ANÁLISE HISTÓRICA E JURISPRUDENCIAL DO INSTITUTO DO

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ANÁLISE HISTÓRICA E JURISPRUDENCIAL DO INSTITUTO DO SEQUESTRO
NOS PRECATÓRIOS JUDICIAIS
Alexander Mota Pinheiro1
RESUMO
No Brasil, o sequestro de rendas públicas, como procedimento punitivo com vistas à
satisfação de um crédito obtido contra um ente público, tem previsão constitucional desde a
redação original do art.100 da CF/88. Somente após a Emenda nº 62 este instituto foi
fortalecido para compreender duas espécies: a) preterição de precedência; b) não alocação de
recursos na lei orçamentária. Contudo, a Emenda nº 62 veda o sequestro quando o ente
público esteja qualificado para o regime especial de precatórios, pelo qual pode pagar seus
débitos mediante amortizações. Através do julgamento das ADI’s nº 4.357 e 4.425, pelo STF,
a citada emenda foi considerada parcialmente inconstitucional, por ter se contraposto a
numerosos princípios constitucionais. Em que pese o julgamento, o sequestro continua
proibido, até que aquela Casa de Justiça module os efeitos desta inconstitucionalidade.
Palavras-chave: Sequestro. Precatório. EC’s nº 30/2000 e 62/2009. Ordem cronológica.
Preterição. Lei Orçamentária. Recursos. Não alocação. Regime especial. STF. ADI’s 4357 e
4425. Modulação de efeitos.
ABSTRACT
In Brazil, the seizure of public revenue, as a punitive procedure towards the satisfaction of a
credit, obtained against a public entity, has constitutional preview, since the original article
100 of the Brazilian Federal Constitution. Only past the 62nd Amendment this institute was
strengthened to comprise two cases: a) postponement of a priority creditor and, b) no
inclusion of necessary revenue in the annual budget. However, the 62nd Amendment prevents
the seizure when the public entity is qualified to the special regime of “precatórios”, by which
it can pay its debts by a system of instalments. Through the judgement of the Actions of
Unconstitutionality 4,357 and 4,425, by the Supreme Court of Brazil, this amendment was
declared partially unconstitutional, for having contradicted many constitutional principles.
Despite this judgement, the seizure remains forbidden as long as that House of Justice does
not decide about the modulation of effects of the foretold unconstitutionality.
Key words: Seizure. Precatorio. Constitutional Amendments 30/2000 e 62/2009.
Chronological order. Postponement. Budget Law. Revenue. No inclusion. Special regime.
Supreme Court. Actions of Unconstitutionality 4,357 e 4,425. Effects modulation.
1
Pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Civil. Professor de Direito da FAC desde 2008.
Notário e Oficial de Registros Públicos. Ex-advogado. Ex-assessor jurídico do TJCE.
[email protected].
1
1 INTRODUÇÃO
O sequestro de recursos públicos para satisfação de créditos em precatórios possui
assento constitucional desde a redação originária do art. 100, da Constituição Federal, e
inicialmente “somente era possível para garantir o direito de preferência, obedecida a ordem
de inscrição dos precatórios”2.
Como veremos adiante, o instituto sofreu algumas mudanças com o passar dos
anos, em decorrência das emendas constitucionais que se sucederam, mormente as de nº
30/2000 e 62/2009, ambas objeto de controle concentrado de constitucionalidade no âmbito
da Corte Máxima Brasileira.
Somente com a Emenda nº 62/2009, o instituto constritivo ganhou maior relevo,
para englobar duas permissões, dentro do chamado regime geral: o preterimento de ordem
cronológica e a não inclusão de precatório em lei orçamentária anual.
Entrementes, no regime especial, ao qual presumidamente aderiram todos os entes
públicos inadimplentes, o sequestro restou inviabilizado por incompatibilidade com o sistema
de amortização em quinze anos criado pelo art. 97, do ADCT, que vincula parte da receita
líquida da Fazenda Pública devedora a uma conta de precatórios, gerida pelo Presidente do
Tribunal competente pela execução do julgado.
Com a procedência parcial das ADI’s aforadas contra a EC nº 62/2009, o
sequestro parece ter sido reabilitado, porém até que o Supremo Tribunal Federal module os
efeitos da sua decisão, o instituto permanecerá neutralizado.
