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Arritmias
Maurício Pimentel
Leandro Ioschpe Zimerman
CASO CLÍNICO
Um paciente do sexo masculino, 76 anos, vem à consulta por sentir palpitações e também relata
que já faz uma semana que as sente rápidas e irregulares, sem outros sintomas associados. Afirma
que há dois anos vem apresentando episódios semelhantes. O paciente apresenta diagnósticos de
hipertensão arterial e diabetes melito, em uso de hidroclorotiazida, 25 mg, e metformina, 850 mg.
Ao realizar exame, verificam-se: bom estado geral, frequência cardíaca de 145 bpm, pressão arterial de 156/90 mmHg; aparelho cardio vascular: ritmo irregular, 2 tempos, sem sopros; aparelho
respiratório: murmúrio vesicular uniformemente distribuído, sem ruídos adventícios; extremidades:
aquecidas e bem perfundidas.
DEFINIÇÃO
As arritmias cardíacas são alterações na atividade elétrica
normal do coração e podem ser classificadas em bradiarritmias, definidas por frequência cardíaca (FC) menor
do que 50 bpm, ou taquiarritmias, FC maior do que 100
bpm (Quadro 1.1).
EPIDEMIOLOGIA
A prevalência das arritmias cardíacas na população varia
de acordo com cada tipo específico. A fibrilação atrial é
a arritmia mais comum, com prevalência de 0,2% em
indivíduos < 55 anos e de 8 a 10% em > 80 anos.
tomatismo anormal. A reentrada depende da existência
de zonas com diferentes velocidades de condução. Para
que se forme uma reentrada, é necessário haver bloqueio
unidirecional em zona de condução lenta e retorno do
impulso por outra via (p. ex., taquicardia supraventricular por reentrada nodal atrioventricular e taquicardia
ventricular em zona de cicatriz de infarto). A atividade
deflagrada ocorre por oscilações no potencial de ação
da membrana, dependentes de um potencial prévio
(p. ex., torsade de pointes). O automatismo ocorre por
despolarizações espontâneas da célula miocárdica (p. ex.,
taquicardia atrial automática).
BRADIARRITMIAS
 Doença do nó sinusal
PATOGÊNESE
Os mecanismos causadores das arritmias cardíacas podem ser divididos em anormalidades da formação e/ou
da condução dos estímulos elétricos. Os mais comuns
são reentrada, atividade deflagrada pós-potencial e au-
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A doença do nó sinusal pode manifestar-se como bradicardia sinusal, parada sinusal, bloqueio sinoatrial e síndrome
bradicardia-taquicardia. O diagnóstico de doença do nó
sinusal, no entanto, deve ser feito com cautela, uma vez
que indivíduos normais podem apresentar bradicardia
sinusal de 35 a 40 bpm e pausas sinusais de 2 a 3 segundos.
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QUADRO 1.1 Classificação das arritmias
Bradiarritmias (FC  50 bpm)
Disfunção do nó sinusal
Bloqueios atrioventriculares
Taquiarritmias (FC  100 bpm)
Taquiarritmias com QRS estreito ( 120 ms)
Dependentes do nó AV
Taquicardia supraventricular por reentrada nodal atrioventricular
Taquicardia supraventricular por reentrada atrioventricular
Taquicardia juncional
Independentes do nó AV
Taquicardia atrial
Fibrilação atrial
Flutter atrial
Taquiarritmias com QRS largo ( 120 ms)
Taquicardia ventricular
Taquicardia supraventricular com aberrância
Taquicardia supraventricular com condução anterógrada por via acessória
 Bloqueios atrioventriculares
Os bloqueios atrioventriculares (BAV) são classificados de
acordo com o nível de bloqueio no sistema de condução. O
BAV de primeiro grau caracteriza-se por um intervalo P-R
maior do que 0,20 s, sendo que todos os impulsos são conduzidos. No BAV de segundo grau, nem todos os impulsos
são conduzidos, podendo ser classificado em Mobitz tipo I
(ou Wenckebach) e Mobitz tipo II. No tipo I, ocorre um
prolongamento progressivo do intervalo P-R, precedendo
onda P não conduzida. No bloqueio tipo II, os intervalos
PR que precedem a onda P não conduzida são constantes.
Já no BAV de terceiro grau ou bloqueio completo, nenhum
estímulo atrial é conduzido aos ventrículos e não há correlação entre as ondas P e os complexos QRS (dissociação
atrioventricular).
caracteriza-se pela ausência de ondas P visíveis ou na
porção final do QRS (Fig. 1.1).
Taquicardia supraventricular por reentrada atrioventricular  Esse tipo de taquicardia ocorre nos
pacientes que apresentam via acessória de condução
atrioventricular. Se há condução anterógrada (Wolff-Parkinson-White [WPW]), o ECG apresenta intervalo
PR menor do que 120 ms, QRS com mais de 120 ms e
com empastamento inicial (onda delta), e alterações
secundárias no segmento ST-T no sentido oposto ao do
complexo QRS. A taquicardia supraventricular por reentrada AV apresenta-se com FC entre 150 a 250 bpm. Na
forma ortodrômica (um estímulo elétrico é conduzido
aos ventrículos pelo nó AV, retornando ao átrio pela via
acessória), o QRS é estreito. Na forma antidrômica, o
ECG é de uma taquicardia com QRS largo.
