Capı́tulo 1 Funções de Rn em Rm: limites e continuidade Porquê estudar este tipo de funções numa licenciatura em Bioquı́mica? Para respondermos a esta questão, consideremos a equação dos gases raros dada por P V = nRT, onde P é a pressão do gás, V é o volume que o gás ocupa, n é o número de moles do gás, R é uma constante e T é a temperatura. Se quisermos calcular a pressão de um gás raro temos de usar a fórmula nRT P = V e, desta forma, a pressão depende da temperatura e do volume. Assim, P é uma função de duas variáveis (T e V ) com valores em R, ou seja, P = f (T, V ) = nRT . V O exemplo anterior dá-nos um dos motivos para estudar funções com mais do que uma variável numa licenciatura em Bioquı́mica. §1.1 Breves noções de topologia em Rn §1.1.1 Os espaços Rn Recordemos que se identifica o conjunto R dos números reais com a recta 0 a que os elementos do conjunto R2 = {(x1 , x2 ) : x1 , x2 ∈ R} podem ser representados no plano da seguinte forma 23-3-2009 2 §1.1 Breves noções de topologia em Rn x2 b b P (a, b) a x1 Figura 1.1: Representação geométrica de um ponto de R2 e que os elementos do conjunto R3 = {(x1 , x2 , x3 ) : x1 , x2 , x3 ∈ R} podem ser representados no espaço da seguinte forma x3 c b P (a, b, c) b x2 a x1 Figura 1.2: Representação geométrica de um ponto de R3 Podemos generalizar este género de conjuntos para qualquer número natural n. Assim, definimos o conjunto Rn utilizando o produto cartesiano, ou seja, Rn = R | ×R× {z· · · × R} n vezes é o conjunto formado por todos os elementos da forma x = (x1 , . . . , xn ) onde xi é um número real para i = 1, . . . , n. A cada elemento xi chamamos i-ésima coordenada de x. Em Rn vamos considerar duas operações, a adição (entre elementos de Rn ) e a multiplicação de um número real por um elemento de Rn , definidas, para cada x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ) em Rn e para cada λ ∈ R, da seguinte forma: x + y = (x1 , . . . , xn ) + (y1 , . . . , yn ) = (x1 + y1 , . . . , xn + yn ) e λx = λ (x1 , . . . , xn ) = (λx1 , . . . , λxn ) . 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.1 Breves noções de topologia em Rn 3 A adição e a multiplicação verificam, para cada x = (x1 , . . . , xn ), y = (y1 , . . . , yn ) e z = (z1 , . . . , zn ) em Rn e para cada λ, µ em R, as seguintes propriedades: a) x + y = y + x; b) x + (y + z) = (x + y) + z; c) (0, . . . , 0) ∈ Rn é o elemento neutro da adição; d) −x = (−x1 , . . . , −xn ) é o simétrico de x = (x1 , . . . , xn ), já que x+(−x) = (0, . . . , 0); e) λ (µx) = (λµ) x; f ) λ (x + y) = λx + λy; g) (λ + µ) x = λx + µx; h) 1 x = x. Por se verificarem estas propriedades, é costume dizer que Rn é um espaço vectorial. Associada a estas operações está uma outra operação, a subtracção, que é definida, para cada x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ) em Rn , por x − y = (x1 , . . . , xn ) − (y1 , . . . , yn ) = (x1 − y1 , . . . , xn − yn ). Sempre que não haja perigo de confusão, representaremos um elemento genérico de R2 por (x, y) em vez de (x1 , x2 ). Da mesma forma, um elemento genérico de R3 será por vezes representado por (x, y, z) em vez de (x1 , x2 , x3 ). §1.1.2 Distâncias e normas Em R, observando a figura que se segue |x − y| y x