TECENDO OS FIOS DA SOCIEDADE: REFORÇANDO OS NÓS DA

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TECENDO OS FIOS DA SOCIEDADE: REFORÇANDO OS NÓS DA
INTERAÇÃO FREIRE - HABERMAS
Edna G.de.G Brennand
III Colóquio Internacional Paulo Freire
Recife – 16 à 19 de setembro de 2001
Mesa Redonda: Diálogos Interculturais
A tentativa de realizar o diálogo entre Freire e Habermas através da investigação
empírica das suas obras não teve motivos puramente acadêmicos. Reflete o devenir de
minha experiência como educadora, enraizada nas contradições que permeiam o
processo de escolarização brasileiro.
O ponto de partida remonta ao ano de 1982, quando tive a oportunidade de ver e
ouvir pela primeira vez, um pequeno homem de barbas brancas, que retornava do
exílio após a longa ditadura militar de que saíamos e que nos convidava a mudar a
face da educação elitista brasileira. O convite não era formal, continha a força e a
convicção de que a utopia estimula a busca, a conquista de outra realidade, e que
podemos projetar esta realidade e construí- la, dado que a utopia situa- se no horizonte
da experiência vivida. Paulo Freire e sua defesa intransigente dos direitos humanos, da
equidade, da liberdade instigava os educadores brasileiros a insistir numa prática
educacional dialogal como componente essencial do processo de construção
democrática. Após duas décadas imersos no silêncio e na opressão impostos pela
ditadura, este convite era um grande desafio à participação da consolidação
democrática e tinha um forte apelo a um engajamento na luta pela liberdade.
Curiosamente, num outro momento conjuntural, no ano de 1989 tive a oportunidade
de ouvir, pela primeira vez no Brasil, um professor alemão que embora com um
contexto de experiência diferente nos convidava a refletir sobre o processo sempre
inacabado da história da liberdade. Jürgen Habermas em meio à debates acirrados,
levava o público presente a interpretar o processo moderno de fragmentação da razão
de modo positivo mesmo diante das dificuldades encontradas pelo indivíduo
contemporâneo para formar racionalmente a sua identidade ameaçada. Ao percorrer
os conceitos fundamentais da sua teoria da ação comunicativa ela me transportou ao
conceito de horizonte vivo da consciência, isto é, conjunto de referências do mundo
cotidiano de atores sociais. Ao reconhecer que é no ‘ mundo da vida’ que a ‘ razão
comunicativa’ se exterioriza e se abre para estabelecer o diálogo entre indivíduos
capazes de fala e ação, Habermas me impulsionou a um retorno aos princípios da
Pedagogia do Diálogo de Freire e a realizar as primeiras aproximações que somente no
final da década de 90 tive a oportunidade de sistematizar através de pesquisa.
Refletindo inicialmente sobre as afinidades aqui sublinhadas tentei, num primeiro
momento, situar o pensamento pedagógico de Freire em relação ao pensamento mais
largo e global de Habermas. A impressão inicial das aproximações me encorajou a
aprofundar o estudo, inicialmente das obras isoladas de cada autor para em seguida
buscar as fontes inspiradoras de novas idéias e novas pistas de ação, para vislumbrar
o projeto de ambos: a construção de um novo indivíduo e uma nova sociedade.
Assim, a primeira perspectiva foi a de buscar possibilidades de fecundação recíproca
capazes de levar a novos indicadores metodológicos para a teoria da educação
popular. Foi à partir deste olhar que propus o desenvolvimento do trabalho. Procurei
encontrar uma linha de solidariedade e um horizonte de convergência sem sacrificar a
originalidade de inspiração de cada autor, de forma que creio oferecer ao leitor a
possibilidade de uma leitura original tanto de Freire como de Habermas.
No mundo complexo e fragmentado onde vivemos apagam- se as fronteiras entre
nações e regiões, entre teorias ocidentais e orientais levando-nos a constatar que
torna- se cada vez mais difícil visualizar teorias específicas ou estratégias de ação para
resolução de problemas de sociedades particulares. Não podemos erguer fronteiras, é
mais útil abrir caminhos capazes de inspirar a reflexão e nos levar a vislumbrar
estratégias de intervenção capazes de resgatar a liberdade dos atores sociais seja no
oriente, seja no ocidente. Pensar uma educação para a construção de eus competentes
dentro das camadas marginalizados sociais do Brasil é necessário reconhecer que os
problemas por elas vividos são cruciais e possuem dimensões planetárias. O grande
desafio está em construir elementos de reflexão capazes de impulsioná- los a atitudes
básicas de crítica e diálogo, fundamento básico de uma sociedade democrática.
