RESUMO Os maus-tratos contra crianças acompanham a - BVS-Psi

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RESUMO
Os maus-tratos contra crianças acompanham a história da humanidade. Porém, somente a
partir das últimas décadas a questão foi admitida como problema de saúde pública devido à
ampla gama de conseqüências que pode gerar, nas diversas áreas do desenvolvimento
humano. Esta pesquisa de levantamento bibliográfico teve por objetivo reunir as
conseqüências dos maus-tratos para o desenvolvimento infantil, utilizando como fontes de
pesquisa artigos publicados a partir de 1990 que contivessem as palavras-chave VIOLÊNCIA,
VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR, FAMILIAR ou DOMÉSTICA, ABUSO, NEGLIGÊNCIA,
MAUS-TRATOS, INFÂNCIA, CRIANÇA e/ou DESENVOLVIMENTO INFANTL,
pertinentes ao tema proposto. Os artigos foram levantados em sites científicos na internet e
bibliotecas, em periódicos científicos categorizado pelos critérios CAPES QUALIS como A e
B, e foram analisados quantitativamente e qualitativamente, por meio de um formulário
elaborado para a pesquisa e qualitativamente. Foram encontradas várias menções a
conseqüências, que constituíram três grandes categorias: transtornos mentais, sintomas de
transtornos mentais e problemas ao longo do desenvolvimento. A categoria de sintomas de
transtornos foi a mais mencionada na pesquisa, correspondendo a 51% das conseqüências
encontradas nos artigos. A pesquisa também teve como objetivo analisar quantitativamente os
diferentes tipos de estudos realizados acerca do tema proposto, dados estatísticos sobre a
violência doméstica e suas possíveis causas e público-alvo dessas pesquisas. Concluiu-se que
os dados existentes na produção científica brasileira são escassos e imprecisos, porém o
levantamento das conseqüências não apontou discordâncias expressivas entre os autores. O
dado mais controverso se referiu às causas da violência. Também foram constados os fatores
mantenedores da violência, os quais fazem com que as pessoas e instituições acabem por
contribuir para a perpetuação dos ciclos de agressão dentro da esfera familiar, que,
fatalmente, terminam por prejudicar a sociedade como um todo.
Palavras-chave: desenvolvimento, maus-tratos, violência.
MARIANA GALESI BUENO
DIVERSAS FACES DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E SUAS IMPLICAÇÕES
PARA O DESENVOLVIMENTO: UM LEVANTAMENTO DA PRODUÇÃO
CIENTÍFICA BRASILEIRA A PARTIR DE 1990
Orientadora: Profª Ms. Claudia Lúcia Menegatti
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Andréia Schmidt
Profª. Drª. Maria da Graça Saldanha Padilha
1 INTRODUÇÃO
Atualmente a violência contra a criança, seja física, psicológica ou sexual, é
considerada por diversos dos autores referidos neste trabalho como um problema de saúde
pública, a qual pode gerar uma vasta gama de conseqüências, tanto para a vítima dos maustratos quanto para a sociedade. Tais conseqüências, que ocorrem nas mais diversas formas e
variados graus, podem ir de insegurança, medo e ansiedade a condutas delinqüentes e
suicídio, além da tendência de uma pessoa agredida tornar-se também um agressor, segundo o
que a literatura aponta.
No entanto, o presente tema mostra-se bastante complexo no campo da pesquisa
científica no que tange a elaborar colocações enfáticas entre causa e efeito no âmbito do abuso
e negligência devido às evidentes implicações éticas em se manipular variáveis que envolvam
sofrimento para crianças (COZBY, 2003, p 54). Logo, as pesquisas precisam se utilizar de
situações já existentes para realizar acompanhamentos ou outras formas de estudo que visem
traçar paralelos entre maus-tratos na infância e conseqüências para o desenvolvimento global,
como no caso do presente estudo.
O primeiro passo dado para observar esta problemática foi a assinatura da Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948) pela ONU e a ação mais efetiva foi proveniente do
desdobramento desta lei, que originou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
transformado em lei no dia 13 de julho de 1990 no Brasil. No entanto, os artigos levantados
para este trabalho indicaram que as crianças ainda não têm seus direitos plenamente
respeitados, o que se traduz em estatísticas estarrecedoras sobre o número de menores de
idade vitimados, principalmente, em suas próprias casas, por seus familiares (PNAD/ IBGE,
1991, citado por MINAYO e ASSIS, 1994, p 264; IBGE, 1989 citado por REICHENHEIN e
cols, 1999, p 110).
Para esta pesquisa foi realizado um levantamento bibliográfico visando condensar,
explicar e discutir dados de pesquisa sobre violência doméstica contra crianças publicadas no
Brasil desde o ECA, com o objetivo de verificar as diferentes conseqüências para os maustratos, suas causas e fatores que influenciam para o prognóstico de tais conseqüências para as
vítimas.
2 OBJETIVO
Esta pesquisa teve por objetivos: revisar artigos brasileiros publicados a partir do ano
de 1990 sobre as diferentes formas de maus-tratos contra crianças e levantar as conseqüências
para o desenvolvimento global infantil, suas causas e mantenedores da violência, além de
verificar o impacto da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre essas
publicações e analisar a realidade brasileira a partir dos dados apresentados.
3 MÉTODO
O método adotado para esta pesquisa de levantamento bibliográfico envolve análises
quantitativas e qualitativas. O instrumento utilizado para a análise quantitativa foi um
formulário desenvolvido para este trabalho e será descrito logo adiante. Foram definidos
critérios para a inclusão dos artigos que integraram a pesquisa finalizando obter informações
confiáveis descritos no tópico ‘coleta de dados’.
3.1 DESENHO DA PESQUISA: levantamento bibliográfico.
3.2 INSTRUMENTO: um formulário elaborado para esta pesquisa, que consiste em 12
questões, sendo que as três últimas são dirigidas especificamente aos artigos referentes a
pesquisas aplicadas (anexo A). Desta forma, a análise quantitativa dos artigos de revisão de
literatura constará de nove questões e a dos artigos aplicados, 12 questões, sendo que as
questões extras são relativas a dados de pesquisa, tais como tamanho da amostra, região
geográfica onde foi realizada a pesquisa e perfil socioeconômico dos participantes. O
formulário foi desenvolvido para analisar quantitativamente os artigos encontrados,
verificando a presença ou ausência de dados sobre as conseqüências dos maus-tratos para o
desenvolvimento, e dados epidemiológicos das conseqüências, as formas de maus-tratos e as
causas da violência. Sua formatação objetiva o maior número possível de respostas fechadas e
as questões abertas/ descritivas foram categorizadas para manter ao máximo o padrão
numérico da primeira análise. Os critérios para a formação das categorias serão explicados na
análise de dados.
Com a finalidade de verificar possíveis diferenças nos resultados e enfoques, uma das
questões do formulário é referente à distinção de desenho do estudo de artigos teóricos e
aplicados e outra refere-se ao público-alvo do artigo, visto que alguns deles tratavam das
especificidades de algumas profissões perante o problema da violência intrafamiliar. A opção
“público geral/ outros” engloba os artigos que não evidenciaram no texto o direcionamento
para uma classe profissional específica ou outra diferente das opções apresentadas.
A questão referente à presença de dados de pesquisas anteriores foi formulada com o
intuito de verificar se os artigos foram baseados em suposições não comprovadas dos autores
ou em outras pesquisas já publicadas para aumentar a confiabilidade dos dados obtidos.
Outra questão é relativa à modalidade de violência apresentada nos artigos
(respondendo sim/não quanto haver ênfase em alguma das modalidades e, em se constatando
tal ênfase, categorizando em violência sexual, violência física, violência psicológica ou
negligência). E também foi formulada uma pergunta para o caso de artigos que expuseram a
violência de maneira mais global, ou seja, falaram sobre mais de uma modalidade de
violência. Nesta questão foi levantada a menção da violência psicológica como passível de
causar danos, e as respostas possíveis descritas pelos autores dos artigos foram categorizadas
em uma pequena escala de três graduações, observando que opção “não” foi marcada na
ausência de menção ou indicadores da violência psicológica, a opção “razoavelmente” foi
assinalada quando havia a menção desse tipo de violência, porém não era aprofundada ou não
relatava possíveis conseqüências da mesma. A opção “sim” englobou os artigos que
descreveram possíveis conseqüências da violência psicológica.
4 PROCEDIMENTOS
4.1
COLETA DE DADOS: A pesquisa foi realizada por meio de consultas a artigos
científicos publicados em periódicos. Em seguida foram separados os artigos publicados em
periódicos classificados pelos critérios CAPES QUALIS como A e B, e que retratam a
realidade brasileira, por serem produzidos com dados locais, independente de terem sidos
publicados em periódicos brasileiros ou estrangeiros. Todas as fontes tiveram como data
limite a publicação a partir de 1990, (no entanto não foi encontrado nenhum artigo publicado
anteriormente a 1992) e foram localizados a partir dos termos de pesquisa: VIOLÊNCIA,
VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR, FAMILIAR ou DOMÉSTICA, ABUSO, NEGLIGÊNCIA,
MAUS-TRATOS, INFÂNCIA, CRIANÇA e DESENVOLVIMENTO INFANTIL. Assim, os
títulos de 39 artigos foram levantados e foi realizada a busca do texto na íntegra via internet
(scielo, lilacs e bireme) bibliotecas locais (Curitiba) e em São Paulo e via comut no caso de
artigos não encontrados nos locais apontados.
Cada um dos artigos encontrados foi lido, analisado e um formulário correspondente
foi respondido, de acordo com o desenho metodológico adotado pela pesquisa. Os dados
obtidos no formulário foram tabulados e apresentados em tabelas e gráficos, e os resultados
foram analisados de acordo com a freqüência de sua ocorrência.
4.2 ANÁLISE DE DADOS QUANTITATIVOS
Os artigos científicos foram divididos nas categorias “revisão bibliográfica e “pesquisa
de campo” sendo incluídos nesta as pesquisas aplicadas, básicas, levantamentos estatísticos,
pesquisas de arquivo e estudos de caso. Segundo Cozby (2001, p 23) a pesquisa básica visa
responder questões fundamentais sobre a natureza do comportamento, atendo-se à descrição e
questões teóricas relativas a fenômenos como emoção, cognição e aprendizagem. Já as
pesquisas aplicadas são propostas com o objetivo de examinar questões relativas a problemas
práticos e suas potenciais soluções, além ter traçar correlações entre as variáveis estudadas
(COZBY, 2001, p 24) Cada um dos artigos foi analisado quantitativamente, por meio do
formulário geral elaborado para a presente pesquisa anteriormente descrito (anexo A) e
qualitativamente.
Os resultados numéricos foram tabulados e comparados. No caso de respostas
fechadas do formulário e as respostas mais abrangentes foram analisadas de acordo com a
possibilidade de se formar categorias.
Os dados relativos às conseqüências dos maus-tratos foram divididos em categorias
baseadas no DSM IV-TR (2003) e agrupadas de acordo com suas similaridades para serem
expressas em gráficos, a saber: transtornos mentais, sintomas de transtornos mentais e
problemas ao longo do desenvolvimento. Os transtornos mentais foram assim definidos de
acordo com a descrição dos autores dos artigos (por exemplo, TEPT incluído na subcategoria
‘transtornos de ansiedade’) em concordância com as descrições fornecidas pelo DSM IV –
TR. A categoria ‘sintomas de transtornos’ englobou todas as menções a características de
transtornos mentais, quando o artigo não mencionava o transtorno como um todo, ou seja, os
sintomas de transtornos emocionais, mas que por si só não descrevem uma psicopatologia
(por exemplo, o autor mencionou “perda de interesse” e esta menção é um dos sintomas
descritos nos transtornos de humor). Já a terceira categoria, mais abrangente, teve por objetivo
enfocar as conseqüências no desenvolvimento interpessoal que podem se desenvolver no
decorrer da vida da vítima e não são adequadamente descritas nas categorias anteriores (por
exemplo, quando um autor menciona “déficit de habilidades sociais”). Nesta terceira categoria
também foram incluídos os transtornos sexuais que, embora sejam transtornos que poderiam
ser incluídos nas outras categorias, tais problemas estão muito ligados à vivência interpessoal
e aspectos culturais onde a pessoa está inserida, logo optamos por incluir tais transtornos e
sintomas na categoria ‘problemas ao longo do desenvolvimento’.
Esta análise foi realizada pelo número de menções nas categorias descritas de acordo
com as similaridades dos dados apresentados pelos autores dos artigos pesquisados (por
exemplo, ansiedade incluída na subcategoria ‘sintomas de transtornos de ansiedade’ e cada
menção foi contada e exposta no gráfico referente).
O resultado numérico de cada uma das categorias totaliza 100%, referindo-se ao
número total de menções feitas para aquela classe de conseqüências. O anexo B mostra em
detalhes a quantidade de vezes que cada conseqüência foi mencionada nos artigos analisados
e o total de menções em cada uma delas.
Os dados epidemiológicos sobre as formas de maus-tratos encontrados foram
apresentados numericamente em tabela (no quesito presença/ausência de dados) e as
estatísticas levantadas foram apresentadas em texto no capítulo de resultados, assim como a
análise dos dados epidemiológicos das conseqüências. A análise aprofundada da questão
sobre as causas da violência foi também feita por meio da divisão das menções feitas nos
artigos que foram agrupados de acordo com suas similaridades e divisão em quatro categorias,
a saber: problemas sociais, problemas familiares, problemas psicológicos e fatores culturais,
descritos em forma de texto.