Figura 1.3: Distância entre dois números reais x e y verificamos que a distância entre dois números reais x e y é dada por d(x, y) = |x − y| . Vejamos como calcular a distância entre dois elementos de R2 . Para isso consideremos dois pontos x = (x1 , x2 ) e y = (y1 , y2 ) e façamos a sua representação geométrica. x2 b d( y2 b y1 x, y) x 2 − y2 x 1 − y1 x1 Figura 1.4: Distância entre dois pontos de R2 AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 4 §1.1 Breves noções de topologia em Rn Pelo teorema de Pitágoras concluı́mos que a distância entre x e y é dada por p d(x, y) = (x1 − y1 )2 + (x2 − y2 )2 . Do mesmo modo, a distância entre dois pontos x = (x1 , x2 , x3 ) e y = (y1 , y2 , y3 ) é dada por d(x, y) = p (x1 − y1 )2 + (x2 − y2 )2 + (x3 − y3 )2 . b x = (x1 , x2 , x3 ) b y = (y1 , y2 , y3 ) Figura 1.5: Distância entre dois pontos de R3 De um modo geral, dados x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ) em Rn , a distância entre x e y calcula-se usando a seguinte fórmula: p d(x, y) = (x1 − y1 )2 + (x2 − y2 )2 + · · · + (xn − yn )2 . Associado à definição de distância temos o conceito de norma. Dado x = (x1 , . . . , xn ) ∈ Rn , dizemos que a norma de x é dada por q kxk = x21 + x22 + · · · + x2n . Repare-se que se representarmos por 0 o vector nulo (0, . . . , 0) temos kxk = kx − 0k = d(x, 0) pelo que a norma de x = (x1 , . . . , xn ) é apenas o comprimento do vector x, tal como ilustra a figura seguinte no caso particular de R2 : x = (x1 , x2 ) x2 x1 Além disso, dados dois pontos x = (x1 , . . . , xn ) e y = (y1 , . . . , yn ) em Rn , temos d(x, y) = kx − yk. 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.1 Breves noções de topologia em Rn 5 A norma satisfaz as seguintes propriedades: a) kxk > 0 para qualquer x ∈ Rn ; b) kxk = 0 se e só se x = 0; c) kλxk = |λ| kxk para cada x ∈ Rn e para cada λ ∈ R; d) kx + yk 6 kxk + kyk para cada x, y ∈ Rn . (desigualdade triangular) As três primeiras propriedades apresentadas anteriormente são fáceis de verificar. Já a última propriedade é mais difı́cil de provar. §1.1.3 Bolas e conjuntos limitados Seja a = (a1 , . . . , an ) um ponto de Rn . Chama-se bola aberta de centro a e raio r > 0 ao conjunto Br (a) = {x ∈ Rn : d(x, a) < r} = {x ∈ Rn : kx − ak < r} n o p = x ∈ Rn : (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 + · · · + (xn − an )2 < r = x ∈ Rn : (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 + · · · + (xn − an )2 < r 2 e bola fechada de centro a e raio r > 0 ao conjunto Br [a] = {x ∈ Rn : d(x, a) 6 r} = {x ∈ Rn : kx − ak 6 r} n o p = x ∈ Rn : (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 + · · · + (xn − an )2 6 r = x ∈ Rn : (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 + · · · + (xn − an )2 6 r 2 . O conjunto Sr (a) = {x ∈ Rn : d(x, a) = r} = {x ∈ Rn : kx − ak = r} n o p = x ∈ Rn : (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 + · · · + (xn − an )2 = r = x ∈ Rn : (x1 − a1 )2 + (x2 − a2 )2 + · · · + (xn − an )2 = r 2 designa-se por esfera de centro a e raio r > 0. Em R a distância entre dois elementos é dada pelo módulo da diferença e, por conseguinte, as bolas são intervalos e as esferas conjuntos com dois pontos a−r a a+r a−r a a+r a−r a a+r Figura 