessidades de cada paciente, os recursos disponíveis e as limitações peculiares de uma instituição ou tipo de prática. Todo profissional da assistência médica que fizer uso destas diretrizes será responsável pela avaliação da adequação em aplicá-las no âmbito de cada situação clínica em particular. As recomendações referentes a pesquisa contidas neste documento são gerais e não têm o propósito de implicar algum protocolo específico. Ao citar este documento, o seguinte formato deverá ser usado: National Kidney Foundation. K/DOQI Clinical Practice Guidelines for Chronic Kidney Disease: Executive Summary (Diretrizes de Prática Clínica para Doença Renal Crônica: Resumo Executivo). New York, 2002; pp. xx – xx (citar as páginas relevantes). O texto completo destas Diretrizes, bem como todas as outras diretrizes K/DOQI, podem ser acessados pela Internet no site: www.kdoqi.org A NKF agradece o apoio da Amgen, Inc., Fundadora e Principal Patrocinadora da K/DOQI. 2 ÍNDICE INTRODUÇÃO A Doença Renal Crônica como Problema de Saúde Pública Tarefa confiada ao Grupo de Trabalho sobre Doença Renal Crônica da K/DOQI...........................................................................................8 ESTRUTURA BÁSICA.............................................................................10 REVISÃO DAS EVIDÊNCIAS .................................................................15 VISÃO GERAL ........................................................................................16 PREVALÊNCIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA (DRC) NOS ESTADOS UNIDOS...................................................................................................18 CONCLUSÕES DAS DIRETRIZES.........................................................19 DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS ESTÁGIOS DA DOENÇA RENAL CRÔNICA................................................................................................19 Diretriz Nº 1. Definição e Estágios da Doença Renal Crônica......20 Diretriz Nº 2. Avaliação e Tratamento...........................................25 Diretriz Nº 3. Indivíduos com Risco Aumentado para Doença Renal Crônica.....................................................................................................30 AVALIAÇÃO DAS DOSAGENS LABORATORIAIS NA AVALIAÇÃO CLÍNICA DA DOENÇA RENAL .....................................................................................33 Diretriz Nº 4. Estimativa da Taxa de Filtração Glomerular (TFG)..33 Diretriz Nº 5. Medida da Proteinúria ..............................................39 Diretriz Nº 6. Outros Marcadores da Doença Renal Crônica além da Proteinúria..................................................................................43 ASSOCIAÇÃO ENTRE NÍVEL DE TFG COM COMPLICAÇÕES EM ADULTOS..................................................................................................50 Diretriz Nº 7. Associação do Nível da TFG com Hipertensão......53 Diretriz Nº 8. Associação do Nível da TFG com Anemia.............56 Diretriz Nº 9. Associação do Nível da TFG com Estado Nutricional.......................................................................................59 Diretriz Nº 10. Doença Óssea e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio e do Fósforo............................................................................................68 Diretriz Nº 11. Neuropatia .............................................................71 Diretriz Nº 12. Associação do Nível da TFG com Índices de Capacidade funcional e Bem-Estar....................................................................73 ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO DE EVOLUÇÃO DA DOENÇA RENAL E DESENVOLVIMENTO DE DOENÇA CARDIOVASCULAR......................78 Diretriz Nº 13. Fatores Associados à Perda da Função Renal na Doença 3 Renal Crônica...............................................................................79 Diretriz Nº 14. Associação da Doença Renal Crônica com Complicações do Diabetes.....................................................................................87 Diretriz Nº 15. Associação da Doença Renal Crônica com Doença Cardiovascular..............................................................................90 FIGURAS Figura 1. Incidência e Prevalência da Doença Renal Terminal nos EUA...8 Figura 2. Estágios da Evolução da Doença Renal Crônica e Estratégias Terapêuticas...............................................................................11 Figura 3. Estágios da Evolução da Doença Cardiovascular e Estratégias Terapêuticas...............................................................................14 Figura 4. Taxa de Filtração Glomerular (TFG) vs. Idade...........................23 Figura 5. Nível da TFG no Início da Terapia de Substituição (USRDS)....24 Figura 6. Relação do Clearance (Depuração) de Creatinina e Creatinina Sérica com a TFG (Clearance de Inulina) em Pacientes com Doença Glomerular .................................................................................34 Figura 7. Estimativas da TFG vs. TFG na Corte Controle do Estudo MDRD.............................................................................35 Figura 8. Precisão das Diferentes Estimativas da TFG em Adultos..........35 Figura 9. Avaliação da Proteinúria em Pacientes sem Doença Renal Conhecida.....................................................................................................42 Figura 10. Prevalência de Pacientes por Número de Anormalidades segundo o Nível da TFG (NHANES III).........................................................50 Figura 11. Proporção de Pacientes por Número de Anormalidades segundo o Nível da TFG (NHANES III).........................................................51 Figura 12. Prevalência de Pressão Arterial Elevada por Nível de TFG no Estudo MDRD..........................................................................................54 Figura 13. Prevalência de Pressão Arterial Elevada por Nível de TFG, Ajustada para a Idade de 60 Anos (NHANES III).......................................54 Figura 14. Prevalência de Creatinina Sérica Elevada por Categoria JNC-VI de Pressão Arterial e Auto-Relato de Tratamento com Medicações AntiHipertensivas (NHANES III).........................................................55 Figura 15. Número Estimado de Indivíduos com Creatinina Sérica Elevada por Categoria JNC-VI de Pressão Arterial e Auto-Relato de Tratamento com Medicações Anti-Hipertensivas (NHANES III).....................55 Figura 16. Pesquisa de Anemia em Pacientes com Doença Renal Crônica.57 Figura 17. Percentis de Hemoglobina Sangüínea por TFG Ajustada para a Idade de 60 Anos (NHANES III)............................................................58 Figura 18. Prevalência Ajustada de Hemoglobina Baixa em Adultos por TFG (NHANES III).................................................................................58 Figura 19. Percentis de Hemoglobina por TFG.............................................59 Figura 20. Prevalência de Hemoglobina Baixa por Categoria de TFG..........59 Figura 21. Associação entre Ingestão Alimentar e TFG................................63 Figura 22. Associação entre Albumina Sérica e TFG....................................64 Figura 23. Associação entre Transferrina Sérica e TFG................................64 4 Figura 24. Associação entre Colesterol Sérico e TFG...................................65 Figura 25. Associação entre Composição Corporal e TFG............................66 Figura 26. Percentis de PTHi por TFG............................................................69 Figura 27. Prevalência de PTHi Elevado por Categoria de TFG.....................69 Figura 28. Prevalência de Hipocalcemia (Ajustada para Albumina) vs. TFG..70 Figura 29. Níveis Séricos de Fósforo vs. TFG (NHANES III)..........................70 Figura 30. Prevalência de Cálcio Baixo e Fosfato Elevado por Categoria de TFG...................................................................................................................71 Figura 31. Percentis de Produto Cálcio-Fósforo por TFG (NHANES III).........71 Figura 32. Função Renal (TFG) e Probabilidade de Apresentar Sintomas que Afetem a Qualidade de Vida e o Bem-Estar...................................75 Figura 33. Prevalência Ajustada da Incapacidade Física de Andar por Categoria de TFG (NHANES III)......................................................................76 Figura 34. Prevalência Ajustada da Incapacidade Física de Levantar por Categoria de TFG (NHANES III).......................................................................76 Figura 35. Inclinações da TFG no Estudo Modificação da Dieta na Doença Renal (MDRD).............................................................................................................81 Figura 36. Mortalidade Cardiovascular com Diabetes.....................................89 Figura 37. Microalbuminúria e Morbidade Cardiovascular com Diabetes Tipo 2.89 Figura 38. TFG e Risco Relativo de Morte......................................................93 Figura 39. Proteinúria e Risco Relativo de Doença Cardiovascular................93 Figura 40. Proteinúria e Risco Relativo de Morte por DCV.............................94 Figura 41. Proteinúria e Risco Relativo de Morte............................................95 5 TABELAS Tabela 1. Metas do Grupo de Trabalho sobre Doença Renal Crônica (DRC).............................................................................................................9 Tabela 2. Definição da Doença Renal Crônica...........................................12 Tabela 3. Fatores de Risco para Doença Renal Crônica e Seus Desfechos.......................................................................................................13 Tabela 4. Abordagem da Revisão de Evidências........................................16 Tabela 5. Doença Renal Crônica: Um Plano de Ação Clínica.....................17 Tabela 6. Estágios e Prevalência da Doença Renal Crônica (Idade > 20)..19 Tabela 7. Estágios da Doença Renal Crônica.............................................20 Tabela 8. Definição e Estágios da Doença Renal Crônica..........................21 Tabela 9. Definições de Proteinúria e Albuminúria......................................22 Tabela 10. TFG Normal em Crianças e Adultos Jovens................................23 Tabela 11. Prevalência dos Estágios da Doença Renal Crônica e Níveis de Função Renal nos EUA................................................................25 Tabela 12. Estágios da Doença Renal Crônica: Um Plano de Ação Clínica.26 Tabela 13. Classificação Simplificada da Doença Renal Crônica por Diagnóstico......................................................................................................27 Tabela 14. Indícios para o Diagnóstico de Doença Renal Crônica a partir do Histórico do Paciente....................................................................28 Tabela 15. Avaliação Laboratorial de Pacientes com Doença Renal Crônica.29 Tabela 16. Potenciais Fatores de Risco para Suscetibilidade e Desencadeamento da Doença Renal Crônica.............................31 Tabela 17. Prevalência de Indivíduos com Risco Aumentado para Doença Renal Crônica..........................................................................................31 Tabela 18. Avaliação Clínica de Pacientes com Risco Aumentado para Doença Renal Crônica................................................................................33 Tabela 19. Equações Desenvolvidas para Prever a TFG em Adultos e Crianças com Base na Creatinina Sérica......................................................36 Tabela 20. Creatinina Sérica Correspondente a uma TFG de 60ml/min/1,73m 2 pelas Equações Abreviada do Estudo MDRD e de Cockcroft-Gault .37 Tabela 21. Situações Clínicas nas Quais podem ser Necessários Medidas de Clearance (Depuração) para Estimar a TFG....................................................39 Tabela 22. Causas Comuns de Resultados Falsos em Dosagens Rotineiras de Albumina ou Proteína Total na Urina...............................................43 Tabela 23. Interpretação da Proteinúria e das Anormalidades do Sedimento Urinário como Marcadores da Doença Renal Crônica.....................44 Tabela 24. Interpretação de Anormalidades Observadas em Estudos por Imagem como Marcadores da Doença Renal Crônica..................................46 Tabela 25. Apresentações Clínicas da Doença Renal.......................................47 Tabela 26. Relação entre Tipo de Doença Renal e Apresentação Clínica........49 Tabela 27. Intervenções Clínicas Adicionais para Adultos com TFG < 60ml/min/1,73m2 ..............................................................................52 Tabela 28. Classificação da Pressão Arterial para Adultos com Idade > 18 anos (JNC-VI)............................................................................................53 6 Tabela 29. Domínios de Capacidade Funcional e Bem-Estar Medidos por Instrumentos Específicos........................................................................................74 Tabela 30. Medidas de Capacidade Funcional e Bem-Estar..............................78 Tabela 31. Anos até a Insuficiência Renal (TFG < 15ml/min/1,73m 2 ) com Base no Nível da TFG e Taxa de Declínio da TFG........................................81 Tabela 32. Tratamentos para Retardar a Progressão da Doença Renal Crônica em Adultos.......................................................................................83 Tabela 33. Recomendações para o Controle da Glicemia em Diabéticos*.......83 Tabela 34. Estratificação do Risco e Indicação para Tratamento AntiHipertensivo........................................................................................................84 Tabela 35. Pressão Arterial, Objetivos, Terapias Não-Farmacológicas e Farmacológicas Recomendadas pela Força-Tarefa da NKF para Doença Cardiovascular na Doença Renal Crônica..........................86 Tabela 36. Diretrizes e Relatórios Referentes ao Atendimento de Complicações do Diabetes.....................................................................................90 Tabela 37. Fatores Tradicionais vs. Fatores Relacionados com a Doença Renal Crônica que Podem Representar um Risco Aumentado para Doença Cardiovascular..................................................................................91 Tabela 38. Fatores de Risco “Tradicionais” para Doença Renal Crônica e Intervenções Associadas..................................................................96 7 INTRODUÇÃO A Doença Renal Crônica como Problema de Saúde Pública A Doença Renal Crônica é um problema de saúde pública no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, a incidência e a prevalência da insuficiência renal avançada são crescentes, com desfecho ruim e custos elevados (Figura 1). A prevalência de estágios precoces da doença renal crônica é ainda mais alta. Figura 1. Incidência e Prevalência da Doença Renal Terminal nos EUA Tradução: [na vertical]: Número de pacientes (em milhares) - - - - Projeção ------- Número de pacientes ........ Intervalo de confiança de 95% Prevalência de pontos Incidência Evidências crescentes, obtidas em décadas passadas, indicam ser possível prevenir ou retardar o desfecho desfavorável da doença renal crônica, tal como a insuficiência renal avançada, a doença cardiovascular e a morte prematura. Os estágios iniciais da doença renal crônica podem ser detectados por meio de exames laboratoriais. O tratamento dos estágios iniciais da doença renal crônica é eficaz em retardar a evolução para a insuficiência renal. O início do tratamento dos fatores de risco da doença cardiovascular em estágios precoces da doença renal crônica deve ser eficaz em reduzir os eventos da doença cardiovascular, tanto antes como depois do início da insuficiência renal. Infelizmente, nos Estados Unidos, a doença renal crônica é “sub-diagnosticada” e “sub-tratada”, resultando na perda de oportunidades para preveni-la. Uma das 8 razões é a falta de acordo quanto à definição e à classificação dos estágios da evolução da doença renal crônica. Uma classificação clinicamente aplicável seria baseada na avaliação laboratorial da gravidade da doença renal, na associação entre o nível da função renal e complicações e na estratificação dos riscos de perda da função renal e do desenvolvimento de doença cardiovascular. Tarefa confiada ao Grupo de Trabalho sobre Doença Renal Crônica da K/DOQI No ano 2000, o Conselho Consultivo da National Kidney Foundation (NKF) Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI) [Plano de Qualidade dos Desfechos das Doenças Renais da Fundação Nacional do Rim] aprovou a elaboração de diretrizes para a prática clínica, destinadas a definir a doença renal crônica e a classificar os estágios de evolução da doença renal crônica. O Grupo de Trabalho encarregado de elaborar essas diretrizes foi constituído por especialistas em nefrologia, nefrologia pediátrica, epidemiologia, medicina laboratorial, nutrição, serviço social, gerontologia e saúde da família. Uma Equipe de Revisão das Evidências, composta de nefrologistas e metodologistas, foi a responsável pela reunião das evidências. As metas adotadas pelo Grupo de Trabalho estão listadas na Tabela 1. Tabela 1. Metas do Grupo de Trabalho de DRC Definição da doença renal crônica e classificação dos estágios da doença renal crônica, independentemente da causa subjacente Avaliação das dosagens laboratoriais para a determinação clínica da doença renal Associação entre o nível de função renal e complicações da doença renal crônica Estratificação do risco de perda da função renal e de desenvolvimento de doença cardiovascular A definição da doença renal crônica e a classificação dos estágios de gravidade proporcionariam uma linguagem comum de comunicação entre prestadores de assistência, pacientes e suas famílias, pesquisadores e responsáveis pelas políticas de atendimento, bem como em uma estrutura básica para a elaboração de uma abordagem de saúde pública que atingisse o atendimento e melhorasse os desfechos da doença renal crônica. Uma terminologia uniforme permitiria: 1. Estimativas mais confiáveis da prevalência dos estágios precoces da doença e da população de risco mais alto para doença renal crônica. 2. Recomendações para exames laboratoriais destinadas a detectar os estágios precoces e a evolução para estágios mais tardios. 9 3. Associação entre estágios e manifestações clínicas da doença. 4. Avaliação dos fatores associados com um alto risco de evolução de um estágio para o seguinte ou com outro desfecho desfavorável. 5. Avaliação de tratamentos para retardar a evolução ou prevenir outros desfechos desfavoráveis. Com isso, diretrizes para a prática clínica, medidas de execução clínica e esforços continuados de melhoria da qualidade poderiam ser direcionados para os estágios da doença renal crônica. O Grupo de Trabalho não tratou especificamente da avaliação e do tratamento da doença renal crônica. Entretanto, estas diretrizes contém uma breve referência ao diagnóstico e às intervenções clínicas, podendo servir de “mapa” que conduz a outras diretrizes de prática clínica e evidenciando os pontos em que se faz necessária a elaboração de outras diretrizes. Futuramente, o K/DOQI incluirá diretrizes para a intervenção. As Diretrizes de Prática Clínica para Doença Renal Crônica contêm um resumo de informações acumuladas, disponíveis à época em que o Grupo de Trabalho iniciou suas deliberações, as 15 diretrizes e seus fundamentos, sugestões para medidas de execução clínica, uma abordagem clínica da doença renal crônica utilizando estas diretrizes e apêndices que descrevem os métodos de revisão das evidências. Estas diretrizes baseiam-se na revisão sistemática da literatura e no consenso do Grupo de Trabalho. Elas foram revistas pelo Conselho Consultivo do K/DOQI e por grande número de organizações e sociedades profissionais, especialistas selecionados e membros da sociedade com interesse no assunto, tendo sido aprovadas pela Diretoria da NKF. ESTRUTURA BÁSICA Modelo do Curso da Doença Renal Crônica O Grupo de Trabalho elaborou um modelo do curso da doença renal crônica (Figura 2). Este modelo define estágios da doença renal crônica (elipses sombreadas), bem como condições prévias (indivíduos normais e indivíduos com risco aumentado de vir a apresentar doença renal crônica) e tipos de desfecho (complicações da doença renal crônica e seu tratamento e morte devido à doença renal crônica). As setas horizontais indicam fatores causadores de transições, podendo ser considerados como “fatores de risco” para um desfecho desfavorável. Este modelo foi utilizado para as diretrizes de prática clínica aqui descritas e prevê-se que futuras diretrizes para intervenções destinadas a reduzir os desfechos desfavoráveis da doença renal crônica também possam ser baseadas neste modelo. 10 Figura 2. Estágios da Evolução da Doença Renal Crônica e Estratégias Terapêuticas Tradução: Complicações Normal Risco Aumentado Triagem Redução do para fatores risco para DRC, de risco Triagem para para DRC DRC Lesão da TFG Insuficiência Morte renal por DRC Diagnóstico e Estimar Substituição tratamento, progressão, por diálise e Tratar Tratar transplante condições complicações, comórbidas, Preparar para Retardar substituição Progressão Modelo de evidências dos estágios do início e da evolução da doença renal crônica e intervenções terapêuticas. As elipses sombreadas representam estágios da doença renal crônica; as elipses não sombreadas representam potenciais antecedentes ou conseqüências da DRC. As setas largas entre as elipses representam fatores associados com o desencadeamento e a progressão da doença, que podem ser afetados ou detectados por intervenções: fatores de suscetibilidade (preto), fatores de desencadeamento (cinza escuro); fatores de evolução (cinza claro); e fatores terminais (branco). As intervenções para cada estágio são indicadas abaixo do respectivo estágio. Indivíduos aparentemente normais devem passar por triagem para fatores de risco para DRC. Indivíduos sabidamente com risco aumentado para DRC devem passar por triagem para DRC. Modificado e reproduzido com autorização1. Definição da Doença Renal Crônica O Grupo de Trabalho definiu a “doença renal crônica” de modo a incluir condições que afetam o rim e têm o potencial de causar seja a perda progressiva da função renal, sejam complicações resultantes da diminuição da função renal. Assim, a doença renal crônica foi definida como sendo a presença de lesão renal ou de nível reduzido de função renal durante três meses ou mais, independentemente do diagnóstico (Tabela 2). 