4.3 ANÁLISE DE DADOS QUALITATIVOS
A análise qualitativa dos artigos foi norteada pelo tema da pesquisa e temas correlatos,
sendo excluídos desta análise os artigos que, apesar de apresentarem os termos-chave eleitos
para a busca dos artigos, não se relacionavam com a proposta da pesquisa. Assim, 16 dos 39
artigos foram excluídos desta parte da análise. Desta forma, as idéias expressas pelos autores
em seus artigos sobre causas da violência, seus mantenedores, manifestações de
conseqüências entre outras temáticas pertinentes ao tema desta pesquisa foram agrupadas,
finalizando verificar a tendência das teorias e resultados de pesquisas nessa temática, por
meio da comparação entre os diferentes autores.
5 RESULTADOS
Os resultados obtidos serão apresentados na seqüência, sendo primeiramente
apresentada a análise quantitativa dos 39 artigos estudados, que foi feita por meio do
formulário em anexo (anexo A). Para uma apresentação mais objetiva, os resultados não estão
expostos na ordem em que as questões são apresentadas no formulário, pois foram agrupados
de acordo com a natureza de suas análises. Devida à extensa categorização das modalidades
das conseqüências, esta parte será exibida como último tópico da análise quantitativa para não
interromper a seqüência de números levantada nas outras questões. Em seguida consta uma
análise qualitativa dos mesmos, que aborda pontos em comum e contrastantes dos dados
trazidos pelos autores acerca do tema da pesquisa.
5.1 ANÁLISE QUANTITATIVA
Quanto ao desenho dos estudos analisados, houve um predomínio de estudos de
revisão de literatura (41.02%), seguido pelas pesquisas de arquivos (20.51%). No entanto,
somando-se todas as pesquisas de caráter prático, elas totalizam 58.97% da amostra. A tabela
1 ilustra os tipos de estudos encontrados, seguindo a classificação dada pelos autores dos
mesmos ou pelas características apresentadas, quando o(s) autor (es) não definem/ descrevem
o desenho do estudo no método. Como base para fazer essa descrição dos estudos levantados
foram utilizados os conceitos de Cozby (2001), referenciados no capítulo do método.
TABELA 1 – MODALIDADES DE PESQUISAS LEVANTADAS
TIPO DE PESQUISA
N° DE ARTIGOS
PORCENTAGEM
Revisão de literatura
16
41.02
Pesquisa de arquivo
8
20.51
Levantamento
7
17.95
Estudo de caso
4
10.26
Pesquisa aplicada
3
7.69
Pesquisa básica
1
2.56
Total de pesquisas teóricas
16
41.03
Total de pesquisas práticas
23
58.97
Total
39
100
FONTE: DADOS DA AUTORA
As questões 2, 3, 4, 5 e 6 do formulário foram condensadas em uma única tabela
(tabela 2) devido ao modelo de suas respostas. Elas referiam-se à presença de descrições de
conseqüências dos maus-tratos, de dados epidemiológicos das formas e de conseqüências dos
diferentes tipos de abuso, sobre a fundamentação dos dados baseada em pesquisas anteriores e
ao apontamento de causas para o fenômeno, com respostas “sim” ou “não”. No caso das
questões 2, 3, 4 e 6 houve um detalhamento nas respostas que descreviam quais dados foram
encontrados, expostos mais adiante. No presente estudo realizou-se um estudo
quantitativo/qualitativo sobre as conseqüências, que será apresentado no item 6.1.7 da página
66.
Deve-se destacar que a maior parte dos artigos (56.41%) não trazia dados sobre as
conseqüências dos maus-tratos e que a ausência de dados epidemiológicos sobre as
conseqüências em 89.74% doa artigos, bem como a ausência de dados sobre as causas da
violência (66.67%), o que é relevante para a compreensão da nossa realidade brasileira sobre
a pesquisa a respeito do tema aqui proposto.
TABELA 2 – DADOS QUANTITATIVOS REFERENTES ÀS QUESTÕES 2, 3, 4 e 6 DO
FORMULÁRIO
SIM
NÃO
Conseqüências
43.58%
56.41%
Dados sobre as formas de maus-tratos
20.51%
79.48%
Dados sobre as conseqüências
10.26%
89.74%
Dados baseados em outras pesquisas
43.59%
56.41%
Causas da violência
33.33%
66.67%
FONTE: DADOS DA AUTORA
6.1.1 DADOS EPIDEMIOLÓGICOS SOBRE AS FORMAS DE MAUS-TRATOS
Os dados epidemiológicos mencionados nos artigos estudados são bastante escassos,
como foi constatado na tabela 2, e também imprecisos. Os artigos apontaram o pai como o
maior agressor sexual de suas filhas, oscilando entre 30% das ocorrências (DREZETT e cols,
2001, p 417) e 41,6% (AMARZARRAY e KOLLER, 1998, p?), seguidos do padrasto, cuja
prevalência das agressões sexuais contra suas enteadas variaram entre 12% (DREZETT e
cols, 2001, p 417) e 20% (AMARZARRAY e KOLLER, 1998, p?).
Todos os artigos que traziam a prevalência de familiares como agressores de crianças
apontavam que 80% das agressões cometidas contra crianças são perpetradas pelos pais
(PNAD/IBGE, 1991, citado por MINAYO e ASSIS, 1994, p 264; IBGE, 1989 citado por
REICHENHEIN e cols, 1999, p 110) .
Sobre os números das vítimas de violência sexual, que foram os mais imprecisos,
variaram entre 7% de abuso na população geral (Folha de São Paulo,18/01/1998 citado por
Kerr-Corrêa e cols, 2000, p 259) e 36% no caso de meninas e entre 3 e 29% em meninos
(PFEIFFER e SALVAGNI, 2005, p 98).
É interessante destacar que são apresentadas ainda as estatísticas sobre uma estimativa
do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que aponta para a possibilidade de 20%
das meninas brasileiras entre 10-15 anos exercerem a prática da prostituição.
(SAFFIOTI,1989 citada por ASSIS 1994, p 130).
6.1.2 DADOS EPIDEMIOLÓGICOS SOBRE AS CONSEQÜÊNCIAS
Apenas um artigo apontou dados epidemiológicos sobre as conseqüências dos maus
tratos, descrevendo que alguns estudos apontam os traumas de infância como responsáveis
por cerca de 50% das psicopatologias encontradas nos adultos (CRAINE e cols., 1988, apud
ZAVASCHI e cols., 2002 citado por ADED e cols, 2006, p 206).
6.1.3 CAUSAS
As causas da violência apontadas pelos artigos foram separadas em quatro categorias,
complementando as respostas da questão 6 do formulário. Entre os 39 artigos analisados, 13
deles mencionaram 68 fatores de risco para a violência familiar, que foram agrupados de
acordo com suas semelhanças.
A categoria que engloba os problemas sociais compreende a pobreza, desemprego,
falta de apoio social, relações de gênero e geração, urbanização, falta de alimentos, baixa
escolaridade, violência na família de origem e isolamento social, representado 39.70% das
menções de causas da violência.
Os problemas familiares consistem na desestruturação familiar, idade da mãe inferior a
25 anos, autoritarismo, mãe passiva ou ausente, problemas no casamento, filhos sozinhos com
o pai, muitos filhos, características pessoais da vítima, referenciados em 29.41% das menções.
Na categoria problemas psicológicos estão inclusos o stress, drogas (lícitas e ilícitas),
frustração, baixa auto-estima, doenças psicológicas e/ou psiquiátricas, com 20.59% das
ocorrências.
E a última categoria engloba os fatores culturais, onde foram incluídos a chamada
cultura de massa, cultura local, valores pessoais e baixa religiosidade, presentes em 10.29%
das menções.
6.1.4 PÚBLICO- ALVO DAS PUBLICAÇÕES
A maioria dos artigos é dirigida ao público geral (89.74%), sem especificidades
referentes ao público de determinada profissão ou área de saber. Já uma parcela referente a
10.26% da amostra avaliada mostrou-se especificamente voltada à classe médica, envolvendo
atribuições específicas desta profissão. Não foram encontrados artigos que fossem dirigidos
diretamente a psicólogos, enfermeiros ou assistentes sociais.
6.1.5 ANÁLISE DAS MODALIDADES DA VIOLÊNCIA
No presente estudo foi também analisado se os artigos mencionavam modalidades
específicas de violência. Assim, quando a modalidade esteve discriminada nos artigos
(41.02% do total) foram quantificadas as freqüências de tais modalidades, a saber: violência
física ou sexual. Não houve artigos específicos sobre violência psicológica ou negligência nos
total de artigos avaliados. A análise das modalidades de violência presentes foi dividida em
sim (quando há menção) e não, seguida da discriminação da modalidade enfocada. Dentre os
artigos que especificavam uma modalidade de violência (16 do total de artigos) predominou a
violência sexual, em 68.75% deles e a violência física em segundo lugar, com 31.25% dos
artigos. Contrastando com as colocações teóricas, não houve nenhum artigo que enfocasse
violência psicológica ou negligência. E 58.97% dos artigos não especificavam nenhuma
modalidade de violência, apresentando uma visão mais generalista do tema. O gráfico 1
ilustra essa distribuição.
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Violência sexual
Violência física
Não mencionam
GRÁFICO 1- MODALIDADE DE VIOLÊNCIA ENFOCADA PELOS ARTIGOS
6.1.6 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
A análise sobre relatos de violência psicológica como passível de causar danos foi
realizada nos artigos que englobavam todos os tipos de violência, sem especificar uma
modalidade como foi verificado na questão das análises das modalidades de violência. Como
critério para esta classificação, foi considerada primeiramente a menção da violência
psicológica no texto do artigo, entre ser citada ou não. Em seguida, os artigos que a
mencionaram, porém sem descrever conseqüências ou não fazer nenhum aprofundamento
foram descritos como “razoavelmente”, respondendo a pergunta nove do formulário (a
violência psicológica é mencionada como passível de causar danos?).
Artigos que discutiam e aprofundavam a questão da violência psicológica foram
categorizados como “sim”, os que não mencionavam tal modalidade de maus-tratos
integraram o subgrupo “não”. E, finalizando, a categoria “não se aplica” foi descrita para
contabilizar os artigos que tratavam de uma modalidade específica de violência ou os artigos
que foram incluídos na amostra por seus termos-chave, mas não trataram diretamente do
assunto proposto. Os resultados encontram-se na tabela 3.
TABELA 3 – A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA É MENCIONADA COMO PASSÍVEL DE
CAUSAR DANOS?
Violência Psicológica
N° artigos
Porcentagem
Não se aplica
23
58.97
Sim
9
23.08
Não
6
15.38
Razoavelmente
1
2.56
Total
39
100
FONTE: DADOS DA AUTORA
As questões 10, 11 e 12 foram formuladas exclusivamente para analisar os artigos
referentes a pesquisas práticas, que totalizam 23 dos 39 artigos pesquisados. Incluem todas as
pesquisas com a exceção das bibliográficas, que, devido à sua natureza teórica, não
respondem a tais perguntas.
A tabela 4 é referente à separação dos participantes da pesquisa por regiões
geográficas. Todos os artigos (n = 19) que apontam a localidade onde o estudo foi realizado
foram sub-classificados na mesma tabela, representam em valor absoluto e porcentagem a
quantidade de artigos publicados em cada região. Cabe ressaltar que não houve nenhum artigo
aplicado com dados empíricos proveniente das regiões centro-oeste e norte. A região sudeste
prevalece como a região de onde é proveniente a maior parte dos estudos, reunindo 78.95%
dos artigos que apontam a região em que foram realizados.
TABELA 4 – REGIÕES GEOGRÁFICAS
Região Geográfica
N° artigos
Porcentagem
Sim (subdivididos abaixo)
Sudeste
Sul
Nordeste
Não discrimina
19
15
2
2
4
82.61%
78.95%
10.53%
10.53%
17.39%
FONTE: DADOS DA AUTORA
Foi caracterizado também o tamanho da amostra dos estudos aplicados, denominado
genericamente como ‘n’. Três das 23 pesquisas de campo não discriminaram quantos
participantes integraram o estudo, e uma segunda análise dividiu também os diferentes tipos
de participantes, seguindo a tabela. A análise dos artigos que mencionaram o tamanho da
amostra (n) encontra-se na tabela 5:
TABELA 5 - DIFERENTES SUJEITOS DE PESQUISA
Tipo de n
N° artigos
Porcentagem
Possui n
20
86.96%
Fichas/laudos/arquivos
8
34.78%
Pessoas/famílias
8
34.78%
Profissionais da saúde
5
21.74%
Programas
1
4.35%
Escolas
1
4.35%
Não se aplica
Total
FONTE: DADOS DA AUTORA
3
23
13.04%
100%
A questão 12 do formulário era referente à distinção de segmento socioeconômico dos
participantes. Embora muitos dos autores pesquisados apontassem a pobreza como um fator
de risco importante, apenas um deles descreveu em seu método que seus participantes eram
pertencentes à classe baixa. No entanto é necessário ressaltar que alguns sujeitos de pesquisa
cuja caracterização dispensa a discriminação de segmento sócio-econômico (como no caso
dos profissionais de saúde) ou tal caracterização não é pertinente (no caso de escolas e
programas).
Como análise paralela também foram tabulados os resultados pertinentes a formação
profissional dos autores dos artigos e em que tipo de periódicos os mesmos foram publicados.
Na tabela abaixo, constatamos que a maior parte dos artigos foi escrita por médicos (33.77%),
seguida que equipes multidisciplinares que não apontavam a formação de seus participantes
(28.20%). Não houve enfermeiros na autoria dos artigos, como exposto na tabela 6.
Quanto ao periódico em que foram publicados, a maioria dos artigos é proveniente de
revistas científicas voltadas à saúde de maneira geral (51.28%). Os resultados constam na
tabela 7.