1.6: Bola aberta, bola fechada e esfera de centro a ∈ R e raio r AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 6 §1.1 Breves noções de topologia em Rn A figura seguinte ilustra, em R2 os três conjuntos definidos anteriormente: r a2 r a2 b a2 b a1 r a1 b a1 Figura 1.7: Bola aberta, bola fechada e esfera de centro (a1 , a2 ) e raio r Em R3 a bola de centro a = (a1 , a2 , a3 ) e raio r pode ser representada por a b r Figura 1.8: Representação geométrica em R3 da bola de centro a = (a1 , a2 , a3 ) e raio r Um subconjunto A de Rn diz-se limitado se estiver contido em alguma bola centrada na origem, isto é, A ⊆ Br [0] para algum r > 0, ou seja, se existir r > 0 tal que kxk 6 r para cada x ∈ A. Os subconjuntos de Rn que não são limitados dizem-se ilimitados. §1.1.4 Interior, exterior, fronteira, aderência e derivado de um conjunto Seja A um subconjunto não vazio de Rn . Um ponto a ∈ Rn diz-se interior a A se existir ε > 0 tal que Bε (a) ⊆ A. O ponto a diz-se exterior a A se existir ε > 0 tal que Bε (a) ⊆ Rn \ A. Um ponto a ∈ Rn diz-se fronteiro a A se para cada ε > 0, Bε (a) ∩ A 6= ∅ e Bε (a) ∩ (Rn \ A) 6= ∅. 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.1 Breves noções de topologia em Rn 7 A figura que se segue ilustra estes três conceitos. O ponto a é um ponto interior ao conjunto, o ponto b é um ponto exterior ao conjunto e o ponto c é um ponto fronteiro ao conjunto. a c b Figura 1.9: Pontos interiores, pontos exteriores e pontos fronteiros O conjunto dos pontos interiores a A designa-se por interior de A e representa-se por int A ou A◦ , o conjunto dos pontos exteriores a A chama-se exterior de A e representase por ext A e o conjunto dos pontos fronteiros a A designa-se por fronteira de A e representa-se por fr A. Observações 1.1.1. 1) Da definição resulta imediatamente que int A, ext A e fr A são conjuntos disjuntos dois a dois e que Rn = int A ∪ ext A ∪ fr A. 2) Outra consequência imediata da definição é a seguinte int A = ext (Rn \ A) fr A = fr (Rn \ A) . e Exemplos 1.1.2. a) Consideremos os conjuntos A = (x, y) ∈ R2 : 1 < x < 2 ∧ 1 < y < 2 B = (x, y) ∈ R2 : 3 6 x 6 4 ∧ 1 6 y 6 2 C = (x, y) ∈ R2 : 5 6 x 6 6 ∧ 1 < y < 2 Estes conjuntos estão representados na figura seguinte y 2 A B C 1 1 AB 2 3 4 Cálculo II – Bioquı́mica 5 6 x 23-3-2009 8 §1.1 Breves noções de topologia em Rn Então o interior destes três conjuntos é dado por int A = (x, y) ∈ R2 : 1 < x < 2 ∧ 1 < y < 2 int B = (x, y) ∈ R2 : 3 < x < 4 ∧ 1 < y < 2 int C = (x, y) ∈ R2 : 5 < x < 6 ∧ 1 < y < 2 , o exterior é dado por ext A = (x, y) ∈ R2 : x < 1 ∨ x > 2 ∨ y < 1 ∨ y > 2 ext B = (x, y) ∈ R2 : x < 3 ∨ x > 4 ∨ y < 1 ∨ y > 2 ext C = (x, y) ∈ R2 : x < 5 ∨ x > 6 ∨ y < 1 ∨ y > 2 , e a fronteira é dada por fr A = (x, y) ∈ R2 : ((y = 1 ∨ y = 2) ∧ 1 6 x 6 2) ∨ ((x = 1 ∨ x = 2) ∧ 1 6 y 6 2) fr B = (x, y) ∈ R2 : ((y = 1 ∨ y = 2) ∧ 3 6 x 6 4) ∨ ((x = 3 ∨ x = 4) ∧ 1 6 y 6 2) fr C = (x, y) ∈ R2 : ((y = 1 ∨ y = 2) ∧ 5 6 x 6 6) ∨ ((x = 5 ∨ x = 6) ∧ 1 6 y 6 2) . b) Dada a bola aberta Br (a) de centro a e raio r > 0 tem-se int (Br (a)) = Br (a), ext (Br (a)) = Rn \ Br [a] e fr (Br (a)) = Sr (a). O interior, o exterior e a fronteira da bola fechada Br [a] de centro a e raio r > 0 coincidem, respectivamente, com o