A Emenda nº 62/2009 causou e ainda causa enorme desordem no cenário dos
precatórios judiciais da Fazenda Pública, não só por criar uma segunda moratória, de par com
a trazida a reboque da EC nº 30/2000, de dez anos, mas também por representar calote público
disfarçado.
2 O INSTITUTO DO SEQUESTRO NAS TRÊS ONDAS LEGISLATIVAS DOS
PRECATÓRIOS
A Constituição Federal, com respeito ao cumprimento dos precatórios, sofreu três
sucessivas ondas reformadoras, a saber: a primeira ocorrida no ano de 2000, com a edição da
2
Cunha. Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 8ª ed. Dialética: São Paulo, 2010, p. 316.
2
Emenda Constitucional n.º 30/2000, que alterou a redação do art.100, da CF/88, e acrescentou
o art. 78 ao Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal; a segunda no ano de
2002, com a edição da EC n.º 37/2002; e a terceira, mais recente, com o advento da EC nº
62/2009.
A EC n.º 30/2000 constituiu-se no primeiro grande marco divisor de águas no que
diz respeito ao tratamento concedido às dívidas estatais.
Como forma de assegurar força coercitiva aos precatórios constituídos ad futurum,
a EC n.º 30/2000 fez constar no § 2.º do art. 100 da Carta da República a garantia de sequestro
de dinheiro público do ente devedor suficiente à satisfação do débito, sempre que fosse
constatada quebra na ordem de preferência ou de apresentação dos precatórios. Vejamos o
inteiro teor do parágrafo em análise:
§ 2º. As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente
ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão
exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e
autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento
do seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária a satisfação do
débito.
Entretanto, os credores que haviam sido prejudicados com a moratória não
poderiam ficar desalentados, sem qualquer espécie de garantia para o caso de omissão das
Fazendas Públicas.
Nesse sentido, a mesma Emenda Constitucional n.º 30/2000, como forma de
compensação pela extensa moratória concedida em prol dos entes públicos (dez anos),
assegurou aos antigos credores algumas garantias excedentes àquelas dadas aos credores que
seguiriam o regime do art. 100 da CF/88.
O legislador constituinte, acrescendo o art. 78 ao ADCT, mencionou 3 (três) casos
de admissibilidade do sequestro: a) a omissão no orçamento; b) a preterição ao direito de
precedência; e c) o vencimento da parcela. Confira-se na íntegra, o teor do parágrafo 4.º do
art. 78, que trouxe garantias específicas aos antigos credores, sujeitos à moratória:
Art. 78 – omissis
[...]
§4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou em caso de
omissão no orçamento, ou preterição ao direito de precedência, a requerimento do
credor, requisitar ou determinar o seqüestro de recursos financeiros da entidade
executada, suficientes à satisfação da prestação.
3
Ponderando a respeito da garantia conferida aos antigos credores das Fazendas
Públicas, assim pronunciou-se o Ministro Teori Zavascki, hoje integrante do STF, quando
ainda atuava no âmbito do STJ, literatim:
Contempla o texto constitucional, portanto, após a EC 30/2000, dois regimes de
pagamento de precatórios: o geral, previsto no art. 100, em que a satisfação de
crédito deve ocorrer até o final do exercício seguinte àquele em que o precatório foi
apresentado, e no âmbito do qual o seqüestro de recursos está autorizado
"exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência", e o
especial, disciplinado pelo art. 78 do ADCT, em que se faculta ao ente público o
parcelamento, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez
anos, do valor do precatório. Esse último regime, ao mesmo tempo em que
estabelece condição de pagamento mais favorável à Fazenda, confere ao credor, em
contrapartida, o direito de requerer o seqüestro da verba necessária à satisfação de
seu crédito não apenas na hipótese de preterição do direito de preferência, mas
3
também quando "vencido o prazo ou em caso de omissão no orçamento”.
Em julgados referentes ao período anterior à EC 62/2009, do colendo STJ, tal
ponto de vista teve continuidade, pois seguia parâmetros originários do Pretório Excelso
(STF), como referencia o seguinte julgado da 1.ª Turma, verbis:
CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM
MANDADO DE SEGURANÇA. PRECATÓRIO. ART. 78, § 2º, DO ADCT.