TABELA 6 – FORMAÇÃO DOS AUTORES DOS ARTIGOS PESQUISADOS
Autores
N° artigos
Porcentagem
Médico
12
30.77
Não consta
11
28.20
Multidisciplinar
8
20.51
Psicólogos
5
12.82
Sociólogos
2
5.13
Dentistas
1
2.56
Total
39
100
FONTE: DADOS DA AUTORA
TABELA 7 – ÁREA DE CONHECIMENTO DO PERIÓDICO ONDE OS ARTIGOS
FORAM PUBLICADOS
Periódicos
N° artigos
Porcentagem
Geral*
20
51.28
Medicina
8
20.51
Psicologia
7
17.95
Enfermagem
4
10.26
Total
39
100
FONTE: DADOS DA AUTORA
*Geral: refere-se a periódicos com publicações de diversas áreas da saúde.
6.1.7
CONSEQÜÊNCIAS
Para realizar a análise das conseqüências, estas foram divididas em três grandes
grupos de categorias de conseqüências, sendo citadas em 17 artigos (43.58%), segundo consta
a seguir:
6.1.7.1 Síndromes e/ou Transtornos
Para a primeira categoria foram agrupadas todas as menções dos autores pesquisados
referentes a transtornos mentais (entendidos como um conjunto de sintomas) e transformadas
em porcentagem em relação ao número de menções da categoria (n total de menções nesta
categoria = 45). Os transtornos mencionados nos artigos foram agrupados segundo os critérios
o DSM-IV TR (2003) como: transtornos de humor, ansiedade, diruptivos (incluindo TDAH),
sono, alimentares e, de maneira isolada, a personalidade borderline (único transtorno de
personalidade mencionado) e transtornos dissociativos (os quadros dissociativos foram
acrescentados à categoria de sintomas sem especificação, pois podem pertencer a mais de um
grupo de patologias). A discriminação detalhada de cada transtorno citado e o número de
menções encontram-se em anexo (anexo B).
Os transtornos de déficit de atenção e diruptivos, embora incluídos pelo DSM-IV na
categoria de transtornos diagnosticados pela primeira vez na infância, em virtude da natureza
da pesquisa e a alta incidência de menções de tais transtornos como conseqüências dos maustratos, serão categorizados à parte, incluindo na subcategoria “transtornos diruptivos” e
também o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e transtornos de conduta. Para a
compreensão desses agrupamentos, segue uma breve explanação de cada uma das categorias e
transtornos que foram levantados nesta pesquisa.
Os transtornos de humor englobam problemas como a depressão, distimia, transtorno
bipolar I e II e ciclotimia. Sua principal característica é a perturbação do afeto, para mais ou
para menos. Os transtornos depressivos são marcados pelo humor deprimido e perda de
interesse, acompanhado por outros sintomas característicos, variando em intensidade, duração
e presença de sintomas psicóticos. Os transtornos bipolares e ciclotímico são caracterizados
pela presença de episódios maníacos ou hipomaníacos, onde o humor é exacerbado,
expansivo ou irritável (DSM IV – TR, 2003, p 345-346).
Os transtornos de ansiedade agrupam o pânico, fobias, transtorno obsessivocompulsivo (TOC), transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e stress. São marcados pela
súbita elevação da ansiedade, período no qual há intensa apreensão, temor ou terror,
freqüentemente associados com sentimentos de catástrofe iminentes. Nessas crises estão
presentes sintomas físicos, como falta de ar, palpitações, dor ou desconforto torácico,
sensação de sufocamento e medo de enlouquecer ou perder o controle (DSM IV – TR, 2003, p
419).
Sobre a categoria dos transtornos diruptivos; O transtorno de déficit de atenção
consiste em um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade em nível
clinicamente significativo. O transtorno só pode ser diagnosticado após os sete anos de idade.
A desatenção é marcada pela dificuldade de focar a atenção, por cometer muitos erros por
omissão e presença de dificuldades em persistir na tarefa até seu término. Já a hiperatividade
pode manifestar-se na forma de inquietação motora, independente do ambiente onde a pessoa
está; a impulsividade apresenta-se como impaciência, dificuldade de esperar e dificuldade
para a expressão verbal. Tais manifestações normalmente aparecem em múltiplos contextos e
os sintomas normalmente pioram em situações que demandam atenção ou esforço mental
(DSM IV – TR, 2003, p 112-112).
Dentro da mesma categoria encontram-se os transtornos de conduta, sendo importante
salientar que ocorrem freqüentemente como comorbidade. Os transtornos de conduta
consistem em um padrão repetitivo e persistente de comportamentos no qual são violados os
direitos individuais dos outros ou normas ou regras sociais importantes próprios da idade,
manifestando-se por no mínimo 12 meses e causar comprometimento clinicamente
significativo. O padrão comportamental geralmente se manifesta em vários contextos.
Os transtornos do sono são categorizados de acordo com sua etiologia presumida.
Nesta pesquisa enfocaremos os transtornos primários do sono, que não são causados por
substância, condição médica geral ou outro transtorno mental. Esses transtornos são
subdivididos em dissonias (caracterizadas por anormalidades na quantidade ou qualidade do
sono) e parassonias (caracterizada por eventos comportamentais ou fisiológicos anormais
ocorrendo em associação com o sono. Fazem parte das dissonias a insônia primária,
hipersonia primária, narcolepsia, transtornos de sono relacionado à respiração, transtorno do
ritmo circadiano do sono e dissonia sem outra especificação. Integram as parassonias o
transtorno de pesadelo, transtorno de terror noturno, sonambulismo e as parassonias sem outra
especificação (DSM IV – TR, 2003, p 567).
Os transtornos da alimentação compreendem a anorexia nervosa e a bulimia nervosa.
A anorexia nervosa compreende a recusa em se manter um peso mínimo aceitável para a faixa
normal e uma perturbação significativa na forma ou tamanho do corpo. Já a bulimia nervosa é
marcada
pelos
episódios
de
compulsão
alimentar
seguidos
de
comportamentos
compensatórios inadequados, tais como vômitos induzidos e exercícios excessivos (DSM IV
– TR, 2003, p 555).
O transtorno de personalidade borderline é marcado por um padrão de instabilidade
dos relacionamentos interpessoais, auto-imagem e afetos, além de acentuada impulsividade.
São indivíduos que temem ser abandonados e muito sensíveis às circunstâncias ambientais
(DSM IV – TR, 2003, p 660).
Os transtornos somatoformes têm como característica principal a presença de sintomas
físicos que sugerem uma condição médica geral, porém não são completamente explicados
por ela. Os sintomas devem causar sofrimento clinicamente relevante ou prejuízos ao
funcionamento social (DSM IV – TR, 2003, p
469).
Na categoria 1 foram incluídas as subclasses ‘transtorno dissociativo’ e ‘transtornos
psiquiátricos’. Os transtornos dissociativos caracterizam-se pela perturbação nas funções
habitualmente integradas de consciência, memória, identidade, ou percepção do ambiente.
Deste grupo fazem parte a amnésia dissociativa, a fuga dissociativa, transtorno dissociativo da
identidade, transtornos de despersonalização e transtornos dissociativo sem outra
especificação (DSM IV – TR, 2003, p
497). Já os denominados como transtornos
psiquiátricos foram assim descritos por não serem categorizados em nenhum grupo pelos
autores, expostos de maneira genérica.
No gráfico 2 está exposta a quantificação de cada um dos transtornos que foram
citados pelos autores dos artigos e sua freqüência em porcentagem. Os transtornos mais
freqüentemente encontrados nesta categoria são os transtornos de humor, mencionados em
36% dos dados relativos a esta categoria, e o menos encontrado foi o da personalidade
borderline, com 5% das menções.
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Humor
Ansiedade
Diruptivos
Sono
Alimentares
pers.
Borderline
trans.
Dissociativo
trans.
Psiquiátricos
(geral)
transtornos
GRÁFICO 2 – FREQÜÊNCIA DE CITAÇÕES DE TRANSTORNOS MENTAIS COMO
CONSEQÜÊNCIAS DOS MAUS-TRATOS
6.1.7.2 Características de Transtornos
As características de transtornos citados isoladamente pelos autores foram agrupadas
quando citadas de forma literal e igual por diferentes autores ou quando expressavam claros
sinônimos ou ainda terminologia bastante semelhante (por exemplo, as menções de raiva e
hostilidade foram incluídas na categoria de sintomas de transtornos diruptivos).
Para a
segunda categoria, as menções a sintomas de doenças foram novamente agrupadas de acordo
com os grupos de transtornos mentais descritos pelo DSM– IV TR. Outras classes, como a de
transtornos somatoformes e doenças clínicas foram mantidas em separado pela
impossibilidade de se determinar que as patologias clínicas se configurem ou não como
sintomas somatoformes, uma vez que os autores não esclareciam essa diferença nos seus
textos como, por exemplo, “cefaléia”, que tanto pode ser sintoma de diferentes problemas
clínicos quanto sintoma de transtornos somatoformes. O grupo intitulado no gráfico como
“não específicos” são sintomas descritos de maneira genéricas ou em desuso na literatura
atual (por exemplo, ‘neurose’), não indicando claramente a que grupo são referentes ou ainda
descrevem respostas que podem fazer parte do diagnóstico de transtornos de diferentes
grupos. Os sintomas foram agrupados da mesma maneira que a categoria anterior, sendo que
os números de menções de cada sintoma estão expostos de maneira mais detalhada no anexo
B.
O gráfico 3 apresenta os resultados obtidos nesta categoria. Os sintomas de
transtornos de déficit de atenção e diruptivos somam 34.78% das menções totais deste grupo
de conseqüências, sendo o grupo mais prevalente nesta categoria e as características de
transtornos somatoformes totalizam 3.48% das menções de sintomas, somando o menor
número de menções.
O grupo referente a sintomas psicóticos engloba 8.69% das menções. Este grupo inclui
características de transtornos tais como esquizofrenia, transtorno delirante, transtornos
psicóticos e outros de igual natureza que não foram encontrados em um número
estatisticamente relevante (houve apenas uma menção de transtorno psicótico enquanto
síndrome). Historicamente esses transtornos estão ligados à presença de delírios e alucinações
que ocorrem na ausência de insights para sua natureza patológica, embora o termo seja
ampliado para incluir características tais como discurso desorganizado e comportamento
desorganizado ou catatônico (DSM IV – TR, 2003, p 303).
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
Diruptivos
Humor
Ansiedade
Somatoformes
Doenças clínicas
Sono
Sint. Psicóticos
GRÁFICO 3 - CARACTERÍSTICAS OU SINTOMAS DE TRANSTORNOS
6.1.7.3 PROBLEMAS AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO
Não específicos
Nesta categoria foram agrupadas as menções aos os diferentes problemas que podem
acometer o desenvolvimento da criança no decorrer de sua vida desencadeados por
experiências de maus-tratos, incluindo desenvolvimento, aprendizagem, socialização e
habilidades sociais, sexualidade e a repetição da violência contra seus filhos na vida adulta.
Algumas das características são citadas de maneira bastante inespecífica(por exemplo,
dificuldades vocacionais), no entanto não houve um número grande de menções. No gráfico
constam as categorias mais mencionadas pelos autores, tomando como número mínimo de
duas menções (relação no anexo B).
Os problemas no desenvolvimento foram mencionados 15 vezes, sendo que dez foram
pertencentes à esfera cognitiva (linguagem, cognição, memória), três sobre os aspectos
afetivos e da personalidade e duas menções para motor e físico. Os problemas escolares e/ou
de aprendizagem foram citados quatro vezes, podendo ou não estar relacionados com os
problemas no desenvolvimento, geralmente manifesto por atrasos e funcionamento
insuficiente. Esta subclasse obteve o maior número de menções, totalizando 38.33% das
mesmas.
Os transtornos sexuais foram descritos nesta categoria por serem pertinentes ao
desenvolvimento global da pessoa envolvendo as esferas pessoais, sociais, culturais e
interpessoais. Poderiam integrar a segunda categoria descrita nesse trabalho, porém, em
virtude do exposto, a opção foi por incluí-la nos problemas relacionados ao desenvolvimento.
Inclui disfunções sexuais, parafilias, transtornos da identidade de gênero e transtorno sexual
sem outra especificação. Caracterizam-se pela perturbação no desejo sexual e alteração
fisiopsicológica que caracteriza o ciclo de resposta sexual, causando sofrimento acentuado e
dificuldades interpessoais (DSM IV – TR, 2003, p 511).
Os transtornos sexuais somaram 35% das menções da terceira categoria de
conseqüências, sendo que a mais prevalente foi o comportamento sexual inapropriado (nove
menções), que inclui a conduta hipersexualizada e masturbação compulsiva e/ou em público.
Cinco artigos traziam termos que denotavam problemas para a vivência da sexualidade ao
longo da vida, sem especificar melhor o significado desta terminologia (que pode indicar
disfunções sexuais). Os problemas relativos à identidade e ao papel sexual foram citados duas
vezes, e envolvem dificuldades quanto ao gênero não explicada por uma condição médica
geral (DSM IV – TR, 2003, p 547).
Nos problemas interpessoais predominaram os déficits de habilidades sociais, expresso
por dificuldades de expressão e sociais, totalizando sete menções e o fenômeno da repetição,
mencionado em seis artigos que se manifesta da maneira como foi descrito na revisão
bibliográfica, repetindo o ciclo de violência ao qual a criança foi exposta.
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
ão
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im
ag
em
en
to
0%
Problemas ao longo do desenvolvimento
GRÁFICO 4 - PROBLEMAS AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO
No gráfico 5 é apresentada a soma de todas as menções de cada uma das categorias,
cada uma delas representada por uma das colunas do gráfico. Totalizando 228 menções
encontradas em 15 artigos (os quais descreviam conseqüências; dois artigos mencionavam
possíveis conseqüências, mas sem discriminá-las), a categoria de sintomas de transtornos teve
o maior número de menções, somando 51% (freqüência absoluta de 166 menções).