interior, o exterior e a fronteira de Br (a). c) É óbvio que int Rn = Rn , ext Rn = ∅ e fr Rn = ∅. d) Também temos int ∅ = ∅, ext ∅ = Rn e fr ∅ = ∅. Um ponto a ∈ Rn diz-se aderente a um subconjunto A ⊆ Rn se para cada ε > 0, Bε (a) ∩ A 6= ∅. O conjunto dos pontos aderentes de um conjunto A designa-se por aderência ou fecho de A e representa-se por A. Exemplos 1.1.3. a) Sejam A, B e C os conjuntos da alı́nea a) dos Exemplos 1.1.2. Então A = (x, y) ∈ R2 : 1 6 x 6 2 ∧ 1 6 y 6 2 B = (x, y) ∈ R2 : 3 6 x 6 4 ∧ 1 6 y 6 2 C = (x, y) ∈ R2 : 5 6 x 6 6 ∧ 1 6 y 6 2 b) Seja Br (a) a bola aberta de centro a e raio r > 0. Então Br (a) = Br [a]. 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.1 Breves noções de topologia em Rn 9 c) Também se tem Rn = Rn e ∅ = ∅. É evidente que para qualquer subconjunto A de Rn se tem A = int A ∪ fr A e int A ⊆ A ⊆ A. Sejam A um subconjunto de Rn e a ∈ Rn . Diz-se que a é um ponto de acumulação de A se para cada ε > 0, Bε (a) ∩ (A \ {a}) 6= ∅. O conjunto dos pontos de acumulação de um conjunto A representa-se por A′ e designa-se por derivado. Os pontos de A que não são pontos de acumulação de A designam-se por pontos isolados. Exemplos 1.1.4. a) Seja A = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < 1 ∪ {(2, 2) , (−2, 2)} . O conjunto A tem a seguinte representação geométrica y 2 1 -2 2 x Então int A = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 < 1 , ext A = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 > 1 \ {(2, 2) , (−2, 2)} , fr A = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = 1 ∪ {(2, 2) , (−2, 2)} , A = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 6 1 ∪ {(2, 2) , (−2, 2)} , A′ = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 6 1 . Os pontos (2, 2) e (−2, 2) são pontos isolados de A. Além disso o conjunto A é limitado porque A ⊆ B3 [0]. b) É óbvio que (Rn )′ = Rn e que (∅)′ = ∅. AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 10 §1.2 Funções de Rn em Rm §1.1.5 Conjuntos abertos e conjuntos fechados Um subconjunto A de Rn diz-se aberto se A = int A e diz-se fechado se A = A. b a conjunto aberto conjunto fechado Figura 1.10: Conjuntos abertos e conjuntos fechados §1.2 Funções de Rn em Rm §1.2.1 Definição e exemplos Seja D um subconjunto não vazio de Rn . Uma função f : D ⊆ Rn → Rm associa a cada elemento x = (x1 , . . . , xn ) de D um e um só elemento de Rm que representaremos por f (x). Como f (x) ∈ Rm , tem-se f (x) = (f1 (x), f2 (x), . . . , fm (x)) onde f1 : D ⊆ Rn → R f2 : D ⊆ Rn → R .. . fm : D ⊆ Rn → R, ou seja, cada função f : D ⊆ Rn → Rm pode ser definida por m funções fi : D ⊆ Rn → R, i = 1, 2, . . . , m, funções essas que se designam por funções coordenadas de f . Nestas condições escreve-se f = (f1 , f2 , . . . , fm ) . As funções f : D ⊆ Rn → R designam-se por funções escalares e as funções f : D ⊆ Rn → Rm , m > 1, designam-se por funções vectoriais. O conjunto D no qual está definida a função designa-se por domı́nio e o conjunto de todas as imagens de uma função designa-se por contradomı́nio, ou seja, o contradomı́nio de uma função f : D ⊆ Rn → Rm é o conjunto f (D) = {f (x) ∈ Rm : x ∈ D} . 