UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CLAUDIA FREITAS DOS SANTOS O PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE NO EXERCÍCIO DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA BIGUAÇU 2010 1 CLAUDIA FREITAS DOS SANTOS O PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE NO EXERCÍCIO DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA Projeto de Monografia apresentado como requisito final da disciplina de Metodologia da Pesquisa Jurídica do Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí. Orientador: Dr. Gilberto Callado de Oliveira BIGUAÇU 2010 2 CLAUDIA FREITAS DOS SANTOS O PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE NO EXERCÍCIO DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO NA LEI MARIA DA PENHA Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Direito Penal e Direito Processual Penal Local, 22 de novembro 2010. Prof. Dr. Gilberto Callado de Oliveira UNIVALI – Campus de Biguaçu Orientador Prof. MSc. Nome Instituição Membro Prof. MSc. Nome Instituição Membro 3 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, novembro de 2010. Claudia Freitas dos Santos 4 AGRADECIMENTOS À Deus mestre maior, pela sabedoria de vida que não encontrei nos livros. Aos Professores que contribuíram nesta jornada. Em especial ao Professor Orientador Gilberto Callado de Oliveira, pela paciência e dedicação. À minha filha agradeço a compreensão pelos momentos ausentes e pelo apoio. Em especial ao meu esposo Dejair, pela ajuda e compreensão ao longo da nossa vida em comum, e pelo esforço dedicado nestes cinco anos da nossa caminhada acadêmica. À professora Marilene do Espírito Santo, pelas excelentes aulas de Direito Penal, e carinho e dedicação à nossa turma. Aos demais professores pelos importantes ensinamentos. À meus pais que souberam me ouvir com paciência além de acreditar nos meus ideais, bem como por terem sempre uma palavra de incentivo. Aos colegas de turma, pelo incentivo e pelo apoio constantes. À Universidade do Vale do Itajaí, aos diretores, aos coordenadores, aos professores e aos funcionários por tudo que fizeram por nós alunos do Curso de Direito. 5 RESUMO Esse estudo tem como objetivo analisar a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), no que se refere à questão da representação da ofendida, e seu direito à renúncia (ou retratação). Não há entendimento pacífico na doutrina sobre o cabimento de ação penal pública condicionada ou incondicionada nos casos dos crimes de violência doméstica ou familiar contra a mulher, portanto, pretende-se avaliar aqui, com base nas opiniões expressas na doutrina, qual seria o correto entendimento da referida Lei, no tocante ao direito da vítima de não mover uma ação penal contra o agressor, caso essa, não seja a sua vontade. Para tanto, avaliam-se as características das espécies de ação penal presentes em nosso ordenamento jurídico, suas características, condições e aplicabilidade. É apresentado um histórico da violência doméstica e das tentativas realizadas para combatê-la, até o surgimento da Lei Maria da Penha que, representou um avanço no que diz respeito ao combate contra os crimes realizados contra mulheres no ambiente doméstico ou familiar, contudo, tal lei é amiúde considerada inconstitucional. Por isso, faz-se necessária uma análise minuciosa da interpretação da Lei n. 11.340/2006, haja vista, a manifestação de parte da doutrina, cujas críticas se concentram nas supostas contradições existentes na redação de alguns dispositivos dessa Lei, face às disposições de outros diplomas legais. Palavras-chave: Lei Maria da Penha; Renúncia; Retratação; Representação. 6 ABSTRACT That study has as objective analyzes the law Maria da Penha (Law n. 11.340/2006), in what he/she refers to the subject of the representation of the offended, and your right to the renouncement (or retractation). there is not peaceful understanding in the doctrine on the pertinence of conditioned public criminal procedure or incondite in the cases of the crimes of violence domestic or family against the woman, therefore, it intends to evaluate here, with base in the expressed opinions in the doctrine, which would be the correct understanding of the referred Law, concerning the victim's right of not moving a criminal procedure against the aggressor, I marry that, be not your will. For so much, the characteristics of the present criminal procedure species are evaluated in our juridical ordnance, your characteristics, conditions and applicability. A report of the domestic violence is presented and of the attempts accomplished to combat her, until the appearance of the law Maria da Penha that, it represented a progress in what he/she concerns the combat against the crimes accomplished against women in the atmosphere domestic or family, however, such law is frequent considered unconstitutional. Therefore, it is done necessary a meticulous analysis of the interpretation of the Law n. 11.340/2006, have seen, the manifestation of part of the doctrine, whose critics concentrate on the supposed existent contradictions in the composition of some devices of that Law, face to the dispositions of other legal diplomas. Word-key: Law Maria da Penha; Renouncement; Retractation; Representation. 7 "Vivi debruçado sobre os Códigos e posso dizer-vos que a sociedade e os Códigos não encontram solução para o problema do amor." (Humberto de Campos) 8 ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS Arts. - Artigos CC/02 - Código Civil Brasileiro de 2002 CEJIL - Centro pela Justiça pelo Direito Internacional CLADEM - Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher CP - Código Penal CPP - Código Processo Penal CR/88 - Constituição República Federal de 1988 CRFB/1988 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 MP - Ministério Público OEA - Organização dos Estados Americanos STJ - Superior Tribunal de Justiça STF - Supremo Tribunal Federal VPI - Verificação da Procedência das Informações 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..........................................................................................................10 1 DA AÇÃO PENAL ............................................................................................12 1.1 CONCEITO DA AÇÃO PENAL.....................................................................12 1.2 CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO PENAL ......................................................18 1.3 ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL NO DIREITO BRASILEIRO..........................20 1.3.1 Ação penal pública condicionada .............................................................20 1.3.2 Ação penal pública incondicionada..........................................................24 1.3.3 Ação penal privada.....................................................................................26 1.4 AS CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL ............................................................30 1.4.1 Possibilidade jurídica do pedido...............................................................31 1.4.2 Interesse de agir .........................................................................................32 1.4.3 Legitimação para agir.................................................................................33 1.4.4 Justa causa .................................................................................................34 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI 11340/2006 ...........................................37 2.1 BREVES APONTAMENTOS HISTÓRICOS.................................................37 2.2 POSICIONAMENTOS DOS JURISTAS ACERCA DA APLICAÇÃO DA LEI 45 2.3 O PROCEDIMENTO DA LEI MARIA DA PENHA.........................................51 3 O PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE NO EXERCÍCIO DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO LEI MARIA DA PENHA ..................................................56 3.1 RENÚNCIA NA REPRESENTAÇÃO ............................................................57 3.2 REPRESENTAÇÃO E RENÚNCIA NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ...............................................................................59 3.3 REPRESENTAÇÃO E RENÚNCIA NA LEI MARIA DA PENHA...................65 CONCLUSÃO ...........................................................................................................78 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................81 10 INTRODUÇÃO A Lei nº 11.340 foi promulgada em sete de agosto de 2006 e, entrou em vigor, 45 dias depois da data de sua promulgação, sendo batizada como Lei Maria da Penha em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes que, foi vítima de violência doméstica e empreendeu lutas para a promulgação de uma legislação mais rigorosa no país. Contudo, esse novo estatuto legal, apesar de vários avanços, apresenta problemas na interpretação de alguns de seus dispositivos, mormente o artigo 41, que afasta por completo a aplicação da Lei nº 9.099/95, nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher. Não obstante o seu nobre objetivo, a nova lei suscita divergências no âmbito doutrinário, pois, alguns dispositivos foram redigidos de modo confuso, o que possibilita diferentes leituras. Esse estudo analisará o histórico da legislação para combater a violência doméstica até a promulgação da referida lei, bem como, seus aspectos positivos e negativos. Um dos temas mais discutidos em relação a esse estatuto é a representação da ofendida, já que, parte da doutrina considera que a todas as infrações penais tipificadas pela Lei 11.340/06 aplicam-se ações penais incondicionadas à representação; por outro lado, muitos autores pensam que o princípio da oportunidade tem que ser respeitado. Assim, discute-se aqui, tanto a correta interpretação dos dispositivos dessa Lei, quanto sua constitucionalidade com base nas opiniões expressas pela doutrina e, no estudo da natureza das ações penais e a aplicabilidade do princípio da oportunidade, em respeito à vontade da ofendida de mover ou não a ação penal. O objetivo dessa pesquisa é analisar a possibilidade de renúncia ou retratação nos crimes aos quais se aplica a Lei Maria da Penha, haja vista a polêmica existente na doutrina, sobre a aplicabilidade da ação penal pública condicionada nesses casos. Para obter esse objetivo, foi utilizado o método dedutivo na argumentação, pois esse método permite demonstrar, mediante o raciocínio lógico, a veracidade das conclusões a partir de suas premissas. Quanto à metodologia empregada, optou-se para a condução desta pesquisa técnicas de documentação indireta, através da pesquisa documental, como 11 os princípios contidos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como também das Leis 9.099/95, 11.340/06, jurisprudências, ente outros; a pesquisa bibliográfica em internet, livros, artigos, jornais e revistas que tem relação com o tema em estudo, a fim de, alcançar os objetivos do presente trabalho. O primeiro capítulo aborda a ação penal, suas espécies, características e condições, tais como a possibilidade jurídica do pedido, a legitimação e o direito de agir, bem como a justa causa. A violência doméstica e seu histórico são analisados no segundo capítulo, no qual também se estuda a Lei Maria da Penha em seus aspectos procedimentais, além de ser feito um apanhado sobre a opinião expressa por juristas e doutrinadores a respeito das questões polêmicas que envolvem essa lei. Já no terceiro capítulo, o foco recai sobre o princípio da oportunidade no exercício da renúncia à representação. Apresentam-se também as mudanças procedimentais ocorridas com o advento da Lei 11.340/2006, em comparação ao que ocorria nos Juizados Especiais Criminais. 12 1 DA AÇÃO PENAL No sistema processual penal brasileiro, a ação penal pode ser pública ou privada, sendo que, a primeira pode ser incondicionada ou condicionada à representação e, esta última, pode ser exclusivamente privada ou privada subsidiária da pública. Nesse estudo, o mais importante é a avaliação de qual espécie de ação penal é cabível às práticas delituosas sobre as quais incide a Lei Maria da Penha, posto que, discute-se o direito da ofendida à renúncia da representação. Logo, o passo inicial dessa análise deve ser a exposição das características da ação penal, em suas diferentes formas, para uma avaliação do procedimento jurídico apropriado em relação aos crimes que se encontram no escopo da Lei nº 11.340/2006. 