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Sintomas
Problemas no desenvolvimento
Transtornos mentais
Menções totais de consequências
GRÁFICO 5 - TOTAL DE MENÇÕES POR CATEGORIA
6.2 ANÁLISE QUALITATIVA
A análise qualitativa do presente trabalho foi elaborada de maneira a levantar e
agrupar os autores que discorreram sobre temáticas pertencentes à violência contra crianças e
adolescentes de acordo com a compatibilidade ou não de suas conclusões expressas nos
artigos analisados. Os artigos estão numerados (de acordo com o anexo C) para evitar que
artigos diferentes redigidos pelo mesmo autor sejam confundidos. Desta forma, a referência a
cada artigo será feita pelo seu respectivo número.
Foram encontrados grandes agrupamentos de temas nas discussões e conclusões dos
artigos, tais como causas da violência, mantenedores, dificuldades dos profissionais para lidar
com a violência entre outros.
Inicialmente foi constatado que o próprio conceito de violência não é preciso. Sempre
há diferenças e ponderações sobre o tema. No artigo 38 a violência é vista como uma forma
de abuso de poder, estando presente em todas as classes sociais e sendo resultante do conflito
de gênero e geração. No artigo 37, a violência é vista como uma transgressão do poder
disciplinador do adulto, negação da liberdade da criança e um processo de vitimização
enquanto forma de aprisionar a vontade da vítima e submetê-la ao desejo do adulto. No artigo
37 também são expostas teorias para a exploração da violência com base nos problemas
sociais do final do século XIX e início do século XX. Em adendo, a revisão de literatura do
artigo 7 cita Minayo e Souza (1999) sobre o início das mudanças para a percepção do
problema da violência como um problema clínico-social e levantam importantes
questionamentos sobre a possibilidade de preveni-la e sobre como trabalhar com famílias
envolvidas em práticas de maus-tratos. Admitem que a exploração da violência contra
crianças é bastante complexa por envolver uma rede de aspectos sócio-culturais,
psicossociais, psicológicos e biológicos, ou seja, uma trama complexa de vários fatores.
Tais definições não foram coerentes com todas as causas encontradas nos artigos. As
causas da violência, em todas as modalidades em que se apresenta, aparentam ser o fator mais
controverso das discussões, mostrando esta questão sob diferentes teorias. Um deles é a
reprodução das experiências vividas na infância, fenômeno que é intitulado como “Fenômeno
da Repetição”. Foi trazido pelos artigos 7, 10, 21, 35 e 36, com a ressalva de tal dado não ser
baseado em pesquisas brasileiras, visto que não há estudos locais com a mesma amplitude e
de maneira a evitar o determinismo, uma vez que há múltiplos fatores envolvidos, inclusive a
resiliência.
Os autores do artigo 1 apresentaram o modelo ecológico de Bronfrenbrenner para
ilustrar a interação de fatores que fazem parte do desenvolvimento infantil enfatizando que
“os múltiplos fatores envolvidos na determinação dos problemas de desenvolvimento e
comportamento são mais dependentes da quantidade do que da natureza dos fatores de risco,
visto que diferentes fatores de risco produzem resultados semelhantes”. A multiplicidade de
fatores é enfatizada em outras pesquisas apresentadas neste artigo, que relacionou os seguintes
principais aspectos determinantes da saúde mental; histórico de doença mental materna, alto
nível de ansiedade materna, perspectivas parentais limitadas, chefe de família sem
qualificação, baixa escolaridade materna, família de grupos étnicos minoritários, famílias
monoparentais, eventos estressantes e quatro ou mais filhos, sendo que o múltiplo risco é
diretamente proporcional ao dano. Outro aspecto enfatizado é a relação da pobreza com as
doenças mentais (relacionando aos já citados fatores de risco).
O artigo 37 descreve a “educação adultocêntrica”, que leva à completa objetalização
da figura da criança, transmitindo-lhe premissas como: os pais merecem respeito, a priori por
serem pais; crianças, a priori não merecem respeito algum; os pais sempre têm razão, etc. Da
mesma forma, como boa parte dos estudos do artigo 7 e os dados levantados no artigo 36
buscam realizar uma análise macroestrutural que está por trás dos maus-tratos, como aspectos
sociais, culturais, econômicos e dominação de gênero e geração (apontada nos artigos 7, 10,
20, 35 e 38), além de associar a violência doméstica ao contexto histórico, social, cultural e
político em que ela ocorre. Tal constatação pode ser acrescida ao relato de experiência
descrito no artigo 10, que aponta que problemas econômicos e sociais contribuem para a
violência, mas por si só não explica o fenômeno além de descrever a cultura de massa e
consumismo como fatores desencadeantes da violência. Portanto, concordando com a
pesquisa de arquivo do artigo 21, que descreve ocorrências policiais de diversas naturezas que
envolvem crianças, as análises apontaram que a violência doméstica não escolhe sexo, cor
nem classe social. O artigo 18 fez esta mesma colocação, com o adendo de que a violência
doméstica é mais ‘visível’ nas camadas sociais menos favorecidas. Um dos fatores que
influenciam essa constatação foi trazido no artigo 25, que relata que o trabalho exclusivo no
setor privado aumenta a chance do profissional não notificar o abuso. Outras explicações
trazidas nos artigos 7, 35, 21 e 24 apontam na mesma direção, sendo por vezes repetidas ou
descritas de maneira mais abrangente.
A revisão de literatura do artigo 7 associou as causas da violência aos desajustes
familiares, psíquicos e alcoolismo. Outros fatores que são apresentados na pesquisa aplicada
exposta no artigo 35 colocam os fatores desencadeantes foram enumerados como: crise no
casal (58%), características dos filhos (51%), dificuldades na imposição de limites (40%) e
alcoolismo (32%). O artigo 20 descreveu que os agressores de sua amostra, que em sua
maioria estavam desempregados e possuíam baixa escolaridade. Já a pesquisa de arquivo
descrita no artigo 21 concorda em parte com os dados trazidos pelos artigos acima expostos,
mapeando os fatores de risco para o abuso sexual de crianças, que são: uso de drogas, papéis
sexuais rígidos, falta de comunicação na família, autoritarismo, stress, desemprego, mãe
passiva ou ausente, dificuldades conjugais, famílias reestruturadas, isolamento social,
transtornos psiquiátricos, doença, morte ou separação do cônjuge, mudança no
comportamento da criança. O artigo 24, referente a uma pesquisa aplicada aponta o perfil de
violência física conjugal e contra filhos e concluiu que mães com menos de vinte e cinco
anos, baixa escolaridade do pai, duas ou mais crianças menores de cinco anos no domicílio e
abuso de drogas são mais vulneráveis à violência. Projetou-se uma prevalência de 90,2% de
violência em lares com todas essas características e, na ausência desses fatores, as estimativas
diminuíram consideravelmente (18,9%). Note-se que muitos fatores de risco apontados em
diferentes artigos se repetem, havendo concordância entre eles. Mas há também que se
registrar que as causas da violência levantadas são múltiplas e variadas, se referindo a
diversos eventos de caráter negativo na vida do casal e das famílias enquanto predisponentes à
violência.
Entretanto o artigo 7 apontou para o risco da estigmatização das famílias de
organização diferente da tradicional e que não há pesquisas suficientes para estabelecer tal
fato como fator de risco. Da mesma forma as relações positivas entre alcoolismo e violência
também são de difícil conclusão, visto que não é possível prever se a violência ocorreria ou
não em abstinência. É citado também o risco de criminalização da pobreza, já que tal aspecto
é comumente relacionado à violência (como já foi constatado na análise quantitativa). No
entanto, há um viés de notificação, pois as classes mais abastadas além de menos numerosas
contam com mecanismos que lhes garantem o sigilo. O artigo 36, que traz a percepção de
operadores de Direito, verificou a dificuldade de expressão sobre o tema violência e alguns
traçam ligações com problemas socioeconômicos, o que as autoras definem como “uma visão
reducionista” que restringem o problema às classes menos favorecidas, embora ele ocorra em
todas as classes sociais.
Outro fator bastante recorrente nos artigos analisados foram as relações que sustentam
e mantêm a violência doméstica, no entanto todas as citações apontaram para motivos
semelhantes ou que não se contradiziam. O artigo 10 apontou que a violência é mantida pela
impunidade, pela ineficiência de políticas públicas e ineficácia das práticas de intervenção e
prevenção. O artigo 21 apontou na mesma direção em uma pesquisa de levantamento que
verificou que poucos inquéritos foram instaurados e apenas um resultou em processo, onde o
réu foi inocentado (sendo que houve eventos fatais naquele caso). Uma das causas para tal foi
a falta de provas, muitas vezes ocorrendo por conta da ineficiência da polícia, mostrando as
contradições entre as leis e fatos. O autor do artigo 21 frisa que, na prática, a sociedade
protege o agressor e desqualifica a criança, porque seu relato não é aceito como uma prova
legítima. No artigo 20 foi apontado que, em 61,7% dos casos de abuso pesquisados, alguém
sabia do ocorrido e não denunciou, representando a dificuldade que a família e a sociedade
encontram para fazer estas denúncias, o que denota conivência com o abuso. Da mesma
maneira, o artigo 3 apresentou em sua revisão de literatura que a sociedade acaba por aceitar e
ser conivente com a prática do abuso sexual devido a impunidade ou princípios tais como o
direito à privacidade, o direito à diferença cultural e um suposto consentimento do menor. As
ações dos grupos que vêm trabalhando com o intento de prevenir e desvendar o abuso sexual
de menores no âmbito familiar, que buscam estratégias para evitar a impunidade deparam-se
com as práticas do silêncio por parte das vitimas, com o receio da denúncia por parte da
família e a falta de atitude dos profissionais envolvidos. No abuso sexual existe toda a
problemática da falta de evidências e provas e o relato da vítima acaba por ser desvalorizado
pela percepção de que o menor precisa de um adulto responsável para fazer valer seus direitos
(o que no abuso incestuoso pode não ocorrer, visto que o responsável é o abusador). A lei
acaba por absolver o agressor devido à falta de provas, seguindo o princípio de que ‘todo
suspeito é inocente até que se prove o contrário’.
Enfatizando este problema da denúncia do agressor, o tema principal do artigo 37 é a
chamada “Lei do Silêncio” que permeia a violência doméstica, referenciado por muitos dos
autores que escrevem sobre o tema. Ela é evidenciada pelos profissionais que entram em
contato com as vítimas e preferem se omitir e por parte das próprias vítimas, o que acaba por
reforçar ainda mais as agressões e as conseqüências das mesmas.
Um fator bastante próximo aos já apresentados é a subnotificação das agressões por
parte dos profissionais da saúde aos órgãos responsáveis. O artigo 10 coloca que o
atendimento do abuso sexual gera muita ansiedade nas equipes envolvidas, o que dificulta a
intervenção. O artigo 25 apresenta um estudo com pediatras mostrando o despreparo da classe
médica para lidar com situações de abuso, constatando-se a propensão a sub-avaliar a
gravidade dos maus-tratos. Os sujeitos declararam não confiar nos órgãos de proteção à
criança (mais de 50%) e 94,6% relatou temer sanções legais por notificar um caso de maustratos. Da mesma maneira, o artigo 33 também descreveu a descrença dos profissionais da
saúde nos Conselhos Tutelares, motivada por más experiências na tentativa de notificação ou
demora para a obtenção de respostas, ou ainda por temer a produção de efeitos negativos na
vítima e represálias pessoais. Os artigos 18 e 19 também relataram a questão da
subnotificação, seja por parte dos profissionais quanto de pessoas que têm o conhecimento do
ocorrido e nada fazem.
Os artigos que realizaram pesquisas com profissionais mostraram também o
despreparo e dificuldade para lidar com a violência que não deixa marcas físicas.
O artigo 33 apresenta um estudo de caso de análise qualitativa que
analisou a
percepção dos profissionais da saúde acerca dos maus-tratos. O estudo mostrou que a atitude
do profissional frente a abordagem dos maus-tratos relaciona-se intimamente com a
visibilidade ou não que o problema assume em seu cotidiano. O caso da negligência se
destaca em todos os depoimentos e oscila entre aspectos visíveis e invisíveis, como por
exemplo, a desnutrição severa, que é uma forma visível de negligência e a negligência
psicológica, de difícil constatação. Há controvérsias no discurso dos profissionais na
classificação da negligência como forma de violência. A violência psicológica é um campo
em que os médicos relatam ter dificuldades no diagnóstico por não ter um preparo adequado.
Os psicólogos também apontam dificuldades conceituais sobre como definir a violência,
como já foi exposto anteriormente.
Nessa pesquisa descrita no artigo 32 também é apontada a dificuldade de manejo com
a violência que não deixa marcas evidentes ou visíveis. Os autores atribuem tal deficiência à
formação dos profissionais da saúde, que enfatiza o binômio saúde-doença, e que focaliza os
problemas mais “palpáveis” e/ou com soluções terapêuticas mais objetivas. Há outros fatores
concomitantes, tais como descrença em poder ajudar ou não crer que seja atribuição sua
realizar investigações no âmbito da violência familiar. Tal colocação é pertinente às
colocações do artigo 5, que defendem que os conceitos atuais de violência excluem aquelas
que não deixam marcas visíveis, mas deixam seqüelas.
O artigo 27 retoma a obrigatoriedade legal da denúncia em casos de maus-tratos,
enfatizando a responsabilidade do médico. São analisadas entrevistas com profissionais da
saúde que evidenciam em suas falas a não-valorização dos sinais (até mesmo os físicos) de
maus-tratos e suas atitudes frente à violência muitas vezes são limitadas ao questionamento
dos responsáveis sobre os ferimentos e, em caso de negação, o caso é dado por encerrado.
Os números sobre a violência são bastante variados, não havendo consenso sobre
quem é o agressor ou a vítima. O artigo 10, 18 e 38 apontaram que as principais vítimas da
violência doméstica são as crianças do sexo feminino, enquanto os artigos 26 apontou a
prevalência da violência contra meninos nos casos analisados. O artigo 18 retratou diferentes
dados, onde foram descritas pesquisas que apontavam como principais vítimas as meninas e
meninos, em amostras distintas.