TAQUIARRITMIAS
com QRS estreito
 Taquiarritmias
(< 120 ms)
As taquicardias com QRS estreito são de origem supraventricular e podem ser divididas entre dependentes e
independentes do nó atrioventricular (AV), conforme a
participação do nó AV como parte fundamental do circuito
da taquicardia.
Dependentes do nó AV
Taquicardia supraventricular por reentrada nodal
atrioventricular  A taquicardia por reentrada nodal AV
é a taquicardia supraventricular mais frequente. A FC é
geralmente entre 150 e 250 bpm, apresentando início e
término súbitos. Do ponto de vista eletrocardiográfico,
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FIGURA
1.1
Taquicardia por reentrada nodal atrioventricular; frequência
cardíaca de 180 bpm.
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Independentes do nó AV
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Taquicardia atrial  Caracteriza-se eletrocardiograficamente por FC entre 120 a 220 bpm e por apresentar
ondas P de morfologia diferente da onda P sinusal. Uma
forma particular de taquicardia atrial é a taquicardia
atrial multifocal, caracterizada pela presença de ondas P
de, pelo menos, três diferentes morfologias, e associada
com descompensação de doença pulmonar obstrutiva
crônica ou de cardiopatia.
FIGURA
Fibrilação atrial  Trata-se da arritmia crônica mais comum, tendo a idade como principal fator predisponente.
No ECG, caracteriza-se por ausência de ondas P, presença
de pequenas oscilações na linha de base, de amplitude e
morfologia variáveis (chamadas ondas F) e intervalos RR
variáveis aleatoriamente. A FC geralmente varia entre 140
a 180 bpm, podendo ser maior ou menor dependendo do
período refratário do nó AV (Fig. 1.2).
Flutter atrial  O flutter atrial ocorre com mais frequência
em pacientes com cardiopatia estrutural. No ECG, observa-se uma linha de base com ondas regulares em formato
de “dentes de serra”, em geral com frequência de aproximadamente 300 ciclos por minuto (ondas F). A frequência
ventricular depende do grau de bloqueio AV (Fig. 1.3).
Taquicardias com QRS largo (> 120 ms)  As taquiarritmias com QRS longo são, em grande maioria, de
origem ventricular. Entretanto, taquiarritmias supraventriculares também podem apresentar-se com complexo
QRS alargado na presença de bloqueio de ramo ou de via
acessória com condução anterógrada.
Taquicardia ventricular  O diagnóstico de taquicardia
ventricular (TV) é dado pela ocorrência de uma série de
1.3
Flutter atrial; frequência cardíaca de 150 bpm.
três ou mais batimentos ventriculares consecutivos com
FC maior do que 100 bpm. Arbitrariamente, define-se
TV sustentada quando essa tem uma duração maior do
que 30 segundos ou requer interrupção por instabilidade
hemodinâmica. Quanto à morfologia, pode ser monomórfica ou polimórfica.
SINAIS E SINTOMAS
As arritmias cardíacas podem ser sintomáticas ou assintomáticas. Sinais e sintomas associados a arritmias
cardíacas incluem palpitações, pré-síncope ou síncope,
dispneia, angina, hipotensão e choque.
DIAGNÓSTICO
A definição do tipo de arritmia depende de uma avaliação
adequada do ritmo. É essencial buscar a identificação da
presença de onda P e de sua relação com o complexo QRS.
A realização de ECG, no momento dos sintomas, nem
sempre é possível. Usa, então, métodos de monitoração,
como o Holter e o monitor de eventos.
O estudo eletrofisiológico invasivo (EEF) possibilita
o registro da atividade elétrica intracardíaca por meio de
eletrocateteres multipolares. O EEF pode ser indicado para
o diagnóstico diferencial de taquiarritmias, estratificação
de risco de morte, avaliação de síncope e bradiarritmias.
TRATAMENTO
 Bradiarritmias
FIGURA
1.2
Fibrilação atrial; frequência cardíaca de 140 bpm.
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No caso de instabilidade hemodinâmica, o tratamento
deve ser imediato. Para isso, administra-se atropina, intravenosamente, na dose de 0,5 mg, a cada 3 a 5 minutos,
até dose máxima de 3 mg.