1.1 CONCEITO DA AÇÃO PENAL O conceito de ação penal, nas palavras de Capez está definido como: [...] o direito de pedir ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo a um caso concreto. É também o direito público subjetivo do Estado-Administração, único titular do poder-dever de punir, de pleitear ao Estado-Juiz a aplicação do direito penal objetivo, com a conseqüente satisfação da pretensão punitiva1. Nas civilizações antigas, anteriores ao Código de Hamurábi (Babilônia) e ao Código de Manu (Índia), se um indivíduo sentia que seu direito havia sido violado, surgia o desejo de vingança. No entanto, a necessidade de regular a vida em sociedade fez surgir o Estado e sua sistemática jurídica: o Direito e os direitos subjetivos e, conseqüentemente, o direito de ação, o qual pode ser definido como o 1 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 101. 13 direito que o cidadão tem de invocar a atividade jurisdicional do Estado com vistas na solução de seus litígios e no reconhecimento de seus direitos.2 O Estado, sintetizando uma luta secular em que se resume a própria história da civilização, suprimiu a autodefesa e avocou a si o direito de dirimir os litígios existentes entre os indivíduos. Assumiu o dever de distribuir justiça criando, com essa finalidade, tribunais e juízos para tornar em efetiva a proteção dos direitos e interesses individuais garantidos pela ordem jurídica.3 As deficiências do julgamento feito por membros da própria sociedade, juntamente com a arbitrariedade dele decorrente e, aliadas ainda, ao processo de evolução das sociedades, culminaram na instauração de um instrumento desvinculado das partes envolvidas no fato para a realização do julgamento. Sobre a existência da ação e dos seus limites ao sujeito e ao Estado, Marques esclarece: Se a limitação da autodefesa criou o direito de ação para os indivíduos, também a limitação da auto-executoriedade de certos atos estatais fez nascer para o Estado o direito de agir, a fim de que possa impetrar de seus juízes a aplicação da norma legal.4 A administração da justiça passa a ser responsabilidade do Estado que, executa tal tarefa por meios legais e civilizados. Só há aplicação de pena por meio de um processo legal, no qual, o Estado é parte legítima para iniciar a ação se, provocado pela parte interessada ou se noticiado da ocorrência de algum crime. Quando o indivíduo se sentir lesado e reclamar a aplicação da sanção que compete ao Estado aplicar, é dever deste, apurar se há conduta descrita como ilícita e a ela cominada uma sanção. 5 O direito de ação se fundamenta na inadmissibilidade da autodefesa. É garantido pela Constituição no inciso XXXV, do art. 5º, da Magna Carta que, 2 BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 691. 3 Ibid. 4 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Kookseller, 1997. v.I. p. 285. 5 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. I. p. 291. 14 consagra o direito de acesso ao judiciário, segundo o qual: “A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”. O Direito Constitucional transformou a ação em um direito individual, um direito público subjetivo do cidadão em face do Estado, para a tutela da ordem jurídica: [...] foi dado ao indivíduo, não só amparo jurisdicional mesmo contra a violação de seus direitos, praticada pelo poder público, como ainda a garantia de que lhe não pode ser subtraído, em nenhum caso, o direito de invocar o Judiciário, quando sentir atingidos os interesses que a lei lhe tutela.6 O acesso ao judiciário é uma garantia constitucional, já que, o Estado tomou para si a tarefa de administrar a justiça. A garantia do direito de ação se funda no pacto que o Estado celebrou com a sociedade. Se não é permitida a autodefesa, há o dever de garantir a ordem social, assegurando o direito de ação a todos os cidadãos. Cintra, Grinover e Dinamarco definem sinteticamente a ação da seguinte forma: “ação é o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício)”.7 Todo o cidadão tem o direito de pedir ao judiciário a reparação de ato danoso por aquele que praticou a lesão ou a ameaça. Nisso, consiste o direito de ação. A constituição assegura a todo aquele que afirma ter sofrido lesão ou ameaça em direito individual o direito de invocar a jurisdição, a instaurar processo e a pedir a tutela jurisdicional, direito esse a que se dá o nome de ação 8. Diversas teorias da ação surgiram ao longo da História. A Teoria Civilista deriva da conceituação romana de Celso, conforme a qual, a ação era o direito de pedir em juízo o que se é devido (nihil aliud est actio quan ius, quo sibi debeatur, in 6 MARQUES, 1997, p. 268. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel, Teoria Geral do Processo, 23ª ed., Malheiros Editores, 2007, pág.265 8 MARQUES, op. cit., p. 122. 7 15 indicio persequendi). O conceito romano suscitava indagações sobre a natureza do ius actions, e a doutrina civilística influenciou a maioria dos juristas do século XIX.9 Ainda em meados do século XIX, surgiu na Alemanha, uma polêmica entre Windscheid e Muther sobre a actio romana e seu desenvolvimento até a ação no direito da época. Tal polêmica colocou em destaque e separados, o direito e a ação. Muther, combatendo o rival teórico, defendia que a ação se consistia no direito à tutela do Estado por parte de quem fosse ofendido em seu direito. A ação é um direito de invocar a tutela jurisdicional do Estado. É um direito público subjetivo. Desta forma, distinguia-se o direito subjetivo material, a ser tutelado, do direito de ação, que era direito subjetivo público10. A teoria do Direito Concreto à Tutela, por sua vez, surgiu com Adolpho Wach em 1885 e, contribuiu com a demonstração da autonomia do direito de ação. A ação é um direito autônomo, pois não teria por base um direito subjetivo, ameaçado ou violado. Dirige-se contra o Estado, já que, é o direito da vítima exigir proteção jurídica, mas, também contra o adversário, do qual, é exigida a sujeição. A ação seria um direito público e concreto, ou seja, um direito existente em casos concretos em que o direito subjetivo estivesse presente11. Chiovenda12, discípulo de Wach, teorizou que, a ação é um direito autônomo, conforme proclamava a doutrina alemã. Porém, para ele, a ação não se dirige contra o Estado, e sim, contra o adversário. Não há direito de ação contra o Estado, há apenas o direito de provocar a atividade jurisdicional contra o adversário. O direito de ação seria um direito potestativo, um direito de poder que visa a um efeito jurídico a favor de um sujeito e, contra outro. Esta teoria define a ação como o poder jurídico de realizar alguma condição necessária para a atuação da vontade da lei13. 9 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p. 250. MARQUES, 1997, p. 149. 11 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 251. 12 Giuseppe Chiovenda foi um jurista italiano ao qual pode-se atribuir o mérito de dar início ao que, posteriormente, seria chamado de “Escola Italiana de Direito Processual”. O Código de Processo Civil Italiano de 1940 apresenta fortes influências suas. 13 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 251. 10 16 A Teoria da Ação no sentido abstrato surgiu na Alemanha e na Hungria, com Degenkolb e Plosz14, respectivamente. Para estes processualistas não bastava distinguir a ação do direito material invocado ao qual aquele se condiciona, pois que, não deixa de haver ação quando uma sentença justa nega o direito invocado pelo autor, como também, quando a sentença concede o direito a quem não o tenha realmente. Isso quer dizer que, o direito de ação independe da existência efetiva do direito invocado. Na Itália, Alfredo Rocco defendeu as idéias de Degenkolb com fundamentação própria: quando a intervenção do Estado para a tutela de interesses ameaçados ou violados é solicitada, surge o interesse à tutela daqueles pelo Estado.15 “Para que se configure o direito de ação é suficiente que o indivíduo se refira a um interesse primário, juridicamente protegido. Tal direito de ação é exercido contra o Estado”.16 A Teoria Eclética da Ação, por outro lado, afirma que, o direito de ação é autônomo e abstrato; considerando que, este só existe quando estiverem presentes condições que o legitimem no processo. As condições da ação para a teoria eclética são a possibilidade jurídica do pedido; o legítimo interesse; e, a legitimação para agir. O erro dessa teoria é confundir ação e direito subjetivo. A ação deve ser um agir conforme o direito. Hoje há diversas objeções a essas teorias. A doutrina, em geral, conceitua hoje a ação como um direito subjetivo, admite o interesse do Estado no exercício da função jurisdicional, mas, não vê nisso incoerência com a afirmação de existir uma obrigação de exercê-la. O conflito de interesses não é visto como essencial à noção de obrigação. O obrigado pode ter interesse no cumprimento de sua obrigação e, nem assim, estará isento dessa obrigação.17 14 Conforme Fernando da Costa Tourinho Filho: “Ainda no fim do século XIX, dois notáveis juristas, Plòsz e Degenkolb, em trabalhos que tiveram grande repercussão, proclamaram o caráter abstrato do direito de ação, na sua forma mais radical. Consideravam a ação como um direito público, subjetivo, abstrato, genérico, indeterminado. Não se confundia com o direito, porque sua existência independia de um direito subjetivo material e de que o autor tivesse ou não razão. O réu podia ganhar a demanda, mas não podia impedir o ingresso do autor em juízo. A ação era um direito que pertencia mesmo àqueles que não tinham razão” in: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 299. 15 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, op. cit., p. 251. 16 Ibid., p. 252. 17 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. v.1. 17 A tutela jurisdicional é manifesta por meio de medidas cautelares ou preventivas, além de pressupor um processo de conhecimento; já, a tutela de execução, reclama atos que visem realizar a sentença proferida em ação de conhecimento; a tutela jurisdicional cautelar protege os interesses das partes em perigo devido à demora da providência jurisdicional de conhecimento ou de execução18. As ações de conhecimento tendem a obter uma decisão, uma sentença; reúnem-se em três grupos19: a) Ações meramente declaratórias: o conflito entre as partes está na incerteza da relação jurídica que a ação pretende tornar certa, desfazendo a dúvida quanto à relação jurídica em que se encontram as partes, ou então, declarar a inexistência desta relação. Fundamentam-se no art. 4º, do CPC20. b) Ações condenatórias: visam a uma sentença de condenação do réu pela desobediência ao imperativo legal regulador da espécie posta em juízo. Pressupõe a violação de um direito subjetivo. O réu condenado a satisfazer uma dada prestação que não cumpri-la voluntariamente, está sujeito à outra ação: a ação executiva21. c) Ações constitutivas: modificam uma situação jurídica anterior. Para que a sentença crie, modifique ou extinga uma ralação ou situação jurídica entra as partes, deve declarar se ocorrem as condições legais que autorizem essa modificação e, havendo tais condições, criar, modificar ou mesmo extinguir a relação ou situação jurídica em questão22. As Ações Executivas provocam providências jurisdicionais de execução. A sentença, na ação condenatória, atribui ao credor um título executivo. Há duas espécies de ações executivas no sentido amplo: a ação executória, execução de sentença ou execução forçada; há ainda, as ações executivas em sentido estrito ou impróprio, mencionadas no art. 585 do CPC23. 18 SANTOS, 1985. Ibid. 20 Ibid. 21 Ibid. 22 Ibid. 23 Ibid. 19 18 As ações cautelares visam assegurar os efeitos de uma providência executória no processo de execução. A decisão ou a providência executória, poderá vir tarde demais, por isso, existem as ações cautelares ou preventivas que visam providências jurisdicionais urgentes e provisórias, assecuratórias dos efeitos próprios das sentenças a serem proferidas na ação de conhecimento ou de execução24. 