Quanto ao principal perpetrador, à quantidade de notificações feitas aos órgãos
responsáveis e à distribuição das modalidades de maus-tratos, os resultados diferiram de
acordo com a modalidade da violência praticada. O artigo 20 aponta o pai e padrasto como
principais abusadores sexuais e as meninas como principais vítimas, sendo que o abuso se
inicia entre os cinco e oito anos de idade. Cerca de 25% das meninas e 10% dos meninos são
vitimados sexualmente. O artigo 20 descreveu o agressor como normalmente sendo do sexo
masculino e exercendo papel de cuidador.
O mesmo artigo 20 expôs que contexto onde a violência ocorre é a residência da
vítima (66,7% dos casos) e em 67,8% dos casos teve a duração entre um e nove anos. Em
79,1% dos casos o abuso aconteceu mais de uma vez e em 41,9% a ocorrência era diária. Em
concordância, o artigo 32 colocou a mãe como principal agressora física e psicológica,
enquanto o pai é o maior perpetrador de violência sexual.
O artigo 19 mostrou que o abuso sexual contra adolescentes é perpetrado por
desconhecidos (72,3%) e no caso de crianças, 84,5% é perpetrado por agressores conhecidos,
comumente do núcleo familiar. Outro dado relevante foi o índice de vítimas portadoras de
deficiência mental (35,1%). Estima-se que cerca de metade das mulheres deficientes mentais
são vitimadas pelo menos uma vez, ao longo de suas vidas.
O artigo 35 apontou que a violência física é a mais notificada (58% dos casos) e as
crianças do sexo feminino as maiores vítimas (60%). No entanto, a violência física e
psicológica ocorre de maneira mais distribuída, com leve tendência ao feminino. Já na
violência sexual e negligência há diferença significativa, sendo que a primeira acomete
meninas na proporção de 1:7 e a segunda, meninos na proporção 1:2. Neste estudo a mãe
figura como agressora em 49% dos casos e o pai em 40%. Porém, quando o pai foi o agressor,
houve medida de proteção em 40%, contra 18,5% geradas por agressões perpetradas pela
mãe. Os artigos 21 e 38 também descreveram pesquisas nas quais a mãe era a principal
agressora.
O artigo 38 analisa casos de violência doméstica atendidos pelo Conselho Tutelar de
Niterói. O abuso físico é sempre o mais notificado e o sexual, o menos notificado. Também
relatou que a negligência á a forma de violência mais comum cometida contra crianças até
quatro anos. A partir dos cinco anos de idade, o abuso físico seguido do psicológico
predominavam na amostra estudada.
Em contrapartida, a revisão de literatura do artigo 5 apontou que a maioria das
notificações de violência contra crianças e adolescentes é relativa a abuso sexual (dados
relativos ao Rio Grande do Sul).
Sobre as conseqüências da violência, o artigo 1 defendeu a proposta de que as raízes
das doenças mentais estão muito mais calcadas no ambiente que no biológico, sendo fatores
de risco o abuso, maus tratos, negligência e estimulação falha ou inadequada, pobreza,
violência, falta de alimentos e aumento da urbanização. Desta forma, o ambiente seria
fortemente responsável para a instalação de doenças mentais que teriam os maus-tratos como
raiz. Nesse mesmo artigo foi descrito que condições adversas no ambiente podem
comprometer as funções cerebrais quando há predisposição para tal, misturando e
dinamizando as relações biológicas e ambientais para a instalação da psicopatologia.
Foram encontradas algumas relações entre psicopatologia e maus-tratos, como no
estudo de caso exposto no artigo 8, que relacionou a exposição freqüente à violência e abuso
intrafamiliar a desenvolvimento de transtornos de humor, especialmente em pacientes que
apresentam episódios maníacos (estes com níveis significantemente mais altos de abuso
sexual). Estes dados complementam os encontrados no artigo 17, uma revisão de literatura
que relaciona o abuso sexual e transtornos alimentares, depressão, síndrome do cólon
irritável, dor crônica e refuta a relação com transtornos dissociativos.
Uma das hipóteses levantadas no artigo 17 para o aumento da incidência de
transtornos alimentares em vítimas de abuso sexual seria uma forma de defesa contra
sentimentos que não podem ser elaborados após o trauma. No entanto, alguns artigos
analisados não encontraram tal relação, porém, numericamente, mais autores constataram a
relação entre abuso sexual e anorexia. Quanto à bulimia, há poucos trabalhos.
A pesquisa aplicada do artigo 29 relacionou a agressividade em meninos com
violência doméstica em comparação ao grupo controle. Tanto a incidência quanto a
severidade foram mais prevalentes no grupo vítima de violência doméstica, o que contrapõe
as informações do artigo 2, uma pesquisa de levantamento que constatou que “não parece
haver uma relação causal linear entre exposição a situações de violência e intensificação de
comportamentos agressivos e violentos”.
Corroborando os dados encontrados na análise quantitativa sobre fatores culturais
envolvidos na violência familiar, vários artigos (21, 26, 35, 38) apresentaram que, no Brasil, o
castigo físico é visto como um mecanismo disciplinador legítimo, e estudos apontam que as
vítimas referem-se à prática como tendo a intenção de educar, não se considerando como
alvos de violência.
Foram encontrados outros dados que, embora relevantes, só foram apresentados por
um artigo, tais como o relato dos abusadores para justificar seus atos. O artigo 20 mostrou os
poucos registros feitos em delegacias que mostravam os motivos dos abusadores para cometer
tais atos. Os motivos apontados foram, em ordem: percepção da vítima como adulta e capaz
(31,3%), questões religiosas (25%), desejo de ser responsável pela iniciação sexual da filha.
Ademais, dos relatos que apresentavam a argumentação do agressor, 56,3% negavam a
violência. Os que a assumiam, delegavam a culpa à vítima ou outra pessoa. Na direção de
alterar esta realidade, a autora do artigo 10 acredita que a intervenção mais adequada é a
terapia do grupo familiar para a resolução do problema.
7 DISCUSSÃO
A partir dos resultados obtidos pode-se verificar que a violência intrafamiliar possui
diversas manifestações, variadas causas e principalmente, múltiplas conseqüências, em
diferentes graus. Neste levantamento bibliográfico pudemos constatar que a maioria dos
artigos pesquisados corresponde a revisões de literatura, porém, somando todos os tipos de
pesquisa de campo, estas totalizaram 58.97% da amostra, sendo mais numerosas sob a forma
de pesquisas de levantamento e de arquivo. Este dado revela a falta de pesquisas que
poderiam descrever mais apuradamente as conseqüências que podem decorrer dos maustratos, tais como estudos de caso retrospectivos e longitudinais. Muitos dos artigos estudados
referenciavam as mesmas fontes, logo obtivemos muitas informações repetidas do mesmo
autor (inclusive diferentes artigos que foram escritos baseados na mesma pesquisa).
Mesmo seguindo o critério de inclusão descrito no método segundo os termos de
pesquisa, a maioria dos artigos não expunha conseqüências decorrentes da violência familiar,
dados epidemiológicos sobre as formas de maus-tratos e conseqüências das mesmas e
possíveis causas, ou traziam dados estatísticos internacionais, o que indica como tais números
são escassos no Brasil. Os dados obtidos na maioria dos artigos analisados eram referentes às
pesquisas de levantamento e de arquivo, muitas vezes contando com amostras pequenas e
muito localizadas (por exemplo, uma delegacia ou uma sede do Conselho Tutelar de
determinada cidade), o que impede uma generalização do resultado, ainda mais levando em
conta o quão heterogêneo é o Brasil, devido à sua extensão territorial, diferentes culturas que
integraram a cultura local e problemas socioeconômicos, os quais diferem dependendo da
região geográfica estudada.
Em adendo, é interessante ressaltar que, dos artigos referentes a pesquisas de campo, a
grande maioria dos artigos que discriminou a localidade geográfica onde o estudo foi
realizado apontou que tais pesquisas são provenientes da região sudeste (82.61% do total de
artigos que apontavam a região) e nenhum estudo realizado na região norte e centro – oeste
foi encontrado na presente amostra. Sabe-se que as regiões têm problemas diferentes, índices
de desenvolvimento humano diferentes, o que reflete diferentes problemas sociais.
As informações epidemiológicas sobre abuso, tais como foram apresentadas no tópico
dos resultados, são bastante escassas e imprecisas, variando enormemente, assim como nos
números encontrados sobre violência sexual: oscilam entre 7% e 36% de prevalência nos
artigos da amostra. Os dados epidemiológicos sobre as conseqüências só foram encontrados
em uma pesquisa, que apontou os traumas de infância como responsáveis de cerca de 50% das
psicopatologias encontradas nos adultos (CRAINE e cols., 1988, apud ZAVASCHI e cols.,
2002 citado por ADED e cols, 2006 p 206). Apesar de ser a única menção a esse tipo de
estatística, ela é relevante para apontar o quanto uma vivência traumática pode comprometer a
saúde de uma pessoa.
Segundo o que foi exposto na análise dos dados, não há consenso entre os autores
sobre os fatores que levam os pais a perpetrar maus-tratos infantis, sendo um dos pontos mais
controversos levantados na pesquisa. São apontados fatores tais como problemas sociais
relativos à pobreza e culturais, tais como as relações de gênero e geração.
A violência de gênero é um fenômeno extremamente complexo, com raízes profundas
nas relações de poder baseadas no gênero, na sexualidade, na identidade e nas instituições
sociais, nas quais o “direito masculino de dominar a mulher é visto como a essência da
masculinidade” (GIFFIN, 1994, p 148).
Giffin (1994, p 150) aponta em suas análises de gênero que a visão da sexualidade
como impulso biológico instintivo é historicamente aplicada muito mais à sexualidade
masculina, que por sua vez é caracterizada como dominadora, controladora e violenta,
justamente por ser dificilmente controlável por sua natureza instintiva. Como o ato sexual é
tido como expressão natural da necessidade do macho em conquistar e dominar a fêmea, "a
associação estreita entre sexualidade, poder e violência masculinos é uma necessidade
biológica e, portanto, inevitável" (JACKSON, 1987, p 571 citado por GIFFIN, 1994, p 150).
A socióloga Heleieth Saffioti (1989, p 16) associa a configuração capitalista da
sociedade atual com as relações de gênero e de poder e coloca que existem dois sistemas
estruturadores das relações de dominação no mundo ocidental, além das classes
socioeconômicas: o patriarcado, que legitima a assimetria entre os gêneros e o racismo, que
permite ao branco dominar o negro na estrutura social. Isso caracteriza o poder como “macho,
branco e rico”, agregando o poder qualificativo adulto, pois, como já foi mencionado
anteriormente, as crianças são os elementos mais vulneráveis na sociedade. Nessa hierarquia,
o topo seria o homem branco, rico e adulto, detentor do que a autora definiu como grande
poder ou macropoder. O último lugar é ocupado pela mulher criança, negra e pobre. No
entanto, a vitimização de crianças ocorre porque o agressor possui uma pequena parcela de
poder e aspira ao macropoder. Devido a essa aspiração, o agressor sente necessidade de
exercer um poder maior do que o que detém, e exorbita sua autoridade, em forma de
violência. Isso caracteriza a síndrome do pequeno poder, na qual a pessoa “vinga-se” da
opressão que sofre dirigindo-a às figuras que possuem menos poder que ele. Desta forma, o
sub-empregado desconta sua frustração na esposa e filhos e a esposa agredida exerce sua
parcela de poder contra os filhos, pois essa é a única forma que a mulher pode exercer seu
poder (SAFFIOTI em AZEVEDO e GUERRA, 1989, p 17-18).
Essa teoria exposta por Saffioti e outras considerações tecidas pela mesma autora
foram trazidas por muitos autores dos artigos levantados nessa pesquisa. Embora não sejam
de fundamentação comportamental como a que é proposta neste trabalho, propõem uma visão
bastante válida que indica a violência (não somente intrafamiliar, mas a violência como um
todo) como um fenômeno baseado nos três pilares supracitados: opressão econômica, gênero
e racismo, sendo que aqui a relação de gênero é ressaltada por ser pertencente à esfera
doméstica, assim como a agressão contra crianças. Pode ser uma das explicações para a
associação da violência contra crianças com pobreza e com a violência conjugal.
Além desses fatores, problemas com drogadição e psicopatologia dos pais e o
fenômeno da repetição também foram bastante mencionados pelos autores dos artigos
analisados. No entanto, ao passo que a pobreza é bastante citada como uma das causas,
Gomes (2002) trouxe no artigo 7 um ponto bastante relevante que pode gerar um viés de
compreensão sobre a violência: a estigmatização da pobreza e os mecanismos que garantem o
sigilo de casos de violência ocorridos em classes socioeconômicas mais abastadas. O próprio
senso comum atesta e visão marginalizada da classe popular, expressa por declarações como
“todo pobre é ladrão”, e há que se considerar o quão numerosa ela é no Brasil. Os dados
epidemiológicos sobre a violência encontrados neste trabalho não apontavam um número que
traduzisse a incidência dos maus-tratos nas camadas sociais baixa em comparação à média ou
alta para atestar que o índice é mais alto entre as pessoas mais carentes ou refutar essa
hipótese.