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Não havendo resposta à atropina, usa-se marca-passo
temporário, transvenoso ou transcutâneo, ou infusão de
catecolaminas: dopamina ou adrenalina. A indicação
posterior de implante de marca-passo definitivo deve ser
criteriosamente avaliada.
com QRS estreito
 Taquicardias
(< 120 ms) dependentes do nó AV
Taquicardia supraventricular por
reentrada nodal atrioventricular
Nos pacientes estáveis, massagem do seio carotídeo e
administração de adenosina na dose de 6 a 12 mg, IV,
em bólus. Não havendo resposta, as opções são betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio e digital. A
amiodarona é uma alternativa na disfunção ventricular
esquerda. Havendo instabilidade hemodinâmica, faz-se
a cardioversão elétrica sincronizada, 50 a 100 J. Quanto
ao manejo crônico, há indicação crescente de ablação por
radiofrequência, com cura em 94 a 99% dos casos.
Taquicardia supraventricular por
reentrada atrioventricular
A forma mais comum de taquicardia associada à síndrome
de WPW é a taquicardia supraventricular por reentrada
AV, forma ortodrômica. O tratamento é semelhante ao
da taquicardia supraventricular por reentrada nodal
atrioventricular.
versão química ou elétrica. As opções para a cardioversão
química são amiodarona e propafenona. Caso seja uma
fibrilação atrial com menos de 48 horas de duração,
pode-se realizar cardioversão com baixo risco de embolização sistêmica. Caso tenha mais de 48 horas de duração,
a cardioversão deverá ser precedida pela realização de
ecocardiograma transesofágico a fim de excluir a presença
de trombo em átrio esquerdo ou anticoagulação prévia do
paciente por três a quatro semanas. Após a cardioversão,
deve-se realizar anticoagulação no paciente por três a
quatro semanas. A dronedarona é uma nova opção de
droga antiarrítmica que reduziu o número de hospitalizações por causa cardiovascular e morte. A ablação por
radiofrequência pode ser considerada em casos refratários.
Flutter atrial
O tratamento de flutter atrial segue a mesma estratégia
utilizada para a fibrilação atrial, inclusive com relação à
necessidade de anticoagulação. Ressalta-se que tanto o
controle da resposta ventricular quanto a cardioversão
química são mais difíceis no flutter do que na fibrilação
atrial. A cardioversão elétrica apresenta elevada taxa de
sucesso e pode ser realizada com níveis mais baixos de
energia, iniciando-se com 50 a 100 J. Diferentemente da
fibrilação atrial, a ablação por radiofrequência do flutter
atrial já é um procedimento com técnica bem estabelecida, com sucesso em 95 a 100% dos casos, podendo ser
considerado como opção inicial de tratamento.
 Taquicardias com QRS largo (> 120 ms)
com QRS estreito
 Taquicardias
(< 120ms) independentes do nó AV
Taquicardia atrial
Havendo a possibilidade de intoxicação digitálica, deve-se suspender a administração do fármaco e corrigir
eventuais distúrbios hidreletrolíticos. Se não houver, as
opções de tratamento são betabloqueadores, bloqueadores
dos canais de cálcio, sotalol, amiodarona e, eventualmente, ablação.
Fibrilação atrial
Em pacientes hemodinamicamente instáveis, o tratamento de escolha é a cardioversão elétrica sincronizada, com
carga inicial de 100 a 200 J.
Nos pacientes hemodinamicamente estáveis, busca-se
o controle da reposta ventricular ou o controle do ritmo.
As drogas para o controle da resposta ventricular são
betabloqueadores ou bloqueadores dos canais de cálcio
ou, em pacientes com disfunção ventricular esquerda ou
níveis pressóricos limítrofes, digoxina ou amiodarona. O
controle do ritmo pode ser realizado por meio da cardio-
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Taquicardia ventricular
A taquicardia ventricular sem pulso deve ser tratada da
mesma maneira que a fibrilação ventricular: desfibrilação com carga inicial de 200 J. Nos casos de taquicardia
ventricular com pulso, porém com instabilidade hemodinâmica, o tratamento utilizado é a cardioversão elétrica
sincronizada com carga inicial de 100 J. Em pacientes
estáveis, a opção inicial pode ser amiodarona ou lidocaína.
Após controle do episódio agudo, deve-se identificar
a presença ou não de cardiopatia estrutural e instituir
seu tratamento específico. Outras medidas incluem a
manutenção com drogas antiarrítmicas, colocação de
cardioversor-desfibrilador implantável e, em casos específicos, ablação por radiofrequência.
CASO CLÍNICO COMENTADO
O paciente em questão, que é hipertenso e diabético e
apresenta palpitações irregulares há uma semana, realizou ECG, por meio do qual constatou-se: fibrilação atrial,
FC de 140 bpm e alterações inespecíficas da repolarização
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LEITURAS RECOMENDADAS
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ventricular. Nesse caso de fibrilação atrial, estável hemodinamicamente, com caráter recorrente e presente há
uma semana, a opção inicial de tratamento é o controle
da resposta ventricular. As alternativas farmacológicas
disponíveis são os betabloqueadores ou os bloqueadores dos canais de cálcio. Além do controle da resposta
ventricular, considerando-se a presença de fatores de
risco, como idade, hipertensão arterial e diabetes melito,
deve-se indicar para o paciente tratamento crônico com
anticoagualante oral.
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