1.2 CARACTERÍSTICAS DA AÇÃO PENAL Quando a ação é promovida pelo Estado, por intermédio do representante do Ministério Público que exerce a titularidade de forma privativa, mediante uma denúncia, tal como prescreve o artigo 129, I da Constituição Federal, diz-se que, é uma ação penal pública. Esta é regida pelos princípios da oficialidade, indisponibilidade, legalidade ou obrigatoriedade, indivisibilidade e intranscendência.25 Tais características são os princípios que regem o procedimento da ação penal. Resumidamente, pode-se afirmar que: a) A Oficialidade se constitui na titularidade exclusiva do Estado no direito concreto de punir. b) A Indisponibilidade determina que os órgãos do Ministério Público têm o exercício, mas, não a disposição da ação penal. c) A Legalidade ou Obrigatoriedade é o princípio segundo o qual, se o Ministério Público dispõe de elementos mínimos para a propositura da ação penal, deve promovê-la. d) A Indivisibilidade determina que a ação penal, pública e/ou privada, abrange todos os que cometeram a infração. e) A Intranscendência define que a ação penal é proposta apenas contra a pessoa ou as pessoas a quem se imputa a prática da infração26. O Ministério Público é o “dono” da ação penal pública (dominus litis), sendo quem exerce a pretensão punitiva, ou seja, promove a ação penal pública desde a 24 SANTOS, 1985. TOURINHO FILHO, 2003, p. 327-9. 26 Ibid., p. 327-335. 25 19 peça inicial, que é a denúncia, até seu estágio final. A titularidade da ação não será inalterada, pois é do Órgão Ministerial27. O princípio da oficialidade fundamenta a titularidade do Ministério Público na ação pública, que é exclusiva, salvo em se tratando de ação privada subsidiária, a qual é prevista, também, pela Carta Magna, no art.5º, LIX. Já, o art. 24 do Código de Processo Penal estatui que o Ministério Público promove a ação penal por denúncia. Depreende-se disso, o princípio da obrigatoriedade por ser uma função institucional deste Órgão e, não uma escolha de seu arbítrio, mover ou não, a ação penal. Há ainda, o princípio da indisponibilidade, o qual, proíbe a desistência da ação penal por parte do Ministério Público, depois desta ter sido iniciada28. O direito de ação está vinculado a uma pretensão, pela qual, a tutela jurisdicional é procurada. Por isso, subordina-se as condições relacionadas à apreciação do mérito da causa. Essas são chamadas de condições da ação, ou seja, os elementos e requisitos necessários para que se julgue o mérito da pretensão. “Os pressupostos processuais e as condições da ação formam o juízo de admissibilidade no processo, para que passe, posteriormente, ao juízo de mérito, quando o juiz conhecerá e julgará a lide”.29 A máquina estatal não pode ser acionada sem razão, principalmente se, a conduta violadora tiver pouca gravidade e, se mostrar desproporcional à seriedade do processo que visa a apurá-la30. Caso, [...] a conduta não seja grave o bastante para justificar a pretensão de imposição de uma sanção penal, que é o mais severo modo de reação do Direito. Um processo criminal não pode ser mais grave e mais sério do que a conduta que ele visa apurar. Nesse caso, quando o fato narrado puder ser tratado por outro modo menos ofensivo à dignidade da pessoa humana, e mais proveitoso socialmente, não haverá justa causa para a propositura da ação penal, considerando-se tratar-se o Direito Penal de última ratio para recompor o tecido social injustamente violado31. 27 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 111. Ibid., p. 112. 29 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da Ação – Enfoque sobre o Interesse de Agir. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 67. 30 CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos Juizados Especiais criminais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 31. 31 Ibid. 28 20 Assim, as ações penais públicas no Direito brasileiro são regidas pelos princípios mencionados acima. Mas, há diferentes espécies de ação penal, cuja distinção será exposta no tópico seguinte e, em seus subtópicos. Nesse estudo, a questão mais importante se relaciona aos traços característicos das ações penais públicas condicionada e incondicionada, com vistas na análise posterior da aplicabilidade de uma ou outra, aos crimes de violência doméstica. 1.3 ESPÉCIES DE AÇÃO PENAL NO DIREITO BRASILEIRO No sistema processual penal brasileiro, a ação penal pode ser pública ou privada. A primeira pode ser incondicionada ou condicionada à representação; a última é privada ou privada subsidiária da pública. A divisão tem caráter subjetivo, ou seja, ocorre em função do sujeito que detém a titularidade da ação penal. Em geral, a ação penal é pública incondicionada; para que seja considerada privada ou pública condicionada à representação, deve haver, expressa previsão da lei mediante normas complementares ao tipo penal incriminador. 1.3.1 Ação penal pública condicionada O Estado é detentor do direito de punir e, sempre que houver transgressão à norma, o dever de promover a persecução criminal e a possível punição, observados os princípios constitucionais, é também do Estado. Face à possibilidade de o particular não procurar a tutela dos seus direitos, ao sofrer alguma lesão, o que resultaria na impunidade do criminoso, o Estado não deixou ao indivíduo, exclusividade para o exercício da ação penal, pois que, raramente quem sofre as conseqüências de um ato criminoso tem a condição de conduzir a instrumentalidade de um processo penal em busca da punição. Há casos em que, a ação penal pública está subordinada à manifestação de vontade do ofendido ou de seu representante 21 legal. Noutros casos, é necessária a requisição do Ministro da Justiça quanto à necessidade de representação do ofendido. Em relação à requisição do Ministro da Justiça, ela caracteriza a ação penal pública condicionada32. Tourinho Filho assim justifica a divisão da Ação Penal: Nem se compreenderia pudesse o Estado conceber ao particular o exclusivo exercício da ação penal, mesmo porque (caso o fizesse), veria periclitar, com funestas conseqüências, a efetiva aplicação da lei penal. Bastaria a inatividade do particular, e impune ficaria o criminoso.33 Como detentor legítimo do poder-dever de punir, o Estado instituiu o Ministério Público e, a ele deu a titularidade para promover a ação penal pública. Essa titularidade não é absoluta, pois, se a vítima tiver sofrido um trauma na esfera íntima de sua vida, o Estado, diante disso, deixa a critério da vítima, em determinados casos, autorizar o Ministério Público a instaurar a ação penal. Alguns crimes em que a ação penal é condicionada à representação: contágio venéreo; contra os costumes; ou quando a vítima não pode prover as despesas do processo. Ainda assim, a ação penal é sempre pública.34 O Ministério Público modernamente não mais é visto como um adversário do réu, participante de um duelo passional entre dois argutos e hábeis contendores, numa visão privatística doa processo penal. Funciona como garantia do réu que o Ministério Público não seja movido por interesse ligado à pessoa do ofendido ou outro que não seja a realização da justiça. Em uma ordem jurídica que se deseja democrática, não há lugar para um processo penal derivado da persecução de interesses privados individuais, ainda que relevantes, pois o crime atinge primeiramente valores coletivos reinantes na sociedade com um todo. O interesse do Ministério Público é social e difuso, não personificado.35 O artigo 100, do Código Penal, faz as distinções entre as ações penais: 32 TOURINHO FILHO, 2003, p. 318. Ibid., p. 319. 34 Ibid., p. 319-320. 35 JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 33 22 Art. 100 – A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. § 2º - A ação de iniciativa privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. § 3º - A ação de iniciativa privada pode intentar-se nos crimes de ação pública, se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal. § 4º - No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Assim, há casos em que certas circunstâncias condicionam o início da ação penal pública. Mesmo sendo pública, a ação depende, contudo, da condição de procedibilidade, exigida em lei. Condição sem a qual, o Ministério Público não pode promover a acusação de determinados crimes, por não ter os poderes para manifestar legitimamente o exercício da ação. Esta pode estar condicionada à representação do ofendido ou à requisição do Ministro da Justiça. Tal condição não a torna uma ação privada; será sempre pública, pois, quem a promove é o Ministério Público36. Uma vez que a ação seja iniciada, não pode o órgão público desistir de dar prosseguimento a ela; assim, o poder de disposição do ofendido é limitado, mas, restringe a atividade persecutória do Estado, já que, terminado o prazo para representação, extingue-se a punibilidade do autor do crime.37 A representação condiciona tão-só o direito do Estado-Administração de deduzir em juízo a pretensão punitiva. O Ministério Público não pode acusar, propondo, assim, a ação penal pública, sem que o ofendido formule a representação.38 [...] A ação penal pública condicionada pode depender de representação do ofendido, nos casos taxativamente previstos em lei. Embora o crime atinja a um bem jurídico, cuja tutela penal interessa precipuamente ao Estado, figuras delituosas existem em que a pretensão punitiva surge quando o sujeito privado, que desse bem jurídico é titular, também tenha interesse na punição do autor da infração penal, e isso por motivos vários, que vinculam a própria 36 MARQUES, 1997b, p. 317. Ibid., p. 318. 38 MARQUES, 1997b, 316-7. 37 23 tutela penal ao poder dispositivo do sujeito passivo do crime. Quando mais acentuada essa subordinação, o Estado transfere ao titular do bem jurídico, atingido ou ameaçado, o direito de ação e o direito de acusar: são os casos de ação penal privada. Hipóteses existem, no entanto, em que o interesse público na punição do crime fica menos subordinado à vontade do ofendido, e por isso, lhe não transfere o Estado o direito de acusar, mas tão só condiciona a sua provocação o inicio da persecutio criminis: são as hipóteses de ação penal publica dependente de representação.39 O doutrinador Bitencourt avalia as condições que tornam a ação penal dependente da vontade do ofendido: Embora a ação continue pública, em determinados crimes, por considerar os efeitos mais gravosos aos interesses individuais, o Estado atribui ao ofendido o direito de avaliar a oportunidade e a conveniência de promover a ação penal, pois este poderá preferir suportar a lesão sofrida a expor-se nos tribunais. Na ação penal publica condicionada há uma relação complexa de interesses, do ofendido e do Estado. De um lado, o direito legítimo do ofendido de manter o crime ignorado: e do outro, o interesse público do Estado em puni-lo: assim, não se move sem a representação do ofendido, mas iniciada a ação publica pela denuncia, prossegue até decisão final sob o comando do Ministério publico.40 Tornaghi trata a representação como sendo a “manifestação da vontade do ofendido” de não se opor ao procedimento e, não exatamente como o consentimento do ofendido ou de quem lhe supra a incapacidade para a propositura da ação.41 Além da manifestação de vontade do ofendido, conforme já mencionado, há casos em que a propositura da ação está condicionada à requisição do Ministro da Justiça, sem a qual, a ação penal não pode ser iniciada. A requisição é um ato administrativo discricionário e irrevogável, com que o Ministro da Justiça torna possível a promoção da ação penal. Ele se funda em motivos de ordem política, ligados a persecução penal. Trata-se de condição excepcional da persecutio criminis, motivada pelas razoes de ordem política que o legislador acolheu para, em certos casos, a ela subordinar a atividade acusatória do Ministério Público.42 39 MARQUES, 1997b, p. 316. BITENCOURT, 2003, p. 693. 41 TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959. v. II. 42 MARQUES, 1997b, p. 316. 