11 Tabela 2. Definição da Doença Renal Crônica Critérios 1. Lesão renal durante período > 3 meses, definida por anormalidades estruturais ou funcionais do rim, com ou sem diminuição da TFG, manifestada por: Anormalidades patológicas; ou Marcadores de lesão renal, incluindo anormalidades na composição do sangue ou da urina, ou anormalidades em exames por imagem 2. TFG < 60 ml/min/1,73m2 durante período > 3 meses, com ou sem lesão renal Abreviatura: TFG = taxa de filtração glomerular Todos os indivíduos com TFG < 60ml/min/1,73m 2 durante um período > 3 meses são classificados como tendo doença renal crônica, sem levar em consideração a presença ou ausência de lesão renal. O fundamento para incluir tais indivíduos é que a redução da função renal a um nível igual ou ainda mais baixo que esse representa a perda de metade ou mais do nível adulto da função renal normal, o que pode estar associado a uma série de complicações. Todos os indivíduos com lesão renal são classificados como tendo doença renal crônica, independentemente do nível da TFG. É rara a realização de biópsia renal, de modo que, na maioria dos casos, a lesão renal é determinada pela presença ou ausência de marcadores tais como proteinúria ou anormalidades no sedimento urinário (hematúria ou piúria com cilindros), anormalidades sangüíneas patognomônicas da doença renal, tais como síndromes tubulares (p. ex., acidose renal tubular ou diabetes insípido neurogênico) e achados anormais em estudos nefrogênico por imagem, tais como a hidronefrose. O fundamento para se incluir indivíduos com TFG > 60ml/min/1,73m2 é que a TFG pode ser mantida em níveis normais ou elevados a despeito de uma lesão renal importante e que pacientes com lesão renal têm risco aumentado de apresentarem os dois principais desfechos da doença renal crônica: perda da função renal e desenvolvimento de doença cardiovascular. Fatores de Risco para Desfecho Desfavorável da Doença Renal Crônica Define-se como fator de risco um atributo que esteja associado a um risco aumentado para determinado desfecho. Em princípio, existem quatro tipos de fatores de risco para um desfecho desfavorável da doença renal crônica, definidos pelo Grupo de Trabalho como “fatores de risco para DRC” (Tabela 3). Esta diretriz visa primariamente a identificação de fatores de suscetibilidade e desencadeamento, a fim de definir quais os indivíduos com risco alto de desenvolver doença renal crônica, e de fatores de evolução, a fim de definir quais os indivíduos com risco alto de agravamento da lesão renal e subseqüente perda da função renal. Diretrizes K/DOQI anteriores tratam dos fatores terminais. 12 Tabela 3. Fatores de Risco para Doença Renal Crônica e Seus Desfechos Tipo Definição Exemplos . Fatores de Suscetibilidade aumentada Idade avançada, história suscetibilidade para lesão renal familiar ................................................................................................................................................ Fatores Desencadeiam diretamente Diabetes, pressão arterial desencadeantes lesão renal elevada, doenças autoimunes, infecções sistêmicas, infecções do trato urinário, toxicidade de drogas ................................................................................................................................................ Fatores de Causam piora da lesão renal e Nível mais alto de proteinúria, progressão declínio mais rápido da função nível mais alto de pressão, renal, uma vez iniciada a lesão arterial, controle precário da renal glicemia em diabetes, tabagismo ................................................................................................................................................ Fatores de Aumentam a morbidade e a Dose mais baixa de diálise Doença Avançada mortalidade na insuficiência (Kt/V), acesso vascular renal em fase final temporário, anemia, albumina sérica baixa, encaminhamento tardio . Desfechos da Doença Renal Crônica O Grupo de Trabalho levou em consideração dois importantes desfechos da doença renal crônica: perda da função renal e desenvolvimento de doença cardiovascular. Perda da função renal. Na maioria dos pacientes com doença renal crônica, o nível da função renal tende a diminuir progressivamente ao longo do tempo. O desfecho mais grave da doença renal crônica é a insuficiência renal; entretanto, há muito mais indivíduos com função renal diminuída do que com insuficiência renal avançada. A função renal diminuída está associada com complicações em virtualmente todos os sistemas de órgãos. Em geral, o risco de complicações depende do nível da função renal e do risco de perda subseqüente da função renal. Intervenções terapêuticas em estágios precoces da doença renal crônica podem retardar a evolução para a insuficiência renal e prevenir ou abrandar as complicações decorrentes da função renal diminuída. Doença Cardiovascular. A doença cardiovascular foi considerada em separado porque: (1) nos pacientes com doença renal crônica, eventos de doença cardiovascular são mais comuns do que a insuficiência renal; (2) nos pacientes com doença renal crônica, a doença cardiovascular pode ser tratada e potencialmente prevenida; e (3) a doença renal crônica parece ser fator de risco para doença cardiovascular. O Relatório de 1998 da Força Tarefa da NKF sobre 13 Doença Cardiovascular em Doença Renal Crônica recomendou que pacientes com doença renal crônica fossem considerados como estando no “grupo de risco mais alto” para eventos subseqüentes de doença cardiovascular (DCV). O risco adicional para doença cardiovascular deve-se, em parte, a uma prevalência mais alta das condições reconhecidas como fatores de risco para doença cardiovascular na população geral (fatores de risco “tradicionais” para DCV) e a fatores hemodinâmicos e metabólicos característicos da doença renal crônica (fatores de risco para DCV “relacionados com DRC”). A Força Tarefa também elaborou um modelo para o curso da doença cardiovascular (Figura 3) e elaborou critérios de extrapolação das evidências de eficácia das terapias de redução dos fatores de risco, desde a população geral até pacientes com doença renal crônica. A Força Tarefa concluiu que a maioria das intervenções que se mostram eficazes na população geral também devem ser aplicadas em pacientes com doença renal crônica. Figura 3. Estágios da Evolução da Doença Cardiovascular e Estratégias Terapêuticas Tradução: Complicações Normal Risco Aumentado Triagem Redução do para fatores risco de DCV, de risco Triagem para para DCV DCV ASDCV LVH Eventos da ASDCV Retardar Diagnóstico progressão, e tratamento, Prevenção Prevenção de de eventos eventos clínicos recorrentes CHF Morte por DCV Diagnóstico e tratamento, Substituição por aparelhos e transplante São dignas de nota as semelhanças entre os modelos para doença renal crônica e para doença cardiovascular e também as semelhanças entre os fatores de risco para desfecho desfavorável de ambas as doenças. Estratégias mais eficazes de redução dos fatores de risco abrem esperanças de redução da evolução desfavorável de ambas as doenças. 14 População Alvo A população alvo destas diretrizes inclui indivíduos com doença renal crônica ou com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. A maioria dos tópicos concentra-se nos adultos (idade > 18 anos). Muitos dos mesmos princípios aplicam-se também às crianças. A classificação dos estágios e os princípios dos exames diagnósticos, em particular, são similares. Uma subcomissão do Grupo de Trabalho examinou questões relacionadas com crianças e participou da elaboração das primeiras seis diretrizes do presente documento. Existem, todavia, diferenças suficientes entre adultos e crianças quanto à associação da TFG com sinais e sintomas de uremia e à estratificação do risco para desfecho desfavorável, para que estas questões sejam tratadas somente em relação aos adultos. Futuramente, poderá ser elaborado um conjunto separado de diretrizes para crianças. Público Alvo O público alvo destas diretrizes inclui uma ampla gama de indivíduos: aqueles que têm doença renal crônica ou têm risco aumentado de vir a desenvolvê-la (a população alvo) e suas famílias; profissionais da assistência médica que atendem a população alvo; fabricantes de instrumentos e laboratórios de diagnóstico que medem a função renal; órgãos e instituições que planejam, prestam a assistência médica necessária à população alvo ou pagam por ela; e pesquisadores que estudam a doença renal crônica. Intervenções As diretrizes contêm somente breves referências a intervenções clínicas, suficientes para oferecer uma base para outras diretrizes de prática clínica, relevantes para a avaliação e condução da doença renal crônica. Futuras diretrizes K/DOQI de prática clínica serão baseadas na estrutura básica aqui elaborada. REVISÃO DAS EVIDÊNCIAS As diretrizes elaboradas pelo Grupo de Trabalho baseiam-se em uma revisão sistemática da literatura, utilizando uma abordagem baseada no procedimento delineado pela “Agency for Healthcare Research and Quality” [Agência de Pesquisa e Qualidade em Saúde] (antiga “Agency for Health Care Policy and Research”) [Agência de Políticas e Pesquisa em Saúde], com modificações adequadas aos seus objetivos. A NKF nomeou uma Equipe de Revisão das Evidências, para colaborar com o Grupo de Trabalho na realização de uma revisão sistemática da literatura, na qual se pudessem basear as diretrizes. A Tabela 4 resume a abordagem da revisão das evidências. Foi elaborado um formato único para resumir a força das evidências, usando-se quatro dimensões: tamanho do estudo, aplicabilidade, resultados e qualidade metodológica. Além disso, cada conclusão foi classificada de acordo com o nível de evidências no qual se baseou: a análise dos dados individuais dos pacientes de um único estudo grande e generalizável, de alta qualidade metodológica; a compilação de artigos originais, revisão de artigos de revisão e de artigos originais selecionados, ou 15 pareceres. A explicação detalhada destes métodos é apresentada nos apêndices destas diretrizes. Tabela 4. Abordagem da Revisão das Evidências Desenvolver e refinar os tópicos; Determinar a abordagem dos tópicos: Conceitos estabelecidos – resumo de revisões publicadas e artigos originais selecionados; Conceitos novos – revisão sistemática de artigos originais e análise de dados primários, se estiverem disponíveis. Obtenção de evidências (revisão da literatura); Análise de dados primários do Terceiro Levantamento Nacional de Exames de Saúde e Nutrição (Third National Health and Nutrition Examination Survey) (NHANES III) e de outras fontes; Avaliação das evidências (tipos e qualidade); Síntese das evidências (tabelas); Transposição das evidências em diretrizes para a prática clínica; Identificação de diretrizes adequadas à transposição em medidas de aplicação clínica; Revisão e introdução de emendas em público; Aprovação pela Diretoria da NKF. VISÃO GERAL A Tabela 5 mostra a classificação dos estágios da doença renal crônica elaborada pelo Grupo de Trabalho, incluindo a população de alto risco para doença renal crônica, bem como ações para prevenir o aparecimento da doença renal crônica e melhorar a sua evolução em cada um de seus estágios. Antes de enumerar as diretrizes, cabe responder algumas perguntas freqüentes sobre a classificação geral. Tabela 5. Estágio Doença Renal Crônica: Um Plano de Ação Clínica Descrição Com risco aumentado TFG (ml/min/1,73m2) > 90 Ação* Investigação; 16 (com fatores de Redução de risco risco para DRC) de DRC ............................................................................................................................................... 1 Lesão renal com TFG > 90 Diagnóstico e tratamento, normal ou aumentada Tratamento de condições comórbidas, retardo da progressão, redução do risco de DCV ................................................................................................................................................ 2 Lesão renal (discreta) com 60 - 89 Estimativa da ligeira ↓ da TFG progressão ...................................................................................................................................... 3 ↓ moderada da TFG 30 - 59 Avaliação e tratamento das complicações ................................................................................................................................................ 4 ↓ grave da TFG 15 - 29 Preparação para terapia de substituição renal ................................................................................................................................................ 5 Insuficiência renal < 15 Substituição (se houver terminal (ou diálise) uremia) . A área sombreada identifica pacientes que têm doença renal crônica; a área não sombreada indica indivíduos com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. A doença renal crônica é definida como a presença ou de lesão renal ou de uma TFG < 60 ml/min/1,73m2 durante um período > 3 meses. A lesão renal é definida como a presença ou de anormalidades patológicas ou de marcadores de lesão, incluindo anormalidades em exames de sangue ou de urina ou em exames de diagnóstico por imagem. * Inclui ações de estágios anteriores. Abreviaturas: TFG = taxa de filtração glomerular; DRC = doença renal crônica; DCV = doença cardiovascular (Why “Kidney”? Nota da Tradução: Trata-se de uma discussão sobre termos usados para referência às doenças renais em inglês (“Kidney” ou “renal” ou “nephrology”). Em português há preferência por utilizar o termo “renal”de origem latina em detrimento do termo nefrológico de origem grega.No Brasil a maioria dos pacientes e familiares ainda desconhecem o que é nefrologia ou doenças nefrológicas, sendo melhor utilizar o termo doenças renais. Por que Elaborar uma Nova Classificação? Atualmente, não existe uma classificação uniforme dos estágios da doença renal crônica. A revisão de livros-texto e de artigos de revistas especializadas mostra claramente ambigüidade e superposição dos significados dos termos correntes. O Grupo de Trabalho concluiu que definições uniformes dos termos e dos estágios iriam melhorar a comunicação entre pacientes e aqueles que os atendem, 17 favorecer a educação do público e promover a divulgação dos resultados de pesquisa. Além disso, considerou-se que definições uniformes iriam intensificar a realização de pesquisas clínicas. Por que Basear um Novo Sistema de Classificação na Gravidade da Doença? Desfechos desfavoráveis da doença renal baseiam-se no nível da função renal e no risco de perda da função no futuro. A doença renal crônica tende a se agravar com o tempo.Consequentemente, o risco de evolução desfavorável aumenta com o passar do tempo e com o agravamento do problema. Muitas disciplinas médicas, da doença incluindo especialidades correlatas como as que tratam da hipertensão, das doenças cardiovasculares, diabetes e transplantes, adotaram sistemas de classificação baseados na gravidade do quadro para orientar as intervenções clínicas, a pesquisa e a educação de profissionais e do público. Um modelo desse tipo é essencial para qualquer abordagem de saúde pública da doença. Por que Classificar a Gravidade pelo Nível da TGF? O nível da taxa de filtração glomerular (TFG) é amplamente aceito como sendo a melhor medida global da função renal, seja o indivíduo sadio ou doente. Os profissionais da assistência médica e as famílias estão familiarizados com o conceito de que “o rim é como um filtro”. A TFG é a melhor medida da capacidade do rim de filtrar o sangue. Além disso, expressando-se o nível da função renal por meio de uma escala contínua, torna-se possível elaborar programas de educação do público que incentivem os indivíduos a “conhecer seu número”. O termo “TFG” não é intuitivamente óbvio para todo mundo. Pelo contrário, é um termo aprendido, que permite a expressão final das complexas funções do rim em uma única expressão numérica. Por outro lado, números são conceitos intuitivos e de fácil compreensão para todos. Assim, é uma sorte que, uma vez aprendido o termo “TFG”, a expressão “Conheça seu número!” se torne intuitiva e de fácil compreensão. Por que Incluir um Plano de Ação? Melhorar os desfechos, meta máxima da NKF, requer ação. Nenhuma diretriz de prática clínica, qualquer que seja o rigor de sua elaboração, alcançará a melhora do desfecho pretendida sem um plano de implementação. Esta foi a tarefa do Conselho Consultivo do N/KDOQI. O processo foi iniciado paralelamente ao de elaboração das diretrizes. PREVALÊNCIA DA DOENÇA RENAL CRÔNICA NOS ESTADOS UNIDOS Usando a definição e os estágios da doença renal crônica, o Grupo de Trabalho conseguiu obter estimativas grosseiras da prevalência de cada estágio em adultos, a partir da Terceira Pesquisa Nacional de Exame de Saúde e Nutrição (Third National Health and Nutrition Examination Survey) (NHANES III) (Tabela 6). Os métodos para estimar a prevalência estão detalhados nas diretrizes. Com base nesses dados, há mais de 20 milhões de adultos com doença renal crônica nos EUA. O número de indivíduos com risco aumentado de desenvolverem doença 18 renal crônica é maior ainda. A prevalência da doença renal crônica em crianças é baixa demais para permitir estimativas precisas de prevalência para cada estágio, com base nos dados da NHANES III. Tabela 6. Estágios e Prevalência da Doença Renal Crônica (Idade > 20) TFG Prevalência* Descrição (ml/min/1,73m2) N (x1000) % Lesão renal com TFG > 90 5.900 3,3 normal ou ................................................................................................................................................ 2 Lesão renal com 60 - 89 5.300 3,0 leve da TFG ...................................................................................................................................... 3 moderada da TFG 30 - 59 7.600 4,3 ................................................................................................................................................ 4 grave da TFG 15 - 29 400 0,2 ................................................................................................................................................ 5 Insuficiência renal < 15 300 0,1 terminal (ou diálise) . Estágio 1 * Dados dos Estágios 1 - 4 provenientes do NHANES III (1988 – 1994). População de 177 milhões de adultos com idade > 20 anos. Os dados do Estágio 5, provenientes do USRDS (1998), incluem aproximadamente 230.000 pacientes tratados com diálise e presumem outros 70.000 pacientes sem diálise. TFG estimada a partir da creatinina sérica, usando a equação do Estudo MDRD, baseada em idade, sexo, raça e creatinina sérica. Para os Estágios 1 e 2, foi definida como lesão renal a presença, em amostra isolada de urina, de uma razão albumina/creatinina >17 mg/g em homens e >25 mg/g em mulheres, obtida em duas dosagens. CONCLUSÕES DAS DIRETRIZES As conclusões destas diretrizes estão agrupadas em quatro partes, correspondentes aos quatro objetivos do Grupo de Trabalho sobre DRC. As conclusões das diretrizes estão reproduzidas neste Resumo Executivo. Os números de páginas referem-se às páginas do American Journal of Kidney Diseases, volume 39, Supplement 1, de fevereiro de 2002. Recomenda-se ao leitor que procure os fundamentos, as tabelas de evidências e a bibliografia nas páginas específicas. DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS ESTÁGIOS DA DOENÇA RENAL CRÔNICA 19 A doença renal crônica é um importante problema de saúde pública. Para melhorar a evolução das pessoas com doença renal crônica, é necessária uma abordagem mundial coordenada de prevenção das evoluções desfavoráveis, que defina a doença e sua evolução, estime a prevalência da doença, identifique os estágios precoces da doença e os fatores de risco prévios, bem como a detecção e o tratamento das populações com risco aumentado para evolução desfavorável. O objetivo desta seção é criar uma definição operacional e uma classificação dos estágios da doença renal crônica e oferecer estimativas da prevalência da doença por estágios, elaborar uma ampla visão geral de um “plano de ação clínica” para a avaliação e condução de cada estágio da doença renal crônica e definir os indivíduos com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. O Grupo de Trabalho analisou trabalhos sobre a prevalência da doença. Para elaborar estimativas de prevalência da doença em adultos, foram usados dados da NHANES III. Diretriz Nº 1. Definição e Estágios da Doença Renal Crônica A evolução desfavorável da doença renal crônica pode freqüentemente ser prevenidas ou retardada por meio da detecção e do tratamento precoces. Os estágios precoces da doença renal crônica podem ser detectados por meio de dosagens laboratoriais de rotina. A presença da doença renal crônica deve ser estabelecida com base na presença de lesão renal e no nível de função renal (taxa de filtração glomerular [TFG]), independentemente do diagnóstico. Nos pacientes com doença renal crônica, o estágio da doença deve ser determinado com base no nível de função renal, independentemente do diagnóstico, segundo a classificação de DRC do K/DOQI. Tabela 7. Estágios da Doença Renal Crônica TFG Descrição (ml/min/1,73m2) Lesão renal com > 90 TFG normal ou ................................................................................................. 