COMPENSAÇÃO COM DÉBITOS TRIBUTÁRIOS. POSSIBILIDADE.
1. O art. 78 do ADCT, incluído pela EC 30/2000, estabeleceu, para as situações nele
previstas, regime especial de pagamento, outorgando-se ao ente público a faculdade
de parcelar o débito do precatório em prestações anuais, iguais e sucessivas pelo
prazo de até dez anos. Em contrapartida, foram conferidos ao credor meios especiais
e maiores garantias de pagamento do crédito assim parcelado, a saber: (a) a
permissão para "a decomposição de parcelas, a critério do credor" (§ 1º), o "poder
liberatório de pagamento de tributos da entidade devedora" (§ 2º) e (c) a permissão
de seqüestro da verba necessária à sua satisfação não apenas na hipótese de
preterição do direito de precedência, mas também nos casos de não ser pago no
vencimento ou de haver omissão na previsão orçamentária (§ 4º). Precedente do
STF: RCL 2.899/SP, Tribunal Pleno, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de
02.12.2005.
2. [...] omissis [...]
5. Recurso ordinário a que se dá provimento 4.
Tal emenda constitucional (EC nº 30/2000) sofreu impugnação mediante a ADI nº
2.356 no Supremo Tribunal Federal, e no julgamento realizado no dia 25/11/2010, pelo
Tribunal
Pleno,
com
relatoria
do
Ministro
Ayres
Britto,
restou
declarada
a
inconstitucionalidade do art. 78 do ADCT, introduzido pela EC nº 30, de 2000.
Na ementa do julgado o STF salientou que:
3
4
RMS 16.991/RJ, julgado em 04/11/2004.
RMS 26.500/GO, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 4/6/2009. DJe de 15.6.009.
4
O art. 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado pelo art.
2º da Emenda Constitucional nº 30/2000, ao admitir a liquidação em prestações
anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos” dos precatórios pendentes
na data de promulgação” da emenda, violou o direito adquirido do beneficiário do
precatório, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Atentou ainda contra a
independência do Poder Judiciário, cuja autoridade é insuscetível de ser negada,
máxime no concernente ao exercício do poder de julgar os litígios que lhe são
submetidos e fazer cumpridas as suas decisões, inclusive contra a Fazenda Pública,
na forma prevista na Constituição e na lei.5
E com respeito ao tratamento anti-isonômico dispensado aos credores das
Fazendas Públicas, pela EC nº 30/2000, o STF cravou:
Não respeita o princípio da igualdade a admissão de que um certo número de
precatórios, oriundos de ações ajuizadas até 31.12.1999, fique sujeito ao regime
especial do art. 78 do ADCT, com o pagamento a ser efetuado em prestações anuais,
iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, enquanto os demais créditos
sejam beneficiados com o tratamento mais favorável do § 1º do art. 100 da
Constituição.6
Com tal linha de entendimento, o STF rechaçou a moratória como benefício
concedido às Fazendas Públicas devedoras, abrindo a perspectiva de que a EC nº 62/2009, a
seguir estudada, também seria palco de amplas discussões sobre sua constitucionalidade, já
que ela também criara outra moratória, inclusive mais duradoura (15 anos) que a antecessora.
Nesse ponto, mister salientar que no julgamento da ADI nº 1.662, o Pretório
Excelso já havia declarado a inconstitucionalidade da Instrução Normativa n.° 11/97, do TST,
que equiparava a não inclusão no orçamento a uma forma de preterição. Os ministros do
Supremo deliberaram que “somente no caso de inobservância da ordem cronológica de
apresentação do ofício requisitório é possível a decretação do seqüestro, após a oitiva do
Ministério Público”7. Em outras palavras, a não alocação orçamentária não foi reconhecida
como fundamento constitucional válido para o sequestro de recursos públicos, no caso de
inadimplência do ente fazendário devedor.
Recapitulando, de acordo com o antigo § 2º, do art. 100, da CF/88, o sequestro da
quantia necessária à satisfação do débito só tinha cabimento nos casos de burla à ordem
cronológica de pagamentos, para títulos constituídos ad futurum, e nesse caso e no de omissão
no orçamento, quando o regime fosse o especial (moratória de 10 anos), sendo que neste
último caso, como visto alhures, o sequestro foi banido por decisão do STF (ADI 2.356).