40 24 A requisição do Ministro da Justiça não obriga o Ministério Público a promover a ação; autoriza-o a isso, mas, se houver causa impeditiva, o Ministério Público pode pedir o arquivamento da requisição, pois, continua encarregado de avaliar se há ou não condições impeditivas.43 1.3.2 Ação penal pública incondicionada Quando a prática de um crime for constatada e não for exigida a representação do ofendido ou de seu representante legal, nem requisição do Ministro da Justiça e nem se trate de ação privada, a regra é que seja proposta a ação pública incondicionada44. Em tais casos o Ministério Público pode dar início à ação penal, mesmo que a parte ofendida se oponha à propositura da ação. Devem, no entanto, ser observadas as condições para o exercício da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimação para agir, para que não haja rejeição da denúncia pelo Juiz, pela falta de uma das condições exigidas por lei para a propositura da ação. O órgão do Ministério Público propõe a ação incondicionada sem que haja manifestação da vontade de quem quer que seja, bastando estarem preenchidas as condições que tornem possível a acusação. Conforme Marques, a existência da informatio delicti, na ação incondicionada, é suficiente para que o Ministério Público ofereça a acusação.45 Os princípios que regem a ação penal pública incondicionada determinam que o Ministério Público tenha o exercício da ação penal, contudo é o Estado que pode punir. Como não pode fazê-lo diretamente, institui órgãos para fazê-lo. O Ministério Público tem o dever de promover a ação penal de oficio; por isso se fala em princípio da oficialidade. O Ministério Público é agente da ação penal, de forma que ele: 43 MARQUES, 1997b, p. 316. Ibid. 45 Ibid., p. 306-7. 44 25 Promove-a (a ação penal) desde a peça inicial, que é a denúncia até os termos finais, em primeira e segunda instâncias. Acompanha-a, está presente a todos os atos, fiscaliza a seqüência dos atos processuais; zela pela observância da lei até a decisão final. Dono, mas não proprietário, porque não pode dispor da ação, não pode desistir, não pode renunciar ao direito-dever de promovê-la em nome do Estado.46 O dever de promover a ação decorre do fato de que aquele que praticou o delito não deve ficar impune. O Ministério Público está obrigado a promover a ação penal se houver prova da materialidade ou indícios suficientes da autoria. Entretanto, o Poder Judiciário pode arquivá-la ou alterá-la, como esclarece Marques: Na ação penal pública, o dominus litis é o Ministério Publico. O juiz pode dar definição jurídica diversa ao fato delituoso em que se funda a acusação (Código de Processo Penal, artigo 383), ou alterar in melius a configuração dos fatos (idem, artigo 384), sem ouvir o Ministério Público: é a aplicação do princípio narra mihi factum, dabo tibi jus. Mas não é permitida a alteração in pejus da acusação, com a mutatio libeli, sem que o Ministério Público adite a denuncia (artigo 384, parágrafo único). O mesmo sucede, se o aditamento da acusação tiver por objeto a inclusão de novo réu.47 Se o Ministério Público não promover a ação penal no prazo da lei, o ofendido tomará seu lugar, o que caracteriza a ação subsidiária da pública, conforme art. 100 § 3º, do Código Penal48. Já a Constituição Federal, em seu art. 5º, LIX, dispõe que “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. 46 AZEVEDO, Paulo Vicente de. Curso de direito judiciário penal. São Paulo: Saraiva, 1958. v. I. p.195. 47 MARQUES, op. cit., p. 307. 48 Ibid., loc. cit. 26 1.3.3 Ação penal privada Além da ação penal pública, propriamente dita, há a ação privada. As ações de iniciativa privada são classificadas em: a) privada subsidiária da pública; b) privada propriamente dita ou exclusivamente privada; c) privada personalíssima. Sobre a ação subsidiária da pública, a inércia do Ministério Público dentro dos prazos legais torna possível a propositura da ação pelo ofendido, caso em que se tem ação privada subsidiária da pública. O ofendido pode iniciar a ação através da queixa, porém, isso não a torna privada, é ainda pública e, mesmo promovida pelo ofendido, rege-se pelos princípios da ação penal pública.”O Estado que privou o ofendido de promover ação prometendo fazê-lo, deve restituir-lhe aquele direito, se, embora por convicção, não quer acionar em determinado caso”.49 A garantia está prevista pela Carta Magna, no art. 5º, “LIX: Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal”. O Ministério Público pode, entretanto, intervir em todos os termos do processo. Pode também repudiar a queixa e oferecer denúncia substitutiva, ou ainda aditá-la, e como se o processo houvesse começado com a denúncia, pode fornecer os elementos de prova. A ação privada como subsidiária da ação pública, é absolutamente sustentável, pois o Estado, ao incumbir-se de movê-la, deve acautelar o interesse do ofendido no caso em que o órgão dele, Estado, não a intenta.50 O doutrinador Tornaghi considera que a ação privada subsidiária da pública é a restituição de um direito: “O Estado que privou o ofendido de promover ação prometendo fazê-lo, deve restituir-lhe aquele direito, se, embora por convicção, não quer acionar em determinado caso.51 49 TORNAGHI, 1959, p. 357. Ibid., p. 75. 51 Ibid., p. 353. 50 27 Já a ação penal exclusivamente privada fica regulada pelo artigo 100, do Código Penal, o qual dispõe que a: “[...] ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido”. A ação penal pública é regra, a privada, exceção. A ação penal privada é: Aquela em que o direito de acusar pertence, exclusiva ou subsidiariamente, ao ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo. Ela se denomina ação privada, porque o direito seu titular é um particular, em contraposição à ação penal pública, em que o titular do jus actionis é um órgão estatal: - o Ministério Público.52 A única distinção entre a ação penal pública e a privada está na legitimidade de agir. Numa, o membro do Ministério Público é o titular da ação; na outra, a titularidade da ação é do ofendido ou de quem legalmente o represente. Nas hipóteses previstas na legislação penal, como no crime de dano, por exemplo (art. 163, IV, do CP), a ação penal só se inicia com o oferecimento de queixa do ofendido ou de seu representante, conforme determina o Art. 167 do CP. Quando isso acontece, o Ministério Público atua como fiscal da lei. A doutrina não é pacífica sobre a atuação do ofendido como acusador e há, amiúde, argumentos contrários à denominação “ação penal privada”, visto que toda ação tem natureza pública. Por isso, a reforma da Parte Geral do Código Penal, em 1984, substituiu o termo “ação penal de iniciativa privada” pela expressão “ação penal de iniciativa privada”.53 A ação penal diz-se pública quando movida pelo Ministério Público; e diz-se de iniciativa privada quando movida pelo ofendido. Claro, porém, que a terminologia não modifica o caráter da ação, que é sempre pública porque toda ação tem como sujeito passivo o Estado e em um dos seus pólos existe a atividade do direito público.54 No entanto, 52 MARQUES, 1997b, p. 321. CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p. 283. 54 Ibid. 53 28 A despeito das críticas, inúmeras legislações, inclusive a nossa, admitem a ação privada não só em face da tenuidade do interesse público lesionado, e, conseqüentemente, predominância do interesse particular sobre o interesse social, como também porque o strepitus fori – o escândalo – poderá ser mais prejudicial à vítima que a impunidade do ofensor.55 Há conveniência, em certos casos, na ação penal condicionada exclusivamente à vontade do ofendido, pois a publicidade do delito, a visita do ofendido aos tribunais, ou o encontro com o ofensor em audiência, podem se mostrar mais prejudiciais que a própria lesão sofrida. Embora o Estado sempre sofra com uma infração penal, pois seu cometimento abala a ordem jurídica, há situações que são de maior interesse ao particular que ao Estado. A predominância absoluta do direito estatal não condiz com os imperativos do bem comum. Além do mais, na ação penal privada, o Estado transfere ao particular apenas o direito de acusar, pois ainda é unicamente seu o direito de punir.56 As ações exclusivamente privadas são aquelas promovidas mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo. Se o ofendido for menor de 18 anos, a ação só pode ser proposta por seu representante legal. O art. 33 do CPP, contudo, determina que: Se o ofendido for menor de 18 anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal. Por outro lado, quando o ofendido for menor de 21 e maior de 18 anos, tanto ele quanto seu representante legal podem exercer o direito de queixa (art.34 CPP). Se o ofendido estiver morto ou for declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa passa ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 100, § 4º, do CP; art. 31 CPP).57 55 TOURINHO FILHO, 2003, p. 433. GRECCO, Rogério. Curso de direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006, p. 747. 57 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.179. 56 29 A ação privada personalíssima é aquela em que o exercício é dado exclusivamente ao ofendido. Este exercício é vedado mesmo ao representante legal e até em caso de morte ou ausência declarada do ofendido. A ação de iniciativa privada rege-se pelos princípios da oportunidade ou conveniência, da disponibilidade, da indivisibilidade e da intranscendência. Pelo princípio da oportunidade, a faculdade de promover a ação penal é concedida ao ofendido. Assim, ele tem discricionariedade para decidir se ajuizará queixa crime caso julgue conveniente. Difere da ação penal pública, regida pelo princípio da obrigatoriedade, ou da legalidade, em que a propositura da ação é obrigatória quando a materialidade e a autoria do delito são conhecidas.”[...] pelo princípio da oportunidade, que vigora na ação penal privada, o seu titular, que é o ofendido ou seu representante legal, promove a ação penal se quiser”.58 O ofendido pode renunciar ao seu direito de queixa, conforme os artigos 59 e 50 do Código Penal, ou deixar de intentá-la no prazo decadencial (seis meses), acarretando na extinção da punibilidade do autor do fato (art. 107, IV e V, do Código Penal). Esse princípio se manifesta desde a fase inquisitiva, em que a lavratura do auto de prisão em flagrante e a instauração de inquérito policial dependem de expressa manifestação de vontade do ofendido59. Sobre o Princípio da disponibilidade, Marques afirma que: Na ação penal privada, tem o querelante a faculdade não só de propor ou deixar de propor a acusação, como ainda o direito de desistir do prosseguimento da instância ou de perdoar o autor do delito. O ofendido pode dispor da ação penal: a) deixando de propôla, pura e simplesmente, dentro de seis meses contados da data em que teve conhecimento do crime, caso em que ocorrerá a decadência do jus accusationis; b) renunciando ao direito de queixa, tácita ou expressamente; c) perdoando ao querelado, depois de instaurado o processo criminal; d) deixando ocorrer a perempção da instância.60 Sobre este princípio, Grecco ensina que: 58 TOURINHO FILHO, 2003, p. 437-8. GRECCO, 2006, p. 698. 60 MARQUES, 1997b, p. 326-7. 59 30 [...] Mesmo depois da sua propositura, o particular pode, valendo-se de determinados institutos jurídicos, dispor da ação penal por ele proposta inicialmente, a exemplo do que ocorre com a perempção, na qual o querelante poderá deixar de promover o andamento do processo durante trinta dias seguidos, fazendo com que a ação penal seja considerada perempta, extinguindo-se, assim, a punibilidade, nos termos do art. 60, I, do Código de Processo Penal, c/c o art. 107, IV, última figura do Código Penal61. Quanto ao Princípio da indivisibilidade, o artigo 48 do Código de Processo Penal dispõe que: “A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade”. Ou seja, a possibilidade de intentar ação penal contra um dos co-autores do delito escapa à discricionariedade do ofendido, o qual deve, obrigatoriamente, incluir todos na queixa crime. Pelo Princípio da intranscendência, a ação penal limita-se à pessoa ou pessoas responsáveis pelo delito, não podendo a culpa ser transmitida a terceiros. 1.4 AS CONDIÇÕES DA AÇÃO PENAL Há determinadas condições mínimas para a propositura da ação penal. O juiz, ao receber um pedido, deve observar se estão presentes os pressupostos necessários à sua apreciação integral, quais sejam, a legitimidade ad causam, o interesse em agir e a possibilidade jurídica do pedido. Condições sem as quais, pronuncia-se a carência da ação. “[...] embora abstrata, a ação não é genérica, de modo que, para obter a tutela jurídica, é indispensável que o autor demonstre uma pretensão idônea a ser objeto da atividade jurisdicional do Estado”.62 As condições da ação são os requisitos preliminares ao julgamento de mérito, estando ausente um ou mais de um desses requisitos, ocorre a carência de ação (CPC 301, X), e o juiz fica impedido de examinar o mérito. A consequência da 61 GRECCO, op. cit., p. 701. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, v.1, 30. ed., ed. Forense, 1999, p. 52. 