Meu propósito não se resumiu somente a demonstrar a correspondência de idéias
entre Freire e Habermas, mas sobretudo reforçar a idéia que ambos representam um
aporte instigante para se pensar a reconstrução de um novo sujeito e de uma nova
sociedade. Ao procurar explicitar os aspectos convergentes e a utilidade dos conceitos
para a teoria educacional, não tive como fim esconder as diferenças existentes.
Compreendi tanto a partir de Freire como de Habermas que o diálogo é uma fonte
fecunda e que ele não pode existir senão à partir do reconhecimento das diferenças.
Estas diferenças existentes estão ligadas ao fato de que cada autor desenvolve suas
reflexões à partir de contextos diferentes de vida, de reflexão e de ação. Uma leitura
rápida pode esconder as afinidades em função das estruturas dos textos, da forma
literária utilizada bem como dos temas tratados. Mas a convergência mais forte é que
tanto o pensamento de Freire como o de Habermas tem como horizonte o
desenvolvimento de mecanismos de ação humanas capazes de promover a
emancipação e a transformação social.
O sentido da história, do progresso e da construção da liberdade presente no
pensamento tanto de Freire como de Habermas, remete a pensar nos gigantescos
desafios que o indivíduo moderno precisa enfrentar para atingir a consciência crítica
(Freire) ou chegar ao estágio pós- convencional (Habermas), dado que a aceleração
dos processos evolutivos traz o retardamento da tomada de consciência em função do
excesso de dinamicidade da experiência.
A interpretação dos princípios colocados na Pedagogia do Diálogo pela inclusão de
categorias da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas, permitiu visualizar que eles
contêm em si mesmos uma racionalidade hermenêutica e comunicativa. Hermenêutica
no sentido que não toma a apropriação do conhecimento do ponto de vista
monológico, procura resgatar os padrões comunic ativos e simbólicos da interação que
tornam possível a sua apreensão moldada nos significados individual e subjetivo. A
racionalidade hermenêutica permite aos indivíduos não se afastarem da comprensão
dos mundos objetivo, social e subjetivo. É sensível às construções linguísticas e à
produção de significados, à relação entre epistemologia e intencionalidade,
aprendizagem e relações sociais, isto é, o conhecimento é tratado como um ato social
específico.
A racionalidade comunicativa sem renunciar à importância da intencionalidade e do
significado viabiliza a localização do significado pela crítica e ação. Pela racionalidade
comunicativa a competência cognitiva de educadores e educandos pode evoluir de
forma positiva permitindo reconstruir a capacidade crític a embotada pela opressão.
Assim, o agir comunicativo assume relevância enquanto mediador das relações que os
falantes e ouvintes (educadores e educandos) estabelecem entre si quando se referem
a algo no mundo. Pode permitir que os meios lingüísticos possam produzir
conseqüências induzidas na ação orientada para alcançar entendimentos. O
conhecimento nesse sentido se torna o mediador da comunicação e do diálogo entre os
que aprendem.
Pelo agir comunicativo é possível transcender a consciência ingênua onde o saber se
apresenta como um conjunto de conhecimentos absolutos, abstratos com uma relação
apriorista com a realidade. Essa transcendência vai permitir que os sujeitos educativos
compreendam o saber como racional, criado por indivíduos enlaçados em
procedimentos indutivos, dedutivos e analógicos que se submetem constantemente a
um critério de verdade. Isto circunscreve sua historicidade uma vez que incorpora o
saber anterior enquanto etapa necessária de sua gênese. A ausência de dogmatismos
dado que é constantemente superado. Sua fecundidade no sentido de que é sempre
gerador de outro conhecimento.
A força da racionalidade comunicativa num diálogo fecundo mesmo nos rituais das
salas de aula não importa em que gênero de escola vai permitir aos participantes
c ompreender a tapeçaria da cultura entrelaçada no mundo da vida e entender que a
produção do saber germina no barro das relações humanas permeadas de fraquezas,
desejos de sobrevivência e transcendência. Que o saber prolifera conjunturalmente a
partir das me diações culturais e políticas que moldam os contornos de grupos e
instituições, por isso não pode ser acessível somente a alguns.