2 Lesão renal com 60 - 89 leve da TFG ........................................................................................... 3 moderada da TFG 30 - 59 .................................................................................................. 4 grave da TFG 15 - 29 .................................................................................................. 5 Insuficiência renal < 15 ou diálise terminal A doença renal crônica é definida como a presença ou de lesão renal ou de uma TFG < 60 ml/min/1,73m2 durante um período > 3 meses. A lesão renal Estágio 1 20 é definida como a presença ou de anormalidades patológicas ou de marcadores de lesão, incluindo anormalidades em exames de sangue ou de urina ou em exames de diagnóstico por imagem. A Tabela 8 ilustra a classificação dos indivíduos com base na presença ou ausência de marcadores de doença renal e no nível de TFG, segundo a definição e divisão em estágios propostas nesta diretriz. Além disso, em vista da complexa relação entre pressão arterial elevada e doença renal crônica, ela inclui colunas referentes à presença ou ausência de pressão arterial elevada. Tabela 8. Definição e Estágios da Doença Renal Crônica TFG (ml/min/1,73m2) > 90 Com Lesão Renal* Com HAS** 1 Sem Lesão Renal* . Sem HAS** 1 Com HAS** Sem HAS** “Pressão “Normal” arterial elevada” . 60 – 89 2 2 “Pressão “ da TFG”a arterial elevada . com da TFG” . 30 – 59 3 3 3 3 . 15 – 29 4 4 4 4 . < 15 (ou diálise) 5 5 5 5 . A área sombreada representa doença renal crônica; os números designam os estágios da doença renal crônica. * A lesão renal é definida como a presença de anormalidades patológicas ou de marcadores de lesão, incluindo anormalidades em exames de sangue ou de urina ou em exames de diagnóstico por imagem. ** A pressão arterial elevada é definida como >140/90 em adultos e >percentil 90 para a altura e o sexo, em crianças. a Pode estar normal em lactantes e idosos. A lesão renal é definida como a presença de anormalidades estruturais ou funcionais do rim, inicialmente sem diminuição da TFG, podendo levar à diminuição da TFG com o passar do tempo. Os marcadores da lesão renal incluem anormalidades na composição sangüínea ou urinária ou anormalidades em exames por imagem. Estas diretrizes salientam a proteinúria como marcador de lesão renal, por ter sido estudada mais a fundo, inclusiva na NHANES III. A Tabela 9 traz as definições mais comuns de proteinúria e albuminúria. Tabela 9. Definições de Proteinúria e Albuminúria 21 Método de Coleta de Urina Proteína Excreção de 24hs. Total (varia conforme o método) Normal Albuminúria ou Microalbuminúria Proteinúria Clínica <300mg/dia NA >300mg/dia . Fita reagente para urina isolada Razão proteína/ creatinina em urina isolada (varia conforme o método) <30mg/dl <200mg/g NA >30mg/dl NA >200mg/g . . Albumina Excreção de 24hs. <30mg/dia 30 – 300mg/dia >300mg/dia . Fita reagente específica para albumina em urina isolada <3mg/dl >3mg/dl NA . Razão Proteína/ Creatinina em Urina isolada (varia conforme o sexoa) <17mg/g (homens) 17-250mg/g (homens) >250mg/g (homens) <25mg/g (mulheres) 25-355mg/g (mulheres) >355mg/g (mulheres) . Os valores de corte específicos para cada sexo são de um único estudo. O uso do mesmo valor de corte para homens e mulheres resulta em valores de prevalência mais altos nas mulheres do que nos homens. As atuais recomendações da Associação Americana de Diabetes definem como valores de corte para a razão albumina/creatinina, em urina isolada, 30mg/g para microalbuminúria e 300mg/g para albuminúria, independentemente do sexo. O nível da TFG é aceito como sendo a melhor medida da função renal global, tanto em indivíduos sadios como em doentes. O nível normal da TFG varia de acordo com a idade, o sexo e o tamanho corporal. A Tabela 10 apresenta a TFG normal em crianças e adultos jovens. A Figura 4 mostra a TFG vs. idade em adultos. Foi selecionado o nível de TFG < 60ml/min/1,73m2 como definição de doença renal, independentemente da presença ou ausência de lesão renal, pois este nível representa uma perda de aproximadamente metade da TFG normal, que pode estar associada a complicações. Tabela 10. TFG Normal em Crianças e Adultos Jovens 22 Idade (sexo) 1 semana (homens e mulheres) 2-8 semanas (homens e mulheres) >8 semanas (homens e mulheres) 2-12 anos (homens e mulheres) 13-21 anos (homens) TFG média + DP (ml/min/1,73m2) 40,6 + 14,8 . 65,8 + 24,8 . 95,7 + 21,7 . 133,0 + 27,0 . 140,0 + 30,0 . 13-21 anos (mulheres) 126,0 + 22,0 . *Dados baseados em três estudos 2-4. Abreviatura: DP = desvio padrão Figura 4. TFG vs. Idade [Ordenada]: TFG estimada (ml/min/1,73m2) [Abscissa] : Idade (anos) [Interior do gráfico]: Inulina (Davies e Shock, 1950) –– TFG Estimada pelo NHANES III (mediana, percentis 5 e 95) 23 A insuficiência renal terminal foi definida como sendo ou (1) um nível de TFG < 15ml/min/1,73m2, acompanhado, na maioria dos casos, de sinais e sintomas de uremia, ou (2) a necessidade de se iniciar terapia de substituição renal (diálise ou transplante) para o tratamento de complicações decorrentes da TFG diminuída, que, de outra forma, aumentariam o risco de mortalidade ou morbidade. Em alguns pacientes com TFG > 15ml/min/1,73m2, pode ser necessária a realização de diálise ou de transplante, sendo eles também classificados como tendo insuficiência renal terminal. A Figura 5 mostra o nível da TFG ao iniciar-se a diálise nos EUA. Aproximadamente 98% dos pacientes iniciaram a diálise com TFG < 15ml/min/1,73m2. Nos Estados Unidos o termo “Insuficiência Renal Crônica Terminal” (end-stage renal disease) é também um termo administrativo, baseado no pagamento pelo programa Medicare para “ESRD”. Assim o termo insuficiência renal crônica terminal nos EUA inclui pacientes tratados com diálise e transplante, independente da TFG, mas não inclui pacientes não tratados com diálise ou transplante mesmo com TFG <15ml/min/1.73m2 Figura 5. Nível da TFG no Início da Terapia de Substituição (USRDS) [Ordenada]: % de Pacientes [Abscissa] : TFG (ml/min/1,73m2) 24 A Tabela 11 apresenta a prevalência dos estágios da doença renal crônica e os níveis correspondentes de função renal na população adulta dos EUA, baseada nas definições elaboradas para esta diretriz e em dados da NHANES III. Tabela 11. Prevalência dos Estágios da Doença Renal Crônica e Níveis de Função Renal nos EUA Estágios da DRC 1 2 3 4 5 N (x1000)* 10.500a 5.900 7.100 a 5.300 7.600 400 300 % 5,9 a 3,3 4,0 a 3,0 4,3 0,2 0,2 Níveis de Função Renal TFG (ml/min/1,73m2) N (x1000)* (%) >90 114.000 64,3 . . . 60-89 55.300 31,2 7.600 400 300 4.3 0,2 0,2 . 30-59 15-29 <15 (ou diálise) . . . * Dados para os Estágios 1-4 provenientes do NHANES III (1988-1994). População de 177 milhões com idade >20 anos. Dados para o Estágio 5, provenientes do USRDS (1998), incluem aproximadamente 230.000 pacientes tratados com diálise e presume outros 70.000 pacientes sem diálise. Porcentagens totais >100% porque o NHANES III pode não ter incluído pacientes em diálise. A TFG foi estimada a partir da creatinina sérica, usando a equação do Estudo MDRD, que se baseia em idade, sexo, raça e creatinina sérica. a Para os Estágios 1 e 2, a lesão renal foi determinada com base nos valores da razão albumina/creatinina em amostras isoladas de urina: >17mg/g (homens) ou >25mg/g (mulheres) em uma ocasião (estimativa de prevalência maior) ou em duas dosagens (estimativa de prevalência menor). A albuminúria foi persistente em 54% dos indivíduos com TFG>90ml/min/1,73m2 (n = 102) e em 73% dos indivíduos com TFG de 6089ml/min/1,73m2 (n = 44). A prevalência da doença renal crônica em crianças não foi estimada usando-se esta definição e classificação. A compilação de vários estudos mostra que 1-10% das crianças podem ter proteinúria por ocasião da pesquisa inicial com fita reagente (“dipstick”) urinária, porém menos de 1% têm proteinúria persistente, como demonstrado por resultados positivos de exames repetidos. Diretriz Nº 2. Avaliação e Tratamento A avaliação e o tratamento de pacientes com doença renal crônica requer a compreensão de conceitos separados porém correlacionados de diagnóstico, condições comórbidas, gravidade da doença, complicações da doença e riscos de perda da função renal e de doença cardiovascular. Pacientes com doença renal crônica devem ser avaliados a fim de se determinar: Diagnóstico (tipo de doença renal); 25 Condições comórbidas; Gravidade, determinada pelo nível de função renal; Complicações, relacionadas com o nível de função renal; Risco de perda da função renal; Risco de doença cardiovascular. O tratamento da doença renal crônica deve incluir: Terapia específica, baseada no diagnóstico; Avaliação e cuidados das condições comórbidas; Retardo da perda da função renal; Prevenção e tratamento da doença cardiovascular; Prevenção e tratamento das complicações decorrentes da função renal diminuída; Preparo para falência renal e terapia de substituição renal; Substituição da função renal por diálise e transplante, na presença de sinais e sintomas de uremia. Um plano de ação clínica deve ser elaborado para cada paciente, com base no estágio da doença, como definido pela classificação K/DOQI para DRC (ver Tabela 12). A medicação deve ser revista a cada consulta, para: Ajuste da dosagem, com base no nível de função renal; Detecção de efeitos potencialmente prejudiciais à função renal ou de complicações da doença renal crônica; Detecção de interações entre drogas; e Monitorização de drogas terapêuticas, se possível. Comportamentos de cuidados pelo próprio paciente devem ser incorporados no plano de tratamento em todos os estágios da doença renal crônica. Pacientes com doença renal crônica devem ser encaminhados a um especialista para consulta e conduta conjunta, caso não possa ser preparado o plano de ação clínica, não possa ser realizada a avaliação prescrita do(a) paciente ou não seja possível fazer o tratamento recomendado. Em geral, pacientes com TFG < 30ml/min/1,73m2 devem ser encaminhados para um nefrologista. Tabela 12. Estágios da Doença Renal Crônica: Um Plano de Ação Clínica Estágio 1 2 3 Descrição Lesão renal com TFG normal ou Lesão renal com ligeira da TFG moderada da TFG TFG (ml/min/1,73m2) > 90 60 - 89 30 - 59 Ação* . Diagnóstico e tratamento, Tratamento de condições comórbidas, retardo da progressão, redução do risco de DCV . Estimativa da progressão . Avaliação e tratamento das complicações . 26 4 grave da TFG 5 Insuficiência renal terminal 15 - 29 < 15 (ou diálise) Preparação para terapia de substituição renal . Substituição (se houver uremia) . A doença renal crônica é definida como a presença ou de lesão renal ou de uma TFG < 60 ml/min/1,73m2 durante um período > 3 meses. A lesão renal é definida como a presença ou de anormalidades patológicas ou de marcadores de lesão, incluindo anormalidades em exames de sangue ou de urina ou em exames de diagnóstico por imagem. * Inclui ações de estágios anteriores. Abreviaturas: DCV = doença cardiovascular A maioria das recomendações contidas nestas diretrizes não é específica para um tipo (diagnóstico) de doença renal. Entretanto, existem terapias específicas para a reversão de anormalidades estruturais e funcionais de alguns tipos de doença renal crônica. Para cada paciente, deve ser feita uma pesquisa minuciosa de “causas reversíveis” da doença renal crônica. A classificação do tipo de doença renal baseia-se na patologia e na etiologia. A Tabela 13 apresenta uma classificação simplificada. A doença renal diabética é um tipo de doença glomerular, colocada em destaque aqui por ser a maior causa isolada de insuficiência renal nos EUA. Uma série de doenças, incluindo outras doenças glomerulares, vasculares, túbulo-intersticiais e císticas, freqüentemente são colocadas no mesmo grupo rotulado como “doenças renais não-diabéticas”, para fins de estudos epidemiológicos e clínicos. Destas, a nefrosclerose hipertensiva e a doença glomerular são a segunda e terceira causas mais freqüentes de insuficiência renal nos EUA. A doença renal no transplante é provavelmente a quarta maior causa de insuficiência renal. Tanto fatores imunológicos como não-imunológicos parecem ter um papel importante na evolução da doença renal no transplante. Tabela 13. Classificação Simplificada da Doença Renal Crônica por Diagnóstico Doença Tipos Principais (Exemplos) Doença renal diabética Diabetes Tipo 1 e tipo 2 Doenças renais não-diabéticas Doenças glomerulares (doenças autoimunes, infecções sistêmicas, drogas, neoplasia) Doenças vasculares 27 (doença dos grandes vasos, hipertensão, microangiopatia) Doenças túbulo-intersticiais (infecção do trato urinário, cálculos, obstrução, toxicidade de drogas) Doenças císticas (doença renal policística) Doenças do transplante Rejeição crônica Toxicidade de drogas (ciclosporina ou tacrolimus) Doenças recorrentes (doenças glomerulares) Glomerulopatia do transplante A doença renal crônica em geral é silenciosa. Por isso, a avaliação clínica baseiase em grande parte no estudo laboratorial e nos exames de diagnóstico por imagem. Assim mesmo, uma anamnese cuidadosa freqüentemente irá revelar indícios para um diagnóstico correto (Tabela 14). A avaliação laboratorial de pacientes com doença renal crônica é apresentada na Tabela 15. Tabela 14. Indícios para o Diagnóstico de Doença Renal Crônica a partir do Histórico do Paciente Indício Revisão dos Sistemas Possível Diagnóstico Sintomas ao urinar Geralmente sugerem distúrbios do trato urinário, tais como infecção, obstrução ou cálculos Infecções recentes Podem sugerir glomerulonefrite pós-infecciosa ou nefropatia associada com HIV Erupção cutânea ou artrite Sugere doença autoimune, tal como lupus eritematoso sistêmico ou crioglobulinemia Fatores de risco para doença transmitida por via parenteral Doenças Crônicas Podem sugerir HIV, infecção por hepatite B ou C e doenças renais associadas Insuficiência cardíaca, cirrose ou perdas gastrintestinais de líquidos Geralmente sugerem perfusão renal reduzida (“fatores pré-renais”) Diabetes a Como causa de doença renal crônica: A nefropatia diabética, uma vez iniciada, geralmente segue um curso clínico típico, primeiro com albuminúria, seguida 28 de proteinúria clínica, hipertensão e declínio da TFG. Hipertensão a Como causa de doença renal crônica: A nefrosclerose hipertensiva geralmente é caracterizada por medidas gravemente elevadas da pressão arterial durante períodos prolongados de tempo, com lesão associada de órgãos-alvo, além da doença renal. Um agravamento recente da hipertensão, associado a achados de aterosclerose difusa, sugere doença dos grandes vasos devido à aterosclerose. O aparecimento recente de hipertensão grave em mulheres jovens sugere doença dos grandes vasos devido a displasia fibromuscular Histórico Clínico Pregresso Achados de exames “de rotina” anteriores Podem revelar um histórico de hipertensão ou de proteinúria na infância, durante a gravidez ou por ocasião de exames feitos para a escola, o serviço militar ou companhia de seguros. Avaliações urológicas anteriores Detalhes podem revelar anormalidades radiológicas associadas à doença renal. Histórico Familiar de Doenças Renais Em todas as gerações; suscetibilidade igual em homens e mulheres a Sugere doença autossômica dominante, como a doença renal policística. Em todas as gerações; suscetibilidade predominante nos homens Sugere doença recessiva ligada ao sexo, como a síndrome de Alport. Freqüência menor do que em todas as gerações Sugere doença autossômica recessiva, como a doença cística da medula renal ou a doença renal policística autossômica recessiva. Extremamente comum em pacientes idosos e, muitas vezes, inespecífica. Tabela 15. Avaliação Laboratorial de Pacientes com Doença Renal Crônica Todos os Pacientes Creatinina sérica para estimar a TFG Razão proteína/creatinina ou albumina/creatinina em amostra da primeira urina da manhã ou isolada, colhida aleatoriamente e sem tempo determinado Exame do sedimento urinário ou fita reagente para hemácias e leucócitos 29 Exame dos rins por imagem, geralmente por ultra-som Eletrólitos séricos (sódio, potássio, cloreto e bicarbonato) O nível da TFG é um guia para o restante do plano de ação para doença renal crônica. As intervenções para o tratamento das condições comórbidas, para o retardamento da evolução da doença renal e para a redução do risco de doença cardiovascular devem começar assim que for feito o diagnóstico de doença renal crônica. A estimativa da taxa de declínio da TFG pode ser feita a partir do momento em que a TFG começa a declinar. Em geral, pacientes com TFG < 60ml/min/1,73m2 têm risco mais alto de apresentarem complicações e devem ser examinados quanto à presença delas. A opinião do Grupo de Trabalho foi de que pacientes com TFG < 30ml/min/1,73m2 deveriam ser encaminhados para um nefrologista para consulta e conduta conjunta e para o preparo para a terapia de substituição renal. Pacientes com TFG mais alta também podem ter de ser encaminhados para especialistas para a realização de aspectos selecionados do plano de ação clínica. Em todos os níveis de TFG, deve ser feita uma revisão da medicação a cada consulta e devem ser incorporados ao plano de ação comportamentos de cuidados pelo próprio paciente. Diretriz Nº 3. Indivíduos com Risco Aumentado para Doença Renal Crônica Alguns indivíduos sem lesão renal e com TFG normal ou elevada têm risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. Todos os indivíduos devem ser avaliados, como parte de encontros rotineiros de saúde, para se determinar, com base em fatores clínicos e sociodemográficos, se eles têm risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. Indivíduos com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica devem ser submetidos a exames para se averiguar a presença de marcadores de lesão renal e estimar o nível da TFG. Indivíduos identificados como tendo doença renal crônica devem ser avaliados e tratados como especificado na Diretriz Nº 2. Indivíduos com risco aumentado, nos quais porém não foi encontrada doença renal crônica, devem ser orientados, se for apropriado, a seguirem um programa de redução dos fatores de risco e a se submeterem a avaliações periódicas repetidas. A Tabela 16 contém uma lista parcial de fatores clínicos e sociodemográficos que já foram implicados como fatores de suscetibilidade ou de desencadeamento da doença renal crônica. A prevalência de indivíduos com risco aumentado para doença renal crônica não foi estudada sistematicamente, porém pode-se ter uma 30 idéia da magnitude do problema analisando-se os dados de publicações recentes (Tabela 17). Tabela 16. Fatores de Risco Potenciais para Suscetibilidade e Desencadeamento da Doença Renal Crônica Fatores Clínicos Fatores Sociodemográficos Diabetes Idade avançada Hipertensão Condição de minoria étnica nos EUA: Doenças autoimunes afro-americanos, índios americanos, Infecções sistêmicas hispânicos, asiáticos ou nativos das ilhas do Pacífico Infecções do trato urinário Exposição a certas condições químicas Cálculos urinários e ambientais Obstrução do trato urinário inferior Baixa renda/ educação deficiente Neoplasia Histórico familiar de doenças renais crônicas Recuperação de insuficiência renal aguda Redução da massa renal Exposição a certas drogas Peso baixo ao nascimento Tabela 17. Prevalência de Indivíduos com Risco Aumentado para Doença Renal Crônica Prevalência Fator de Risco Diabetes mellitus % Estimada . , N Estimado Diagnosticados: 5,1% dos adultos com idade > 20 anos 10,2 milhões Não diagnosticados: 2,7% dos adultos com idade > 20 anos 5,4 milhões . Hipertensão 24,0% dos adultos com idade > 18 anos 43,1 milhões . Lupus eritematoso sistêmico ~0,05% certos ou com suspeita ~239.000 . 31 Transplante renal funcionante ~0,03% 88.311 em 31/12/98 . Afro-americanos 12,3% 34,7 milhões . Hispânicos ou Latinos (de qualquer raça) 12,5% 35,3 milhões . Índios americanos e nativos do Alasca 0,9% 2,5 milhões . Idade de 60-70 anos 7,3% 20,3 milhões . Idade >70 anos 9,2% 25,5 milhões . Insuficiência renal aguda Uso diário de DAINE ~0,14% ~363.000 permanências em hospitais não federais em 1997 . ~5,2% com artrite reumatóide ou osteoartrite (uso diário presumido) ~30% uso anual ~13 milhões com uso diário presumido ~75 milhões com uso anual . Abreviatura: DAINE = droga antiinflamatória não-esteróide . A Academia Americana de Pediatria recomenda que se façam exames de rotina para pesquisa de proteinúria nas crianças. Para crianças e adultos com hipertensão ou diabetes, recomendam-se exames de urina e dosagem de creatinina sérica para estimativa da TFG. Todavia, a Força Tarefa de Serviços de Saúde Preventiva dos EUA (USPHS) atualmente não recomenda que se realizem exames de urina ou dosagem de creatinina sérica em adultos sem outros problemas de saúde. Estas recomendações basearam-se na baixa prevalência e falta de terapia eficaz para doença renal crônica em adultos. Diante dos dados apresentados nesta diretriz, referentes à prevalência mais alta da doença renal crônica do que previamente reconhecido, o Grupo de Trabalho é de opinião que a questão da realização rotineira de mais exames em adultos deve ser reconsiderada. O Grupo de Trabalho era de opinião que uma adequada avaliação clínica dos adultos com risco aumentado para doença renal crônica deveria incluir os itens apresentados na Tabela 18. A maioria desses itens é rotineiramente realizada em indivíduos com risco aumentado para doença renal crônica. Além disso, a maioria desses itens é de baixo custo. Estas diretrizes devem permitir uma clara avaliação do risco e classificação dos indivíduos. 