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.2 Funções de Rn em Rm 11 Exemplos 1.2.1. a) Seja f a função dada por f (x, y) = (f1 (x, y), f2 (x, y), f3 (x, y)) x = ln(y − x), sen(xy), . 2 O domı́nio de f é o conjunto D = (x, y) ∈ R2 : y − x > 0 = (x, y) ∈ R2 : y > x cuja representação geométrica é a seguinte y y=x D 1 1 x Obviamente, f : D ⊆ R2 → R3 e o seu contradomı́nio é o conjunto f (D) = (a, b, c) ∈ R3 : − 1 6 b 6 1 . Esta função é uma função vectorial pois o seu contradomı́nio é um subconjunto de R3 . b) Consideremos a função escalar dada por f (x, y) = x ln y 2 − x . O domı́nio de f é o conjunto D = (x, y) ∈ R2 : y 2 − x > 0 = (x, y) ∈ R2 : y 2 > x cuja representação geométrica é a seguinte AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 12 §1.2 Funções de Rn em Rm y D √ x = y2 2 1 1 2 x Assim, f : D ⊆ R2 → R e o contradomı́nio de f é R. §1.2.2 Gráfico, curvas de nı́vel e superfı́cies de nı́vel Dada uma função f : D ⊆ Rn → Rm designa-se por gráfico de f o conjunto G (f ) = {(a, f (a)) : a ∈ D} . Exemplo 1.2.2. Seja f a função dada por f (x, y) = x2 + y 2 . O domı́nio desta função é R2 e o seu contradomı́nio é [0, +∞[. O gráfico desta função é o conjunto G (f ) = (x, y), x2 + y 2 : (x, y) ∈ R2 . Costuma identificar-se o ponto (x, y), x2 + y 2 de R2 × R com o ponto x, y, x2 + y 2 de R3 . Assim, G (f ) = x, y, x2 + y 2 : (x, y) ∈ R2 , cuja representação geométrica é dada por f (x, y) 5 b 2 1 y x 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.2 Funções de Rn em Rm 13 Sejam f : D ⊆ Rn → R uma função e k ∈ R. O conjunto Ck = {x ∈ D : f (x) = k} designa-se por conjunto de nı́vel k. Em R2 os conjuntos de nı́vel designam-se por curvas de nı́vel e em R3 designam-se por superfı́cies de nı́vel. Exemplo 1.2.3. Consideremos novamente a função f : R2 → R dada por f (x, y) = x2 + y 2 . As curvas de nı́vel desta função são Ck = (x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 = k . Assim, se k < 0 temos Ck = ∅. Se k = 0 temos C0 = {(0, 0)}. Finalmente, para k > 0 a √ curva de nı́vel é uma circunferência centrada em (0, 0) e de raio k. As curvas de nı́vel 1, 2 e 3 estão representadas na figura seguinte y 1 √ √ 2 3 x e podem ajudar a representar geometricamente o gráfico da função: f (x, y) 3 2 1 y x AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 14 §1.3 Limites §1.3 Limites §1.3.1 Definição, propriedades e exemplos Sejam D um subconjunto de Rn , f : D → Rm uma função, a um ponto de acumulação de D e b ∈ Rm . Dizemos que b é o limite de f quando x tende para a, e escreve-se lim f (x) = b, x→a se para cada ε > 0, existe δ > 0 tal que kf (x) − bk < ε para qualquer x ∈ D tal que 0 < kx − ak < δ. Simbolicamente, tem-se o seguinte: lim f (x) = b ⇔ ∀ε > 0 ∃δ > 0 ∀x ∈ D (0 < kx − ak < δ ⇒ kf (x) − bk < ε) . x→a Observando que kf (x) − bk < ε é equivalente a f (x) ∈ Bε (b) e que 0 < kx − ak < δ é equivalente a x ∈ Bδ (a) \ {a}, podemos dar a seguinte interpretação geométrica da definição de limite. Rn Rm D f (D) f (a) δ a ε x b f (x) Figura 1.11: Interpretação geométrica do limite em a de uma função f : D ⊆ Rn → Rm Se a for um ponto isolado do domı́nio D, então a definição dada atrás não se pode aplicar porque, quando a é um ponto isolado de D, é possı́vel escolher δ > 0 tal que 0 < kx − ak < δ é falso para qualquer x ∈ D. Assim, quando a é ponto isolado de D, por convenção, fazemos lim f (x) = f (a). x→a 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.3 Limites 15 Propriedades 1.3.1. 