5
Extraído do site www.stf.jusbrasil.com.br. Acesso em 14.01.2015.
log. cit.
7
Extraído de www.trtsp.jus.br. Acesso em 14.01.2015.
6
5
Assim, para os credores submetidos à moratória do art. 78, do ADCT, havia
inicialmente a via do sequestro, quando o ente público devedor houvesse sido omisso na
inclusão de recursos na lei orçamentária anual, para o pagamento da parcela anual, entretanto
tal hipótese restou afastada pelo Supremo, sobrando a medida constritiva apenas na espécie
prevista para o regime geral, de preterição à ordem cronológica, embora alguns julgados
proferidos por turmas do STJ e do STF tenham mantido sequestros realizados em concreto
com base no referido art. 78, do ADCT, antes do julgamento plenário do Pretório Excelso.
A segunda grande onda normativa dos precatórios veio com a alteração do art.
100 da CF pela Emenda Constitucional nº 37/2002, com a inclusão de três novos parágrafos,
assim redigidos:
§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor
pago, bem como fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, a fim de
que seu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo
e, em parte, mediante expedição de precatório. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 37, de 2002)
§ 5º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º deste artigo,
segundo as diferentes capacidades das entidades de direito público. (Parágrafo
incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e Renumerado pela Emenda
Constitucional nº 37, de 2002)
§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo,
retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de
responsabilidade. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000 e
Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)
Como se verifica, à luz dos dispositivos acima transcritos, nenhuma inovação foi
erigida, de par com as já existentes, a respeito de meios constritivos das verbas públicas, para
satisfação dos precatórios. Seu grande feito foi inviabilizar o precatório complementar e
tornar inviável a quebra do valor para que fosse pago parte através de requisição de pequeno
valor (RPV) e parte através de precatórios.
Por fim, com a edição da EC n.º 62/2009, publicada no DOU (Diário Oficial da
União) de 10 de dezembro de 2009, que conferiu nova redação ao § 6º do art. 100 da CF/88,
foi estendida para todos os pagamentos realizados mediante precatório, a possibilidade de se
determinar o sequestro, em casos de preterimento do direito de precedência ou de não
alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do débito, grande evolução no que diz
respeito à promoção de garantias aos credores dos entes públicos de que seus créditos serão
efetivamente pagos dentro dos prazos legais. Eis a redação do atual § 6º, do art. 100, da
Constituição Republicana de 1988:
6
§ 6º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente
ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão
exequenda determinar o pagamento integral e autorizar, a requerimento do credor e
exclusivamente para os casos de preterimento de seu direito de precedência ou de
não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação do seu débito, o
sequestro da quantia respectiva. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62,
de 2009).
A nova redação do § 6º, do art. 100, da CF/88, trazida no bojo da EC nº 62/2009,
a nosso ver, ressuscitou a antiga hipótese de sequestro por falta de alocação orçamentária, o
fazendo, desta feita, dentro do regime geral de precatórios, de forma que a medida constritiva
tem cabimento agora não só no caso genérico de burla à ordem cronológica que estabelece a
precedência do pagamento, mas também para a situação em que o ente público não inscreve a
dotação do crédito orçamentário em valor suficiente ao pagamento do débito, em consonância
com o disposto no atual §5º do art. 100 da Constituição Republicana.
Vale registrar que com a EC nº 62/2009 foi criado um novo regime especial de
pagamento dos precatórios, mediante uma segunda moratória, pela qual os entes fazendários
deveriam realizar depósitos mensais compulsórios vinculados à receita corrente líquida (1/12
do percentual 1 ou 2% da RCL), para quitação dos precatórios, no prazo máximo de 15 anos.
Vejamos o citado comando constitucional:
Art. 97. Até que seja editada a lei complementar de que trata o § 15 do art. 100 da
Constituição Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que, na data de
publicação desta Emenda Constitucional, estejam em mora na quitação de
precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, inclusive os
emitidos durante o período de vigência do regime especial instituído por este artigo,
farão esses pagamentos de acordo com as normas a seguir estabelecidas, sendo
inaplicável o disposto no art. 100 desta Constituição Federal, exceto em seus §§ 2º,
3º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14, e sem prejuízo dos acordos de juízos conciliatórios já
formalizados na data de promulgação desta Emenda Constitucional.