32 Tabela 18. Avaliação Clínica de Pacientes com Risco Aumentado para Doença Renal Crônica Todos os Pacientes Medida da pressão arterial Creatinina sérica para estimativa da TFG Razão proteína/creatinina ou albumina/creatinina em amostra da primeira urina da manhã ou isolada aleatória, sem tempo determinado Exame do sedimento urinário ou de fita reagente para hemácias e leucócitos Pacientes Selecionados, Dependendo dos Fatores de Risco Exame de imagem por ultra-som (por exemplo, em pacientes com sintomas de obstrução do trato urinário, infecção ou cálculo ou histórico familiar de doença policística dos rins) Eletrólitos séricos (sódio, potássio, cloreto e bicarbonato) Concentração ou diluição urinária (densidade ou osmolalidade) Acidez urinária (pH) AVALIAÇÃO DAS DOSAGENS LABORATORIAIS PARA O DIAGNÓSTICO CLÍNICO DA DOENÇA RENAL A definição da doença renal crônica e a identificação de seus estágios depende da determinação da TFG, da proteinúria e de outros marcadores da doença renal. Esta seção tem por objetivos avaliar a precisão das equações preditivas para a estimativa do nível da TFG a partir da creatinina sérica, a precisão das razões de concentração proteína/creatinina em amostras isoladas de urina sem tempo determinado (“spot”) para determinar a taxa de excreção proteica, e a utilidade de marcadores de lesão renal além da proteinúria. O Grupo de Trabalho avaliou estudos segundo os métodos aceitos de avaliação de exames diagnósticos. A fim de oferecer uma revisão mais abrangente, o Grupo de Trabalho procurou integrar a revisão sistemática de questões específicas com diretrizes e recomendações já existentes. Diretriz Nº 4. Estimativa da TFG A estimativa da TFG é o melhor índice para avaliar o nível da função renal. O nível da TFG deve ser estimado por meio de equações preditivas que levam em conta a concentração de creatinina sérica e algumas ou todas das seguintes variáveis: idade, sexo, raça e dimensão corporal. As seguintes equações fornecem estimativas úteis da TFG: Em adultos, as equações do Estudo MDRD e de Cockroft-Gault; Em crianças, as equações de Schwartz e de Counahan-Barratt. 33 A concentração de creatinina sérica isoladamente não deve ser usada para avaliar o nível de função renal. Os laboratórios de análises clínicas devem fornecer uma estimativa da TFG, obtida por meio de uma equação preditiva, além de informar a dosagem de creatinina sérica. Os fabricantes de auto-analisadores e os laboratórios de análises clínicas devem calibrar as dosagens para creatinina sérica utilizando um padrão internacional. A medição da depuração (clearance) da creatinina através de coleta de urina em tempo determinado (por exemplo, 24 horas) não melhora a estimativa da TFG em relação àquela fornecida pelas equações preditivas. Uma amostra de urina de 24 horas fornece informações úteis para: Estimativa da TFG em indivíduos com ingestão alimentar especial (dieta vegetariana, suplementos com creatina) ou massa muscular fora do padrão usual (amputação, má nutrição, perda muscular); Determinação da dieta e do estado nutricional; Necessidade de iniciar diálise. A TFG não é de fácil medição na prática clínica. A medida da TFG mais amplamente usada baseia-se na concentração da creatinina sérica. Como mostra a Figura 6, a creatinina sérica por si só não fornece uma estimativa acurada do nível da TFG. A depuração de creatinina em urina de 24 horas é mais precisa, mas é inconveniente. Figura 6. Relação da Depuração de Creatinina e Creatinina Sérica com a TFG (Depuração de Inulina) em Pacientes com Doença Glomerular Tradução: [Ordenada]: Ccreatinina, ml/min/1,73m2 [Ordenada]: Creatinina sérica, mg/dl [Abscissa] : Cinulina, ml/min/1,73m2 [Abscissa] : Cinulina, ml/min/1,73m2 34 As Figuras 7 e 8 mostram que as estimativas da TFG baseadas em equações como a equação de Cockcroft e Gault ou a equação do Estudo MDRD fornecem uma estimativa mais precisa da TFG do que a creatinina sérica isolada. A Tabela 19 apresenta as equações recomendadas para a estimativa da TFG em adultos e em crianças. Figura 7. Estimativas da TFG vs. Medidas da TFG na Coorte Basal do Estudo MDRD Tradução [Ordenada 1]: Recíproca da Concentração de Creatinina Sérica (100dl/mg) [Abscissa 1] : TFG (ml/min/1,73m2) [Ordenada 2]: Depuração de Creatinina Estimada Através da Equação de Cockcroft-Gault (ml/min/1,73m2) [Abscissa 2] : TFG (ml/min/1,73m2) [Ordenada 3]: TFG Prevista Utilizando a Equação 7 (ml/min/1,73m2) [Abscissa 3] : TFG (ml/min/1,73m2) Figura 8. Acurácia das Diferentes Estimativas da TFG em Adultos [Ordenada]: Acurácia, % 35 [Abscissa] : Recíproca da CrS Equação 7 do Estudo MDRD Equação CockcroftGault Depuração Recíproca Equação de Creatinina CrS [C] Cockcroftde 24 Horas Gault [C] Depuração de Creatinina de 24 Horas [C] Equação MDRD Abreviada [No interior do gráfico]: –º– % Dentro de 50% –o– % Dentro de 30% Tabela 19. Equações Desenvolvidas para Predizer a TFG em Adultos e Crianças com Base na Creatinina Sérica Equação Autor, Ano (Nº de indivíduos) Equação de Cockcroft-Gault Cockcroft, 1976 (N = 236) Equação do Estudo MDRD, somente variáveis séricas negro) Levey, 1999 (N = 1070, 558 no grupo de validação) Equação do Estudo MDRD “Abreviada” Levey, 2000 (N = 1070, 558 no grupo de validação) Fórmula de Schwartz Schwartz, 1976 (N = 186) Equação de Counahan-Barratt Counahan, 1976 (N = 108) Equação CCr (ml/min) = (140 – Idade)x Peso x 0,85 (se for mulher) 72 x CrS TFG (ml/min/1,73m2) = 170 x (CrS )-0,999x (Idade)-0,176 x (NUS)-0,176 x (Alb)-1,318 x (0,762 se for mulher) x (1,180 se for TFG (ml/min/1,73m2) = 186 x (CrS )-1,154 x (Idade)-0,203 x (0,742 se for mulher) x (1,210 se for afro-americano) CCr (ml/min) = 0,55 x Altura CrS TFG (ml/min/1,73m2) = 0,43 x Altura CrS Abreviações e unidades: TFG = taxa de filtração glomerular; CCr = depuração de creatinina; CrS = creatinina sérica em mg/dl; Idade, em anos; Peso, em kg; NUS = nitrogênio uréico sérico em mg/dl; Alb = albumina sérica em g/dl.. A equação de Cockcroft-Gault é provavelmente a fórmula mais usada para estimar a TFG em adultos. A equação de Cockcroft-Gault foi desenvolvida para estimar a 36 depuração da creatinina e, por isso, superestima a TFG. Esta equação foi desenvolvida em uma amostra de homens e um fator de correção foi proposto para as mulheres. A acurácia desta equação em predizer a depuração de creatinina na urina de 24 horas foi avaliada em muitas publicações. Ela requer a medida do peso corpóreo, o que pode ser um inconveniente, e dá o resultado da TFG na unidade ml/min em vez de ml/min/1,73m 2, o que é útil para a dosagem de drogas, mas dificulta a comparação com valores normais ou com níveis de TFG que correspondam aos estágios da doença renal crônica, como definidos pelo Grupo de Trabalho. Alguns estudos padronizaram os resultados por área de superfície corpórea. Outros estudos sugeriram que se usasse a massa corpórea magra em vez do peso total, especialmente para indivíduos obesos. A equação do Estudo MDRD fornece uma estimativa clinicamente útil da TFG (até aproximadamente 90ml/min/1,73m2). A equação do Estudo MDRD tem as vantagens de ter sido derivada com base em: TFG medida diretamente pelo depuração urinária do 125I-lotamalato; Uma amostra grande com mais de 500 indivíduos portadores de diversas doenças renais; Inclusão de participantes euro-americanos e afro-americanos; Validação em outro grupo grande de indivíduos (n>500), como parte de sua elaboração. Esta equação fornece estimativas da TFG padronizadas por área de superfície corpórea, tornando desnecessária a medição da altura ou do peso. A versão abreviada é fácil de implementar, uma vez que requer apenas a creatinina sérica, idade, sexo e raça. Em um estudo, ela foi mais acurada do que a medida da depuração de creatinina de 24 horas. É possível que a equação do Estudo MDRD seja superior às equações anteriores, mas, por enquanto, os dados ainda são bastante limitados. Embora esta equação seja mais difícil de memorizar e de calcular “à mão” do que a equação de Cockcroft-Gault, ela está disponível na Internet (www.kdoqi.org), podendo ser facilmente programada ou importada para calculadoras e sistemas laboratoriais. A Tabela 20 mostra os valores de creatinina sérica que podem ser utilizados para identificar indivíduos com TFG estimada de 60ml/min/1,73m 2 ou menos, para adultos de diferentes idades, sexos e etnias. Todos os valores estão bem abaixo de 2,0mg/dl, o que corresponde a uma TFG estimada na faixa de 2551ml/min/1,73m2, dependendo da idade, sexo e grupo étnico. Em outras palavras, mesmo com elevações pequenas da concentração da creatinina sérica, o nível de função renal pode estar substancialmente reduzido. Tabela 20. Creatinina Sérica Correspondente a uma TFG de 60ml/min/1,73m2 pelas Equações do Estudo MDRD Abreviado e de Cockcroft-Gault Equação do Estudo MDRD Euro-americanos Afro-americanos Equação de Cockcroft- 37 Gault Idade (Anos) Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres 30 1,47 1,13 1,73 1,34 1,83 1,56 40 1,39 1,08 1,65 1,27 1,67 1,42 50 1,34 1,03 1,58 1,22 1,50 1,28 60 1,30 1,00 1,53 1,18 1,33 1,13 70 1,26 0,97 1,49 1,15 1,17 0,99 80 1,23 0,95 1,46 1,12 1,00 0,85 Os cálculos desta tabela pressupõem um peso de 72kg e uma área de superfície corporal (ASC) de 1,73m2. Para a creatinina sérica, as unidades são mg/dl (multiplicando por 88,4 µmol/l = 1mg/dl). Equação abreviada do Estudo MDRD: TFG = 186 x (CrS )-1,154 x (Idade)-0,203 x (0,742 se for mulher) x (1,210 se for negro) Equação de Cockcroft-Gault: CCr (ml/min) = (140 – Idade) x Peso x (0,85 se for mulher) 72 x CrS Abreviações e unidades: TFG = taxa de filtração glomerular em ml/min/1,73m2; CrS = creatinina sérica em mg/dl; idade, em anos; peso, em kg; CCr = depuração de creatinina. Várias fórmulas foram desenvolvidas para estimar a TFG em crianças. Duas delas, a fórmula de Schwartz e a fórmula de Counahan-Barratt, utilizam a proporcionalidade entre TFG e altura/creatinina sérica (Tabela 19). As constantes utilizadas nas equações são diferentes, provavelmente em função dos diferentes ensaios na determinação da creatinina. Para uma criança de 5 anos com estatura dentro da média para a idade (percentil 50), a creatinina sérica correspondente a uma TFG de 60ml/min/1,73m2 é de 1,0mg/dl pela fórmula de Schwartz e de 0,8mg/dl para a fórmula de Counahan-Barratt. Este exemplo demonstra que ambas as fórmulas podem ser usadas para estimar a função renal e que mesmo níveis de creatinina sérica <1,0ml/dl podem estar associados com função renal seriamente prejudicada, tanto em crianças pequenas como em adultos com massa muscular reduzida ou desnutridos. Devido à falta de padronização na calibragem dos aparelhos autoanalisadores nos ensaios de creatinina sérica, todas essas equações podem ser imprecisas em indivíduos com creatinina na faixa normal ou baixa. Esta imprecisão pode ser melhorada se o laboratório de análises clínicas utilizar, para o ensaio de creatinina, a mesma calibragem do laboratório usado na elaboração da equação preditiva. 38 Além disso, existem outras limitações para a estimativa da TFG por meio de equações preditivas que usam a concentração da creatinina sérica. A Tabela 21 apresenta uma lista de situações clínicas em que medir a depuração pode ser necessário para estimar a TFG. Tabela 21. Situações Clínicas em Que Medir a Depuração Pode ser Necessário para Estimar a TFG Idades e dimensões corporais extremas Desnutrição ou obesidade graves Doença do músculo esquelético Paraplegia ou tetraplegia Dieta vegetariana Função renal com mudanças bruscas Antes ajustar doses de drogas com grande toxicidade que são excretadas pelos rins Diretriz Nº 5. Determinação da Proteinúria Indivíduos normais geralmente excretam quantidades muito pequenas de proteína na urina. A excreção persistente de quantidades aumentadas de proteína usualmente é um marcador de lesão renal. A excreção de tipos específicos de proteínas, como albumina ou globulinas de baixo peso molecular, depende do tipo de doença renal existente. A excreção aumentada de albumina é um marcador sensível da doença renal crônica causada por diabetes, doença glomerular e hipertensão. A excreção aumentada de globulinas de baixo peso molecular é um marcador sensível de alguns tipos de doença túbulo-intersticial. Nesta diretriz, o termo “proteinúria” refere-se à excreção urinária aumentada de albumina, outras proteínas específicas ou proteína total; “albuminúria” refere-se especificamente à excreção urinária aumentada de albumina. “Microalbuminúria” refere-se à excreção de albumina acima da faixa normal, mas abaixo do nível de detecção através de exames de proteína total. As diretrizes para a detecção e a monitorização da proteinúria em adultos e em crianças são diferentes por causa de diferenças na prevalência e no tipo de doença renal crônica. Diretrizes para Adultos e Crianças: Na maioria das circunstâncias, amostras isoladas de urina devem ser utilizadas para detectar e monitorar a proteinúria, tanto em crianças como em adultos. 39 Geralmente, para essas avaliações não é necessário coleta de urina em tempo determinado (durante a noite ou em 24 horas), tanto em crianças como em adultos. São preferíveis amostras da primeira urina da manhã, mas amostras aleatórias são aceitáveis se amostras da primeira urina não estiverem disponíveis. Na maioria dos casos, para a detecção da proteinúria, é aceitável a triagem com fitas reagentes: – Fitas reagentes padrão para urina são aceitáveis para detectar o aumento da proteína urinária total. – Fitas reagentes específicas para albumina são aceitáveis para detectar albumina. – Pacientes com teste de fita positivo (1+ ou maior) devem ser submetidos à confirmação da proteinúria, por meio de dosagem quantitativa (razão proteína/creatinina ou albumina/creatinina) no prazo de 3 meses. Pacientes com dois ou mais exames quantitativos positivos, feitos com um intervalo de 1 a 2 semanas, devem ser diagnosticados como tendo proteinúria persistente e devem ser submetidos às avaliações e condutas para doença renal crônica, como estabelecido na Diretriz Nº 2. Em pacientes com doença renal crônica, a proteinúria deve ser monitorada por meio de dosagens quantitativas. Diretrizes Específicas para Adultos: Na triagem de adultos com risco aumentado para doença renal crônica, a albumina deve ser dosada em uma amostra isolada de urina, usando-se: – Tira reagente específica para albumina; – Razão albumina/creatinina. Na monitoração da proteinúria em adultos com doença renal crônica, a razão proteína/creatinina em amostras isoladas de urina deve ser dosada usando-se: – Razão albumina/creatinina. – A razão proteína total/creatinina é aceitável se a razão albumina/creatinina for alta (>500 a 1.000mg/g). Diretrizes Específicas para Crianças sem Diabetes: Na triagem para detecção de doença renal crônica em crianças, a proteína urinária total deve ser dosada em uma amostra isolada usando-se: – Tira reagente padrão para urina; – Razão proteína total/creatinina. Deve-se excluir proteinúria ortostática por meio de dosagens repetidas da primeira urina da manhã, se o achado inicial de proteinúria tiver sido obtido em uma amostra aleatória. 40 Na monitorização da proteinúria em crianças com doença renal crônica, a razão proteína total/creatinina deve ser dosada em amostras isoladas de urina. Diretrizes Específicas para Crianças com Diabetes: A triagem e a monitorização de crianças pós-púberes com diabetes há 5 ou mais anos devem seguir as diretrizes para adultos. A triagem e a monitorização das demais crianças com diabetes devem seguir as diretrizes para crianças sem diabetes. A NKF publicou em 1999 um artigo de tomada de posição sobre a avaliação e a conduta em adultos com albuminúria. A iniciativa, conhecida como “Proteinúria, Albuminúria, Determinação de Riscos, Detecção e Eliminação” (sigla em inglês: PARADE), enfatiza os achados referentes à proteinúria como fator de risco para doença cardiovascular, proteinúria como mediador e marcador da doença renal evolutiva e proteinúria maciça persistente como fator inicial que leva à síndrome nefrótica. No ano 2000, foi publicado um relatório de acompanhamento sobre a avaliação e a conduta nos casos de proteinúria e síndrome nefrótica em crianças. O Grupo de Trabalho usou as recomendações do PARADE na elaboração de suas recomendações para exames laboratoriais e avaliação da proteinúria e da albuminúria. Os algoritmos recomendados pelo PARADE fazem uma distinção entre indivíduos com risco alto para doença renal crônica vs. indivíduos saudáveis assintomáticos. Esses algoritmos foram modificados pelo Grupo de Trabalho, com a colaboração de membros do Grupo de Trabalho do PARADE (Figura 9). O algoritmo para adultos e crianças com risco aumentado (lado direito) começa com o exame de uma amostra isolada aleatória de urina por meio de tira reagente específica para albumina. Como alternativa, o teste poderia começar com a dosagem da razão albumina/creatinina em uma amostra isolada de urina. O algoritmo para indivíduos saudáveis assintomáticos (lado esquerdo) não exige exame específico de albumina. Este algoritmo é útil em crianças sem diabetes. Ambos os algoritmos necessitam de repetição dos exames com testes quantitativos para se determinar se a proteinúria é persistente. Somente indivíduos com proteinúria persistente são diagnosticados como tendo doença renal crônica. Figura 9. Avaliação da Proteinúria em Pacientes sem Doença Renal Conhecida 41 Avaliação para proteinúria Sem risco Com risco Tira reagente padrão > 1+ Negativo/traço Razão proteína total/creatinina > 200 mg/g Tira reagente específica para albumina Negativo Positivo Razão albumina/creatinina < 200 mg/g < 30 mg/g > 30 mg/g Verificar novamente nas avaliações periódicas de saúde Avaliação diagnóstica 42 Tratamento Consulta A Tabela 22 mostra causas comuns de resultados falsos na dosagem de rotina da albumina ou da proteína total na urina. Tabela 22. Causas Comuns de Resultados Falsos em Dosagens Rotineiras de Albumina ou Proteína Total na Urina Falsos Positivos Falsos Negativos . Hidratação Desidratação aumenta a concentração de proteína na urina Hematúria Hematúria aumenta a quantidade de proteína na urinaa . Exercício físico aumenta a excreção de proteína na urina, especialmente de albumina . Infecção urinária pode causar a produção de proteínas pelo microorganismo e reações celulares a ele . Exercício físico Infecção Proteínas urinárias diferentes da albumina Hidratação excessiva diminui a concentração de proteína na urina . Estas proteínas geralmente não reagem tão intensamente como a albumina aos métodos de rotina para dosagem de proteína com tiras reagentes . Agentes farmacológicos* Urina extremamente alcalina (pH>8) podem reagir com as tiras reagentes, dando origem a cor falsamente indicando a presença de proteína . * Ou outras circunstâncias causando sensível aumento da alcalinidade urinária a A hematúria é associada com a presença de proteínas mensuráveis pelos métodos mais sensíveis (p. ex., aqueles que medem baixos níveis de albumina). Fitas com múltiplos reagentes freqüentemente darão leitura de hemoglobina, indicando a hematúria como causa do aumento da albuminúria/ proteinúria. Diretriz Nº 6. Marcadores de Doença Renal Crônica Diferentes da Proteinúria Além da proteinúria outros marcadores de lesão renal incluem alterações no sedimento urinário e nos exames de imagem. Certas associações de 43 marcadores definem a apresentação clínica de alguns tipos de doença renal crônica. São necessários novos marcadores para detectar lesões renais que ocorrem antes da redução da TFG em outros tipos de doenças renais crônicas. Exames do sedimento urinário ou fita reagente para hemácias e leucócitos devem ser realizados em pacientes com doença renal crônica e em indivíduos com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. Estudos de imagem dos rins devem ser realizados em pacientes com doença renal crônica e em indivíduos selecionados com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica. Embora alguns marcadores urinários novos (tais como proteínas tubulares ou de baixo peso molecular e células mononucleares específicas) se mostrem promissores quanto à sua utilidade futura, eles não devem ser usados para tomar decisões clínicas no presente. A excreção urinária anormal de albumina e de proteína total é um indicador altamente sensível de doença glomerular. Entretanto, os resultados dos exames de sedimento urinário e estudos de imagem dos rins, também podem sugerir outros tipos de doença renal crônica, incluindo doenças de origem vascular, túbulo-intersticial e cística dos rins. O exame do sedimento urinário, especialmente em conjunto com a determinação da proteinúria, é útil na detecção da doença renal crônica e na identificação do tipo de doença renal. O exame do sedimento urinário é recomendado em pacientes com doença renal crônica e deve ser considerado nos indivíduos com risco aumentado de desenvolver doença renal crônica. A Tabela 23 apresenta um breve guia para a interpretação da proteinúria e das anormalidades do sedimento urinário. Tabela 23. Interpretação da Proteinúria e das Anormalidades do Sedimento Urinário como Marcadores da Doença Renal Crônica Anormalidade Predominante no Exame de Urina [Títulos das colunas, na vertical]: Hemácias Cilindros eritrocitários* Leucócitos Cilindros leucocitários Células tubulares Cilindros celulares 44 Cilindros granulosos Gordura** Razão proteína-total/creatinina† Doença Renal Associada + + Glomerulonefrite proliferativa ou nefrite + – + + hereditária Nefrite hereditária ou doença de pequenos vasos (microangiopatia) + – – – + – + + 200-1.000 Nefrite túbulo-intersticial mg/g + – <200mg/g + – – – – Doença cística dos rins, neoplasias do rim ou lesões do trato urinário não renais + + Podem estar presentes em todos os tipos de doença renal, mas são mais abundantes na necrose tubular aguda (a causa mais comum de insuficiência renal aguda) + – – – – – Lesões do trato urinário não renais – >1.000 mg/g Doença renal diabética e glomerulopatias não-inflamatórias 200-1.000 Glomerulopatia não-inflamatória, doença mg/g túbulo-intersticial não-inflamatória ou doenças que afetam artérias de médio calibre Modificado com autorização15. * A detecção de cilindros eritrocitários requer preparação cuidadosa e exame rigoroso e repetido em amostras de urina fresca. Em pacientes com glomerulonefrite proliferativa, mesmo em condições ideais, os cilindros eritrocitários nem sempre poderão ser detectados. ** Corpos gordurosos ovais, cilindros gordurosos, gordura livre † Os valores de corte não são exatos. Símbolos: + = anormalidade presente; – = anormalidade ausente; + = a anormalidade pode estar presente ou ausente. As fitas