1) O limite de f , no ponto a, quando existe, é único. 2) Sejam f : D ⊆ Rn → Rm uma função tal que f = (f1 , . . . , fm ), a = (a1 , . . . , an ) ∈ D um ponto de acumulação de D e b = (b1 , . . . , bm ) ∈ Rm . Então lim f (x) = b se e só se lim fi (x) = bi , i = 1, . . . , m. x→a x→a 3) Sejam D ⊆ Rn , f, g : D → Rm , α : D → R e a um ponto de acumulação de D. Suponhamos que existem lim f (x), lim g(x) e lim α(x). x→a x→a x→a Então i) existe lim [f (x) + g(x)] e x→a lim [f (x) + g(x)] = lim f (x) + lim g(x); x→a x→a x→a ii) existe lim [α(x)f (x)] e x→a h i h i lim [α(x)f (x)] = lim α(x) . lim f (x) ; x→a iii) se lim α(x) 6= 0, existe lim x→a x→a x→a x→a 1 e α(x) lim x→a 1 1 = . α(x) lim α(x) x→a 4) Sejam D ⊆ Rn , a um ponto de acumulação de D e f, g : D ⊆ Rn → R. Suponhamos que lim f (x) = 0 e g é uma função limitada numa bola centrada em a. Então x→a lim [f (x).g(x)] = 0. x→a 5) Sejam f : Df ⊆ Rn → Rm , g : Dg ⊆ Rm → Rk duas funções tais que que f (Df ) ⊆ Dg . Suponhamos que a ∈ Rn é um ponto de acumulação de Df e que b ∈ Dg é um ponto de acumulação de Dg . Se lim f (x) = b e x→a lim g(x) = g(b), x→b então lim (g ◦ f )(x) = lim g(f (x)) = g(b). x→a AB x→a Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 16 §1.3 Limites Rn Rm Df g (Dg ) Dg f (Df ) f Rk g a g(b) b b b b g◦f Figura 1.12: Composição de funções Exemplos 1.3.2. a) Seja f : R2 → R3 a função definida por f (x, y) = (x + y, sen(x + 2y), cos x) . Então f = (f1 , f2 , f3 ) onde f1 , f2 , f3 : R2 → R são as funções definidas por f1 (x, y) = x + y, f2 (x, y) = sen(x + 2y) e f3 (x, y) = cos x. Como lim f1 (x, y) = lim f2 (x, y) = lim f3 (x, y) = (x,y)→(π/2,0) (x,y)→(π/2,0) (x,y)→(π/2,0) lim x + y = π/2 + 0 = π/2 lim sen(x + 2y) = sen(π/2 + 2.0) = sen(π/2) = 1 lim cos x = cos(π/2) = 0, (x,y)→(π/2,0) (x,y)→(π/2,0) (x,y)→(π/2,0) temos lim (x,y)→(π/2,0) f (x, y) = lim (x,y)→(π/2,0) f1 (x, y), lim (x,y)→(π/2,0) f2 (x, y), lim (x,y)→(π/2,0) f3 (x, y) = (π/2, 1, 0) . b) Seja f : R2 → R a função dada por 2 xy f (x, y) = x2 + y 2 0 se (x, y) 6= (0, 0), se (x, y) = (0, 0). Esta função pode ser escrita, quando (x, y) 6= (0, 0), da seguinte forma x 23-3-2009 y2 . x2 + y 2 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.3 Limites Como 17 lim (x,y)→(0,0) x=0 e 06 x2 x2 y2 é limitada, pois + y2 y2 6 1 para cada (x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)} , + y2 podemos concluir que xy 2 = 0. (x,y)→(0,0) x2 + y 2 lim e, consequentemente, lim (x,y)→(0,0) f (x, y) = 0. §1.3.2 Limites relativos e limites direccionais Seja A um subconjunto de D ⊆ Rn e a um ponto de acumulação de A. Chama-se limite de f : D → Rm no ponto a relativo a A (ou limite quando x tende para a no conjunto A) ao limite em a (quando exista) da restrição de f a A e usa-se a notação lim f (x). x→a x∈A É evidente que se existe lim f (x), x→a então também existe lim f (x) x→a x∈A para qualquer subconjunto A de D tal que a é ponto de acumulação de A e lim f (x) = lim f (x). x→a x∈A x→a Assim, se existirem dois limites relativos distintos, o limite não existe. Além disso, se A1 e A2 são