62 31 carência da ação é a extinção do processo sem a apreciação do mérito (CPC 267, VI).63 A seguir, será feita uma breve análise da possibilidade jurídica do pedido, do interesse de agir, da legitimidade de agir e da justa causa, enquanto condições da ação penal. 1.4.1 Possibilidade jurídica do pedido A pretensão formulada pelo autor deve ter possibilidade de reconhecimento pelo ordenamento jurídico. Por exemplo, seria juridicamente impossível, num país onde não há o divórcio, formular um pedido semelhante. Ou então, uma contenda que envolvesse dívidas oriundas de jogo, atividade ilícita para o ordenamento e que o art. 814 do Código Civil deixa fora da apreciação judiciária. Ou seja, o pedido é juridicamente possível se puder se adequar, ainda que abstratamente, ao direito material correspondente à pretensão.64 Já Theodoro Júnior trata tal conceituação como equívoca: [...] o cotejo do pedido com o direito material só pode levar a uma solução de mérito, ou seja, à sua improcedência, caso conflite com o ordenamento jurídico, ainda que a pretensão, prima facie, se revele temerária ou absurda.[...] Impõe-se restringir a possibilidade jurídica do pedido ao seu aspecto processual, pois só assim estaremos diante de uma verdadeira condição da ação, como requisito prévio de admissibilidade do exame da questão de mérito.65 Ao exercer o direito de ação, dois pedidos que são feitos pelo autor da demanda: um contra o Estado, que é imediato, no qual requer a prestação jurisdicional; o outro pedido é contra o réu e é mediato, em que requer sua condenação. O pedido imediato sempre é possível, mesmo se o juiz rejeitar a 63 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado, ed. RT, 9ª ed., 2006, p. 436. 64 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p. 274. 65 THEODORO JUNIOR, 1999, p. 55. 32 denúncia ou a queixa, ele aplica o Direito ao caso concreto. A impossibilidade jurídica do pedido só pode se referir, pois, ao seu aspecto mediato. 1.4.2 Interesse de agir O interesse processual é uma condição da ação segundo a qual não convém ao Estado acionar a máquina judiciária se isso não produzir qualquer resultado útil. Há, pois, na ação, o interesse de direito substancial pretendido pelo autor e outro interesse na efetiva prestação jurisdicional de entrega daquele bem, o interesse de agir ou processual. O exercício do direito de ação pressupõe um conflito de interesses, o que move a ação é o interesse na composição da lide (interesse de agir) e não o interesse em lide (interesse substancial)66. Quanto à nomenclatura, Nery Júnior afirma que: [...] se deve preferir o termo da lei ao equívoco “interesse de agir”, eivado de falta de técnica e precisão, além de constituir-se em velharia do sistema CPC de 1939. Nada justifica manter-se o velho e ilegal nome antigo. Agir pode ter significado processual e extraprocessual, ao passo que “interesse processual” significa, univocamente, entidade que tem eficácia endoprocessual.67 Pode-se entender a ausência do interesse de agir como a falta de perspectiva plausível da ação penal, pela difícil percepção dos contornos de tipicidade do fato questionado, o que desaconselha o acionamento do aparato repressivo-penal do Estado. Ou seja, sem a perspectiva remota de sucesso que se exige de todo pedido de provimento judicial, a condição da ação prevista no artigo 43, inciso III, do Código está ausente68. 66 SANTOS, 1985, p. 172. NERY JUNIOR; NERY, 2006, p. 436. 68 MARQUES, 1997b, p. 167. 67 33 1.4.3 Legitimação para agir A legitimidade para a causa é a pertinência subjetiva da ação. O titular do direito subjetivo material, que tem interesse na tutela estatal, está legitimado ativamente para a causa. Por outro lado pode demandar apenas aquele que é titular da obrigação correspondente, o que está legitimado passivamente. A parte autora é um dos sujeitos da relação processual, que requer a tutela jurisdicional face a parte ré.69 Diz-se que se trata de legitimação ordinária para a causa, que é a regra geral: aquele que se afirma titular do direito material tem legitimidade para, como parte processual (autor ou réu), discuti-lo em juízo70 O Código de Processo Civil enuncia, em seu art. 6º: “[...] ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Os casos excepcionais em que a substituição processual é autorizada pelo sistema jurídico estão previstos na Constituição Federal (art. 5º, XXI e LXX; art. 129, III e § 1º; art. 103), ou seja, casos em que se dá o pleito em nome próprio de direito alheio. Somente nos casos de ilegalidade, desvio de poder ou falta de atribuições é lícito que o Poder Judiciário determine o trancamento do inquérito: Nada obsta a titularidade para a instauração do inquérito civil ter sido outorgada, privativamente, ao Ministério Público, não quer isto dizer que o exercício daquela faculdade não esteja sujeito à observância de critérios e exigências mínimas que o autorizam e o legitimam, sob pena de se verificar abuso ou mesmo eventual excesso de poder, passíveis de correção por órgão disciplinar ou mesmo pelo Poder Judiciário, com efeito71. Há a necessidade defender, com fundamento jurídico, a existência de justa causa para a instauração do inquérito civil público, do inquérito policial e da própria 69 MARQUES, 1997b, p. 167. Ibid. 71 SILVA, Paulo Márcio. Inquérito Civil e Ação Civil Pública - Instrumentos da Tutela Coletiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 102. 70 34 ação penal. Apesar da autonomia e independência dos institutos do direito processual penal com o inquérito civil público, existe semelhança entre eles. Há casos em as normas punitivas do processo administrativo se aproximam dos princípios do direito penal, já que quando um fato tem a natureza de infração disciplinar, pode no âmbito penal, com a instauração de um inquérito policial, de uma ação penal, pois ofende também os interesses sociais gerais previstos nas leis penais. 1.4.4 Justa causa A justa causa exprime toda razão que justifique a legitimidade ou procedência de um ato perante o direito. Conforme Silva, significa: O motivo que possa ser alegado, porque está amparado em lei ou procede de fato justo. Mas, a rigor, segundo o sentido de justa, que significa o que convém ou o que de direito, e causa, motivo, razão, origem, é necessário que o que se alega ou se avoca, para mostrar a justa causa, seja realmente amparado na lei ou no direito, ou, não contrariando a este, se funde na razão e na eqüidade.72 Como forma de evitar o excesso ou abuso de poder, o direito elegeu como elemento essencial à instauração de inquéritos policiais, ações penais ou processos administrativos, uma justa causa para contrapor a causa genérica ou inconsistente. Dessa forma, para que alguém seja indiciado, processado e julgado, é preciso haver justa causa para a acusação, como ensina Moura: Tomando-o como sustentáculo, segue-se que, para que alguém possa ser submetido a julgamento, deve existir justa causa para a acusação, sob pena desta se transformar em instrumento de coação ilegal, contra a liberdade jurídica do acusado, passível de ser mediada por meio de hábeas corpus.73 72 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 22. ed. Atualizado por: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 810. 73 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa Causa para a Ação Penal. São Paulo: RT, 2001, p. 18. 35 Tourinho Filho define a justa causa como aquela: [...] que é conforme o direito, [...] se o juiz recebe uma denúncia por fato atípico, cabível o remédio heróico, por falta de justa causa; se recebe uma denúncia sem lastro probatório, falta o interesse processual e, de conseguinte, justa causa. Aliás, a expressão ‘falta de justa causa’ é tão ampla que chega a abranger todas as outras hipóteses elencadas nos demais incisos do art. 648.74 A autora Moura assevera que: A justa causa para a ação penal de natureza condenatória, no direito penal brasileiro, não sobressai apenas dos elementos formais da acusação, mas, também e de modo principal, de sua fidelidade para com a prova que demonstre a legitimidade da acusação. [...] Desta conclusão emana que não basta que a peça acusatória impute ao acusado conduta típica, ilícita e culpável. A denúncia ou queixa deve guardar ressonância e estrita fidelidade aos elementos que lhe dão arrimo, sem o que não passará de ato arbitrário, autoritário, que a ordem jurídica não pode tolerar. [...] Segue, ainda, que a necessidade da existência de justa causa para a acusação serve como mecanismo para impedir, em hipótese, a ocorrência de imputação formal infundada, temerária, caluniosa e profundamente imoral.75 A justa causa é a condição mínima exigida para que não ocorra uma acusação sem fundamento e temerária, desatrelada de provas diretas e movida por interesses que não são jurídicos. Apesar do caráter administrativo preparatório, ou inquisitorial do inquérito civil, trata-se de um procedimento que fundamenta uma futura ação civil pública, e não pode ser instaurado sem que haja uma causa que o justifique, de modo que os direitos fundamentais do cidadão em à sua vida privada, honra, intimidade e imagem sejam preservados. Assim, Mazzili elucida que: É certo que a instauração de um inquérito civil pressupõe seu exercício responsável, até porque, se procedida sem justa causa poderá ser trancado por meio de mandado de segurança.76 74 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 2, p. 123. 75 MOURA, 2001, p. 291. 76 MAZZILI, Hugo Nigro. O Inquérito Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 162. 36 Assim, só existe a obrigatoriedade da instauração de procedimentos ou processos legais se a descrição circunstanciada e detalhada dos fatos, juntamente com as provas, reforça a tese de que aconteceu a prática de uma infração. Deve haver um juízo de probabilidade de condenação que justifique a instauração do processo. Esse juízo inicial de probabilidade indica, ainda que de modo superficial, que um ato ilícito foi cometido pelo indivíduo acusado. Sem isso a investigação e a acusação são insustentáveis, pois a opinio delicti deve ser justa, plausível e ter bases no texto legal. A razão jurídica tem que ser convincente e plausível, pois a acusação não pode ser genérica ou decorrente de presunções e suspeitas sob pena de se tornar em instrumento de coação ilegal contra a liberdade jurídica do acusado.77 77 MOURA, 2001, p. 18. 37 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A LEI 11340/2006 2.1 BREVES APONTAMENTOS HISTÓRICOS Todos os indivíduos têm um papel na sociedade, e o papel exercido pela mulher, ao longo da história foi e é constantemente desvalorizado. A mulher já foi vista como um ser inferior, cuja vida estava restrita às necessidades exclusivas da família, afastada da esfera pública. O termo família origina-se do latim famulus, que significa conjunto de escravos domésticos, no qual se incluíam a mulher, os filhos e agregados. O pater famílias era um instituto jurídico estabelecido em Roma que expressava o poder de vida e de morte que o homem tinha sobre todos os membros da família. Ele era a única pessoa plena de direitos, de acordo com a lei. Tal concepção prevaleceu por séculos, e no Brasil, até o novo Código Civil Brasileiro ser sancionado e publicado, em 10 de janeiro de 2002. O artigo 233, capítulo II, do Código Civil Brasileiro de 1916, dispunha que “o marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos.”78 As representações acerca da mulher, seja na relação familiar ou na sociedade, passam pelas concepções de fragilidade, dependência e submissão, que dão ao homem o direito de tutela sobre ela. Essa situação é freqüentemente posta como se fosse uma questão inerente à natureza da mulher e não fruto de uma ideologia que tende a reproduzir uma ordem social uníqua, baseada em relações de poder contraditórias79. Mesmo antes da era cristã há documentos que atestam a condição desigual da mulher como algo institucionalizado. No Código de Hamurábi, por exemplo, havia um artigo que determinava que a mulher repudiada pelo marido deveria se tornar escrava da segunda esposa. Podia-se, ainda, quitar um débito pelo oferecimento da 78 BRAGHINI, Lucélia. Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre eros e tanatos. Campinas: Unicamp, 2000, p. 24ss. 79 SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? São Paulo: Cortez, 1992, p.26. 