Enquanto inserido no regime especial de pagamento de precatórios previsto no art.
97, do ADCT, da CR/88, ficava afastada a aplicação do regime geral de pagamentos previsto
no art. 100 da CR/88, nos termos do art. 97, caput, da CR/88, e, por conseguinte, do sequestro
de verbas públicas.
A Emenda Constitucional n° 62/09 estabeleceu que, enquanto os entes devedores
estiverem realizando pagamentos regulares dos precatórios pelo regime especial, não poderão
sofrer sequestro de valores, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos na forma
prevista no inc. II, §1º, do art. 97, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Assim, uma vez tendo optado pelo regime especial para pagamento de precatórios,
a Fazenda Pública devedora não mais sofreria sequestro de suas contas, a não ser que deixasse
7
de efetuar o depósito mensal, em conta especial, do correspondente a 1/12 (um doze avos) do
valor apurado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, nos termos do
inc. II, do §1º, do art. 97, do ADCT.
Esta interpretação ganhou vulto com a Resolução nº 115, do CNJ, quando reza:
Art. 18. Os Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como suas Autarquias e
Fundações Públicas, que estejam em mora com o pagamento dos precatórios e não
tenham exercido a opção de que trata o art. 97, § 1º, do ADCT, estarão obrigados à
inclusão no orçamento de verbas necessárias ao pagamento de precatórios
pendentes, nos termos do § 5º do art. 100 da Constituição Federal, ou sujeitos ao
sequestro previsto no § 6º do mesmo artigo.
Ocorre que, em 14 de março de 2013, a Corte Suprema do país concluiu o
julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 4357 e 4425, em que se decidiu, por
maioria de votos, pela procedência parcial das ADI’s, declarando-se a inconstitucionalidade
do art. 97 do ADCT em sua integralidade, e a inconstitucionalidade em parte dos §§ 2º, 9º, 10
e 12, todos do art. 100 da Constituição Federal, permanecendo hígido o § 6º, em sua redação
dada pela Emenda nº 62/2009, que estabelecera a regra do sequestro para o caso de não
alocação orçamentária.
Poder-se-ia indagar: por que então o STF não declarou a inconstitucionalidade do
sequestro por falta de inclusão orçamentária, dado que no passado relativamente recente o
fizera, com respeito ao art. 78, do ADCT, na redação dada pela EC nº 30/2000, quando do
julgamento da constitucionalidade da IN nº 11/97, do TST?
A conclusão é de que o § 5º, do art. 100, da CF/88, foi além do princípio geral da
previsão orçamentária, ao criar uma espécie de inadimplemento indireto, por omissão, quando
tornou obrigatória a inclusão nos orçamentos das entidades de direito público, de verba
necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, que
constem em precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o
final do exercício seguinte.
Com a redação do novel parágrafo 5º, foi driblado o entrave que impedia o
sequestro por omissão no orçamento, já que agora, por expressa determinação constitucional,
o governante não pode simplesmente afirmar: - como não existe norma constitucional me
obrigando a arrolar precatórios individualmente na lei orçamentária, não sou obrigado a
vincular recursos públicos específicos aos credores do ente público. Importante também
realçar que o texto não se encontra no ADCT, mas no próprio bojo da CF/88.
8
Na ocasião do julgamento, o redator do acórdão (Fux) se referiu à moratória de 15
anos, trazida a reboque da malsinada EC nº 62/2009, de maneira um tanto irônica, ao
acentuar8:
[...] não se pode dizer que a EC 62 representou um verdadeiro avanço enquanto
existir a possibilidade de pagamento de precatório com valor inferior ao
efetivamente devido em prazo que pode chegar a 80 anos.
[...]
É preciso que a criatividade dos nossos legisladores seja colocada em prática
conforme a Constituição, de modo a erigir um regime regulatório de precatórios que
resolva essa crônica problemática institucional brasileira sem, contudo, despejar nos
ombros do cidadão o ônus de um descaso que nunca foi seu.
Em tom de sobriedade o decano do STF, ministro Celso de Mello, assim
fundamentou o seu voto9:
[...] o desrespeito à autoridade da coisa julgada – no caso, débitos de estados, do
Distrito Federal e municípios já constituídos por decisão judicial – ofende valores
tutelados com cláusulas pétreas inscritas na Constituição Federal (CF) de 1988, tais
como a independência dos poderes, o respeito aos direitos humanos e, também, à
própria coisa julgada.