reagentes para urina têm sensibilidade para a detecção de hemácias (hemoglobina), neutrófilos e eosinófilos (esterase leucocitária) e bactérias (nitritos). Assim sendo, geralmente não é necessário o exame do sedimento urinário para detectar esses elementos figurados. Entretanto, as fitas reagentes 45 não conseguem detectar células do epitélio tubular, gordura ou cilindros na urina. Além disso, as fitas reagentes também não detectam cristais, fungos ou parasitas. Para a detecção dessas anormalidades é necessário o exame do sedimento urinário. A escolha do exame do sedimento urinário ou da fita reagente depende do tipo de doença renal que esta sendo considerada. Resultados anormais obtidos em estudos por imagem sugerem uma doença urológica ou uma doença renal intrínseca. Estudos por imagem são recomendados em pacientes com doença renal crônica e em pacientes com risco aumentado de desenvolverem doença renal crônica devido a cálculos do trato urinário, infecções, obstrução, refluxo vesículo-ureteral ou doença renal policística. A Tabela 24 fornece uma breve visão geral das possíveis interpretações das anormalidades encontradas em estudos de imagem. O exame por ultra-som é particularmente útil e não está associado a risco de exposição a radiação ou contraste. Tabela 24. Interpretação das Anormalidades Observadas em Estudos por Imagem como Marcadores de Lesão Renal Modalidade do Exame / Característica Doença Renal Associada Ultra-sonografia Aspecto geral Pode mostrar nefrocalcinose ou cálculos pequenos, hidronefrose, cistos ou massas. Ecogenicidade aumentada Pode indicar doença cística ou “doença renal medicamentosa”. Rins pequenos “hiperecogênicos” Geralmente indicam doença renal crônica. Rins grandes Geralmente indicam tumores, doenças infiltrativas ou doenças causadoras da síndrome nefrótica. Disparidades de tamanho e cicatrizes Sugerem doenças vasculares, urológicas ou túbulo-intersticiais, causadas por cálculos ou infecção. Avaliação por Doppler Pode ser útil na investigação de trombose venosa, mas nem tanto em casos de estenose arterial. Urografia excretora (UE)a Pode revelar assimetria de tamanho ou função renal, presença de cálculos obstrutivos, tumores, cicatrizes ou ductos coletores dilatados no rim esponjoso medular. Tomografia computadorizada (TC)b Pode mostrar obstrução, tumores (p.ex., angiomiolipoma), cistos ou cálculos ureterais. A TC helicoidal com contraste pode mostrar locais de estenose anatômica da 46 artéria renal. Ressonância magnética (RM) Pode mostrar lesões sólidas, trombose venosa renal, cistos, etc. A angiografia por RM usando-se gadolínio pode ser útil em pacientes com função renal diminuída. Renogramas radioisotópicosc Podem revelar assimetria de tamanho ou função dos rins, evidências funcionais de estenose arterial renal, pielonefrite aguda ou cicatrizes. a Esta modalidade foi amplamente suplantada pela tomografia computadorizada, embora continue sendo útil para a descrição de pequenos detalhes do sistema coletor. b Com ou sem contraste. c Renograma com captopril, mercaptoacetiltriglicina (MAG3), ácido dimercapto-succínico (DMSA) Algumas constelações de anormalidades observadas em exames de sangue e de urina ou em estudos por imagem compreendem apresentações clínicas específicas da doença renal. A Tabela 25 define estas apresentações de acordo com a TFG, os marcadores de doença renal e outras características clínicas. A Tabela 26 descreve as apresentações mais freqüentes de cada tipo de doença renal crônica. Tabela 25. Apresentações Clínicas da Doença Renal TFG Sedimento Estudos Outras Apresentações (ml/min/1,73m2) Proteinúria Urinário de Imagem Características Clínicas . TFG diminuída: Insuficiência renal: Síndrome nefrítica (“nefrite”): Síndrome nefrótica (“nefrose”): Síndromes 15-89 NA NA NA Complicações devido à ↓ da TFG <15 ou em tratamento por diálise NA NA NA Uremia NA NA Geralmente . Geralmente Hemácias e >1500mg/d cilindros ou >1000mg/g eritrocitários de creatinina >3500mg/d ou >3000mg/g de creatinina Geralmente NA . Cilindros NA gordurosos, corpos gordurosos ovais, com ou sem hemácias e cilindros eritrocitários Geralmente Edema, HAS Geral- Edema, albumina sérica baixa, lipídios séricos elevados . Anormalidades 47 tubulares: Doença renal com sintomas de trato urinário: normal NA Anormalidades >90 ao exame de urina assintomáticas (proteinúria, hematúria, piúria ou outras): <1500mg/d ou <1000mg/g de creatinina normal mente normal Geralmente <1500mg/d ou <1000mg/g de creatinina NA Geralmente anormal <3500mg/d ou <3000mg/g de creatinina dos líquidos e eletrólitos, incapacidade de concentrar a urina Hemácias NA com ou sem cilindros eritrocitários, leucócitos com ou sem cilindros leucocitários, células ou cilindros tubulares Anormalidades radiológicas assintomáticas: >90 Geralmente normal Geralmente normal Hipertensão causada por doença renal: NA + + Geralmente devido a infecções do trato urinário, cálculos ou obstrução . Sem sintomas . Hidronefrose, Sem cálices sintomas dilatados, dutos coletores dilatados (na UE), cistos, assimetria de tamanho ou função renal . + HA . 15 Modificado com autorização . Abreviaturas e símbolos: UE = urografia excretora; HAS = hipertensão arterial sistêmica; NA = não se aplica; + pode estar presente ou ausente 48 Tabela 26. Relação entre Tipos de Doença Renal e Apresentação Clínica Doença Renal Apresentação Clínica Doença renal diabética (tipo 1 e tipo 2) Anormalidades assintomáticas no exame de urina (proteinúria), síndrome nefrótica Doenças glomerulares Glomerulonefrite proliferativa Síndrome nefrítica, anormalidades assintomáticas no exame de urina (hematúria e proteinúria) Doenças não-inflamatórias Síndrome nefrótica, anormalidades assintomáticas no exame de urina (proteinúria) Doenças vasculares Grandes vasos HA devido a doença renal, anormalidades radiológicas assintomáticas Vasos médios HA devido a doença renal, anormalidades assintomáticas no exame de urina (proteinúria) Pequenos vasos HA devido a doença renal, anormalidades assintomáticas no exame de urina (hematúria) Doenças túbulo-intersticiais Nefrite túbulo-intersticial Doenças não-inflamatórias Doenças císticas Doença no transplante renal Rejeição crônica Toxicidade de drogas Glomerulopatia do transplante Doença recorrente Doença renal com sintomas de trato urinário, síndromes tubulares,anormalidades assintomáticas no exame de urina (piúria, células tubulares), anormalidades radiológicas assintomáticas, efeito da concentração urinária Síndromes tubulares, anormalidades assintomáticas no exame de urina (proteinúria, piúria, células tubulares ou cilindros granulares), anormalidades radiológicas assintomáticas Sintomas de trato urinário, anormalidades assintomáticas no exame de urina, anormalidades radiológicas assintomáticas HAS devido a doença renal, anormalidades assintomáticas no exame de urina (piúria, proteinúria) HAS devido a doença renal Anormalidades assintomáticas no exame de urina (proteinúria) Síndrome nefrótica, anormalidades assintomáticas no exame de urina (proteinúria, hematúria) 49 ASSOCIAÇÃO DOS NÍVEIS DE TFG COM COMPLICAÇÕES EM ADULTOS Muitas das complicações da doença renal crônica podem ser prevenidas ou adiadas pela detecção e tratamento precoces. O objetivo dessa seção é rever a associação dos níveis de TFG com complicações da doença renal crônica e determinar o estágio da doença renal crônica quando as complicações aparecem. O Grupo de Trabalho reviu estudos transversais que relacionavam manifestações de complicações e os níveis de função renal. Os dados de NHANES III também foram analisados. Devido às diferentes manifestações das complicações da doença renal crônica em crianças, especialmente durante o crescimento e desenvolvimento, o Grupo de Trabalho limitou o escopo da revisão de evidências aos adultos. Um Grupo de Trabalho separado será necessário para tratar sobre esse tema em crianças. O Grupo de Trabalho não procurou rever as evidências quanto à avaliação e controle de complicações da doença renal crônica. Este é um assunto de diretrizes de prática clínica passadas e futuras da Fundação Nacional do Rim e outros grupos, referenciados no texto. Achados representativos são apresentados nas Figuras 10 e 11, por estágio da doença renal crônica, mostrando uma maior prevalência de cada complicação com TFG mais baixa, e um número médio maior de complicações por pessoa e prevalência mais elevada de complicações múltiplas com TFG mais baixa. Além da hipertensão, as complicações não são comuns até que a TFG esteja abaixo de 60 ml/min/1,73 m2. A Tabela 27 sugere uma avaliação adicional a ser realizada em pacientes com TFG < 60 ml/min/1,73 m2, baseada na opinião do Grupo de Trabalho. Figura 10. Prevalência de pacientes pelo Número de Anormalidades por Nível de TFG (NHANES III) Ordenada: Proporção da População (%) Abcissa: TFG estimada (ml/min/1,73m2) * 140/90 ou medicação anti-hipertensiva tendência-p < 0.001 para cada anormalidade Hipertensão Hemoglobina < 12,0 g/dl 50 Incapaz de andar 400 m Albumina sérica < 3,5 g/dl Cálcio sérico < 8.5 mg/dl Fósforo sérico > 4,5 mg/dl Prevalência estimada de complicações selecionadas por categoria de TFG estimada, em participantes do NHANESIII com idade 20 anos, de 1988 a 1994. Estas estimativas não foram ajustadas para idade, cuja média é 33 anos maior para faixa de TFG de 15 a 29 ml/min/1,73m2 do que aquela para uma TFG 90 ml/min/1,73m2. Figura 11. Proporção de Pacientes pelo Número de Anormalidades pelo Nível de TFG (NHANES III) Título: Número Médio de Complicações* Ordenada: Proporção da População (%) 51 Abcissa: TFG estimada (ml/min/1,73m2) * tendência-p < 0.001 para cada anormalidade 1 Complicação Complicações 2 Complicações 3 Complicações 4 Estimativa da distribuição do número de complicações apresentadas na figura por categoria de TFG estimada entre participantes do NHANESIII com idade 20 anos, de 1988 a 1994. Essas estimativas não estão ajustadas para idade, cuja média é 33 anos maior para a faixa de TFG de 15 a 29 ml/min/1,73m2 do que aquela para uma TFG 90 ml/min/1,73m2. Tabela 27. Intervenções Clínicas Adicionais para Adultos com TFG < 60 ml/min/1,73 m2 Problema Clínico Parâmetros a serem avaliados Anemia Hemoglobina Desnutrição Peso Albumina sérica História dietética Avaliação subjetiva global (ASG) Doença Óssea PTH sérico Cálcio sérico Fósforo sérico Neuropatia Capacidade funcional e BemEstar Reduzidosa a Parestesias Anormalidades do estado mental Distúrbios de sono Pernas inquietas Instrumentos padronizados e auto-aplicáveis, como: Planilhas Dartmouth COOP DUKE/EDUSOI SF-36 KDQOL Possíveis Parâmetros Adicionais a serem avaliados (Veja outros critérios) Se estiver anêmico: Índices de hemácias Contagem de reticulócitos Avaliação de ferro (ferro sérico, capacidade de ligação total, porcentagem de saturação da transferrina e ferritina) Exame de sangue oculto nas fezes Avaliação clínica para condições de comorbidade Se estiver desnutrido Coleta de urina de 24 h para avaliação de excreção de nitrogênio ureíco Registro alimentar para ingestão de proteína e energia, avaliação clínica para condições de comorbidade Se anormal: Considerar os níveis de vitamina D Considerar radiografias ósseas Considerar DEXA Se sintomático: Exame neurológico, incluindo estado mental Eletrólitos séricos Avaliação clínica para condições de comorbidade Considerar a avaliação da velocidade de condução nervosa Considerar avaliação do EEG/sono Se anormal: Avaliação clínica para condições de comorbidade Educação para auto-controle Reabilitação física Tratamento para saúde mental Suporte social Reabilitação vocacional Sintomas, capacidade física, depressão, atividades de trabalho e usuais, aspectos sociais Abreviações: DEXA, absormetria de raios-X de dupla energia (densitometria óssea); EEG, eletroencefalograma 52 Diretriz 7. Associação dos níveis de TFG com hipertensão. Pressão arterial elevada é tanto uma causa quanto uma complicação da doença renal crônica. Como complicação, a hipertensão pode se desenvolver no início do curso da doença renal crônica e está associada com conseqüências adversas, particularmente com a perda mais rápida da função renal e desenvolvimento de doença cardiovascular. A pressão arterial deveria ser rigorosamente monitorada em todos os pacientes com doença renal crônica. O tratamento da hipertensão na doença renal crônica deveria incluir especificação dos níveis-alvo de pressão arterial, terapia não-farmacológica e agentes anti-hipertensivos específicos para a prevenção do progressão da doença renal (Diretriz 13) e desenvolvimento da doença cardiovascular (Diretriz 15). Os consensos nos Estados Unidos e em outros países definem a hipertensão em adultos como sendo pressão arterial sistólica maior do que 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica maior do que 90 mmHg. O Sexto Relatório do Comitê Conjunto Nacional para Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento da Pressão Arterial Alta (JNC-VI) classifica os níveis de pressão arterial em categorias, como é mostrado na Tabela 28. Tabela 28. Classificação da Pressão Arterial para Adultos com Idade 18 anos (JNC-VI) Categoria Ótima Normal Alta – Normal Alta Estágio 1 Estágio 2 Estágio 3 Pressão Pressão Sangüínea Sangüínea Diastólica Sistólica (mm Hg) (mm Hg) < 120 e < 80 < 130 e < 85 130 – 139 ou 85-89 140 ou 90 140 – 159 ou 90-99 160-179 ou 100-109 180 ou 110 Reimpresso com permissão A prevalência de pressão arterial alta está relacionada ao nível de TFG. Pacientes com doença renal crônica têm uma elevada prevalência de pressão arterial alta, mesmo quando a TFG está levemente reduzida (Figura 12). A prevalência de hipertensão entre os indivíduos que participaram da NHANES III, 53 especialmente com TFG > 60 ml/min/1,73m2, é menor do que em estudos com pacientes com doença renal crônica, provavelmente porque nem todos os indivíduos com TFG nessa faixa do NHANES III tinham doença renal crônica. Figura 12. Prevalência de Pressão Arterial Elevada em Relação ao Nível de TFG no Estudo MDRD Ordenada: % de hipertensos Abcissa: TFG média (ml/min/1,73m2) Figura 13. Prevalência de Pressão Arterial Elevada em relação ao Nível de TFG, Ajustada para a Idade de 60 Anos (NHANES III) Ordenada: Proporção da população (%) 54 Abcissa: TFG estimada (ml/min/1,73m2) A hipertensão não é controlada adequadamente em pacientes com doença renal crônica (Figura 14 e Figura 15). Entre os indivíduos com função renal reduzida e elevada pressão arterial, 75% receberam tratamento. Entretanto, somente 11% dos indivíduos com pressão arterial elevada e creatinina sérica elevada tinham pressão arterial < 130/85 mmHg e 27% tinham pressão arterial < 140/90. Os indivíduos tratados tinham pressão arterial média de 147/77 mmHg, com 48% recebendo apenas uma medicação anti-hipertensiva. Portanto, parece que esforços adicionais serão necessários para reduzir a pressão arterial sistólica. A associação de drogas pode ser necessária para a maioria dos pacientes. Figura 14. Prevalência de Creatinina Sérica Elevada em Relação a Categoria de Pressão Arterial na JNC-VI e Auto-Relato de Tratamento com Medicações AntiHipertensivas (NHANES III) Ordenada: Prevalência, % Título da abcissa: Categoria de PA Valores da abcissa: Ótima, Normal, Alta – Normal, Estágio 1, Estágio 2, Estágio 3, Todas Não-tratado Tratado Figura 15. Número Estimado de Indivíduos com Creatinina Sérica Elevada em 55 Relação a Categoria de Pressão Arterial na JNC-VI e Auto-Relato de Tratamento com Medicações Anti-Hipertensivas (NHANES III) Ordenada: Casos em milhares Título da abcissa: Categoria de PA Categorias da abcissa: Ótima, Normal, Alta – Normal, Estágio 1, Estágio 2, Estágio 3, Todas Não-tratado Tratado Diretriz 8. Associação do Nível de TFG com Anemia Geralmente a anemia se desenvolve durante o curso da doença renal crônica e pode estar associada a conseqüências adversas. Pacientes com TFG < 60 ml/min/1,73m2 deveriam ser avaliados quanto a anemia. A avaliação deveria incluir medida dos níveis de hemoglobina. A anemia na doença renal crônica deveria ser avaliada e tratada (veja As Diretrizes de Prática Clínica para Anemia de Doença Renal Crônica K/DOQI, Diretrizes 1-4), como visto na Figura 16. A deficiência de eritropoietina é a causa primária da anemia na doença renal crônica. Outras causas incluem deficiência funcional ou absoluta de ferro, perda de sangue (tanto de oculto como evidente), presença de inibidores urêmicos, meia-vida de células sangüíneas reduzida, deficiências de folato ou vitamina B 12, ou alguma combinação desses fatores com a deficiência de eritropoietina. Além disso, pacientes com doença renal crônica podem apresentar problemas hematológicos subjacentes que contribuem para a anemia. A diretriz anterior de prática clínica K/DOQI é dedicada à avaliação e manejo da anemia na doença renal crônica17a; no entanto, essa diretriz enfoca basicamente pacientes tratados por diálise. A presente focaliza a anemia nos estágios iniciais da doença renal crônica. É importante saber que as diretrizes anteriores baseavam-se em níveis de creatinina > 2 mg/dl como critério para avaliar a presença de anemia. O grupo de Trabalho recomenda que as Diretrizes de Anemia K/DOQI sejam atualizados para incorporar TFG estimada < 60 ml/min/1,73m 2 para a determinação de anemia, ao invés dos níveis séricos de creatinina previamente mencionados. A medida da hemoglobina, ao invés do hematócrito, é o método preferido para avaliar anemia. O Grupo de Trabalho não definiu anemia especificamente, e não se desviou das recomendações da diretriz K/DOQI previamente publicada em relação ao nível de hemoglobina que deveria desencadear a avaliação e tratamento. O início e gravidade da anemia estão relacionados ao nível de TFG; abaixo de uma TFG de aproximadamente 60 ml/min/1,73m 2 existe uma alta prevalência de anemia. Essas relações são evidentes na análise de dados da NHANES III (Figura 56 17 e Figura 18) assim como em um grande estudo de pacientes com TFG reduzida (Figura 19 e Figura 20). Figura 16.Algarítimo de Anemia para Pacientes com Doença Renal Crônica Não TFG < 60 ml/min Sim Verificar Hb Não Nada a fazer 12,5 (H, M pósmenopaudadas) 11.0 (M/prépúbere)? Sim Hemograma completo, índices, Investigar reticulócitos, Ferro: TIBC, FE, Saturação Transferrina; ferritina;sangramentogastrointestinal Não Normal? Não Deficiência de Fe? Sim Encaminhar para um estudo hematológico Sim Tratar com eritropoetina se indicado Tratar com Ferro Anemia não corrigida Anemia corrigida, acompanhamento periódico 57 Figura 17. Percentil de Hemoglobina Sangüínea em Relação a TFG ajustada para 60 anos (NHANES III) Ordenada: Hemoglobina (g/dl) Abcissa: TFG Estimada (ml/min/1,73m2) __ __ __ 5 Percentil ------------ Mediana -- -- -- -- 95 Percentil + Dados individuais Figura 18. Prevalência Ajustada de Adultos com Baixos Níveis de Hemoglobina em Relação a TFG (NHANES III) Ordenada: Proporção da População (%) Abcissa: TFG Estimada (ml/min/1,73m2) ________ Hemoglobina < 11 g/dl Intervalo de confiança 95% ---------- Hemoglobina < 13 g/dl Intervalo de confiança 95% 58 Figura 19. Percentis de Hemoglobina em Relação a TFG Ordenada: Hemoglobina (g/dl) Abcissa: TFG (ml. min) __ __ __ 5 Percentil de hemoglobina (g/dl)------------ Hemoglobina mediana (g/dl) -- -- -- -- 95 Percentil de hemoglobina (g/dl) 95% intervalo de confiança Figura 20. Prevalência de Hemoglobina Baixa em Relação a Faixa de Categoria de TFG Ordenada: Prevalência Não-Ajustada Abcissa: TFG (ml/min) Hgb < 11 g/dl Hgb < 13 g/dl Diretriz 9. Associação do Nível de TFG com o Estado Nutricional A desnutrição energético-protêica desenvolve-se durante o curso da doença renal crônica e está associada a conseqüências adversas. A baixa 59 ingestão de proteína e energia é uma causa importante de desnutrição na doença renal crônica. Pacientes com TFG < 60 ml/min/1,73m2 deveriam ser submetidos a avaliação da ingestão de proteína e energia do estado nutricional (veja Diretrizes de Prática Clínica para Nutrição na Insuficiência Renal crônica K/DOQI, Diretrizes 23 e 26). Diretriz 23. Painéis de Medidas Nutricionais para Pacientes Não-Dialisados: “Para indivíduos com IRC (TFG < 20 ml/min) o estado nutricional deveria ser avaliado por medidas seriadas de marcadores incluindo, pelo menos um valor de cada um dos seguintes grupos: (1) Albumina sérica; (2) Peso atual livre de edema, adequação do peso corporal (NHANES II) ou avaliação subjetiva global (ASG); e (3) Equivalente protéico do aparecimento do nitrôgenio normalizado(nPNA)Avaliação dietética e registros alimentares. (Evidência e Opinião) Diretriz 26. Aconselhamento Nutricional Intensivo para Insuficiência Renal Crônica: “O estado nutricional de indivíduos com IRC deveria ser monitorado a intervalos regulares.” Pacientes com ingestão dietética diminuída ou desnutrição deveriam submeter-se a modificação dietética, aconselhamento e educação, ou terapia nutricional especializada (veja Diretrizes de Prática Clínica para Nutrição na Insuficiência Renal crônica K/DOQI, Diretrizes 24 e 25). Diretriz 24. Ingestão de Proteína para pacientes Não-Dialisados: “Para indivíduos com insuficiência renal crônica (TFG < 25ml/min) que não estão sob diálise crônica, dever-se-ia considerar a prescrição de dieta restrita pobre em proteína, fornecendo 0,60 g de proteína/kg/dia. Para indivíduos que não aceitam tal dieta ou que são incapazes de manter ingestão dietética de energia adequada a tal dieta, uma ingestão de até 0,75 g de proteína/kg/dia deve ser prescrita (Evidência e Opinião)”. Diretriz 25. Ingestão Dietética de Energia (IDE) para Pacientes Não-Dialisados: “A recomendação de energia para indivíduos com insuficiência renal crônica (TFG < 25 ml/min) que não estão sob diálise crônica é de 35 kcal/kg/dia para aqueles com 60 menos de 60 anos e entre 30-35 kcal/kg/dia para indivíduos com 60 anos ou mais (Evidência e Opinião)”. Desnutrição energético-protéica (DEP) é caracterizada pela insidiosa perda de gordura corporal e de estoques somáticos de proteína, redução de concentração de proteína sérica e diminuição da capacidade física. Enquanto possivelmente existem múltiplos fatores que