Ademais, a maioria das notificações feitas a conselhos tutelares realmente são
provenientes das classes mais baixas, até mesmo porque os notificadores da violência, na
maioria das vezes, são professores das escolas municipais e estaduais e médicos do SUS,
profissionais que, na grande maioria das vezes, trabalham em contatos com pessoas de renda
mais baixa (informação obtida por meio de entrevista no Conselho Tutelar de Curitiba –
Regional Boa Vista). Os artigos 25 e 33 descrevem que, muito embora os profissionais da
saúde vejam com desconfiança e descrença o Conselho Tutelar, grande parte das notificações
provêm desta classe profissional e o trabalho exclusivo na rede privada de saúde diminui
muito as chances de um profissional denunciar um abuso (PIRES e cols, 2005, p 103). Isso
pode ser explicado com base na teoria anteriormente exposta por Saffioti sobre como as
pessoas detentoras de melhores recursos financeiros possuem uma maior parcela de poder. E,
de fato, uma pessoa com melhores condições econômicas teria possibilidade de contratar bons
advogados e promover uma defesa boa o suficiente para conseguir a absolvição da acusação e
comprometer a carreira do profissional que o denunciou, medo que é descrito nas pesquisas
que entrevistaram profissionais da área da saúde.
Uma das causa levantada nos artigos pesquisados é relativa à formação familiar, outro
ponto que pode sofrer vieses pela discriminação social em relação às famílias reconstruídas
ou das famílias de formação diferente da nuclear tradicional, com mãe, pai e filhos morando
juntos, sendo os filhos todos do mesmo casamento, pois alguns artigos traziam o termo
“famílias desestruturadas” ou “reestruturadas” como possíveis causas da violência familiar.
Os dados epidemiológicos trouxeram a mãe e o pai como os principais agressores, e não
padrastos e madrastas. Além disso, na revisão de literatura de Day e cols foi apontado que
uma mãe jovem tem mais chances de ser negligente com seus filhos, e a prevalência de maustratos aumentaria com o número de crianças com menos de cinco anos na casa (DAY e cols,
2003, p 14), colocando a idade dos pais como fator preponderante para a violência.
Os problemas sociais, tais como desemprego, falta de apoio social, isolamento social e
urbanização também foram citados como causas da violência, mas novamente os mecanismos
pelos quais isso ocorre não foram explicitados nos artigos revisados. Pode-se levantar a
hipótese de que estressores sociais desencadeiam a violência em pais que possuem baixo
repertório de respostas perante adversidades ou a educação dos filhos. Já a urbanização é uma
causa que suscita uma série de questionamentos. Sabemos que a violência é um fenômeno
muito anterior à urbanização dos grandes centros e há séculos está presente no
desenvolvimento das crianças, como já foi descrito no tópico do histórico do problema por
Ariès (1981) e Priore (2000), que descreve as situações vividas pelas primeiras crianças que
vieram ao Brasil, após o descobrimento, no qual os portugueses trouxeram em sua bagagem
cultural a agressão física como medida educativa.
Sobre este tema, Skinner (1953/ 1976), já na década de 1950, mostrava-se contrário ao
uso da punição corporal para ensinar comportamentos adequados. Apesar de a punição
corporal produzir efeito imediato que mantém a utilização desta prática educativa, há efeitos
nocivos, tais como emoções de raiva e medo e comportamentos de esquiva diante da pessoa
que pune. Além disso, as respostas emocionais geradas pela punição podem ser
condicionadas, por meio do condicionamento clássico, a aparecerem em outras ocasiões não
punitivas (dependendo da generalização ou pareamento feitos, a resposta pode ocorrer perante
uma pessoa do mesmo sexo do agressor, diante de determinada modulação de voz, etc.)
(WEBER e cols, 2004, p 228).
Outro problema levantado na aplicação da punição corporal é a possibilidade de
ocorrer uma associação entre a dor que a criança sente e o amor em relação aos seus pais.
Desta forma, por meio de emparelhamento de estímulos, a criança aprenderá a usar o mesmo
método em outras situações de sua vida ou, ainda, a suportar situações aversivas e
disfuncionais acreditando que elas ocorrem por amor (WEBER e cols, 2004, p 228).
O dilema sobre o uso da punição física como medida educativa apresenta alguns
complicadores. Primeiramente, as definições operacionais não diferenciam perfeitamente os
termos palmada, surra, punição corporal, espancamento. “Enquanto a punição corporal é
definida como ‘punição aplicada em qualquer parte do corpo e de qualquer tipo’, a famosa
palmada (spanking) define-se como "um tapa, aplicado com a mão aberta, nas nádegas ou em
extremidades do corpo, visando a modificação do comportamento" (BAUMRIND, 2001, p 1
citado por WEBER, 2004, p 229). Existe também a questão ética e os direitos da criança,
visto que o ECA postula que as crianças não devem sofrer nenhum tipo de agressão. E,
finalmente, a questão dos efeitos da palmada, da punição corporal, da surra leve, do psicotapa,
é controversa entre leigos e especialistas de diversas culturas.
É amplamente discutida a probabilidade de o comportamento de bater ser reforçador
para os pais, pois "significa que uma pessoa, provavelmente, acha mais fácil aprender técnicas
de controle aversivo do que técnicas de reforço. No entanto, isso não significa que as técnicas
aversivas sejam melhores" (CATANIA, 1999, p 128).
Nesse sentido, modificar os fatores culturais é um processo lento. O exposto sobre a
palmada como medida educativa abre a discussão para temas que estão em voga atualmente,
como as leis que pretendem proibir o uso de violência contra crianças com fins educativos.
Elas já existem em alguns países, e no Brasil existe o projeto de lei n° 2.654 de 2003,
apresentado pela deputada Maria do Rosário (PT/RS), que propõe a proibição de qualquer
castigo físico contra crianças, mesmo que com finalidade pedagógica. Tal medida aponta que
há uma demanda para diminuir o índice de agressões, até porque tal projeto de lei não seria
necessário se o ECA fosse adequadamente cumprido. O artigo 3 apresentado na análise
qualitativa traz que a sociedade acaba sendo conivente com a violência por colocar o direito à
privacidade familiar. Pode-se perceber o quanto é culturalmente forte esse “direito”, na qual
as pessoas julgam que terceiros erram ao intervir na maneira com a qual educam os filhos ou
outras violências ocorridas no ambiente doméstico, como a violência conjugal (expresso em
ditos tais como “em briga de marido e mulher não se mete a colher”). Esta convenção cultural
reforça e é reforçada ainda mais pela chamada Lei do Silêncio, fenômeno que mantém o
segredo sobre a agressão pela vítima e testemunhas. Assim, forma-se um círculo vicioso no
qual os agressores tem a liberdade e o suposto “direito” de exercer diversas formas de
violência dentro de suas casas, as testemunhas julgam que não podem fazer nada e as vítimas
se calam. E, mesmo quando a vítima tenta contar sobre a agressão que sofreu, sua palavra de
criança confronta com a palavra do adulto agressor e o culpado acaba isento de culpa por falta
de provas, como é apresentado no artigo 21. A lei acaba por proteger o agressor, pois “todos
são inocentes até que se prove o contrário”, e a fala da criança vitimizada muitas vezes não é
prova suficiente para uma condenação.
Um dos problemas apresentados nos artigos revisados foi a falta de preparo das
equipes de saúde para lidar com situações de suspeita de abuso de crianças. As dificuldades
vão da falta de preparo para reconhecer os sinais dos maus-tratos às dificuldades conceituais
sobre violência, além da já mencionada desconfiança perante os órgãos responsáveis (ver
artigos 25 e 33). O problema se intensifica na percepção da violência psicológica e da
negligência emocional (a negligência física severa é mais facilmente percebida, traduzida em
falta de higiene, desnutrição, não seguimento da prescrição médica e etc.). Algumas vezes a
violência psicológica não é sequer considerada uma violência, pois suas marcas não são
imediatamente visíveis (GOMES² e cols, 2002, p 277). Isso indica que os profissionais de
saúde ainda enfatizam o binômio saúde-doença, sem valorizar adequadamente o bem-estar e
saúde emocional, ou só se preocupando quando conseqüências mais graves já se instalaram.
Nenhuma das fontes apontou de maneira objetiva a forma pela qual as conseqüências
dos maus–tratos se instalam. Temos então uma série de hipóteses a respeito do tema,
enfocando a teoria comportamental para seu embasamento. No entanto, muitas das
conseqüências não podem ser entendidas como provenientes de uma relação de causa-efeito
direta, principalmente os pertencentes à terceira categoria de análise, “problemas alo longo do
desenvolvimento”. No entanto, a “etiologia da maioria dos transtornos mentais é universal e
seu quadro clínico (é) variável a tal ponto que fatores de risco e protetores afetam o
desenvolvimento ou não de um transtorno específico” (JORGE, 1998, p 334). A situação
abusiva, evidentemente, pode gerar sintomas tais como ansiedade, raiva, tristeza e transtornos
como TEPT, mas não é possível afirmar de forma linear que os atrasos no desenvolvimento
cognitivo sejam causados pelo abuso, e talvez que o abuso seja um fator que predispõe
transtornos emocionais, tendo como conseqüência as dificuldades de concentração, apatia,
desinteresse e outros sintomas que podem prejudicar a aprendizagem.
Tampouco é possível declarar que necessariamente uma situação de abuso acarretará
em uma conseqüência que cause sofrimento clinicamente significante e persistente, uma vez
que existem fatores de proteção, como a resiliência (MELLILO e OJEDA, 2005, p 23) e
diferentes maneiras de se processar as situações possivelmente traumáticas.
Outro tema que foi encontrado na revisão de literatura e nos artigos estudados foi a
relação entre as conseqüências e idade em que o abuso ocorreu. Novamente é necessário levar
em conta fatores tais como a intensidade da agressão, a duração, se a criança pôde contar para
alguém e se acreditaram nela e principalmente a natureza do vínculo da vítima com o
agressor. No caso de crianças bem pequenas, a violência pode comprometer a formação do
vínculo, além de comprometer seu desenvolvimento global, pois pode acabar por inibir os
comportamentos exploratórios, tão necessários às crianças que se encontram no estágio
sensório-motor. Crianças de idade pré-escolar acabam por aprender formas pouco adequadas
de se expressar, uma vez que lhe faltam modelos no ambiente familiar, além de poderem
adquirir condutas hipersexualizadas quando expostas a estes estímulos, sendo incompatíveis
com o desenvolvimento normal da faixa etária e comportamentos regressivos. As vítimas em
idade escolar costumam ser mais conscientes da violência que sofrem, podendo adotar
estratégias de defesa tais como a racionalização para justificar a agressão sofrida. Também é
possível que a capacidade de aprendizagem seja rebaixada (pelos motivos já expostos) e
também poderão identificar seus papéis nas relações de gênero, sendo o homem o agressor a
mulher a vítima (Manual para educadores de infância, 2007).
Juntamente ao que já foi discutido, é o conceito de desamparo aprendido, descrito por
Martin Seligman (1977), que pode auxiliar na compreensão da problemática das
conseqüências dos maus-tratos. O desamparo é o estado psicológico que frequentemente
surge como resultado de eventos incontroláveis, ou seja, eventos sobre os quais nenhuma ação
tem efetividade. Os experimentos de Seligman (1975, p 23) mostram que a vivência de um
trauma pode diminuir a motivação para emitir qualquer resposta perante a repetição do evento
traumático, fazendo prevalecer a depressão e ansiedade. Desta forma, é como se a pessoa
desistisse de buscar uma resposta de fuga ou esquiva ao evento aversivo, submetendo-se a ele
passivamente, uma vez que passa a perceber o evento aversivo como inevitável (mesmo que
não o seja). Tal premissa pode ser uma explicação para a tendência de revitimização das
vítimas de violência, seja de qual modalidade for, principalmente no caso de violência
sistemática (o que aumentaria a sensação de incontrolabilidade sobre o abuso). O desamparo
prejudica a capacidade de aprender. Weber e cols. (2004, p 228) colocam que se as punições,
especialmente corporais, não são contingentes e dependem do humor dos pais, pode ocorrer o
fenômeno de desamparo, e a criança não saberá qual resposta deverá emitir para evitar as
punições, podendo generalizar esse comportamento para outras situações aversivas.
Todos os conceitos teóricos expostos até agora são bases para uma possível explicação
para as conseqüências, pois o mecanismo pelo qual as conseqüências se instalam não foi
explanado nem na literatura consultada nem nos artigos levantados. Os resultados da presente
pesquisa evidenciaram que os transtornos de humor e ansiedade são os transtornos mais
prevalentes como conseqüências do abuso infantil, e possivelmente os que nos parecem mais
“lógicos” de se instalarem, visto que os maus-tratos têm como resposta imediata os sintomas
destes transtornos, como a tristeza, ansiedade e medo, fenômenos ligados ao desamparo
aprendido. O mecanismo pode ser similar ao que gera o TEPT, descrito a seguir.
A definição de "trauma", em sua raiz etimológica grega, significa lesão causada por
um agente
externo.
Esse
conceito
foi
apropriado
pelo
campo
psicológico,
e,
conseqüentemente, supõe-se com freqüência que um trauma ocorre quando as defesas
psicológicas naturais são transgredidas. É importante enfatizar que a maneira como as pessoas
processam um evento estressante após sua ocorrência é determinante para que o trauma seja
configurado ou não. A caracterização de um evento como traumático não depende somente do
estímulo estressor, mas também da tendência do processamento perceptual do indivíduo
(PERES e cols., 2005, p 133).
Dentro do grupo dos transtornos de ansiedade o mais apontados pelos artigos
revisados nesta pesquisa foi o transtorno do stress pós-traumático – TEPT (50% das menções
de transtornos de ansiedade – ver anexo B), caracterizado pela exposição a um evento
traumático que é persistentemente revivido, por meio de recordações, sonhos e/ou agir como
se o evento estressor estivesse ocorrendo novamente (flashbacks dissociativos, alucinações,
etc.), de duração superior a um mês (KRISTENSEN e cols. em CAMINHA, 2005, p 28).