38 esposa em servidão temporária, por período estipulado entre credor e devedor. Isto é, a mulher era vista como uma espécie de mercadoria.80 As conquistas de lugares de destaque na sociedade por parte das mulheres não evitaram que, ainda hoje, a diferença de papéis entre homens e mulheres seja evidente. O que é resultado de um processo histórico.81 A sociedade humana, na qual ainda prevalece a ideologia patriarcal (que estabelece a supremacia masculina) ainda impede o pleno desenvolvimento das mulheres, discriminando-as de diferentes maneiras.82 Da discriminação, uma das conseqüências é a violência, cuja história na sociedade civil está atrelada à própria história da humanidade e está hoje tão presente quanto nunca. [...] o tema violência está presente em nosso cotidiano como um dos fenômenos sociais mais inquietantes do mundo atual [...] Esse fenômeno aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano: basta atentar para a questão da violência no mundo atual, tanto nas grandes cidades como também nos recantos mais isolados.83 A violência abarca o constrangimento físico e o moral, e pode ser conceituada como: [...] constrangimento físico ou moral, uso da força, coação, torcer o sentido do que foi dito, estabelecer o contrário do direito à justiça – que se baseia faticamente no dado, dar-se à ética -, negar a livre manifestação que o outro expressa de si mesmo a partir de suas convicções.84 80 TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense S.A., 2002, p. 29. 81 Ibid., p. 30. 82 Ibid., p. 17. 83 GAUER, Ruth M. Chittó. Alguns Aspectos da fenomenologia da violência. In: ______. GAUER, Gabriel J. Chittó; GAUER, Ruth M. Chittó (Org.). A fenomenologia da violência. Curitiba: Juruá, 2004, p. 13. 84 GAUER, op. cit. 39 A violência contra a mulher atinge todas as classes sociais, raças, etnias e até mesmo posições profissionais e econômicas. Dentre os fatores que geram a violência de gênero, a cultura patriarcal é determinante, a partir dela os homens sentem-se donos de suas mulheres e se vêem no direito de praticar qualquer ato violento contra elas85. Nas relações antagônicas de poder entre homens e mulheres a ideologia dominante tem o papel fundamental de difundir e reafirmar a supremacia masculina e a inferioridade feminina. Quando a mulher, em geral o pólo dominado desta relação, não aceita como natural o lugar e o papel a ela impostos pela sociedade, os homens recorrem a artifícios mais ou menos sutis para fazer valer seus privilégios – a violência simbólica (moral e/ou psicológica) e a física, que se manifesta nos espaços lacunares em que a ideologização da violência simbólica não se fez garantir.86 Essa violência originada na discriminação histórica contra as mulheres se funda na construção e consolidação de ações explícitas e implícitas que visam a submissão feminina: A violência é uma das mais graves formas de discriminação em razão do sexo/gênero. Constitui violação aos direitos humanos e das liberdades essenciais, atingindo a cidadania das mulheres, impedindo-as de tomar decisões de maneira autônoma e livre, de ir e vir, de expressar opiniões e desejos, de viver em paz em suas comunidades; direitos inalienáveis do ser humano.87 Geralmente, as agressões são praticadas por maridos ou companheiros e, em função do fator cultural, não raro, a sociedade percebe a violência doméstica como um fenômeno natural, a ser tratado como um problema de ordem privada, numa aprovação tácita do fato. Não há dúvida de que: [...] a violência sofrida pela mulher não é exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que se impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e 85 SILVA, 1992, p. 57-60. Ibid., 57-8. 87 TELES; MELO, 1959, p. 23. 86 40 decorre da desigualdade no exercício do poder e que leva a uma relação de dominante e dominado.88 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, parágrafo 8º, atribui ao Estado a responsabilidade de coibir a violência doméstica, numa primeira menção da questão pela legislação brasileira. A Lei n. 9.099/95 instituiu os Juizados Especiais Criminais, já previstos na Constituição Federal. Tais Juizados visavam à simplificação da Justiça Penal, ao possibilitar soluções mais rápidas a casos de menor potencial ofensivo, assim considerados em razão da pena cominada em abstrato. Assim, muitos casos de violência doméstica eram tratados como violação de menor potencial ofensivo e quase que na totalidade dos casos, paravam nos juizados. Mas estes se mostraram ineficazes no combate à violência doméstica porque esses casos passaram a ser banalizados, já que a pena cominada ao agressor, quase sempre, não passava do pagamento de uma cesta básica ou prestação de serviços à comunidade.89 A Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), no seu artigo 5º, considera violência doméstica como aquela: “[...] compreendida no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”.90 A Lei foi assim denominada devido ao que aconteceu com a farmacêutica Maria da Penha Fernandes. Em 29 de maio de 1983, em Fortaleza, Ceará, ela foi atingida por um tiro de espingarda enquanto dormia. O tiro foi dado por seu marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveiros, um colombiano naturalizado brasileiro. O tiro atingiu a coluna da vítima, destruiu a terceira e a quarta vértebras, e a deixou paraplégica. Marco Antônio negou a autoria do disparo, atribuindo-o a um 88 DIAS, Maria Berenice. A lei maria da penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 15. 89 BUGLIONE, Samantha. Justiça: a mulher enquanto metáfora do direito penal. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, n. 9, ano 5, jul. 2000. p. 214. 90 BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em jun. 2010. 41 suposto assaltante. Depois de uma semana, ao retornar à sua casa, a vítima sofreu um outro atentado. Maria da Penha recebeu uma descarga elétrica enquanto tomava banho. O autor do crime declarou que tal descarga elétrica não poderia produzir qualquer lesão à vítima. As agressões foram premeditadas, pois, dias antes das agressões, ele tentou convencer a esposa a celebrar um seguro de vida, do qual ele seria beneficiário. A prova testemunhal de empregados do casal, a intenção do agressor de que sua esposa celebrasse um contrato de seguro, bem como o encontro da espingarda utilizada no crime foram dados decisivos91. Marco Antonio foi levado a júri em 1986 e acabou condenado. No entanto, a defesa recorreu e o júri foi anulado, por falha processual. Novamente julgado em 1996, o agressor pegou 10 anos e 6 meses de reclusão. Houve apelação até os tribunais superiores, e Marco Antonio ainda permaneceu livre até 2002 quando, finalmente, foi preso, passados 19 anos da primeira tentativa de homicídio. Atualmente, porém, já beneficiado pela progressão no regime prisional, cumpre pena em liberdade e reside no Estado do Rio Grande do Norte.92 Os procedimentos legais e instrumentos processuais brasileiros vigentes à época colaboraram para a morosidade da Justiça. Em razão disso, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL), o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) e a vítima formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Assim, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001, no qual concluiu que: [...] a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1 do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher. Que o Estado violou os direitos e o 91 ELUF. Luisa Nagib. A Lei Maria da Penha. 2007. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/clipping/abril/a-lei-maria-da-penha-1>. Acesso em: 29 de maio de 2010 [s.p.] 92 Ibid. 42 cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1 da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida.93 O Relatório recomendou ainda que se mitigasse a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil, de forma a: [...] simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo [e estabelecer] formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às conseqüências penais que gera94. Mas, a violência doméstica não se circunscreve àquela praticada contra a mulher, mas na maior parte dos casos ela é a vítima desse tipo de violência. O artigo 5º da Lei Maria da Penha dispõe que: “Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Em termos conceituais, violência doméstica é mais abrangente que violência contra a mulher, mas esta última pode ocorrer em maior escala, já que não ocorre apenas no ambiente doméstico. O agressor possui várias formas para externar sua agressividade e, faz-se necessário distinguir em que consiste a conduta do agressor. A Lei Maria da Penha tratou, no seu artigo 7º, da definição das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, para uma melhor adequação típica: Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta 93 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2000). Relatório n° 54/01. Caso 12.051: Maria da Penha Maia Fernandes. 4.abr.2001. Disponível em: <http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=227>. Acesso em jun. 2010. 94 Ibid. 43 que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Esta não é uma enumeração estanque das formas de violência contra a mulher que a lei abrange, já que o caput do art. 7º traz a expressão “entre outras”. Pode-se ver que a violência física, apesar de ser a mais facilmente comprovada, não é a única forma de agressão praticada. A interpretação das formas elencadas pode definir a violência física como: A ofensa à vida, saúde e integridade física. [...] [A violência psicológica] é a ameaça, o constrangimento, a humilhação pessoal. [A violência sexual é] o constrangimento com o propósito de limitar a autodeterminação sexual da vítima, tanto pode ocorrer mediante violência física como através de grave ameaça (violência psicológica). [A violência patrimonial é a] retenção, subtração, destruição de instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos. [E a violência moral,] em linhas gerais, são os crimes contra a honra da mulher.95 Deve-se ponderar, ainda, sobre a possibilidade de ocorrência não explícita de violência ou aquela que não deixa marcas. Há situações em que não é fácil 95 PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: lei 11.340/06: análise crítica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 25. 44 comprovar as agressões, o que serve, por vezes, como justificativa para que não seja feito o registro da ocorrência, como explicita Silva: Além do fato de não haver provas materiais (lesões, por exemplo) nos casos de violência simbólica e até em algumas situações de agressão física (por exemplo, alguns agressores preferem atingir regiões que não deixam marcas visíveis, como a cabeça, cujos sinais são ocultados pelo cabelo), outro fator obstaculizante do encaminhamento legal é a dificuldade de se oferecerem testemunhas oculares. No caso da chamada violência doméstica, é comum sua ocorrência no espaço do lar, onde quase sempre não é presenciada por ninguém.96 O âmbito doméstico é definido pelo vínculo e pelas relações exigidas para a caracterização da violência doméstica ou familiar contra a mulher; é compreendido como o espaço em que se dá alguma forma de agressão referida no artigo 7º da Lei n. 11.340/2006. Para tanto, basta que se consume na unidade doméstica de convívio entre pessoas, mesmo que estas estejam apenas esporadicamente agregadas e não tenham vínculo afetivo ou familiar entre si. Já não prevalece o caráter espacial do lar ou de coabitação, mas sim o vínculo familiar decorrente do parentesco natural, por afinidade ou por vontade expressa (civil). [...] dispensa-se tanto a coabitação sob o mesmo teto, quanto o parentesco familiar, sendo suficiente relação íntima de afeto e convivência, presente ou pretérita. A adjetivação ‘íntima’ já pressupõe que se trata de uma relação de caráter sensual, ao menos, inspirada em interesses sexuais, e não simples amizade97. Por muito tempo, as agressões praticadas contra as mulheres não eram vistas como crime, na sociedade brasileira, pelo fato de ocorrerem no âmbito privado, em relações íntimas. E até recentemente a violência praticada contra a mulher no âmbito familiar não recebia a devida atenção da sociedade, do legislador e do Poder Judiciário. No cenário internacional, o reconhecimento integral dos direitos humanos da mulher só veio a ocorrer em 1993, na Declaração e Programa de Ação de Viena. O artigo 18 da Declaração de Viena dispõe que “os direitos 96 97 SILVA, 1992, p. 59. (grifos da autora) PORTO, 2007, p. 25. 