contribuem para o desenvolvimento da DEP na doença renal crônica, a ingestão reduzida de proteína e energia (abaixo da ingestão usual) certamente contribui de maneira importante para esse processo catabólico. Outros fatores possíveis incluem desajustes hormonais e metabólicos, assim como aumento da concentração de citocinas pró-inflamatórias e proteínas de fase aguda. Uma diretriz K/DOQI anterior foi dedicada à avaliação e manejo do estado nutricional na doença renal crônica17; entretanto, essa diretriz focalizava primariamente pacientes em tratamento dialítico. O estágio da doença renal crônica no qual a ingestão reduzida de nutrientes associada à desnutrição energéticoprotéica tornam-se prevalentes não foi adequadamente documentado, devido em parte ao fato de que nenhum parâmetro isolado fornece uma caracterização abrangente do estado nutricional. A monitoração ótima do estado nutricional requer uma avaliação coletiva de múltiplos parâmetros (ou seja, avaliação da proteína visceral, massa muscular ou proteína somática, composição corporal). Como resultado, dados para avaliação adequada do estado nutricional em pacientes com doença renal crônica não têm sido adequadamente coletados e freqüentemente o início e a progressão da desnutrição é obscurecido pela perda progressiva da função renal. Essa diretriz fornece evidência da associação do nível de TFG com a ingestão dietética o estado nutricional e tenta conectar as recomendações com as diretrizes K/DOQI anteriores. A partir de Janeiro de 2002, o Medicare passou a cobrir a terapia nutricional para pacientes com doença renal crônica. “A terapia nutricional envolve a avaliação do estado nutricional de pacientes com uma condição, doença ou injúria que os coloque em risco. Esta inclui a revisão e análise da história médica e dietética, parâmetros laboratoriais e medidas antropométricas. Com base nessa avaliação, escolhem-se as modalidades nutricionais mais adequadas para manejar a condição ou tratar a doença ou injúria e incluem o seguinte: Modificação da dieta, aconselhamento e orientação que levem à elaboração individual que alcance os objetivos nutricionais e resultados desejados. Terapias nutricionais especializadas incluindo suplementação alimentar para aqueles pacientes incapazes de obter nutrientes adequados somente através de 61 ingestão alimentar; nutrição enteral fornecida por meio de sonda enteral para aqueles incapazes de ingerir e digerir os alimentos; e nutrição parenteral por meio de infusão intravenosa para aqueles incapazes de absorver nutrientes.”18 Atualmente, são pacientes candidatos a receber reembolso por terapia de nutricional aqueles que tiverem TFG < 50 ml/min/1,73m 2, ou que receberam transplante renal nos 6 meses anteriores. Esses critérios correspondem aos pacientes nos estágios 3-4 e estágio 5 da Doença Renal Crônica que ainda não necessitam de diálise. A maioria dos pacientes com estágio 5 da DRC que são tratados pela diálise são aceitos para terapia de nutrição médica por quem lhes ministra a diálise. Portanto, é especialmente importante que essas diretrizes abordem adequadamente os estágios iniciais da doença renal crônica. O nível de ingestão protéica e de energia está relacionado ao nível de TFG; abaixo da TFG de aproximadamente 60 ml/min/1,73m 2, há uma alta prevalência de ingestão de proteína e energia diminuídas (Figura 21). Figura 21. Associação da Ingestão Dietética com a TFG Painel superior esquerdo: Ordenada: Ingestão protéica pelo UNA, g/kg/dia Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 667, P < 0,001 Mulheres N = 394, P < 0,001 Painel superior direito: Ordenada: Ingestão protéica pelos registros alimentares, g/kg/dia Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 513, P = 0,052 Mulheres N = 301, P = 0,42 Painel inferior central: Ordenada: Ingestão de energia pelos registros alimentares, kcal/kg/dia Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 513, P = 0,084 62 Mulheres N = 299, P = 0,26 A Diretriz Nutricional 24 K/DOQI recomenda considerar uma ingestão protéica de 0,60 g/kg/dia para indivíduos com TFG < 25 ml/min (correspondendo aproximadamente aos estágios 4-5 da DRC), mas não determina recomendações para pacientes com TFG maior. A recomendação de proteína para adultos saudáveis (RDA) é de 0,75 g/kg/dia. O estudo MDRD não foi conclusivo em relação aos benefícios da restrição protéica na progressão da doença renal (veja a Diretriz 13 da DRC), mas não houve evidência do efeito benéfico com ingestão protéica maior do que a RDA. A opinião do Grupo de Trabalho foi de que a ingestão protéica de 0,75 g/kg/dia seria razoável para pacientes em estágios 1-3 da DRC (na ausência de evidências de desnutrição), mas os dados não são conclusivos, e recomenda-se uma decisão individualizada. Pacientes com ingestão protéica menor do que aproximadamente 0,75 g/kg/dia deveriam ter seu estado nutricional monitorado mais cuidadosamente. A Diretriz Nutricional 25 do K/DOQI recomenda a ingestão de energia de acordo com a idade entre 30 e 35 kcal/kg/d para indivíduos com TFG < 25 ml/min (correspondendo aproximadamente aos estágios 4-5 da DRC), mas não determina recomendações para pacientes com TFG maior. A RDA para ingestão de energia em adultos sadios depende do gasto energético. A ingestão média de energia em adultos nos Estados Unidos é menor do que aquela recomendada nas diretrizes de Nutrição K/DOQI . A razão para a maior ingestão de energia em pacientes com TFG < 25 ml/min baseia-se em estudos que demonstram a maior eficiência de utilização de nitrogênio com maior ingestão de energia. Para pacientes em estágios 1-3 da DRC , o Grupo de Trabalho é de opinião que a maior ingestão de energia seria razoável somente para pacientes com peso corporal anormalmente baixo ou que apresentam outros sinais de desnutrição. Pacientes com ingestão protéica menor do que a RDA (0,75 g/kg/d) deveriam ter consultas freqüentes para monitorar o estado nutricional mais atentamente. 63 Alguns estudos indicam que o aconselhamento nutricional intensivo pode auxiliar a manter a ingestão de energia e preservar os marcadores nutricionais adequadamente à medida que a TFG diminui. O início e a gravidade da DEP está relacionada ao nível de TFG; abaixo de uma TFG de aproximadamente 60 ml/min/1,73m2, há uma prevalência maior de dano do estado nutricional, refletido por menores valores de albumina sérica, transferrina sérica, bicarbonato sérico, colesterol sérico e parâmetros antropométricos (Figuras 22, 23, 24 e 25). Figura 22. Associação da Albumina Sérica com a TFG - Painel da esquerda: Ordenada: Albumina,g/dl Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens, N = 1065, P = 0,004 Mulheres, N = 696, P < 0,001 - Painel da direita: Ordenada: Probabilidade de albumina< 3,8g/dl Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens, N = 1065, P < 0,001 Mulheres, N = 696, P < 0,001 Figura 23. Associação da Transferrina sérica com a TFG - Painel da esquerda: - Painel da direita: Ordenada: Tranferrina, mg/dl Ordenada:Probabilidade de albumina < 250mg/dl 2 Abcissa: TFG, ml/min/1,73m Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens, N = 1065, P = 0,004 Homens, N = 1065, P < 0,001 Mulheres, N = 696, P < 0,001 Mulheres, N = 696, P < 0,001 64 Figura 24. Associação do Colesterol sérico com a TFG - Painel da esquerda: Ordenada: Colesterol total, mg/dl Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens, N = 1063, P = 0,052 Mulheres, N = 694, P = 0,63 - Painel da direita: Ordenada: Probabilidade do colesterol total < 160 mg/dl Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens, N = 1063, P = 0,006 Mulheres, N = 694, P = 0,24 Figura 25. Associação da Composição corporal com a TFG Painéis da Esquerda Superior: Ordenada: % do Peso Ideal Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 1077, P < 0,001 65 Mulheres N = 702, P = 0,62 Central: Ordenada: Índice de Massa Corporal, kg/m2 Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 1069, P = 0,002 Mulheres N = 701, P = 0,67 Inferior: Ordenada: Soma das pregas cutâneas, mm Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 648, P < 0,001 Mulheres N = 410, P = 0,11 66 Painéis da direita Superior: Ordenada: % de Gordura corporal Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 649, P < 0,001 Mulheres N = 414, P = 0,057 Central: Ordenada: Área muscular do braço, cm2 Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 695, P < 0,001 Mulheres N = 435, P = 0,26 Inferior: Ordenada: Creatinina urinária, mg/kg/dia Abcissa: TFG, ml/min/1,73m2 Homens N = 1017, P < 0,001 Mulheres N = 664, P < 0,001 A Diretriz Nutricional 23 da K/DOQI afirma que o estado nutricional energético – protéico deveria ser avaliado por medidas seriadas em indivíduos com TFG < 20 ml/min17. Uma revisão atualizada da literatura dá apoio à recomendação de que avaliações do estado nutricional deveriam ser iniciadas quando a TFG cai abaixo de aproximadamente 60 ml/min/1,73m2. Estudos populacionais mostram que a albumina começa a declinar quando a TFG alcança esse nível. Outros marcadores do estado nutricional nesse nível de função renal não foram amplamente estudados. A Diretriz de Nutrição 23 K/DOQI recomenda uma série de medidas nutricionais para avaliação do estado nutricional em pacientes não-dialisados, incluindo albumina sérica, peso corporal, avaliação subjetiva global e avaliação da ingestão protéica através da nANP ou entrevistas dietéticas. Outros marcadores de estado nutricional (i.e., proteínas totais no soro, pré-albumina sérica, transferrina sérica, bicarbonato total sérico, colesterol total sérico, e lípides séricos) parecem estar relacionados com o nível da TFG. O cálculo do peso corporal padrão (PCP) utiliza uma fórmula que usa a largura do cotovelo para determinar o tamanho da estrutura do paciente. Para vários clínicos, essa medida não é viável, e é mais conveniente medir o índice de massa corporal. Recomenda-se que o IMC de pacientes em programa de diálise de manutenção seja mantido acima do percentil 50 para indivíduos sadios, o que significa um IMC não abaixo de aproximadamente 23.6 a 24.0 kg/m 2 para homens e 67 mulheres. Essa recomendação também parece apropriada para pacientes com doença renal crônica e TFG < 60 ml/min/1,73m 2 (Estágios 3-5) – veja Diretriz de Nutrição K/DOQI – Apêndice VII. A Diretriz de Nutrição 26 K/DOQI recomenda a monitoração do estado nutricional em intervalos de 1 a 3 meses em pacientes com TGF < 20 ml/min. A opinião do Grupo de Trabalho em DRC é que essa recomendação é apropriada para pacientes com TFG abaixo de 30 ml/min/1,73m 2 (Estágios 4-5 da DRC) e monitorações menos freqüentes (p. ex., a cada 6 a 12 meses) sejam aceitáveis para pacientes com TFG entre 30 e 60 ml/min/1,73m 2 (Estágio 3 da DRC) se não houver indícios de desnutrição. A alta prevalência de desnutrição na doença renal crônica, a associação entre desnutrição e conseqüências clínicas e novas evidências de que a ingestão de nutrientes começa a declinar com TFG < 60 ml/min/1,73m 2 apoiam a recomendação de que o estado nutricional deveria ser avaliado e monitorado precocemente no curso da doença renal crônica. Diretriz 10. Doença Óssea e Distúrbios do Metabolismo do Cálcio e Fósforo Doença óssea e distúrbios do metabolismo do cálcio e fósforo desenvolvem-se durante o curso da doença renal crônica e estão associados a eventos adversos. Pacientes com TFG < 60 ml/min/1,73m2 deveriam ser avaliados quanto a doença óssea e distúrbios de metabolismo do cálcio e fósforo. Pacientes com doença óssea e distúrbios do metabolismo do cálcio e fósforo deveriam ser avaliados e tratados (veja a próxima Diretrizes da Prática Clínica K/DOQI em Metabolismo e Doença Óssea e Doença Renal Crônica). A doença renal crônica está associada a uma série de desordens esqueléticas e distúrbios do metabolismo do cálcio e fósforo. As principais doenças ósseas podem ser classificadas em doenças associadas a altos níveis do Paratôrmonio (PTH) (osteíte fibrosa cística) e aquelas com PTH baixo ou normal (doença óssea adinâmica). A lesão característica da doença renal crônica é a osteíte fibrosa, devido ao hiperparatireoidismo secundário. Entretanto, com o advento de tratamentos intensivos para o hiperparatireoidismo secundário, a prevalência de distúrbios associadas com níveis baixos ou normais de PTH aumentou. Uma próxima diretriz de prática clínica K/DOQI irá discutir a avaliação e controle do metabolismo ósseo na doença renal crônica. O objetivo dessa diretriz é evidenciar a associação entre a TFG e os distúrbios do metabolismo do cálcio e fósforo e a doença óssea. 68 O início e gravidade da doença óssea e as anormalidades do metabolismo mineral ósseo estão relacionados aos níveis de TFG; em TFG abaixo de aproximadamente 60 ml/min/1,73m2 ocorre uma maior prevalência de anormalidades do metabolismo ósseo. Os níveis de PTH estão elevados em pacientes com TFG diminuída e, possivelmente, este é o marcador mais precoce do metabolismo mineral ósseo anormal ( Figura 26 e Figura 27). Os níveis séricos de cálcio estão freqüentemente, mas não consistentemente, anormais com a diminuição da TFG diminuída (Figura 28). Os níveis séricos de fósforo estão elevados em pacientes com TFG reduzida (Figura 29, Figura 30 e Figura 31). Figura 26. Percentis de PTHi pela TFG Ordenada: PTHi (pmol/l) Abcissa: TFG (ml/min) __ __ __ 5 Percentil de PTHi (pmol/l) -- -- -- -- 95 Percentil de PTHi (pmol/l) ------------ PTHi mediano (pmol/l) 95% intervalo de confiança Figura 27. Prevalência de PTHi elevado por faixas de TFG Ordenada: Prevalência 69 Abcissa: TFG (ml/min) PTHi > 20 pmol/l PTHi > 10 pmol/l Figura 28. Prevalência de Hipocalcemia (Ajustada para Albumina) vs. TFG Ordenada: Porcentagem de pacientes Abcissa: TFG (ml/min/1,73 m2) Figura 29. Níveis Séricos de Fósforo vs. TFG (NHANES III) Ordenada: Fósforo sérico (mg/dl) Abcissa: TFG estimada (ml/min/1,73 m2) __ __ __ 5 Percentil ------------ Mediana -- -- -- -- 95 Percentil + Dados individuais 70 Figura 30. Prevalência de Cálcio Baixo e Fósforo Alto por faixas de TFG Ordenada: Porcentagem de Pacientes Abcissa: TFG (ml/min) Ca < 0,5 PO > 4,5 Figura 31. Percentis do Produto Cálcio – Fósforo pela TFG (NHANES III) Ordenada: Produto Cálcio – Fósforo (mg2/dl2) Abcissa: TFG estimada (ml/min/1,73 m2) __ __ __ 5 Percentil ------------ Mediana -- -- -- -- 95 Percentil + Dados individuais Diretriz 11. Neuropatia A neuropatia desenvolve-se durante o curso da doença renal crônica e pode tornar-se sintomática. Pacientes com doença renal crônica deveriam ser avaliados periodicamente quanto ao envolvimento neurológico central e periférico buscando-se sinais e sintomas durante visitas ou exames de rotina. Testes laboratoriais especializados para neuropatia em pacientes com doença renal crônica estão indicados somente na presença de sintomas. 71 A neuropatia é uma complicação comum em pacientes com insuficiência renal. A neuropatia pode se manifestar como encefalopatia, polineuropatia periférica, disfunção autonômica, distúrbios de sono e, menos comum, mononeuropatia periférica. A ocorrência de neuropatia está relacionada ao nível de função renal, mas não ao tipo de doença renal. As exceções incluem uma série de doenças em adultos e crianças que afetam tanto os rins quanto o sistema nervoso simultaneamente. A fisiopatologia da neuropatia urêmica não está bem compreendida. Os níveis de uréia, creatinina, PTH, “moléculas médias”, e outros fatores têm sido correlacionados com a redução da velocidade de condução nervosa (VCN) e com as manifestações periféricas da neuropatia. Em estágios avançados há evidência de dano histopatológico com degeneração axonial e desmielinização secundária dos nervos periféricos. A encefalopatia urêmica precoce pode se manifestar com fadiga, lapsos de memória ou de concentração. Com o avançar do delírio da uremia, podem ocorrer alucinações visuais, desorientação, convulsões e coma. Geralmente, a polineuropatia urêmica é uma polineuropatia simétrica, mista (sensorial e motora), com nervos distais mais severamente afetados. Os pacientes podem queixar-se de prurido, queimação, irritabilidade muscular, câimbras ou fraqueza. Anormalidades da função autonômica incluem distúrbio do ritmo cardíaco e variabilidade da pressão arterial em resposta ao ciclo respiratório, mudança postural e manobra de Valsalva. Os achados objetivos de neuropatia podem ser detectados antes que os sintomas apareçam. Sinais ao exame incluem atrofia muscular, perda de reflexo nos tendões profundos, curto período de atenção, deterioração do pensamento abstrato, reflexos anormais ou ausentes (em particular espasmo do tornozelo), e deterioração das sensações (vibratória, toque com leve pressão e dor). Sinais mais tardios incluem meningismos, mioclonias, e asterexis. O eletroencefalograma (EEG) pode apresentar lentidão generalizada e complexos onda e espícula bilaterais, mesmo na ausência de evidente atividade convulsiva. As medidas eletroencefalográficas de sono também mostram-se alteradas em pacientes em diálise. A Tomografia Computadorizada e a Ressonância Magnética não são úteis, embora possa ocorrer atrofia cerebral. O teste mais sensível para detecção de neuropatia periférica assintomática é a lentidão sensorial da VCN; embora a VCN motora esteja lenta, existe uma ampla variação intra-individual diária e esses achados ocorrem com a redução mais severa da função renal. O início e gravidade da neuropatia está associada ao nível de TFG, incluindo redução da velocidade de condução nervosa, prejuízo de memória e cognição, prejuízo da função autonômica, sintomas de neuropatia e distúrbios de sono. Entretanto, não há evidências suficientes para se definir um limiar para o nível de TFG que esteja associado a um aumento de prevalência ou gravidade da neuropatia. 72 Diretriz 12. Associação do Nível de TFG com Índices de Capacidade Funcional e Bem-Estar Danos aos domínios de capacidade funcional e bem-estar desenvolvem-se durante o curso da doença renal crônica e estão associados a efeitos adversos. Os prejuízos de capacidade funcional e bem-estar podem estar relacionados a fatores sócio-demográficos, às condições que causam a doença renal crônica, às complicações da doença renal, ou possivelmente à redução da TGF per se. Pacientes com TFG < 60 ml/min/1,73m2 deveriam submeter-se a avaliações periódicas sobre capacidade funcional e bem-estar: Para estabelecer uma linha de base e monitorar alterações na capacidade funcional e bem-estar ao longo do tempo; Para acessar o efeito de intervenções sobre a capacidade funcional e bem-estar. Quando não há cura para uma doença crônica, o objetivo principal deve ser o de maximizar a qualidade de vida. Os especialistas em saúde recomendam que a definição de “qualidade de vida” inclua variáveis que os profissionais da saúde possam identificar, quantificar e modificar: (1) estado de saúde (sinais e sintomas, exames laboratoriais, morte); (2) Capacidade funcional (física, mental, social e papel funcional), e (3) bem-estar (energia/fadiga, dor, percepções da saúde e satisfação). O auto-relato é preferível ao relato dos profissionais uma vez que os resultados dependem da experiência vivida e expectativas de cada paciente. Para a proposta dessa diretriz, conceitos que incorporem componentes pertinentes da qualidade de vida serão referidos como “capacidade funcional e bemestar”. Estudos recentes mostram que a capacidade funcional e bem-estar de indivíduos com doença renal crônica estão relacionados a fatores como: encaminhamento tardio e cuidados pré-diálise inadequados; sintomas; efeitos da doença na capacidade física, psicológica e social; e satisfação com a saúde e cuidados. Complicações da doença renal crônica, tais como anemia, desnutrição, doença óssea, neuropatia e condições de comorbidade, como diabete e doença cardiovascular, podem afetar negativamente a capacidade funcional e bem-estar. Para melhorar o funcionamento e bem-estar, os pacientes devem ser encaminhados ao serviço mais cedo e as complicações e comorbidades devem ser controladas apropriadamente. Essa diretriz descreve a associação entre o nível de função renal e os domínios de capacidade funcional e bem-estar de pacientes com doença renal crônica. 