Assim, a razão comunicativa pode impulsionar a busca e a implementação de práticas
educacionais fundadas no diálogo, esgarçando a hegemonia da educação bancária,
instrumento eficiente no processo de colonização do mundo vivido.
Se a educação bancária, como argumenta Freire, tolhe a capacidade reflexiva dos
indivíduos, diríamos a partir de Habermas que também tolhe a capacidade de
expansão do eu competente capaz de sair dos processos comunicativos cotidianos para
ingressar na construção de discursos teóricos e práticos. O discurso na concepção
habermasiana é um tipo especial de ação comunicativa no qual as pretensões de
validade implícitas nas situações de fala cotidiana estão temporariamente suspensas.
No discurso teórico o sujeito procura validar ou refutar a verdade de afirmações
factuais. É o procedimento típico adotado nas ciências. No discurso prático são
tematizadas as pretensões de validade das normas existentes que precisam ser
submetidas ao critério de legitimidade. Do ponto de vista formal, os dois discursos não
diferem entre si, o que os diferencia é o tipo de validade que está em jogo. Quando
estamos validando ou tematizando fatos, fenômenos e objetos, estamos diante de um
discurso teórico ; quando se trata de verificar se as normas sociais são ou não
corretas, estamos diante de um discurso prático. Este processo parte de duas
pretensões básicas : a) as pretensões de validade das normas tem um sentido
cognitivo e podem ser tratadas como pretensões de verdade ; b) a fundamentação de
normas e ordens exige a realização de um discurso que não é possível senão sob a
forma de uma argumentação hipotético- moral.
Desta forma, a prá tica educativa dialógica proposta por Freire é um caminho fecundo
para o desenvolvimento de ações que tenham como propósito quebrar o ciclo
dominador da educação bancária onde examinar ou validar verdades compete a
sujeitos individuais dotados de razão e caminhar para ações que privilegiem a ação de
sujeitos grupais capazes de interagir e comunicar- se.
Assim, ver na educação um elemento para a implementação da consciência crítica e
conseqüentemente da cidadania, implica rever as condições da experiência
democrática brasileira. Implica pensar no princípio da universalização de oportunidades
de acesso e permanência numa escola pública, gratuita e universal não só como
discurso formal. Enfatizada como direito, a democratização da escolarização integra o
direito à educação mais ampla o que não a reduz a um espaço institucionalizado. É
imprescindível ver a educação como um instrumento privilegiado para a construção de
um espaço público político democrático. O fortalecimento e ampliação do espaço
público democrático pode minimizar os efeitos da dinâmica do desenvolvimento sobre
o mundo da vida dos grupos populares, pois, ele pode ser um veículo gerador da
capacidade intrínseca de busca da força regenerativa da linguagem para estabelecer as
relações interpessoais ent re os atores sociais. Neste sentido, pode- se bem
compreender a concepção Freiriana de educação como ato político, e o processo
pedagógico como um espaço de exercício da liberdade e do uso da força regenerativa
da linguagem. Neste sentido a força regenerativa da linguagem é a forma como o
falante atua sobre o ouvinte para criar condições de estabelecimento do discurso, da
relação interpessoal entre ambos na busca incessante de consensos (conscientização).
Desta forma, o conceito de diálogo em Freire e a compreensão da condição de
possibilidade do discurso em Habermas abrem indicadores metodológicos para que os
sujeitos educativos possam conhecer e desmascarar o uso ideológico da linguagem
para fins não interativos. Como indicadores metodológicos as categorias centrais do
pensamento de ambos os autores permitem interrogar as condições em que as
práticas educacionais são desenvolvidas, uma vez que elas não são transparentes,
possuem elementos implícitos que somente uma análise crítica pode desvendar.
Permite, ainda, aos sujeitos que participam de um processo educativo se interrogarem
sobre os efeitos e as consequências de suas práticas já que a linguagem distorcida tem
sido instrumento eficaz de perpetuação da dominação neste século de explosão da
informação, do surgimento de grande diversidade de símbolos e signos.