45 humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais.”98 2.2 POSICIONAMENTOS DOS JURISTAS ACERCA DA APLICAÇÃO DA LEI Para Dias, o Estado era omisso em sua obrigação de punir ao condicionar à representação a ação penal relativa às lesões corporais leves e lesões culposas, pois transmitia à vítima, segundo critério subjetivo de conveniência, a iniciativa pela busca de apenação para seu agressor99. O autor Campos considera que a relutância na aceitação da constitucionalidade e aplicação da Lei 11.340/2006 resulta do viés tradicionalista do pensamento penal crítico brasileiro100. A violação do princípio da igualdade entre homens e mulheres é o principal argumento de quem defende a inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha. Maria Amélia assevera que ao adotar uma postura de gênero frente ao princípio da igualdade que a Constituição Federal proclama, a lei é desigual entre os sexos, pois dispensa às mulheres mecanismos de proteção mais eficientes que os oferecidos aos homens situações semelhantes de violência doméstica101. Já Campos pensa que a Lei Maria da Penha promove a discriminação sexual, pois rompe com o princípio da igualdade, já que não há justificativa constitucional para que a dois crimes idênticos, mas com sujeitos passivos diferenciados, sejam aplicadas penas diferenciadas. A autora ainda considera que, a despeito de que a Lei Maria da Penha objetive que a mulher vítima de violência doméstica tenha pleno exercício dos direitos fundamentais à vida, à igualdade, e à 98 ALMEIDA, 2001, p. 81. DIAS, Maria Berenice. A impunidade dos delitos domésticos. Disponível em: [http://www.mariaberenicedias.com.br/site/content.php?cont_id=132&isPopUp=true]. 100 CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 16. n. 73. 101 CASTANHO, Maria Amélia Belomo. Questões de gênero no processo de exclusão social: a violência doméstica contra a mulher e o acesso à justiça. In: Revista de Direito das Famílias e Sucessões, n. 3, abril 2008, p. 25. 99 46 dignidade humana, os critérios usados para sua aplicação (sujeito passivo do sexo feminino, violência no âmbito familiar ou doméstico) são inconstitucionais por excepcionarem o exercício dos direitos fundamentais em razão do sexo, o que gera uma desigualdade fundamental. Embora a Constituição de 1988 tenha consagrado o princípio da igualdade, não houve efetivamente uma ruptura com a cultura das relações patriarcais de poder, em que as mulheres são colocadas no papel de vítimas da violência moral, física, sexual e psicológica102. Freitas e Mendes também consideram a Lei inconstitucional por ofensa aos artigos 5º, caput e inciso I, e 226, § 5º, da Constituição da República, nos quais se trata da inviolabilidade do direito à igualdade entre homens e mulheres: A nova legislação é inconstitucional porque foi elaborada com o intuito de beneficiar exclusivamente a mulher, em desfavor do homem, o que afronta o princípio da igualdade, sendo este norma supraconstitucional ao qual todas as outras devem obediência, servindo como garantidor contra injustiças e para tolher favoritismos103. Há, contudo, uma corrente na doutrina que não vê ofensa ao princípio constitucional da igualdade na nova Lei, considerando-a um instrumento de transformação social que procura corrigir situações em que o sexo ainda constitui fator de desigualdade: [...] estão sendo tratados desigualmente homem e mulher, tendo em vista que a mulher fragilizada pela violência tem de ser protegida para alçar o status de igualdade. O fato de homens poderem sofrer violência doméstica, além de configurar situação isolada, não compondo a conjuntura sócio-econômica e histórica do país, já possui a salvaguarda na legislação em vigor, de forma que a Lei de Violência Doméstica vem na exata medida de efetivar o princípio da igualdade104. 102 CAMPOS, Roberta Toledo. Aspectos constitucionais e penais significativos da Lei Maria da Penha. In: De Jure, Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. n. 8. p. 282. 103 FREITAS, Aldilene Vieira de; MENDES, Patrícia de Gouveia. A inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha sob o prisma da igualdade constitucional. Revista Direito e Liberdade Edição Especial, Mossoró, vol. 5, n. 1. Disponível em: <http://www.esmarn.org.br/ojs/index.php/revista_teste/article/view/159/169>. Acesso em jun. 2010. 104 SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/2006. 2ª ed. São Paulo: Método, 2008, p. 68. 47 Outro item aventado pela crítica à Lei Maria da Penha se refere à opção do legislador em afastar, nos crimes disciplinados por esta lei, independentemente da pena prevista, a incidência da Lei 9.099/95. Isso violaria o princípio da isonomia entre autores de delitos de menor potencial ofensivo, pois trata diferentemente os crimes praticados em relações de violência doméstica e aqueles mesmos delitos quando fora do âmbito doméstico. A opinião de Rangel é que a Constituição Federal determina que as infrações de menor potencial ofensivo devem ser julgadas nos Juizados Especiais Criminais, assim: Por mais que o legislador queira evitar impunidade dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher não pode fazê-lo rasgando a Constituição da República. Há limites e balizas constitucionais que devem ser respeitados105. A questão mais polêmica é o afastamento da necessidade de representação nos delitos de lesão corporal leve. A Lei nº. 9.099/95, na seção das disposições finais, incluiu a representação como condição de procedibilidade para a ação penal pública nos crimes de lesão corporal leve, até então independente da manifestação de vontade da vítima. Como a Lei nº.11.340/06 vetou a aplicação da Lei nº. 9.099/95, instalou-se um debate jurídico sobre a necessidade de representação nesses delitos, se praticados contra mulher nas circunstâncias que o artigo 5º da Lei Maria da Penha enumera. Aqueles que sustentam a manutenção da necessidade de representação da vítima baseiam-se nos métodos interpretativos teleológico e sistemático. Conforme esse posicionamento, a intenção da nova Lei em relação à inaplicabilidade da Lei nº. 9.099/95 está restrita aos benefícios da transação penal, da conciliação extintiva da punibilidade e da suspensão condicional do processo. Além disso, a recente Lei traz dispositivos que tratam do procedimento de tomada da representação e da retratação da representação106; Já os juristas que defendem que a necessidade de representação foi afastada fazem uso do método interpretativo gramatical e também do teleológico, considerando que na redação do 105 RANGEL, Paulo. Direito Processo Penal.16ª ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009. p. 186. JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Atlas, 2006. 106 48 artigo 41 não foi indicada qualquer restrição, o que afastaria, por completo, sua aplicação em detrimento da a aplicação da Lei nº. 9.099/95. Ademais, a intenção da nova Lei seria apresentar um tratamento mais rigoroso e eliminando o modelo conciliatório proporcionado pela necessidade de representação107. Em regra, as ações penais são públicas incondicionadas, conforme já destacado, contudo o inciso I, art. 12, da Lei Maria da Penha determina que, em todos os casos nos quais uma mulher tenha sido vítima de violência doméstica, a autoridade policial deverá: “I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada”. A representação pode ser ou não efetivada pela vítima de violência doméstica ou familiar. Deduzir-se-ia daí que a espécie da ação penal, apropriada para aplicar a Lei Maria da Penha, é a contida no § 1º do art. 100 do Código Penal: “A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido [...]”. Tal interpretação para a aplicação da Lei Maria da Penha fomenta, pois, uma ação penal pública condicionada à representação, o que é ratificado pelo artigo 16 desta lei: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Em tese, se não há interesse da vítima em processar criminalmente seu agressor, o Ministério Público não poderia oferecer denúncia, e se oferecida e recebida, o processo seria nulo. Se a ação penal relativa à Lei Maria da Penha fosse incondicionada, não seria necessária qualquer representação da vítima. Bastando concluir o inquérito sem representação, com posterior denúncia do Ministério Público, e recebimento pelo juiz. Porém, a redação é imprecisa, pois a lei não trata de ações penais condicionadas à representação da ofendida e sim de infrações 107 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da violência contra a mulher: renúncia e representação da vítima. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965>. Acesso em: 28 jun. 2010. 49 penais de ação penal condicionada à representação da ofendida. Trata-se, portanto, de desistência da representação já formalizada. Fala-se em renúncia se a representação não chegou a ser formalizada. As dificuldades começam com a utilização confusa, dos termos jurídicos, renúncia e retratação. Tourinho Filho considera renúncia como a abdicação do direito de promover ação penal privada e a retratação, citada pelo Código Penal, em seu artigo 102, e pelo Código de Processo Penal, em seu artigo 25, como a abdicação da vontade de ver instaurado o inquérito policial ou de que seja oferecida a denúncia108. Logo, o termo renúncia empregado pela lei, parece ter o sentido de retratação ao direito de representação. O legislador estabeleceu que tal expediente só produzirá efeitos se exercido até o recebimento da denúncia, admitindo uma lacuna temporal entre o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público e o seu efetivo recebimento pelo juízo. Se nesse período, a ofendida se retratar, haveria a falta de uma condição de procedibilidade da persecução criminal, ou seja, a representação. Contudo, tal orientação não encontra lastro nem Código de Processo Penal, no seu artigo 25, e nem no Código Penal, no artigo 102. Esses diplomas legais determinam que uma vez oferecida a denúncia, a representação é irretratável, não havendo distinção entre o momento do oferecimento e do recebimento da denúncia, como ocorre na Lei Maria da Penha. De acordo com Tourinho Filho, não se deve confundir início da ação penal com o seu ajuizamento nem com a instauração da relação processual. Se o Promotor de Justiça já ofertou a denúncia, a representação se tornou irretratável109. A partir desse momento o princípio da indisponibilidade da ação penal norteia a atuação do Ministério Público, o que impede o recuo do órgão acusador, consoante o art. 16 da Lei Maria da Penha.110 A mudança ocorrida na Lei Maria da Penha, em torno da idéia de representação nas ações penais públicas condicionadas, pode ser vista já no artigo 10 da referida Lei, segundo o qual a autoridade policial, tomando conhecimento “da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher”, terá o poder/dever de agir de ofício, adotando “as providências legais cabíveis”, como 108 TOURINHO FILHO, 2003, p. 295. Ibid, p. 310. 110 COSTA JÚNIOR, Quintino Farias. Ação Penal Pública Condicionada e a Lei Maria da Penha: algumas considerações. Disponível em: <https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/40/acao_penal_publica.pdf>. Acesso em jun. 2010. 109 50 ocorre nas ações penais públicas incondicionadas. Sua atuação não estaria, pois, vinculada à manifestação expressa da vítima.111 Costa Júnior denomina isso de representação tácita, à semelhança da renúncia tácita de que trata o código penal artigo 104. Assim, se até o oferecimento da denúncia, respeitado o prazo decadencial previsto no código de processo penal, artigo 38, a ofendida não apresentar sua retratação, convalidado estarão todos os atos até então já praticados em desfavor do agressor, autorizando com isso, ao Ministério Público, ingressar em juízo com a competente ação penal. Deixa de ser assim, portanto, a representação da vítima, em sua acepção estrita, uma conditio sine qua non, para adoção das medidas legais cabíveis, quando se tratar de crimes relacionados com a violência doméstica e/ou familiar.112 E continua afirmando que: Melhor andaria o legislador, se tivesse expressamente declarado de ação pública incondicionada, as condutas típicas previstas no código penal, quando relacionadas com a violência doméstica e/ou familiar, pois na verdade, foi o que fez de forma oblíqua113. No tocante à renúncia, Cunha e Pinto declaram que: Sabendo que renúncia significa abdicação do exercício de um direito, clara está a impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, quando, na realidade, pretendeu se referir à retratação da representação, ato da vítima (ou de seu representante legal) reconsiderando o pedido-autorização antes externado (afinal, não se renuncia ao direito já exercido!). Mas mesmo essa alternativa encontra óbice na letra do art. 25, do CPP, que não admite a retratação depois de ofertada a denúncia. In casu, a audiência tratada no dispositivo em estudo é realizada quando já se tem a denúncia, conforme de verifica da parte final do artigo em comento, ao tempo, portanto, que não mais seria admitida a retratação. Vê-se, assim, que a partir do advento da Lei Maria da Penha, os arts. 25 do CPP e, 102 do CP, passaram a receber uma nova leitura, de tal maneira que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar, passa a ser admitida mesmo após a oferta da denúncia.114 111 COSTA JÚNIOR, 2010. Ibid. 113 Ibid. 114 CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 75 112 51 Desse modo, o advento da Lei Maria da Penha fez com que se estabelecessem divergências na doutrina com relação ao direito de representação no crime de lesão corporal leve. Alguns entendem que a ação penal deve ser pública incondicionada, outros entendem que deve ser pública condicionada à representação da ofendida. Tais divergências ocorrem justamente porque a Lei Maria da Penha, no seu artigo 41, veda expressamente a aplicação da Lei n.