73 Dificuldades em medir esse conceito pouco compreendido tem levado os pesquisadores dos artigos revisados a estudar diversas variáveis utilizando diferentes métodos e instrumentos (Tabela 29). O uso de diferentes instrumentos tem impedido a comparação dos achados, a interpretação dos resultados e o estabelecimento de conclusões. Tabela 29. Domínios de Capacidade Funcional e Bem-Estar Medidos por Instrumentos Específicos Instrumento Sintomas & Percepção de saúde Capacidade Física Capacidade Mental Emprego Capacidade Social Inventário de Depressão Beck (BDI) Depressivo Não Sim Sim Sim Centro para Estudos Epidemiológicos – Depressão (CES-D) Sim Não Sim Não Não Índice Cognitivo de Depressão (CDI) Não Não Sim Não Não Coeficiente de Gravidade ESRD Sim Não Não Não Não EuroQol Sim Sim Sim Sim Sim Índice de Saúde (HI) Sim Sim Sim Não Não Questionário de Efeitos da Doença (IEQ) Sim Não Sim Não Sim Escala de Desempenho de Karnofsky (KPS) Sim Sim Não Sim Sim MOS Forma Curta 36 (SF-36) Sim Sim Sim Sim Sim Escala Multidimensional de Percepção de Suporte Social (MSP) Não Não Não Não Sim Questionário para Adultos NHANES (NHANES) Sim Sim Sim Sim Sim Escala de Qualidade do Bem-Estar (QWB) Sim Sim Sim Sim Sim Instrumento Experimental da Rand Seguro Saúde (RHIE) Não Sim Sim Sim Sim Escala de Satisfação com a Vida (SLS) Não Não Sim Não Não Escala de Senso de Coerência Não Não Sim Não Não Perfil de Impacto da Doença (SIP) Sim Sim Sim Sim Sim Escala de Ajuste Social AutoRelatado (SAS-SR) Não Sim Sim Sim Sim Ansiedade Não Sim Não Não Sim Não Sim Não Não Inventário de Ansiedade Estado Traço (STAI) Lista de Sintomas – 90R (SCL-90R) Apesar dessas limitações, o Grupo de Trabalho concluiu que esses índices de capacidade funcional e bem-estar relacionam-se ao nível de TFG; abaixo de uma TFG de aproximadamente 60 ml/min/1,73m2, existe uma alta prevalência de danos a 74 uma série de índices de capacidade funcional e bem-estar, incluindo sintomas, capacidade física, depressão, emprego e atividades usuais e capacidade social (Figura 32, Figura 33 e Figura 34). Os conferencistas do Seminário “Avaliando as Conseqüências da Saúde e Qualidade Vida em Diálise” no Instituto de Medicina (IM), em 1997 recomendaram aos responsáveis por pacientes com IRC: Avaliar a capacidade funcional e bem-estar na doença renal utilizando instrumentos de estudo padronizados que sejam validados, confiáveis, sensíveis à mudanças, facilmente interpretáveis e fáceis de usar, tais como as Fichas Dartmouth COOP, Perfil de Saúde Duke/Gravidade da Doença de Duke (DUKE/DUSOI), Estudo de Eventos Médicos, de formulário abreviado de 36 itens (SF-36), ou Qualidade de Vida na Doença Renal (KDQOL). Avaliar a capacidade funcional e bem-estar do paciente no início da doença renal crônica, para estabelecer a linha de base, para manter ou melhorar o estado de saúde e para controlar a evolução da doença relacionando as conseqüências clínicas e de saúde com as conseqüências do estado funcional. Figura 32. Função Renal (TFG) e Riscos de Apresentar Sintomas que Afetem a Qualidade de Vida e Bem-Estar Valores da Abcissa: - Cansa facilmente, fraqueza - Falta de ânimo, energia - Câimbras musculares - Hematomas, sangra facilmente 75 - Gosto ruim na boca - Soluços TFG 10-20 TFG 20-30 TFG 30-40 TFG 40-50 TFG 50- 60 (N = 1.284) Figura 33. Prevalência Ajustada da Incapacidade Física para Andar por Faixas de TFG (NHANES III) Ordenada: Proporção da População (%) Abcissa: TFG Estimada (ml/min/1,73 m2) _________ Incapaz Intervalo de confiança 95% --------------- Muito difícil/Incapaz Intervalo de confiança 95% Figura 34. Prevalência Ajustada da Incapacidade Física para Elevar por Faixas de TFG (NHANES III) Ordenada: Proporção da População (%) 76 Abcissa: TFG Estimada (ml/min/1,73 m2) _________ Incapaz Intervalo de confiança 95% --------------- Muito difícil/Incapaz Intervalo de confiança 95% Os dados apresentados nos estudos revistos para essa diretriz sugerem que a redução da função renal afeta a capacidade funcional e bem-estar dos pacientes em diversas dimensões. Deficiências na capacidade funcional são relatadas pelos pacientes mesmo em estágios iniciais da doença renal crônica e persistem mesmo após o transplante. As implicações desses achados são: Os clínicos deveriam avaliar a capacidade funcional e bem-estar o mais cedo possível após o encaminhamento para obter dados basais e permitir intervenção precoce para melhorar a capacidade funcional e bem-estar. Os clínicos deveriam reavaliar regularmente a capacidade funcional e bemestar para determinar o estado atual do paciente e a efetividade das intervenções para melhorar a capacidade funcional e bem-estar. A reavaliação é necessária quando o paciente relata aumento de freqüência ou gravidade dos sintomas, quando ocorre uma nova complicação da doença renal, quando recebe um acesso vascular, quando inicia diálise, muda a modalidade ou participa de intervenção clínica ou de reabilitação (p. ex., aconselhamento, apoio de seus pares, educação, fisioterapia ou exercício independente, ou reabilitação vocacional). Essas recomendações baseiam-se em opiniões expressas pelos autores da maioria dos estudos revisados para essa diretriz assim como de reconhecidos especialistas em avaliações da evolução da capacidade funcional e bem-estar que participaram do Seminário do IOM. Os pesquisadores podem usar uma gama variada de instrumentos para medir a capacidade funcional e bem-estar ao longo do curso da doença renal crônica. Entretanto, os clínicos querem saber quais instrumentos utilizar, quando utilizá-los, e quem deveria aplicá-los, pontuá-los e analisar os dados. Em geral, é prático para os clínicos usar apenas alguns instrumentos para adquirir experiência. Com base na literatura revista para essa diretriz, parece que qualquer clínico que trate de pacientes com TFG reduzida pode administrar as Fichas Dartmouth COOP, Perfis de Saúde DUKE, Qualidade de Vida na Doença Renal, ou o SF-36, que têm sido aplicados em pacientes em diálise e transplantados (Tabela 30). No ambiente clínico a facilidade de uso é essencial. Esses exames são recomendados porque cada um tem um manual de instruções e os pacientes podem completá – los independentemente ou com assistência limitada. Para avaliar limitações específicas na capacidade funcional e bem-estar, os clínicos podem suplementar esses 77 instrumentos gerais com instrumentos mais específicos, incluindo testes baseados em desempenho ou capacidade física. Tabela 30. Medidas de Capacidade funcional e Bem-Estar Instrumento (Aplicações) Fichas de Avaliação para Saúde Funcional Dartmouth COOP (Genérico para jovens, adultos, idosos; um para diálise) Perfil de Saúde Duke (DUKE) (Genérico) Qualidade de Vida na Doença Renal (KDQOLTM) (Específico para Rim) Estudo Médico de Evolução 36 Forma Abreviada (SF-36a) (Genérico) a Especificações Tempo: < 10 min (jovem & adulto), 20 min (idosos & diálise) Domínios: físico, emocional, atividades diárias, atividades sociais, apoio social, dor, qualidade de vida e saúde geral, financeiro, doenças, sintomas/ problemas, fardo da diálise. Custo: depende da escolha de pontuação Pontuação/Análise: várias opções Idiomas: desconhecido Versão para deficientes visuais: impressão grande, figuras Tempo: 5 min. Domínios (genérico): saúde física, saúde mental, saúde social, saúde geral, percepção da saúde, auto-estima, ansiedade, depressão, ansiedade-depressão, dor, incapacidade Custo: gratuito para uso não comercial. Manual U$ 30,00 Versão automatizada: Centro Médico da Universidade Duke Idiomas: 19 Pontuação/Análise: Centro Médico da Universidade Duke Versão para deficientes visuais: Não Tempo: 30 min. (forma longa) 16 min. (forma abreviada) Domínios (genérico): capacidade física, limitações funcionais – físicas, dor corporal, saúde geral, vitalidade, funcionamento social, limitações funcionais – emocionais, saúde mental (ESRD/diálise): sintomas/problemas, efeitos da doença renal na vida diária, fardo da doença renal, função cognitiva, trabalho, função sexual, qualidade da interação social, sono. Custo: unidade gratuita, pode-se fazer quantidade ilimitada de cópias Versão automatizada: HDO através (770) 889-5558 Pontuação/Análise: HDO através (770) 889-5558 Idiomas: vários Versão para deficientes visuais: impressão ampliada Tempo: 12-15 min. Domínios (genérico): funcionamento físico, limitações de função – físicas, dor corporal, saúde geral, vitalidade, funcionamento social, limitações de função – emocionais, saúde mental Custo: gratuito, cópia com permissão Pontuação/Análise: Quality Metric, Inc. (401) 334-8800 Idiomas: vários Versão para deficientes visuais: desconhecido Informações para Compra FNX Corporation 1 Dorset Lane Lebanon, NH 03766 (800) 369-6669 A/C: Dr. John Wasson Web: http://home.fnxnet.com Dr. George R. Parkerson Jr. Department of Community & Family Medicine Duke University Medical Center Box 3886 Durham NC 27710 (919) 681-6560 e-mail: [email protected] Web: www.qlmed.org/duke RAND Corp. 1333 H St., NW Washington, DC 20004-4792 A/C: Caren Kamberg e-mail: [email protected] Web: www.qlmed.org/KDQOL/index.ht ml Quality Metric Inc. 640 George Washington Hwy Ste 201 Lincoln, RI 02865 (888) 947-9800 e-mail: [email protected] Web:www.qlmed.org/SF36/index.html ou http://sf-36.com Versões abreviadas incluem o SF-12 e SF-8. ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO PARA PROGRESSÃO DA DOENÇA RENAL E DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA CARDIOVASCULAR 78 As maiores conseqüências da doença renal crônica são a perda da função renal, levando a complicações com a insuficiência renal e o desenvolvimento da doença cardiovascular. Os objetivos dessa secção são definir os fatores de risco para progressão da doença renal crônica e determinar se a doença renal crônica é um fator de risco para a doença cardiovascular. Devido à bem conhecida associação da doença cardiovascular e diabete, o Grupo de Trabalho considera os pacientes com doença renal crônica devida ao diabete separadamente dos pacientes com doença renal crônica devida a outras causas. O Grupo de Trabalho procurou primariamente estudos longitudinais que relacionassem os fatores de risco à perda da função renal (Diretriz 13) e que relacionassem a proteinúria e a TFG reduzida com a doença cardiovascular (Diretrizes 14 e 15). Estava além do escopo do Grupo de Trabalho empreender uma revisão sistemática dos estudos sobre tratamento. Entretanto, diretrizes e recomendações existentes foram revisadas, assim como estudos foram selecionados para fornecer evidências adicionais da eficácia do tratamento. Diretriz 13. Fatores Associados à Perda da Função Renal na Doença Renal Crônica O nível de função renal tende a declinar progressivamente ao longo do tempo na maioria dos pacientes com doenças renais crônicas. A razão de declínio da TFG deveria ser avaliada em pacientes com doença renal crônica para: Estimar o intervalo até a instalação da insuficiência renal; Avaliar o efeito das intervenções para reduzir o declínio da TFG. Entre os pacientes com doença renal crônica, a razão de declínio da TFG deveria ser estimada pela: Computação do declínio da TFG através de medidas prévias e atuais da creatinina sérica; Determinação dos fatores de risco para declínio mais rápido versus mais lento da TFG, incluindo o tipo (diagnóstico) de doença renal e os fatores nãomodificáveis e modificáveis. Intervenções para diminuir a progressão da doença renal deveriam ser consideradas em todos os pacientes com doença renal crônica. Intervenções comprovadamente eficientes incluem: (1) Controle rigoroso da glicose no diabete; (2) Controle rigoroso da pressão arterial; (3) Inibição da enzima conversora da angiotensina ou bloqueio do receptor de angiotensina-2. Intervenções estudadas, porém sem resultados conclusivos, incluem: 79 (1) Restrição dietética de proteína; (2) Terapia de redução lipídica; (3) Correção parcial da anemia. Devem ser feitas tentativas para prevenir e corrigir o declínio agudo da TFG. Causas freqüentes do declínio agudo da TFG incluem: Depleção de volume; Contraste radiográfico intravenoso; Agentes antimicrobianos selecionados (por exemplo, aminoglicosídeos e anfotericina B); Agentes anti-inflamatórios não-esteróides; incluindo inibidores da ciclooxigenase tipo 2; Inibição da enzima conversora de angiotensina e bloqueio do receptor de angiotensina-2; Ciclosporina e tacrolimus; Obstrução do trato urinário. Medidas da creatinina sérica para estimativa da TFG devem ser obtidas pelo menos uma vez ao ano em pacientes com doença renal crônica e mais freqüentemente em pacientes com: TFG < 60 ml/min/1,73m2; Passado de declínio rápido da TFG (> 4 ml/min/1,73m2 por ano); Fatores de risco para progressão rápida; Tratamento atual para reduzir a progressão; Exposição a fatores de risco para declínio agudo da TFG. O declínio progressivo da função renal durante o curso da doença renal crônica tem sido atribuído a uma série de mecanismos, incluindo a falência em resolver o dano inicial e a instalação da auto-perpetuação da lesão, levando às características patológicas típicas da doença renal terminal e da insuficiência renal. Embora os fatores responsáveis pela progressão da doença renal não sejam conhecidos em cada caso, uma série de fatores têm sido associados com a progressão mais rápida e algumas terapias provaram retardar a progressão da doença. A intenção dessa diretriz é examinar a literatura para determinar os fatores associados com a perda mais rápida da função renal na doença renal crônica. A razão de declínio da TFG é relativamente constante ao longo do tempo em cada paciente; entretanto, a razão de declínio da TFG é altamente variável entre pacientes, indo desde uma progressão lenta ao longo de décadas até uma progressão rápida ao longo de meses. Os dados do Estudo MDRD durante um seguimento médio de 2 anos mostram que a taxa média de declínio na TFG foi de aproximadamente 4 ml/min/ano (Figura 35). Aproximadamente 85% dos pacientes 80 apresentaram TFG em declínio durante o seguimento. O restante apresentou melhora ou estabilização da TFG. Figura 35. Curvas de TFG com Modificação da Dieta no Estudo da Doença Renal Ordenada: Velocidade de declínio (slope) da TFG, ml/min/ano Abcissa: TFG Basal, ml/min/1,73 m2 A princípio, se a razão de declínio é constante ao longo do tempo, o intervalo até o início da insuficiência renal poderia ser estimado a partir do nível atual da TFG e a razão de declínio na TFG. Uma estimativa do tempo até a insuficiência renal pode ser útil para facilitar o planejamento de terapia de substituição renal, ou pode até mesmo sugerir que os cuidados a respeito da insuficiência renal não se justificam, caso a expectativa de vida seja curta. A Tabela 31 mostra o número de anos até que a TFG decline para 15 ml/min/1,73m 2, calculados a partir do nível atual de TFG e da razão estimada de declínio da TFG. Para pacientes com TFG < 60 ml/min/1,73m2, o intervalo até a insuficiência renal é de aproximadamente 10 anos ou menos, se a taxa de declínio for 4 ml/min/1,73m2 por ano. Essa razão de declínio pode ser considerada “rápida”. Tabela 31. Anos até a Insuficiência Renal (TFG < 15 ml/min/1,73 m2) Baseado no Nível de TFG e Taxa de Declínio da TFG Taxa de Declínio da TFG (ml/min/1,73 m2 por ano) 81 Nível de TFG (ml/min/1,73 m2) 90 10 8 6 4 2 1 7,5 9,4 13 19 38 75 80 6,5 8,1 11 16 33 65 70 5,5 6,8 9,2 14 28 55 60 4,5 5,6 7,5 11 23 45 50 3,5 4,4 5,8 8,8 18 35 40 2,5 3,1 4,2 6,3 13 25 30 1,5 1,9 2,5 3,8 7,5 15 20 0,6 0,6 0,6 1,3 3,5 5,0 Declínio de TFG média dependente de idade após 20-30 anos Embora seja difícil prever a razão de declínio na TFG, recomenda-se uma das duas abordagens gerais, ou uma combinação dessas: Abordagem 1: Calcule o declínio da TFG a partir de medidas passadas e atuais de creatinina sérica; o declínio da TFG no passado fornece uma estimativa aproximada do declínio da TFG esperado no futuro. A princípio, o declínio da TFG poderia ser calculado simplesmente a partir da inclinação da linha de regressão relacionando a TFG estimada com o tempo. Entretanto, existem várias limitações para a estimativa da inclinação e a extrapolação da razão de declínio para predizer o tempo para o desenvolvimento da insuficiência renal. Essas limitações estão relacionadas principalmente com o fato da razão de declínio ser realmente constante e com a precisão da estimativa da taxa de declínio. Primeiro, a maioria dos estudos que demonstraram uma taxa constante de declínio na função renal foram retrospectivos, incluindo somente pacientes que já haviam progredido para insuficiência renal. Desconhece-se o número de pacientes com TFG reduzida nos quais o declínio subseqüente da função renal é constante. Segundo, mesmo entre os pacientes nos quais a razão parece constante, esta pode mudar ao longo do tempo. Terceiro, mesmo se a taxa de declínio for constante, a precisão da estimativa da inclinação depende de uma série de variáveis, incluindo a verdadeira razão de declínio, o número de medidas da função renal, erros de medida, variabilidade biológica e a duração do seguimento. Pelo menos três medidas prévias de função renal são necessárias (quanto mais é melhor) para a estimativa precisa da inclinação, especialmente se a taxa de declínio for lenta. Abordagem 2: Determine fatores de avaliação associados ao declínio “rápido” ou “lento” da TFG. A razão de declínio da TFG está relacionada ao tipo de doença renal; nefropatia diabética, doenças glomerulares, doença renal policística e doença renal em pacientes de transplantados estão associados com declínio de TFG mais 82 rápida do que a doença renal hipertensiva e a tubulointersticial. A razão de declínio da TFG também está relacionada a algumas características do paciente, independente do tipo de doença renal. Características não modificáveis associadas à razão de declínio rápido da TFG incluem a raça africana, nível basal mais baixo de função renal, gênero masculino e idade mais avançada. Características modificáveis do paciente associadas à razão de declínio mais rápido da TFG incluem nível mais alto de proteinúria, concentração mais baixa de albumina sérica, nível de pressão arterial mais alto, não-controle glicêmico e tabagismo. As associações da dislipidemia e anemia com o declínio da TFG mais rápida não são conclusivas. Em algumas circunstâncias, as intervenções podem reduzir a razão de declínio da TFG na doença renal crônica. Extrapola o objetivo deste Grupo de Trabalho realizar uma revisão sistemática da literatura sobre intervenções para reduzir a razão de declínio da TFG. Portanto, o Grupo de Trabalho revisou diretrizes publicadas e posturas de organizações nacionais respeitáveis tratando de intervenções amplamente aceitas. Além disso, meta-análises de ensaios randomizados ou dados de grandes ensaios randomizados selecionados foram revisados para compor essa diretriz. Ensaios clínicos em grande escala com receptores de transplante renal não foram encontrados. Os achados gerais do Grupo de Trabalho estão apresentados na Tabela 32. Tabela 32. Tratamentos para Retardar a Progressão da Doença Renal Crônica em Adultos Controle rigoroso da glicemia Inibidores ECA ou bloqueadores do receptor de angiotensina Controle rigoroso da pressão arterial Restrição Protéica Nefropatia Diabética Nefropatia Não Diabética Sim a NA Sim Sim (maior efeito em pacientes com proteinúria) Não testado Sim < 125/75 mm Hg Sim < 130/85 mm Hg (maior efeito em pacientes com proteinúria) Inconclusivo Não testado Inconclusivo Doença Renal pós Transplante Não testado Não testado a Previne ou retarda o início da doença renal diabética. Inconclusivo em relação ao progresso da doença estabelecida. b Não Aplicável A Associação Americana de Diabete (ADA) apresentou uma postura com diretrizes para o cuidado de pacientes com diabetes mellitus (DM), com atenção específica para a complicação da doença renal, baseado nos resultados do Ensaio de Controle e Complicações da Diabete (DCCT) e uma revisão extensa de outras pesquisas publicadas. As Recomendações de Prática Clínica (2001) mais recentemente atualizadas recomendam os seguintes objetivos do tratamento para pacientes com diabete (Tabela 33). 83 Tabela 33. Recomendações de Controle de Glicemia para Pessoas com Diabete* Normal Objetivo Ação Adicional Sugerida < 100 80-120 < 80/ > 140 < 110 100-140 < 100/ > 160 < 110 90-130 < 90/ > 150 < 120 110-150 < 110/ > 180 <6 <7 >8 Valores de Sangue Total Glicose pré-prandial média (mg/dl)a Glicose média ao deitar (mg/dl)a Valores Plasmáticos Glicose pré-prandial média (mg/dl)b Glicose média ao deitar HgbA1c (mg/dl)b Os valores apresentados nessa tabela são, por necessidade, generalizados para toda a população de diabéticos. Pacientes com comorbidades, muito jovens ou idosos, e outros com condições ou circunstâncias incomuns podem buscar diferentes objetivos de tratamento. Esses valores são para adultas não grávidas. “Ação adicional sugerida” depende das circunstâncias individuais dos pacientes. Tais ações podem incluir maior educação de auto-gerenciamento do diabete, co-gerenciamento com uma equipe, referência de um endocrinologista, mudança da terapia farmacológica, início ou aumento da auto-monitorização da glicemia, ou contatos mais freqüentes com o paciente. HgbA1c é referência para a faixa não diabética de 4,0-6,0% (média 5,0, DP 0,5%). Adaptado dos Critérios de Prática Clínica ADA de 200119. (Na Internet, veja www.diabetes.org/clinicalrecommendations/Supplement101/S3.htm) a Medida de glicose no sangue capilar b Valores calibrados para glicose plasmática O Sexto Relatório do Comitê Nacional Conjunto para Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento de Hipertensão Arterial (JNC-VI), a atualização mais recente das Recomendações de Prática Clínica da ADA, a Força Tarefa NKF em Doença Cardiovascular na Doença Renal Crônica (1988), e o relatório dos Comitês Executivos de Grupos de Trabalho em Hipertensão e Diabete NKF foram revistos para desenvolver recomendações para o nível de pressão arterial alvo para pacientes com doença renal crônica. A função dos agentes anti-hipertensivos específicos, incluindo inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) e bloqueadores do receptor de angiotensina-2 foram revistos separadamente. O JNC-VI recomenda a estratificação de risco para decidir quais pacientes com pressão arterial alta deveriam ser tratados e com que intensidade (Tabela 34). O objetivo recomendado para terapia anti-hipertensiva para pacientes com risco pequeno ou moderado para complicações é manter a pressão sistólica e diastólica abaixo de 140 e 90 mm Hg, respectivamente. Essas definições e objetivos não diferem com a idade (entre adultos), gênero ou raça. A pressão arterial alvo é mais baixa em pacientes mais jovens e relacionada à idade, altura e peso. Pacientes com risco maior para complicações ou que já apresentem evidências de doença cardiovascular devem ser considerados para tratamento mais precoce e agressivo. Tabela 34. Estratificação de risco e Indicação para Tratamento AntiHipertensivo 84 Estágio de Pressão Arterial (Pressão Arterial, mm Hg) Grupo de Risco A: Grupo de Risco B: Grupo de Risco C: Sem fatores de risco; DOA ou DCC Um ou mais fatores de risco (exceto diabete); DOA ou DCC; e/ou diabete Alta – normal (130-139/85-89) Modificação do estilo de vida sem DOA ou DCC Modificação do estilo de vida Estágio 1: (140-159/90-99) Terapia com drogas após 12 meses de alteração do estilo de vida Terapia com drogas e alteração do estilo de vida simultaneamente Estágio 2-3: (> 160/ > 100) Terapia com drogas após 6 meses de alteração do estilo de vida Terapia com drogas e modificação do estilo de vida simultaneamente para ICC, diabete ou DRC; modificação do estilo de vida para outros DOA ou DCC Terapia com drogas e alteração do estilo de vida simultaneamente Terapia com drogas e alteração do estilo de vida simultaneamente Terapia com drogas e alteração do estilo de vida simultaneamente Reproduzido com permissão20. Abreviações: DOA, dano no órgão alvo; DCC, doença cardiovascular clínica; ICC, insuficiência cardíaca congestiva; DRC, doença renal crônica Na população geral, os agentes anti-hipertensivos recomendados são os diuréticos e bloqueadores -adrenérgicos, porque sua eficácia na redução da mortalidade e morbidade cardiovascular tem sido comprovada em ensaios clínicos. Estudos recentes mostram eficácia igual dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (inibidores ECA) e bloqueadores de canal de cálcio na população geral. Além disso, pode-se dar preferência a pressão arterial alvo e medicações alternativas naqueles grupos de pacientes com comorbidades. Esses subgrupos incluem, entre outros, pacientes com doença renal crônica, diabete e doença cardiovascular. A base de conhecimento para doença renal crônica é substancialmente pequena. Baseada principalmente na extrapolação das recomendações para a população geral e estudos de observação limitados e ensaios clínicos em pacientes com doença renal crônica, a Força Tarefa NKF sobre Doença Cardiovascular recomendou níveis de pressão arterial alvo e estratégias para tratamento de pacientes com doença renal crônica (Tabela 35). As recomendações da Força Tarefa pretendiam servir de guia para os clínicos até que recomendações mais definitivas estivessem disponíveis. Na opinião do Grupo de Trabalho, as recomendações da Força Tarefa são adequadas para uso temporário. Um Grupo de Trabalho K/DOQI foi estabelecido para desenvolver diretrizes para o controle da pressão arterial na doença renal crônica que não requer diálise. Os objetivos do grupo de Trabalho são determinar a recomendação de pressão arterial alvo, terapia não-farmacológica, e classes de drogas anti-hipertensivas para as diferentes causas da doença renal. 