Em outras palavras, com o julgamento das ADI’s dos precatórios, foi extinto o
regime especial de pagamento dos precatórios, o que abre ensanchas ao retorno dos entes
públicos ao regime geral dos precatórios, que prevê a possibilidade de sequestro de seus
recursos em conta bancária, quando houver preterição de pagamento ou não alocação de
precatórios em lei orçamentária.
Até o presente momento, entretanto, o julgamento da modulação dos efeitos das
inconstitucionalidades apontadas à EC nº 62/2009 não teve desfecho, embora o ministro Fux
já tenha opinado favoravelmente à prorrogação do regime especial até o fim do exercício
financeiro de 2018, e pela anulação retroativa das regras de correção e juros moratórios. O
pagamento de precatórios pelo esquema de leilões ou acordos, segundo a proposta
apresentada pelo ministro, deveria ser anulado imediatamente após o trânsito em julgado das
ADI’s, porém, sem efeitos retroativos.
Tudo leva a crer que o regime especial deve ter uma sobrevida de pelo menos
mais 04 (quatro) anos, até o fim de 2018, se o STF resolver acatar a “tese jurídica do último
suspiro”, engendrada pelo ministro redator do acórdão.
8
9
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=233520. Acesso em 14.01.2015.
loc.cit.
9
Isto poderá acarretar, no âmbito do instituto em debate, a impossibilidade de
medidas constritivas, desde que os entes públicos, já admitidos ao regime especial dos
precatórios, subsistam depositando religiosamente os valores aos quais se comprometeram,
obrigando-se os Tribunais a dar plena continuidade aos pagamentos dos precatórios, nos
termos dos dispositivos constitucionais rechaçados pelo Supremo.
Seria o auge do absurdo, mas é o que parece estar se consumando: permitir-se que
uma regra de tal envergadura política, e com tão extremadas repercussões na vida das pessoas,
quando já materialmente expurgada do ordenamento jurídico pátrio (art. 97, ADCT), possa
espraiar seus nocivos tentáculos jurídicos por tão vasto período de tempo (05 exercícios
fiscais).
A modulação dos efeitos da inconstitucionalidade da EC nº 62/2009, nos termos
sugeridos pelo ministro Fux, mais se assemelha a uma espécie de zumbi jurídico. Nesse
sentido, a crítica que fez José Afonso da Silva (2010, p. 537) à EC nº 62/2009, antes de ser
apreciada pelo Pretório Excelso:
É inacreditável que tenhamos chegado a uma tal situação, ou seja: as Fazendas
Públicas Estaduais, Distritais e Municipais são condenadas a pagar seus credores,
mediante decisões transitadas em julgado – feita, pois coisa julgada, que é uma
garantia constitucional (CF, art. 5º, XXXVI) -, e, em vez de liquidar o débito, como
é dever de todo devedor, o que se faz? Vem uma Emenda Constitucional e submete
o pagamento a longo prazo e a processo do tipo deste caracterizado, aqui, como
leilão.
O que não pode acontecer é a perpetuação do calote público. A Constituição
Federal, tal como visto alhures, confere o benefício do sequestro para situações em que o ente
público simplesmente faz vista grossa para as dívidas com os particulares, deixando de
cumprir sua obrigação imposta pela Carta Republicana.
O sequestro dos recursos públicos é o prêmio para a contumácia dolosa dos entes
federados. Entretanto, em face da modulação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada
nas ADI’s nº 4357 e 4425, o instituto em comento ficará relegado à ignomínia, amordaçado
que está, diante do aparente último suspiro concedido pelo STF às parcelas normativas
inconstitucionais da EC nº 62/2009, por todo um lustro fiscal.
3 CONCLUSÃO
Os precatórios constituem uma excentricidade jurídica tipicamente brasileira, que
outorga à Fazenda Pública vencida em juízo a prerrogativa de realizar o pagamento de dívida
10
já acobertada pelo manto da res iudicata mediante um cronograma de organização
orçamentária, em estrita observância à ordem de créditos administrada pela Presidência de
cada Tribunal onde tramitou o processo executivo originário.