Oliveira e cols. (em CAMINHA, 2005, p 60) descrevem que no TEPT há uma atrofia
neuronal, que gera alterações funcionais e estruturais no cérebro, porém não se sabe é se tais
atrofias são anteriores ao trauma, modificadas pelo mesmo ou gerada por ele. Há uma
hipótese que relaciona o tamanho do hipocampo (pequeno) com a predisposição ao stress póstraumático, porém esta não é a única teoria que explica o motivo de algumas pessoas
desenvolverem o transtorno e outras não. Outras pesquisas apontaram que o trauma em si
provocaria lesões no tecido cerebral, o que parece ainda mais problemático no caso de
estressores vividos por crianças, que estão em pleno desenvolvimento de suas funções
cerebrais. Outra explicação para a instalação do transtorno seria a alta presença de cortisol,
liberado durante a vivência traumática, que geraria danos ao hipocampo (OLIVEIRA e cols.
em CAMINHA, 2005, p 62).
A segunda categoria de conseqüências descrita no tópico de resultados mostrou um
número alarmante de sintomas diruptivos como conseqüência da violência doméstica, o que
aproxima a relação entre abuso e delinqüência. A delinqüência juvenil tem sido considerada
como um transtorno psicossocial, do desenvolvimento, que deve ser entendido pela sua
complexidade, já que a sua manifestação ocorre a partir de variáveis biológicas,
comportamentais e cognitivas do indivíduo; e contextuais, como características familiares,
sociais e experiências de vida negativas (RUTTER, 2000; SCARAMELLA, CONGER,
SPOTH e SIMONS, 2002 citados por LARANJEIRA, 2007, p 222). Na origem deste tipo de
perturbações encontramos carências nas primeiras relações afetivas, corroboradas pelos
estudos de Spitz e Bowlby, onde o sentimento de forte desvalorização acaba refletindo em um
Eu desvalorizado e em um ideal do Eu grandioso. Assim há uma “compensação” das lacunas
existentes geradas pelos maus-tratos infantis e outras vivências adversas
com o
desenvolvimento de padrões de comportamento anti-social. “Estas carências causariam
grandes dificuldades na organização de parte da personalidade, cujo corolário seriam os
problemas de comportamento e que submetidas a defesas maníacas, evitariam a depressão”.
(LARANJEIRA, 2007, p 225). Esta visão mostra uma maneira pela qual a vítima torna-se o
agressor, perpetuando novos ciclos de violência dentro e fora da família. A delinqüência é um
excesso comportamental de natureza internalizante, no qual o comportamento é dirigido
contra a sociedade (ao contrário da conduta externalizante, na qual o indivíduo dirige a si
próprio os excessos comportamentais e/ou angústias). Peterson (1961, citado por ROSS,
1979, p 26) coloca que os problemas externalizantes ocorrem mais frequentemente com
meninos, refletindo as diferenças de papéis sexuais (ROSS, 1979, p 30).
A categoria de problemas ao longo do desenvolvimento é a mais abrangente das
categorias descritas no presente trabalho, englobando diferentes aspectos do desenvolvimento.
Porém, a explicação de cada um deles pode ser feita por meio dos conceitos já mencionados
de maneira direta ou indireta, como no caso dos problemas de aprendizagem/escolares. As
situações adversas, a falta de modelos parentais adequados e os outros sintomas decorrentes
do abuso também podem dificultar a aquisição de habilidades sociais, estabelecendo um
déficit que pode gerar muitas outras complicações para a vida do indivíduo, mostrando o
efeito cumulativo que os maus-tratos podem acarretar. Problemas na vivência da sexualidade
também podem ser hipoteticamente explicados por meio de aprendizagens distorcidas, alto
nível de ansiedade ou depressão e baixo repertório de habilidades sociais.
Há ainda outro fenômeno bastante descrito na literatura consultada porém pouco
esclarecido, o fenômeno da repetição. Partindo dos mesmos princípios explicados nesta
discussão, acreditamos que este fenômeno esteja ligado à aprendizagem e a reprodução de
modelos. A criança que cresce sendo agredida (por vezes ouvindo que aquilo era feito por
amor) aprende que este é o caminho para disciplinar uma criança e não desenvolve outras
estratégias, pois não teve outros modelos sobre como enfrentar situações aversivas e controlar
emoções negativas.
Esta pesquisa mostrou o quanto a violência psicológica e negligência são menos
valorizadas na literatura, como se fossem menos danosas em comparação com a violência
física e sexual. Essa hipótese foi levantada inicialmente pela falta de pesquisas que
enfatizassem essas modalidades de violência. Em seguida, foi constatado que o número de
notificações feitas aos Conselhos Tutelares e instituições de proteção a crianças (GOMES²,
2002, p 277; BRITO e cols, 2004, p145; MOURA e REICHENHEIM, 2005, p 1129) sobre
elas é bastante inferior em comparação às outras modalidades de agressão contra crianças, até
mesmo quando se relatava dois tipos de violência na mesma queixa. No entanto, a negligência
e a violência psicológica são sempre antecessoras à violência física e/ou sexual uma vez que
no momento em que a criança sofre um abuso concreto, o abusador evidencia que negligencia
completamente as necessidades e direitos da vítima e sua percepção sobre ela não é a de uma
pessoa que possui direitos, e sim um objeto que ele subjugará às suas vontades, frustrações ou
quaisquer fatores que motivem o agressor a agredir. Entrementes, essas formas mais sutis de
violência, que não produzem marcas visíveis a priori, só são denunciadas em casos extremos,
quando certamente o dano será proporcional à violência sofrida.
Por fim, é importante discutir a colocação do artigo 1 sobre que “os múltiplos fatores
envolvidos na determinação dos problemas de desenvolvimento e comportamento são mais
dependentes da quantidade do que da natureza dos fatores de risco, visto que diferentes
fatores de risco produzem resultados semelhantes” (RAE-GRANT, 1989 citado por
HALPERN E FIGUEIRAS, 2004, p 105). No decorrer dos resultados e discussão, assim
como da revisão de literatura apresentada vimos que os maus-tratos, por mais distintos que
sejam, geram conseqüências semelhantes, que variam dentro de um amplo espectro, desde
uma conseqüência mais branda e de curta duração até um transtorno mental grave de
prognóstico reservado. A citação de Halpern e Figueiras acima exposta aponta para a relação
quantitativa de eventos traumáticos na vida de uma pessoa para predispor a conseqüências.
Logo, uma pessoa exposta a apenas um evento aversivo estaria menos susceptível a
conseqüências de longo prazo em comparação a uma pessoa vítima de agressões sistemáticas.
Esta linha de raciocínio faz bastante sentido, porém é complicado afirmar taxativamente que
isso seja uma regra, pois há muitos fatores envolvidos na instalação das conseqüências, e é
necessário levar em conta, acima de tudo, as diferenças individuais das pessoas para lidar com
adversidades.
8 CONCLUSÃO
No decorrer das análises dos artigos levantados foi bastante clara a escassez de estudos
brasileiros sobre o tema. De forma geral os artigos utilizam as mesmas fontes e reproduzem
dados repetidos. O tema por si dificulta a pesquisa devido às questões éticas, ao preconceito e
às dificuldades e, acessar essa população vítima de traumas, e as pesquisas necessárias para
um melhor entendimento do tema seriam longas e dispendiosas. Devido a esse déficit na
produção científica brasileira, não dispomos de dados epidemiológicos que retratem mais
aprofundadamente a realidade em que vivemos.
A modalidade de pesquisa eleita para a realização deste trabalho implicou na sujeição
aos vieses de interpretação dos autores de cada um dos artigos e aos da autora da pesquisa.
Vários termos utilizados para descrever as conseqüências caíram em desuso, tais como
neurose, dificultando o entendimento da idéia expressa pelo autor. Porém, o levantamento
bibliográfico permite comparar diversas conclusões de diferentes tipos de pesquisa e constatar
quais resultados se repetem, aumentando assim a confiabilidade dos dados levantados.
A discussão, em sua maior parte, foi composta de reflexões levantadas pela autora
desta pesquisa, utilizando-se de conceitos básicos da psicologia comportamental. Contudo,
tais reflexões que nos conduzem a hipóteses que precisariam ser testadas em pesquisas
futuras.
Foi constatado que os maus-tratos contra crianças podem acarretar em uma ampla
gama de conseqüências, mas a maneira pelas quais as mesmas se instalam não foi bem
elucidada. Não se sabe qual é a modalidade de violência mais danosa, nem quais são os
fatores que possibilitam a melhora no prognóstico dessas vítimas. É inegável que vivências
traumáticas comprometem o desenvolvimento de uma
criança, principalmente nos aspectos emocionais. E, por sua vez, como as áreas do
desenvolvimento são integradas, o desenvolvimento é comprometido como um todo,
dependendo da fase em que a criança se encontra (REICHENHEIM, 1999, p 112).
No entanto, talvez o mais importante não seja buscar descrever detalhadamente as
relações entre os maus-tratos e as conseqüências, e sim observar os danos causados e procurar
formas para romper com o círculo vicioso da violência. As causas da violência doméstica
foram o ponto de maior discordância entre os autores, e todas as teorias por eles apresentadas
podem ser contra-argumentadas. Os problemas da sociedade contemporânea, como o
capitalismo e a cultura de massa foram apontados como causa, porém a criança enquanto
vítima existe nos mais antigos relatos escritos, como no já exposto Código de Hamurábi (em
DAY e cols, 2003, p 11).
Talvez a raiz de toda a problemática trazida nesta pesquisa esteja na dificuldade do
mundo adulto em conceber a criança como pessoa, e como tal provida de inteligência,
necessidades e sentimentos. Foi necessário que houvesse uma lei específica para proteger as
crianças, indicando que a existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos não é
suficientemente abrangente para protegê-las também, visto que a publicação do ECA não
bastou para coibir a violência contra a criança, como foi possível constatar nos números de
vítimas exposto nos artigos estudados .
Assim sendo, toda a sociedade deveria ser conscientizada sobre os problemas que
advém da violência familiar, até porque a parcela que não é perpetradora das agressões é
conivente e se omite para permitir que as crianças continuem a ser abandonadas, humilhadas,
espancadas e abusadas sexualmente pelas figuras que deveriam ser suas maiores referências
afetivas.
Com os resultados obtidos nesta pesquisa fica bastante clara a necessidade de estudos
mais aprofundados sobre o tema, em especial estudos de segmento e transversais que tenham
por objetivo acompanhar as vítimas de violência e verificar as possíveis conseqüências
decorrentes da violência sofrida. Estudos brasileiros visando elucidar os mecanismos do
fenômeno da repetição e pesquisas de levantamento mais precisas sobre a incidência das
diferentes formas de maus-tratos no país também seriam de grande valor para esclarecer esse
fenômeno.
REFERÊNCIAS
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SITES
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ANEXO A - FORMULÁRIO
1- Qual é o desenho do estudo?
() revisão de literatura
() pesquisa experimental
()pesquisa de levantamento () estudo de caso () pesquisa de arquivo
() pesquisa aplicada () pesquisa básica
2- O artigo aponta conseqüências dos maus-tratos? Quais?
() sim
() não
3- O artigo traz dados epidemiológicos locais das formas de maus-tratos? Quais?
() sim
() não
4- O artigo traz dados epidemiológicos locais sobre as conseqüências? Quais?
() sim
() não
5- O artigo traz dados objetivos, embasados em pesquisas realizadas anteriormente?
() sim
() não
6- O artigo aponta as causas da violência? Se sim, quais?
() sim
() não
7- A qual público o artigo é dirigido?
() Médicos () Psicólogos () Enfermeiros
() público geral/outros
() Assistentes Sociais
8- Há ênfase em uma modalidade específica de violência no artigo? Qual?
() sim () não
() violência sexual () violência física ()violência psicológica ()negligência
9 – A Violência psicológica é mencionada como passível de causar danos? (no caso de artigos
que englobem todos os tipos de violência)
() sim () razoavelmente () não () não se aplica
10- Nos artigos aplicados, os participantes são agrupados por regiões geográficas? Qual?
() sim
() não
() Sul
() Sudeste () Centro-Oeste
() Norte
() Nordeste
11- Qual é o tamanho da amostra?
() n =
() não se aplica
12- Há distinção de segmento socioeconômico dos participantes? Se sim, qual é o segmento
apresentado?
() sim
() não
() classe baixa ()classe média-baixa () classe média
() classe média-alta
( ) classe alta
* as questões 10, 11 e 12 referem-se apenas a artigos de pesquisa aplicada.