85 Tabela 35. Pressão Arterial, Objetivos, Terapias Não-Farmacológica e Farmacológica Recomendadas pela Força Tarefa NKF para Doença Cardiovascular na Doença Renal Crônica População Meta de PA Terapia Não-Farmacológica Terapia Farmacológica Redução de sal na dieta, -bloqueadores, diuréticos (mm Hg) População Geral < 140/90 Exercício DRC Estágios 1-4 com proteinúria (> 1 g/d) ou doença renal diabética: < 125/75 Redução de sal na dieta Inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor angiotensina II (diuréticos), ou BCCs em receptores de transplante renal DRC Estágios 1-4 sem proteinúria (< 1g/d): < 135/85 Redução de sal na dieta Inibidores da ECA ou bloqueadores do receptor angiotensina II (diuréticos), ou BCCs em receptores de transplante renal DRC Estágio 5: < 140/90 Redução de sal na dieta Qualquer uma, exceto diuréticos em pacientes em diálise Modificado com permissão.21 Abreviações: ECA, enzima conversora de angiotensina; BCC, bloqueador de canal de cálcio ;DRC, doença renal crônica Os inibidores da enzima conversora de angiotensina e antagonistas do receptor de angiotensina parecem ter uma função protetora especial em pacientes com nefropatia diabética e não-diabética. Para essa diretriz, o Sexto Relatório do Comitê Nacional Conjunto para Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento de Pressão Arterial Alta (JNC-VI), a atualização mais recente das Recomendações de Prática Clínica da ADA (2001), e os resultados de meta-análise e ensaios clínicos randomizados selecionados foram revistos. Além disso, foram revistos resultados preliminares de ensaios clínicos com antagonistas de receptor da angiotensina. Além de reduzir a pressão arterial sistêmica, os inibidores da ECA e antagonistas do receptor de angiotensina também reduzem a pressão arterial nos capilares do glomérulo e a filtração de proteínas, o que pode contribuir para seu efeito benéfico para retardar a progressão. Eles também podem apresentar efeito benéfico na redução de proliferação celular e fibrose mediadas pela angiotensina II. A ADA recomenda o uso de inibidores de ECA para pacientes diabéticos com qualquer evidência de doença renal (microalbuminuria ou grau maior de proteinúria), independente da presença de hipertensão, na ausência de contra-indicações ou complicações. Dois ensaios clínicos comparando o impacto dos bloqueadores de receptor de angiotensina com o tratamento anti-hipertensivo convencional na progressão da doença renal foram recentemente completados: Irbesartan na Nefropatia Diabética (IDNT) e Redução de Desfechos no Diabetes Mellitus Insulina Independente com o Antagonista de Angiotensina II Losartan (RENAAL). Ambos os estudos mostraram um efeito benéfico dos antagonistas de receptor da angiotensina. A comparação com os inibidores da ECA não está ainda disponível. Tem-se observado que os inibidores da ECA apresentam efeitos benéficos na mortalidade total e doença cardiovascular em pacientes diabéticos sem doença renal crônica. Embora a maioria dos pacientes nesses estudos fossem hipertensos, o 86 efeito benéfico da terapia com inibidor da ECA pareceu ser independente do seu efeito de redução da pressão arterial. Assim, pacientes com diabete e hipertensão ou doença renal crônica beneficiam-se com os inibidores da ECA. Se a pressão arterial permanece elevada após a introdução de um inibidor da ECA, outros agentes antihipertensivos deveriam ser prescritos para alcançar a pressão arterial alvo. O JNC-VI recomenda inibidores da ECA como as drogas escolhidas para tratamento de hipertensão entre alguns tipos de pacientes sem doença renal diabética. Essas recomendações estão de acordo com uma meta-análise mais recentemente publicada sobre os níveis de pacientes e um trabalho recente do Estudo Afro-Americano de Doença Renal e Hipertensão (AASK) que documenta o efeito benéfico do inibidor da ECA, ramipril, comparado ao bloqueador de canal de cálcio, amlodipina, no declínio da TFG em afro-americanos com nefroesclerose e TFG reduzida. O Estudo HOPE também demonstrou um efeito benéfico do inibidor da ECA ramipril na mortalidade total e na doença cardiovascular em pacientes não-diabéticos sem doença renal crônica, mas com história de doença cardiovascular e um fator de risco para doença cardiovascular (incluindo hipertensão). O efeito benéfico do inibidor da ECA parece ser independente do seu efeito de reduzir a pressão arterial. Portanto, pacientes não-diabéticos com doença renal crônica (especialmente se têm proteinúria) ou doença cardiovascular beneficiam-se com inibidores da ECA. Se a pressão arterial permanecer elevada após o início do tratamento com inibidor da ECA, outros agentes anti-hipertensivos deveriam ser prescritos para alcançar a pressão arterial alvo. O Grupo de Trabalho considera que as evidências são insuficientes para recomendar ou não a prescrição rotineira da restrição protéica dietética, terapia de redução de lipídios e correção parcial de anemia com eritropoietina humana recombinante e/ou ferro, para retardar a progressão da doença renal crônica. Pacientes com doença renal crônica apresentam risco aumentado de declínio agudo da TFG. Os fatores de risco para declínio agudo de TFG incluem depleção de volume, contraste radiográfico intravenoso, agentes anti-microbianos selecionados (por exemplo, aminoglicosídeos e anfotericina B), agentes anti-inflamatórios nãoesteróides (AAINE), incluindo inibidores ciclooxigenase tipo 2 (COX 2), inibidores da enzima conversora de angiotensina e bloqueadores do receptor de angiotensina, ciclosporina e tacrolimus, e obstrução do trato urinário. Diretriz 14. Associação da Doença Renal Crônica com Complicações Diabéticas O risco de doença cardiovascular, retinopatia e outras complicações diabéticas é maior em pacientes com doença renal diabética do que em pacientes diabéticos sem doença renal crônica. 87 Prevenção, detecção, avaliação e tratamento de complicações diabéticas em pacientes com doença renal crônica deveriam seguir diretrizes e posicionamentos estabelecidos. Diretrizes relativas aos inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina e controle estrito da pressão arterial são particularmente importantes, visto que esses agentes podem prevenir ou retardar alguns efeitos adversos tanto da doença renal quanto cardiovascular. Aplicação de diretrizes publicadas para pacientes diabéticos com doenças renais crônicas devem levar em consideração seu estado de “altorisco” para complicações diabéticas. O início da diabete é caracterizado por distúrbios metabólicos e hemodinâmicos que aumentam a permeabilidade vascular, elevam a pressão arterial sistêmica e alteram a regulação da pressão intracapilar. No rim, essas mudanças podem levar ao transporte aumentado de proteínas através da membrana glomerular e ao aparecimento de proteína na urina. A presença de proteína na urina, não somente anuncia o início da doença renal diabética, mas pode contribuir para o dano glomerular e tubulointersticial que levam em última instância à glomerulosclerose diabética. A forte relação entre proteinúria e a constelação de outras complicações diabéticas comprovam a visão de que a excreção elevada de proteínas urinárias reflete o distúrbio vascular generalizado que afeta vários órgãos, incluindo os olhos, coração e sistema nervoso. A diretriz descreve a associação de complicações cardiovascular (macrovascular), retiniana (microvascular) entre outras (principalmente neuropática) complicações diabéticas com níveis de albumina/proteína na urina. Ressalta a forte relação entre a doença renal diabética progressiva e o desenvolvimento de outras complicações diabéticas e enfatiza a importância de monitorar e tratar pacientes com doença renal crônica diabética quanto a essas outras complicações. A associação entre doença cardiovascular e proteinúria ou albuminúria no diabete está presente no diabete tipo 1 e tipo 2 e em diversos grupos raciais/étnicos (Figura 36 e Figura 37). A retinopatia e a neuropatia também estão associadas com o nível de proteinúria e albuminuria. Figura 36. Mortalidade Cardiovascular com Diabete Painel da Esquerda: Ordenada: Razão da Taxa de Mortalidade Ajustada Abcissa: Nível de Proteinúria 88 Valores da abcissa: Ausente, Leve, Severo Painel da Direita: Ordenada: Razão da Taxa de Mortalidade Ajustada Abcissa: Nível de Proteinúria Valores da abcissa: Ausente, Leve, Severo Figura 37. Microalbuminuria e Morbidade Cardiovascular com Diabete Tipo 2 Valores da ordenada: - Niskanen et al., 1993 - Nell et al., 1993 - Sishouwer et al., 1990 - Stiegler et al., 1993 - Patrick et al., 1990 - Subtotal - Macleod et al., 1995 - Total Abcissa: Odds ratio Um grande número de diretrizes publicadas e posicionamentos estão disponíveis para guiar o médico na prevenção, detecção, avaliação e tratamento de complicações diabéticas (Tabela 36). 89 As diretrizes relativas aos inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina e controle rigoroso da pressão arterial são particularmente importantes uma vez que esses agentes podem prevenir ou retardar algumas conseqüências adversas tanto da doença renal quanto da cardiovascular. Tabela 36. Critérios e Diretrizes sobre os Cuidados das Complicações Diabéticas Doença Cardiovascular Relatório Nacional do Programa do Grupo de Trabalho em Educação para Pressão Arterial Alta sobre Hipertensão na Diabete22 Sexto Relatório do Comitê Nacional Conjunto sobre Prevenção, Detecção, Avaliação e Tratamento da Pressão Arterial Alta (JNC-IV)20 Sumário Executivo do 3 Relatório do Grupo de especialistas do Programa Nacional de Educação em Colesterol (PNEC) sobre Detecção, Avaliação e Tratamento de Hipercolesterolemia em Adultos (Grupo de Tratamento de Adultos III)23 Gerenciamento da Dislipidemia em Adultos com Diabete24 Terapia com Aspirina na Diabete25 Desenvolvimento do Consenso da Conferência para Diagnóstico da Doença Cardíaca Coronariana em Pessoas com Diabete26 Diabete na Doença Cardiovascular. Um relatório para Profissionais da Saúde da Associação Americana do Coração27 Retinopatia Retinopatia Diabética28,29 Cuidado do Paciente com Diabetes mellitus30 Neuropatia Relatório e Recomendações da Conferência de San Antonio sobre Neuropatia Diabética 31 Processo de Desenvolvimento de um Consenso da Conferência sobre Medidas Padronizadas em Neuropatia Diabética32 Geral Padrões de Cuidado Médico para pacientes com Diabetes mellitus19 Diretriz 15. Associação da Doença Renal Crônica com a Doença Cardiovascular Pacientes com doença renal crônica, independente do diagnóstico, apresentam risco aumentado para doença cardiovascular (DCV), incluindo doença coronariana, doença cerebrovascular, doença vascular periférica e insuficiência cardíaca. Tanto os fatores de risco de DCV “tradicionais” quanto os “relacionados à doença renal crônica (não-tradicionais)” podem contribuir para esse risco aumentado. Todos os pacientes com doenças renais crônicas deveriam ser considerados no grupo de “maior risco” para doença cardiovascular, independente dos níveis dos fatores de risco tradicionais para DCV. 90 Todos os pacientes com doença renal crônica deveriam ser avaliados quanto a fatores de risco para DCV, incluindo: Medida dos fatores de risco “tradicionais” para DCV em todos os pacientes; Decisões individuais em relação às medidas selecionadas dos fatores de risco para DCV “relacionadas à DRC” em alguns pacientes. Recomendações de redução dos fatores de risco para DCV deveriam levar em consideração o estado de “maior risco” dos pacientes com doença renal crônica. A Força Tarefa NKF em Doença Cardiovascular na Doença Renal Crônica ressalta a alta mortalidade devido à doença cardiovascular em pacientes com insuficiência renal. O propósito dessa diretriz é enfocar o risco de DCV associado à doença renal crônica (excluindo pacientes tratados por diálise). A Diretriz 14 discorreu sobre o risco de doença cardiovascular em pacientes com doença renal crônica. Portanto, essa diretriz focaliza o risco da doença cardiovascular em pacientes com doença renal não-diabética, e especificamente retratou a questão sobre se a doença renal crônica é um fator de risco para o desenvolvimento da doença cardiovascular. Para o propósito dessa diretriz, a “doença cardiovascular” refere-se à doença coronariana, doença cerebrovascular, doença vascular periférica, e insuficiência cardíaca congestiva. A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) nem sempre foi incluída, mesmo estando associada com a doença renal crônica e sendo um fator de risco para eventos cardiovasculares clínicos. Os fatores de risco “tradicionais” são aquelas variáveis definidas na população geral através de estudos prospectivos de coorte, tais como o Estudo Framingham do Coração (Tabela 37). Os fatores de risco “relacionados à Doença Renal Crônica (DRC)” incluem anormalidades hemodinâmicas e metabólicas associadas com a doença renal crônica e complicações da função renal diminuída. Alguns autores subdividiram os fatores de risco relacionados à DRC em fatores alterados pelo estado “urêmico” (por exemplo, hipertensão, dislipidemia, homocisteína) e fatores que são característicos do estado “urêmico” (por exemplo, anemia, desnutrição, estresse oxidativo e hiperparatireoidismo). Recomendações de tratamento estão além do escopo dessa diretriz. O leitor deve consultar o Relatório da Força Tarefa NKF para um resumo das recomendações de tratamento para os fatores de risco tradicionais para DCV na doença renal crônica, e à próxima diretriz K/DOQI sobre fatores de risco para DCV associados à DRC. Tabela 37. Fatores Tradicionais vs. Relativos à Doença Renal Crônica Potencialmente Relacionados ao Aumento de Risco para Doença Cardiovascular 91 Fatores de Risco Tradicionais da DCV Fatores de Risco Relativos à DRC (não tradicionais) da DCV Idade avançada Gênero masculino Raça Branca Hipertensão Colesterol LDL elevado Colesterol HDL diminuído Diabetes mellitus Fumo Inatividade física Menopausa Estresse psicossocial História familiar de DCV Tipo (diagnóstico) de DRC TFG diminuída Proteinúria Atividade do sistema renina-angiotensina Sobrecarga do volume de líquido extra-celular Metabolismo de cálcio e fósforo anormal Dislipidemia Anemia Desnutrição Inflamação Infecção Fatores trombogênicos Estresse oxidativo Homocisteína elevada Toxinas urêmicas Modificada e reimpressa com permissão1 Pacientes não-diabéticos com doença renal crônica apresentam uma prevalência maior de doença cardiovascular comparados à população geral. A doença cardiovascular é a principal causa de morte em pacientes não diabéticos com doença renal crônica. A maioria dos pacientes com doença renal crônica não desenvolve insuficiência renal. Na realidade, a mortalidade pela doença cardiovascular é mais provável do que o desenvolvimento de insuficiência renal em pacientes não-diabéticos com doença renal crônica. Pacientes não-diabéticos com doença renal crônica têm uma prevalência aumentada dos fatores de risco “tradicionais” para DCV comparados com a população geral. Em vários estudos, a prevalência desses fatores de risco está associada ao nível da TFG e à magnitude da proteinúria. Além disso, pacientes não diabéticos com doença renal crônica apresentam uma alta prevalência de fatores de risco para DCV “relacionados à doença renal crônica”. Numerosos fatores hemodinâmicos e metabólicos associados à doença renal crônica têm sido implicados como potenciais fatores de risco para DCV (Tabela 37). A prevalência de muitos desses fatores aumenta à medida em que a TFG declina. A doença renal crônica é um fator de risco para a doença cardiovascular subseqüente em indivíduos sem diabete. A TFG reduzida e a proteinúria são fatores de risco para doença cardiovascular em indivíduos sem diabete (Figura 38, Figura 39, Figura 40 e Figura 41). Figura 38. TFG e Risco Relativo de Morte Valores da ordenada: - Mortalidade por DCV - Wannamethee, 1997 - Culleton (homens), 1999 92 - Culleton (mulheres), 1999 - Mann, 2001 - Ruilope, 2001 - Todas as causas de mortalidade - Wannamethee, 1997 - Fried, 1998 - Culleton (homens), 1999 - Culleton (mulheres), 1999 - Hemmelgarn, 2001 - Ruilope, 2001 Abcissa: Risco para o evento Figura 39. Proteinúria e Risco Relativo para Doença Cardiovascular Valores da ordenada: - Microalbuminuria - Miettinen, 1996 - Ljungman, 1996 - Agewall, 1997 - Fita + ou > 300 mg/dia - Wagener (homens), 1993 93 - Wagener (mulheres), 1993 - Miettinen, 1996 - Ljungman, 1996 - Agewall, 1997 Abcissa: Risco para o evento Figura 40. Proteinúria e Risco Relativo para Morte pela DCV Valores da ordenada: - Microalbuminuria - Agewall, 1997 - Jager, 1999 - Fita + ou > 300 mg/dia - Kannel (homens), 1984 - Kannel (mulheres), 1984 - Wagener (homens), 1993 - Wagener (mulheres), 1993 - Grimm (a), 1997 - Grimm (b), 1997 - Agewall, 1997 - Culleton, 2000 Abcissa: Risco para o evento Figura 41. Proteinúria e Risco Relativo de Morte 94 Valores da ordenada: - Microalbuminuria - Damsgaard, 1990 - Agewall, 1997 - Jager, 1999 - Fita + ou > 300 mg/dia - Kannel (homens), 1984 - Kannel (mulheres), 1984 - Wagener (homens), 1993 - Wagener (mulheres), 1993 - Grimm (a), 1997 - Grimm (b), 1997 - Agewall, 1997 - Culleton, 2000 Abcissa: Risco para o evento A identificação da doença renal crônica como fator de risco para doença cardiovascular não prova causalidade. A relação temporal da doença renal crônica e a doença cardiovascular foi identificada em muitos desses estudos, mas faltam outros critérios para causalidade, incluindo consistência e plausibilidade biológica. Além disso, embora a relação dose-resposta entre a magnitude da proteinúria e o risco de doença cardiovascular possa existir, tal relação com a TFG reduzida não se mostra conclusiva. Uma hipótese alternativa é que a doença renal crônica seja um marcador da carga de fatores de risco “tradicionais” para DCV. A contribuição relativa dos fatores de risco “associados à doença renal” nessa população permanece incerta. O Grupo de Trabalho é da opinião que a redução do fator de risco é provavelmente efetiva na redução da morbidade e mortalidade devidas à doença cardiovascular em pacientes com doença renal crônica. Poucos pacientes com 95 doença renal crônica têm sido incluídos em ensaios clínicos com medidas cardiovasculares rígidas. Na ausência desse alto grau de evidência, é necessária a extrapolação de evidências a partir dos resultados de ensaios clínicos na população geral para pacientes com doença renal crônica. Várias linhas de raciocínio suportam esse processo. Primeiro, os fatores de risco “tradicionais” para DCV podem ser modificados em pacientes com doença renal crônica (Tabela 38). Segundo, efeitos adversos da redução de fatores de risco não parecem ser substancialmente maiores em pacientes com doença renal crônica do que na população geral. Terceiro, a expectativa de vida da maioria dos pacientes com doença renal crônica geralmente excede a duração do tratamento necessário para os efeitos benéficos. Na população geral, o efeito benéfico da redução do fator de risco na morbidade e mortalidade começa a aparecer em 1 a 3 anos ou menos em grupos com alto risco. Por exemplo, as curvas de sobrevida para pacientes com alto risco distribuídos ao acaso para terapia de redução de lipídios freqüentemente divergem dos pacientes tratados com placebo nos 6 meses a partir do início do tratamento. A sobrevida da maioria dos pacientes com doença renal crônica excede 1 a 3 anos. Tabela 38. Fatores de Risco “Tradicionais” para Doença Renal Crônica e Intervenções Associadas Fatores de Risco “Tradicionais” Intervenção História familiar de DCV Triagem Hiperglicemia (em pacientes com diabete) Dieta, Insulina e agentes orais Hipertensão Terapia anti-hipertensiva Menopausa Possível reposição hormonal Inatividade Física Exercício Estresse Psicossocial Possível redução do estresse Atividade do sistema renina-angiotensina Inibidores da enzima conversora de angiotensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina Fumo (cigarros) Aconselhamento e reposição de nicotina Fatores trombogênicos Agentes anti-plaquetários Colesterol total ou LDL Dietas e drogas anti-lipídicas Triglicérides Dietas e drogas anti-lipídicas 96 REFERÊNCIAS : 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. Sarnak MJ, Levey AS.Cardiovascular disease and chronic renal disease: A new paradigm. Am J. Kidney Dis 35 (Supl 1): S117-S131,2000. 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