dois subconjuntos de Rn tais que a é ponto de acumulação de A1 e de A2 , D = A1 ∪ A2 e existem e são iguais os limites lim f (x) e lim f (x), então x→a x∈A1 x→a x∈A2 também existe lim f (x) e x→a lim f (x) = lim f (x) = lim f (x). x→a x→a x∈A1 x→a x∈A2 Para funções reais de variável real, f : D ⊆ R → R, considerando os conjuntos Da+ = {x ∈ D : x > a} = D ∩ ]a, +∞[ e Da− = {x ∈ D : x < a} = D ∩ ] − ∞, a[, AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 18 §1.3 Limites definem-se os limites laterais à direita e à esquerda da seguinte forma lim f (x) = lim f (x) e lim f (x) = lim f (x), x→a+ x→a x∈Da+ x→a− x→a x∈Da− desde que a seja ponto de acumulação de Da+ e de Da− , respectivamente. A generalização natural dos limites laterais a funções f : D ⊆ Rn → Rm é dada pelos limites direccionais. Se a e v são elementos de Rn , com v 6= 0, então {x ∈ Rn : x = a + tv, t ∈ R} é a recta que passa por a e tem a direcção de v e x ∈ Rn : x = a + tv, t ∈ R+ é a semi-recta de origem a e com a direcção e o sentido de v. Dada uma função f : D ⊆ Rn → Rm , supondo que a é um ponto de acumulação de D e fazendo A = x ∈ D : x = a + tv, t ∈ R+ , chama-se a lim f (x) x→a x∈A limite (direccional) de f no ponto a segundo v. Este conceito generaliza o conceito de limite lateral de funções reais de variável real. Este limite obtém-se calculando lim f (a + tv). t→0+ Exemplo 1.3.3. Seja f : R2 \ {(0, 0)} → R a função definida por x2 − y 2 . x2 + y 2 f (x, y) = Fazendo v = (cos α, sen α) , com α ∈ [0, 2π[, temos lim f (0 + t cos α, 0 + t sen α) = lim t→0+ t→0+ t2 cos2 α − t2 sen2 α = cos2 α − sen2 α t2 cos2 α + t2 sen2 α e, como os limites direccionais dependem do vector v, podemos concluir que não existe lim (x,y)→(0,0) 23-3-2009 f (x, y). Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.3 Limites 19 Para funções f : D ⊆ R → R é fácil provar que se existem lim f (x) e x→a+ lim f (x) x→a− e lim f (x) = lim f (x), x→a+ x→a− então também existe lim f (x) x→a e lim f (x) = lim f (x) = lim f (x). x→a x→a+ x→a− No entanto, para funções f : D ⊆ Rn → Rm , n > 1, é possı́vel existirem e serem iguais todos os limites direccionais, sem que o limite da função exista. Vejamos um exemplo em que isso acontece. Exemplo 1.3.4. No ponto (0, 0) todos os limites direccionais da função f : R2 \ {(0, 0)} → R definida por f (x, y) = x2 y + y2 x4 são iguais a zero. De facto, fazendo v = (cos α, sen α) , com α ∈ [0, 2π[, temos, para α ∈]0, π[∪]π, 2π[, lim f ((0, 0) + tv) = lim f (t cos α, t sen α) t→0+ t→0+ t3 cos2 α sen α t→0+ t4 cos4 α + t2 sen2 α t cos2 α sen α = lim 2 t→0+ t cos4 α + sen2 α 0 = 0 + sen2 α = 0. = lim Se α = 0 vem lim f (t, 0) = lim t→0+ t→0+ t4 t2 0 = lim 0 = 0. + 02 t→0+ e se α = π temos lim f (−t, 0) = lim t→0+ t→0+ (−t)2 0 = lim 0 = 0. (−t)4 + 02 t→0+ Assim, todos os limites direccionais são iguais a zero. No entanto, considerando o conjunto A = (x, y) ∈ R2 \ {(0, 0)} : y = x2 AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 20 §1.4 Continuidade temos f (x, y) = lim f (t, t2 ) = lim lim t→0 t4 t→0 (x,y)→(0,0) x∈A t2 .t2 1 1 = lim = + (t2 )2 t→0 2 2 que é diferente dos limites direccionais. Logo não existe lim x2 y . + y2 (x,y)→(0,0) x4 §1.4 Continuidade Sejam D um subconjunto de Rn , f : D → Rm uma função e a ∈ D. Diz-se que f é contı́nua no ponto a se lim f (x) = f (a). x→a Tendo em conta que convencionamos que, quando a é um ponto isolado de D, temos lim f (x) = f (a), x→a podemos concluir que nos pontos isolados do domı́nio a função é sempre contı́nua. Se a ∈ D for ponto de acumulação de D temos que f é contı́nua em a ⇔ lim f (x) = f (a) x→a ⇔ ∀ε > 0 ∃δ > 0 ∀x ∈ D (0 < kx − ak < δ ⇒ kf (x) − f (a)k < ε) ⇔ ∀ε > 0 ∃δ > 0 ∀x ∈ D (kx − ak < δ ⇒ kf (x) − f (a)k < ε) . Assim temos a seguinte interpretação geométrica de continuidade num ponto. Rn Rm D f (D) δ a x ε f (a) f (x) Figura 1.13: Função de Rn em Rm contı́nua no ponto a Dizemos que a ∈ D é um ponto de descontinuidade de f se f não é contı́nua em a. Uma função f : D → Rm diz-se contı́nua se for contı́nua em todos os pontos do seu domı́nio. 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB §1.4 Continuidade 21 Exemplos 1.4.1. 1) No Exemplo 1.3.2 considerámos a função f : R2 → R3 dada por f (x, y) = (x + y, sen(x + 2y), cos x) e vimos que lim (x,y)→(π/2,0) f (x, y) = (π/2, 1, 0) . Como f (π/2, 0) = (π/2, 1, 0) , a função é contı́nua no ponto (π/2, 0). 2) Seja f : R2 → R a função definida por 2 2 x − y f (x, y) = x2 + y 2 0 se (x, y) 6= (0, 0) se (x, y) = (0, 0). No Exemplo 1.3.3 vimos que não existe x2 − y 2 , (x,y)→(0,0) x2 + y 2 lim pelo que f não é contı́nua no ponto (0, 0). Propriedades 1.4.2. 1) Sejam f : D ⊆ Rn → Rm uma função tal que f = (f1 , . . . , fm ) e a um elemento de D. Então f é contı́nua em a se e só se todas as suas funções coordenadas fi são contı́nuas em a. 2) Sejam f, g : D ⊆ Rn → Rm duas funções contı́nuas em a ∈ D e α : D → R uma função contı́nua em a. Então f + g e αf são contı́nuas em a e se α(a) 6= 0 então 1 é contı́nua em a. α 3) Sejam f : Df ⊆ Rn → Rm , g : Dg ⊆ Rm → Rk duas funções tais que f (Df ) ⊆ Dg . Se f é contı́nua em a ∈ Df e g é contı́nua em f (a), então g ◦ f é contı́nua em a. Exemplo 1.4.3. Seja f : R2 → R a função definida por 2 x y se (x, y) 6= (0, 0), f (x, y) = x4 + y 2 0 se (x, y) = (0, 0). AB Cálculo II – Bioquı́mica 23-3-2009 22 §1.4 Continuidade No Exemplo 1.3.4 provámos que não existe x2 y . (x,y)→(0,0) x4 + y 2 lim Logo a função não é contı́nua em (0, 0). No entanto, em qualquer ponto (a, b) 6= (0, 0) esta função é contı́nua porque pode ser escrita como a composição de funções contı́nuas. Seja f : D ⊆ Rn → R uma função escalar e A um subconjunto não vazio de D. Dizemos que f tem um máximo (absoluto) no ponto a ∈ A ou que f (a) é um máximo (absoluto) de f em A se f (x) 6 f (a) para todo o x ∈ A. Quando f (x) > f (a) para todo o x ∈ A, dizemos que f tem um mı́nimo (absoluto) no ponto a ∈ A ou que f (a) é um mı́nimo (absoluto) de f em A. Os máximos e mı́nimos (absolutos) de f em a dizem-se extremos absolutos de f em A. Teorema 1.4.4 (Teorema de Weierstrass). Seja f : D ⊆ Rn → R uma função contı́nua num subconjunto não vazio, fechado e limitado A ⊆ D. Então f tem máximo e mı́nimo em A. Exemplo 1.4.5. Sejam e f a função dada por A = (x, y) ∈ R2 : |x| 6 1, |y| 6 1 f (x, y) = x + y sen x. A função f é contı́nua em R2 e, portanto, é contı́nua em A. Como A é fechado e limitado, f tem máximo e mı́nimo no conjunto A. 23-3-2009 Cálculo II – Bioquı́mica AB