De sua feita, a Constituição Federal previu a medida excepcional do sequestro de
recursos públicos para os casos de omissão dolosa na constituição do orçamento público, com
prejuízo ao credor, e de preterição da ordem cronológica, estabelecida pelo Tribunal.
Com a EC nº 62/2009, chamada pela mídia de “a emenda do calote”, por protrair
por 15 anos o pagamento integral dos precatórios então constituídos, o instituto do sequestro
praticamente perdeu sua operatividade, já que segundo o art. 97, do ADCT, desde que a
Fazenda Pública esteja adimplente com os depósitos do regime especial, esta ficará a salvo de
qualquer medida constritiva de seus recursos, para pagamento de precatórios.
Mesmo após o expurgo da referida moratória pelo STF, no âmbito das ADI’s nº
4357 e 4425, julgadas em março de 2013, corre-se o sério risco de convivermos durante todo
um lustro fiscal, com uma emenda julgada inconstitucional, que irradia seus perniciosos
efeitos sobre o mundo jurídico.
A modulação da inconstitucionalidade, ao projetar para o futuro o efeito
suspensivo da decisão plenária do STF, conduz a uma situação no mínimo esdrúxula, que a
um só tempo vulnera a segurança jurídica, o direito adquirido, a coisa julgada e a dignidade
da pessoa humana.
Tal permissividade jamais poderia ser admitida, ou pelo menos por lapso tão
prolongado, já que, como mesmo ponderou o então Presidente do STF, Ministro Joaquim
Barbosa à época do julgamento: “impor ao credor que espere pelo pagamento tempo superior
à expectativa de vida média do brasileiro retira por completo a confiança na jurisdição e a
sua efetividade”10.
O STF infelizmente demonstra complacência com uma situação que ele mesmo
considerou inaceitável. Como um pai que desiste de castigar um filho que cometeu um
malfeito, nossa maior Corte Maior de Justiça poderá, a depender de sua final manifestação
sobre o julgado, concorrer para a impunidade e para comportamentos inadequados por parte
do Executivo e do Legislativo, de quem deveria refrear os desgovernos.
Cumpre, portanto, ao STF, dar o necessário desfecho ao julgamento das ADI’s
dos precatórios, a fim de por uma pedra na extensa novela da moratória pública brasileira. À
OAB Nacional e ao Ministério Público da União cabe uma ação persistente e insistente na
10
loc.cit.
11
cobrança deste desfecho o mais breve possível, pois não é justo que esta indefinição
jurisprudencial perdure e relegue dezenas de milhares de brasileiros aos porões da moratória,
sem previsibilidade alguma de quitação de seus créditos.
Infelizmente o calote público parece continuar sendo a tônica no tratamento dos
precatórios no Brasil.
REFERÊNCIAS
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em:
14.01.2015.
BRASIL. RESOLUÇÃO nº 115, de 29 de junho de 2010, do Conselho Nacional de
Justiça. Estabelece o rito de processamento dos precatórios nos Tribunais brasileiros.
Disponível
em:
<http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-dapresidencia/resolucoespresidencia/12233-resolucao-n-115-de-29-de-junho-de-2010>. Acesso
em 14.01.2015.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 2008.
CEARÁ. RESOLUÇÃO do Órgão Especial nº 10/2011 do Tribunal de Justiça do Estado
do Ceará (consolidada com as alterações da Resolução nº 14, de 24 de novembro de 2011
e Resolução nº 15, de 1º de dezembro de 2011). Disciplina, no âmbito do Poder Judiciário
do Estado do Ceará, o processamento dos Precatórios e Requisições de Pequeno Valor e dá
outras
providências.
Disponível:
<http://www.tjce.jus.br/includes/mostraAnexo.asp?san=582>. Acesso em 14.01.2015.
CUNHA. Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 8ª ed. Dialética: São
Paulo, 2010.
JR. Fredie Didier et al. Curso de Direito Processual Civil. Execução. Vol. 5. 6ª ed.
JusPodivm: Salvador, 2014.
SILVA, Augusto César Pereira da. O precatório e a efetividade do processo após a
Emenda 62 e o julgamento do STF sobre sua inconstitucionalidade. Jus Navigandi,
Teresina, ano 18, n. 3601, 11 maio 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24414>.
Acesso em: 14 jan. 2015.
SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 7ª ed. Malheiros: São
Paulo, 2010.
12
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