ANEXO B – QUANTIFICAÇÃO DETALHADA DAS CONSEQUÊNCIAS
LEVANTADAS
Categoria 1 - Transtornos mentais:
Transtornos da ansiedade: 2 + TEPT: 5 + TOC: 1 + Fobias: 2 = 10
Transtornos de humor: Depressão: 13 + Transtorno bipolar: 1 = 14
Transtorno Dissociativo da Personalidade: 3
Transtornos alimentares: 3
Transtorno de personalidade borderline: 2
Transtorno desafiador opositivo: 1 + Transtorno de conduta: 3 + TDAH: 1 = 5
Transtornos do sono: 3
Transtornos psicóticos: 1
Transtornos de conversão: 1
(Transtornos Mentais não-específicos):
Transtornos de personalidade: 1
Transtornos psiquiátricos (geral): 5
Total da categoria: 48
Categoria 2 – Sintomas de transtornos
Sintomas de transtornos de déficit de atenção e diruptivos:
Idéias homicidas: 1
Sintomas agressivos: 9
Falta de limites: 1
Desordens de conduta: 7 + Atos ilegais: 6 = 13
Hiperatividade: 1
Fugas: 3
Abuso de substâncias: 6
Adultos anti-sociais:1
Dificuldade de ajustamento: 2
Problemas externalizantes em pré-escolares: 1
Raiva/hostilidade: 2
Total: 40
Sintomas de transtornos de humor:
Sintomas depressivos: 4 + Baixa auto-estima: 5 + Perda de interesse em brincadeiras: 1 = 10
Suicídio (idéias ou tentativas): 9
Prostração: 1
Problemas de apetite: 1
Sentimentos de culpa: 1
Comportamento regressivo: 1
Isolamento: 5
Introversão/timidez: 2
Total: 30
Sintomas de transtornos de ansiedade:
Ansiedade: 8
Medo: 3
Tiques ou manias: 1
Medo de adultos do mesmo sexo do abusador: 1
Total: 13
Sintomas de transtornos somatoformes:
Queixas psicossomáticas: 3
Dor crônica: 1
Dores abdominais: 1
Total: 4
Sintomas de doenças clínicas (podem ou não ser parte de transtornos somatoformes):
Síndrome do cólon irritável: 1
Doenças neurológicas: 1
Doenças reumáticas: 1
Distúrbio gastrintestinal: 1
Doenças somáticas crônicas: 1
Total: 5
Sintomas de transtornos do sono:
Sonolência diurna: 1
Pesadelos: 3
Alterações no padrão do sono: 1
Total: 5
Sintomas psicóticos:
Idéias paranóides: 1
Desconfiança: 1
Auto-agressão/auto-mutilação: 8
Total: 10
Características não-especificadas no texto dos autores (descritas em termos genéricos):
Distúrbios neuróticos: 1
Sintomas psiquiátricos: 2
Sintomatologia psicológica/problemas emocionais: 3
Quadros dissociativos: 2
Total: 8
Total da categoria: 116
PROBLEMAS AO LONGO DO DESENVOLVIMENTO
Problemas diferentes em diferentes faixas etárias do abuso: 1
Problemas no desenvolvimento:
cognitivo (linguagem, cognição, memória): 10
afetivo e da personalidade: 3
motor e físico: 2
Déficits de ajustamento na adolescência: 1
Problemas vocacionais: 1
Problemas escolares e/ou de aprendizagem: 4
Problemas globais no desenvolvimento da criança e da família: 1
Transtornos sexuais:
Parafilias:1
Problemas relativos à identidade e ao papel sexual: 2
Problemas para a vivência da sexualidade ao longo da vida: 5
Comportamento sexual inapropriado: 9
Masturbação freqüente: 1
Risco de prostituição: 1
Confusão quanto a valores sexuais: 1
Tendência à revitimização: 1
Problemas interpessoais:
(déficit de habilidades sociais) Dificuldades interpessoais e sociais: 6 + Problemas de
habilidades sociais: 1 = 7
Sentir-se diferente dos pares: 1
Crenças disfuncionais: 1
Prejuízo na solução de problemas: 1
Fenômeno da repetição: Dificuldades no relacionamento futuro com os filhos: 1 + Perpetração
do abuso: 1+Banalização e reprodução da violência: 2+Violência não-familiar:1 +Violência
familiar: 1 = 6
Total da categoria: 50
Observação: as menções representadas entre as chaves compõem uma única sub-categoria
ANEXO C – ARTIGOS UTILIZADOS NO LEVANTAMENTO
1
HALPERN, Ricardo; FIGUEIRAS, Amira C. M. Influências ambientais na
mental da criança. Jornal de Pediatria , Porto Alegre, v. 80, n. 2, 2004
saúde
2
POLANCZYK, Guilherme Vanoni e cols . Violência sexual e sua prevalência em
adolescentes de Porto Alegre, Brasil. Revista de Saúde Pública , São Paulo, v. 37, n.
1, 2003
3
MORALES, Álvaro E.; SCHRAMM, Fermin R. A moralidade do abuso sexual
intrafamiliar em menores. Ciência saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, 2002
4
AMAZARRAY, Mayte Raya; KOLLER, Silvia Helena. Alguns aspectos observados no
desenvolvimento de crianças vítimas de abuso sexual. Psicol. Reflexão Crítica , Porto
Alegre, v. 11, n. 3, 1998
5
PFEIFFER, Luci; SALVAGNI, Edila Pizzato. Visão atual do abuso sexual na infância e
adolescência. Jornal de Pediatria. (Rio de Janeiro) , Porto Alegre, v. 81, n. 5, 2005
6
ASSIS, Simone G. de. Crianças e adolescentes violentados: passado, presente e
perspectivas para o futuro. Caderno de Saúde Pública , Rio de Janeiro, 2007
7
GOMES, Romeu e cols . Por que as crianças são maltratadas?: Explicações para a
prática de maus-tratos infantis na literatura. Caderno de Saúde Pública , Rio de Janeiro,
v. 18, n. 3, 2002
8
ZAVASCHI, Maria Lucrécia Scherer e cols . Adult mood disorders and childhood
psychological trauma. Revista Brasileira Psiquiatria , São Paulo, v. 28, n. 3, 2006
9
RIBEIRO, Márcia Aparecida; FERRIANI, Maria das Graças Carvalho; REIS, Jair Naves dos.
Violência sexual contra crianças e adolescentes: características relativas à vitimização
nas relações familiares. Caderno de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, 2004
10 ARAÚJO, Maria de Fátima. Violência e abuso sexual na família. Psicologia em estudo. ,
Maringá, v. 7, n. 2, 2002
11 BOARINI, Maria Lúcia; BORGES, Roselânia Francisconi. Demanda infantil por serviços
de saúde mental: sinal de crise. Estud. psicol. (Natal) , Natal, v. 3, n. 1, 1998
12 HASSELMANN, Maria Helena; LOPES, Claudia S.; REICHENHEIM, Michael E.
Confiabilidade das aferições de estudo sobre violência familiar e desnutrição severa na
infância. Revista Saúde Pública , São Paulo, v. 32, n. 5, 1998
13 LANDINI, Tatiana Savoia. Violência sexual contra crianças na mídia impressa: gênero e
geração. Caderno Pagu , Campinas, n. 26, 2006
14 ANDRADE, Susanne Anjos e cols. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo
infantil: uma abordagem epidemiológica. Revista Saúde Pública , São Paulo, v. 39, n.
4, 2005 .
15 GOMES, Romeu e cols. Êxitos e limites na prevenção da violência: estudo de caso de
nove experiências brasileiras. Ciências e saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, 2006
16 GONCALVES, Hebe Signorini; FERREIRA, Ana Lúcia. A notificação da violência
intrafamiliar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde. Caderno Saúde
Pública , Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, 2002
17 KERR-CORRÊA, Florence e cols. Abuso sexual, transtornos mentais e doenças físicas.
Revista Psiquiatria Clínica, Botucatu, v .27 n. 5, 2000
18 CAVALCANTI, Alessandro Leite; DUARTE, Ricardo Cavalcanti. Perfil da Criança e do
Adolescente Vítima de Violência Doméstica. Revista Brasileira de ciências da Saúde. v. 8 n.
2, 2004
19 DREZETT, Jefferson e cols. Estudo de mecanismos e fatores relacionados com o abuso
sexual em crianças e adolescentes do sexo feminino. Jornal de Pediatria. (Rio de Janeiro) ,
Porto Alegre, v. 77, n. 5, 2001
20 HABIGZANG, Luísa F. e cols. Abuso sexual infantil e dinâmica familiar: aspectos
observados em processos jurídicos. Psicologia: Teoria e Pesquisa Brasília, v. 21, n. 3, 2005
21 GOMES, Romeu. Da denúncia à impunidade: um estudo sobre a morbi-mortalidade de
crianças vítimas de violência. Caderno de Saúde Pública , Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, 1998
22 GOMES, Romeu; SILVA, Cosme Marcelo Furtado Passos da; NJAINE, Kathie. Prevenção à
violência contra a criança e o adolescente sob a ótica da saúde: um estudo bibliográfico.
Ciência e saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, 1999
23 MENANDRO, Paulo Rogério Meira. Contextos de Desenvolvimento e Criança
Desassistida. Psicologia: Teoria e Pesquisa Brasília, v. 10, n. 1, 1994
24 REICHENHEIM, Michael Eduardo; DIAS, Alessandra Silva; MORAES, Claudia Leite. Coocorrência de violência física conjugal e contra filhos em serviços de saúde. Revista
Saúde Pública , São Paulo, v. 40, n. 4, 2006
25 PIRES, Joelza M. e cols. Barreiras, para a notificação pelo pediatra, de maus-tratos
infantis. Revista Brasileira Saúde Materno-Infantil. , Recife, v. 5, n. 1, 2005
26 GOMES, Romeu e cols. A saúde e o direito da criança ameaçados pela violência. Revista
Latino-Americana de Enfermagem , Ribeirão Preto, v. 7, n. 3, 1999
27 BRAZ, Marlene; CARDOSO, Maria Helena C.A. Em contato com a violência: os
profissionais de saúde e seus pacientes vítimas de maus tratos. Revista Latino-Americana
de Enfermagem , Ribeirão Preto, v. 8, n. 1, 2000
28 CAVALCANTI, Maria de Lourdes Tavares. Prevenção da violência doméstica na
perspectiva dos profissionais de saúde da família. Ciência e saúde coletiva , Rio de
Janeiro, v. 4, n. 1, 1999
29 MALDONADO, Daniela Patricia Ado; WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque. O
comportamento agressivo de crianças do sexo masculino na escola e sua relação com a
violência doméstica. Psicologia e Estudo , Maringá, v. 10, n. 3, 2005
30 SCHERER, Edson Arthur; SCHERER, Zeyne Alves Pires. A criança maltratada: uma
revisão da literatura. Revista Latino-Americana de Enfermagem , Ribeirão Preto, v. 8, n.
4, 2000
31 REICHENHEIM, Michael E.; HASSELMANN, Maria Helena; MORAES, Claudia Leite.
Conseqüências da violência familiar na saúde da criança e do adolescente: contribuições
para a elaboração de propostas de ação. Ciência e saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 4, n.
1, 1999
32 MOURA, Anna Tereza M. Soares de; REICHENHEIM, Michael E. Estamos realmente
detectando violência familiar contra a criança em serviços de saúde? A experiência de
um serviço público do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública , Rio de Janeiro,
v. 21, n. 4, 2005
33 GOMES, Romeu e cols. A abordagem dos maus-tratos contra a criança e o adolescente
em uma unidade pública de saúde. Ciência e saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 7, n.
2, 2002
34 ADED, Naura Liane de Oliveira e cols. Abuso sexual em crianças e adolescentes: revisão
de 100 anos de literatura. Revista Psiquiatria clínica, São Paulo, v. 33, n. 4, 2006
35 BRITO, Ana Maria M. e cols. Violência doméstica contra crianças e adolescentes: estudo
de um programa de intervenção. Ciência e saúde coletiva , Rio de Janeiro, v. 10, n.
1, 2005
36 ROQUE, Eliana Mendes de Souza Teixeira; FERRIANI, Maria das Graças Carvalho.
Desvendando a violência doméstica contra crianças e adolescentes sob a ótica dos
operadores do direito na comarca de Jardinópolis-SP. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 10, n. 3, 2002
37 GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo e cols. Violência Doméstica Contra Crianças e
Adolescentes e Políticas de Atendimento: Do Silêncio ao Compromisso. Revista Brasileira
Crescimento e Desenvolvimento Humano. v. 11 n. 1, 1992
38 CAVALCANTI, Maria de Lourdes Tavares. Estudo descritivo dos Registros de Violência
Doméstica no Conselho Tutelar de Niterói. Caderno de Saúde Coletiva v.7, n. 1, 1999
39 MINAYO, Maria Cecília de S; ASSIS, Simone G. Saúde e violência na infância e na
adolescência. Jornal de Pediatria. Rio de Janeiro, v. 70, n. 5, 1994
PARECER DO ORIENTADOR:
Venho por meio deste comunicado recomendar a monografia intitulada 'DIVERSAS
FACES DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O
DESENVOLVIMENTO: UM LEVANTAMENTO DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA
BRASILEIRA A PARTIR DE 1990' desenvolvida pela aluna Mariana Galesi Bueno no
último ano da graduação em Psicologia (2007) para concorrer ao prêmio Silvia Lane, devido à
alta qualidade científica do trabalho, extrema relevância e atualidade do tema, assim como dos
resultados obtidos.
Claudia Lúcia Menegatti
Professora e supervisora do curso de Psicologia da Universidade Positivo
CRP 08/04989
MOTIVAÇÃO DA AUTORA:
Muitos anos antes do início da minha graduação em Psicologia o tema 'violência' já
chamava a minha atenção e provocava em mim diversas reflexões e questionamentos. Fosse a
violência travestida de medidas educativas, ou aquela que não deixa marcas físicas ou
qualquer uma das outras faces pelas quais este fenômeno se mostra perante a sociedade desde
quando não se é possível precisar datas, ela não se mostra sem trazer consigo um profundo
sentimento de mal-estar e desamparo, sem trazer o questionamento do “porquê”.
Na graduação eu poderia dizer que todos os meus estágios e experiências práticas me
confrontaram com a violência, em diversos níveis e diferentes graus, alguns tão assimilados
pelo mundo em que vivemos que sequer são vistos como violência, porém deixam suas
marcas e conseqüências. No entanto, nesse momento eu já possuía conhecimentos conceituais
e metodológicos para tentar formular algumas respostas, embora as perguntas ainda sejam
muito mais numerosas, então decidi realizar como monografia de conclusão da graduação
uma pesquisa que objetivou verificar, entre outros aspectos, as causas e conseqüências da
violência intrafamiliar, a qual eu acredito que seja o primeiro contato que as pessoas têm com
o fenômeno da violência. Certamente ainda não tenho as respostas prontas nos resultados do
meu trabalho, mas obtive dados que permitem fazer denúncias contundentes sobre a idéia de
criação de filhos que temos como modelo, sobre o que acontece diariamente à nossa volta e
ninguém faz nada (ou é impedido de fazer), entre outros aspectos que foram apontados no
meu levantamento bibliográfico.
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