Embora os pontos de partida de ambos sejam diferentes, Habermas parte de uma
análise global da crise da modernidade e Freire parte de uma análise geograficamente
localizada desta crise, as reflexões encontram diversos pontos de convergências, e o
mais importante deles é o reconhecimento do diálogo como uma exigência ontológica
universal. Freire define o homem como um sujeito de relações e Habermas como um
sujeito de comunicação. É no diálogo que a experiência se realiza dentro das condições
essenciais. Em Freire como prática da liberdade em Habermas como manifestação da
racionalidade do sujeito.
Assim, ao invés de pensar em conclusões para este debate, optei por deixar pistas de
reflexão que possam abrir horizontes de pesquisa e de novas idéias para fazer face aos
complexos problemas da atualidade educativa e social que oscilam e se contraem nos
antagonismos e desafios desta nova ordem social.
Não se trata da defesa de uma « superteoria » capaz de explicar a pluralidade das
práticas educativas e os inúmeros problemas no desafio de formar o sujeito. A
perspectiva aqui colocada busca resgatar a importância da formação da competência
argumentativa dos sujeitos sociais como ponto de partida para a reestruturação da
subjetividade hoje confrontada com os paralogismos da fragmentação do mundo da
vida.
Reestruturar a concepção da educação dialógica pela compreensão de que é preciso
freiar o rítimo da colonização do mundo da vida pela preponderância da dinâmica sobre
a lógica do desenvolvimento, me parece necessário. E isto só será possível se
considerarmos que é preciso incorporar à análise do processo educativo as dimensões
de dois eixos:
- O histórico- hermenêutico, isto é, a compreensão de como os sujeitos podem
reinventar símbolos e signos para comunicar significados e interpretar fatos do
cotidiano através de um processo dialógico-consensual que visa formas de orientação
da ação ;
- o praxiológico, isto é, a compreensão de que a evolução humana não se limita ao
desenrolar cronológico, genético ou orgânico, mas também, econômico, social e
histórico. Pela práxis, isto é, pela ação-reflexão os sujeitos se liberam da hipótese
ontológica de um mundo previamente estruturado em direção à possibilidade de criar e
recriar suas instituições. Esta ação envolve a transformação do conceito de
objetividade. Só pode ser considerado válido o resultado de um consenso
intersubjetivo gestado através da interação social.
No contexto destas duas dimensões fortalece- se a relação dialética entre a
compreensão teórica e a prática. Neste processo, é possível ampliar a compreensão de
que cabe à educação uma contribuição importante para formar crianças, jovens e
adultos de forma que o desenvolvimento de suas aptidões científicas seja parte de um
processo de desenvolvimento pessoal, isto é, a formação científica deverá ser ao
mesmo tempo formação humana.
Uma sociedade que pense desenvolver- se estrategicamente na direção do futuro onde
as fronteiras são móveis, multifacetadas pela explosão da informação, da cultura
planetária e da globalização dos símbolos e signos virtuais deverá estar fortemente
direcionada à uma concepção de educação que englobe : a produção de conhecimento
e sua disseminação popular (ciência e tecnologia), sua utilização em termos políticos
(cidadania) e também em termos econômicos (produtividade).
O desenvolvimento da capacidade argumentativa dos sujeitos através da educação
dialógica coloca o campo pedagógico como catalisador do espírito crítico e criativo. No
limiar do início deste novo milênio, o movimento de fazer e refazer os sistemas de
regras pelo questionamento de sua validade ou não, implica resgatar a capacidade dos
sujeitos para o uso público dos discursos, isto é, levá-los e se tornarem capazes de
decisões autônomas.
E para isto, é preciso conectar os fios da rede. Construir pontes entre teorias e práticas
que permitam o avanço da teoria da educação. O Diálogo entre Freire e Habermas
abre uma via teórica que contribui, sem dúvida, para resgatar a importância das
possibilidades imanentes da educação popular como uma articuladora do processo de
construção de competências argumentativas e de situações ideais do uso da palavra
que venham potencializar ações voltadas ao diálogo e ao entendimento tendo em vista
a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Se pode parecer utópico e idealista vislumbrar o fortalecimento de uma teoria da
educação que tenha como horizonte uma prática educativa democrática fundada no
princípio da liberdade, da igualdade e do respeito à pessoa humana, então, será
utópico pensar na relação entre ciência e ética ou entre ciência e seu valor para a
sociedade.
Referências Bibliográficas
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