º 9.099/95, dispondo que: “[...] aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995”. O autor Souza é da mesma opinião e declara que: No que diz respeito à necessidade de representação naquelas condutas tipificadas no artigo 129, § 9º, do CP, seja nas hipóteses contempladas como violência intrafamiliar (1ª parte), seja nas hipóteses previstas na última parte do dispositivo, temos que a ação penal é pública incondicionada, a uma, porque estamos diante de um tipo diferente daquele da cabeça do art.129 e com na diferenciada, sendo um tipo qualificado e, além disso, por força do disposto no art. 41 da Lei 11.340/06, afasta-se a aplicação da exigência da representação quando se tratar de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher, pois veda-se a aplicação da Lei 9.099/95 como um todo, inclusive do seu art. 88. 115 Mas há na doutrina pensamento diverso, segundo o qual o conteúdo do § 9º descreve o tipo especial do crime de lesão corporal leve, logo, a ação penal só pode ser condicionada à representação do ofendido.116 2.3 O PROCEDIMENTO DA LEI MARIA DA PENHA A legislação brasileira não previa violência doméstica como um tipo específico. Mas casos de lesão à integridade física, ou psicológica contra 115 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: lei Maria da Penha 11.340/06. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008, p. 81. 116 Ibid. 52 ascendente, descendente, irmão ou cônjuge, poderia haver o aumento de pena em virtude do que dispõe o artigo 61, inciso II, alíneas ‘e’ e ‘f’, do Código Penal: as agravantes genéricas previstas para tais crimes. A Lei 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais agravou a falta de proteção específica, pois, embora tivesse o objetivo de agilizar o trâmite processual, acabou por tornar o julgamento dos crimes de lesões corporais leves e crimes contra a honra algo banalizado. Os mecanismos de solução de conflitos menos formais, visando à celeridade, incentivavam a conciliação e a renúncia do direito de representação por parte das vítimas. A tentativa inicial de conciliação estimulava as mulheres a conciliar com o autor da agressão, em nome da harmonia familiar. Se a tentativa de conciliação não prosperasse, o autor, preenchendo as condições do art. 76, § 2° da Lei 9.099/95, era intimado para uma audiência de transação penal, na qual era proposta, pelo Ministério Público, o cumprimento de uma pena restritiva de direitos, tal como a prestação de serviço à comunidade, ou pagamento de prestação pecuniária à vítima, comumente revertida em cestas básicas. A denúncia só era oferecida pelo Ministério Público se a proposta de transação penal não fosse aceita117. Se deflagrada a ação penal, caso o autor preenchesse os requisitos do art. 77 do CP e 89 da Lei 9.099/95, ele poderia ser beneficiado ainda com a suspensão condicional do processo. E mesmo quando a ação penal transcorria normalmente, se os autores fossem condenados à pena privativa de liberdade, esta ainda poderia ser substituída por uma das penas restritivas de direito que o art. 44 do CP prevê. A aprovação da Lei nº 10.886 acrescentou o § 9°, ao art. 129 do Código Penal, criando a modalidade do crime de violência doméstica, mas casos desse tipo continuaram a ser julgados conforme a Lei 9.099/95118. Os arts. 13 a 17 estabelecem as disposições gerais aplicáveis ao processo criminal. Fica permitida a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, do Código de Processo Civil, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, além de outras normas específicas. A competência jurisdicional será fixada de 117 KATO, Shelma de. Lei Maria da Penha: uma lei constitucional para enfrentar a violência doméstica e construir a difícil igualdade de gênero. In: Revista brasileira de ciências criminais. v. 16, n. 71, p. 276. 118 Ibid. 53 acordo com a opção da vítima: o local de seu domicílio, de sua residência, do lugar do fato do crime ou do domicílio do agressor119. A Lei 11.340/2006 trouxe mecanismos específicos para coibir a violência contra a mulher. A tutela prevista na Lei Maria da Penha é um sistema jurídicoholístico em que se busca um atendimento integrado à mulher vítima de violência doméstica. De início, uma das alterações trazidas pela lei foi a criação das Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Além disso, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, a lei veda expressamente a aplicação de penas de cesta básica ou prestação pecuniária, e também a substituição da pena que implique no pagamento de multa120. Os principais mecanismos oferecidos pela Lei de tutela à mulher no campo penal e processual penal são os seguintes: a) dá nova redação ao § 9º do art. 129 do CP modificando a pena que passa a ser de 3 meses a 3 anos e cria uma agravante genérica ao CP (arts. 43 e 44); b) autoriza a prisão preventiva e modifica a Lei de Execuções Penais (arts. 20, 42 e 45); c) veda a incidência da Lei 9099/95 (art. 41); d) cria medidas protetivas de urgência para o agressor e para a ofendida (arts. 22 e 23); e) autoriza a criação em cada Estado dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher através de Lei Estadual (art. 14). 121 Havendo a ocorrência de um crime proveniente de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial ao tomar conhecimento da notitia criminis, deverá lavrar o boletim de ocorrência (art. 6º do CPP), adotando as seguintes providências, de acordo com o artigo 11 da Lei 11.340/06: No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências: I garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal; 119 ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1133, 8 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em jun. 2010. 120 CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos tribunais, n. 73, jul./ago. 2008. Disponível em: <http://www.mp.ba.gov.br/biblioteca/sumarios/criminais/073.pdf>. acesso em jun. 2010. 121 FREITAS, Jayme Walmer de, Impressões objetivas sobre a lei de violência doméstica. <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=1699>. [s./p.] 54 III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida; IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar; V informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. A autoridade policial que tomar conhecimento de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, deverá adotar o procedimento seguinte: Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada; II – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias; III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários; V – ouvir o agressor e as testemunhas; VI – ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele; VII – remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público. § 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter: I – qualificação da ofendida e do agressor; II – nome e idade dos dependentes; § 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1º o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida. § 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde. Deve-se ler com atenção o inciso I, que orienta a autoridade policial a “tomar a representação a termo, se apresentada”. Aparentemente, o boletim de ocorrência, o depoimento da ofendida, o exame de corpo delito e os depoimentos do agressor e de testemunhas não são suficientes para o Ministério Público oferecer denúncia. A representação da ofendida é uma exigência da Lei Maria da Penha. De acordo com o art. 100, § 1º, do Código Penal, o Ministério Público só tem legitimidade para denunciar um agressor se houver representação: 55 Art. 100 – A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido. § 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. Conforme o autor Mirabete: Depende a instauração do inquérito policial de representação da vítima em casos expressos em lei, hipótese de ação pública condicionada. A representação, uma espécie de notitia criminis postulatória, é um pedido – autorização em que o interessado manifesta o desejo de que seja proposta a ação penal pública (item 24.5) e, portanto, como medida preliminar, o inquérito policial. Pode ser ela dirigida à autoridade policial, ao juiz ou ao órgão do Ministério Público (item 39). Nos termos dos arts. 100, § 1º, do CP e 24 do CPP, podem oferecê-la o ofendido ou quem tenha poderes para representá-lo (representante legal ou procurador com poderes especiais). A representação oral ou sem assinatura autenticada deve ser reduzida a termo (art. 39, § 1º). Sem a representação, nos casos em que é ela exigida, não se pode instaurar o inquérito policial122. Contudo, a Lei Maria da Penha não impede a instauração de inquérito policial, mesmo se não for oferecida representação na ocasião da lavratura do boletim de ocorrência. 122 MIRABETE, 2005, p. 103. 56 3 O PRINCÍPIO DA OPORTUNIDADE NO EXERCÍCIO DA RENÚNCIA À REPRESENTAÇÃO LEI MARIA DA PENHA A ação penal rege-se por alguns princípios, no que diz respeito ao direito do ofendido de não se expor, desde que considere que o procedimento processual lhe será mais danoso que o próprio delito do qual foi vítima, é importante que se cite o princípio da oportunidade. Para Nucci, este princípio é: O que rege a ação penal privada, conferindo o Estado ao particular, ofendido pela ação delituosa de alguém, a faculdade de ingressar com ação penal contra o agressor. Enquanto a ação penal pública regula-se pelo princípio da obrigatoriedade, devendo o Estado ajuizar ação penal contra infratores, a ação penal privada fica ao critério e disponibilidade da vítima.123 Já, o doutrinador Avena comentando este princípio, afirma que: [...] à vítima do crime, ao seu representante legal ou aos seus sucessores (na hipótese do art. 31 do CPP) compete decidir sobre o ajuizamento ou não. Isso porque, em muitos casos, a exposição natural de um processo criminal pode ser ainda mais prejudicial do que a própria sensação de impunidade provocada pela inércia em acionar o agente criminoso.124 Para os crimes previstos pela Lei Maria da Penha, quando a ação é condicionada à representação, a aplicação deste princípio é oportuna, pois a exposição da vítima pode lhe ser mais danosa que a própria agressão sofrida, cabendo-lhe, então, decidir sobre a conveniência da propositura da ação penal. É fundamental que se respeitem os princípios que regem nosso ordenamento jurídico e a aplicação do princípio da oportunidade, numa ação penal pública condicionada, 123 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Processual Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, 2008. p. 142. 124 AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo Penal: Esquematizado. São Paulo: Método, 2009. p. 175. 57 é uma garantia ao cidadão de que a justiça está atuando de acordo com os princípios constitucionais. Os princípios constituem idéias gerais e abstratas, que expressam em menor ou maior escala todas as normas que compõem a seara do direito. Poderíamos mesmo dizer que cada área do direito não é senão a concretização de certo número de princípios, que constituem o seu núcleo central. Eles possuem uma força que permeia todo o campo sob seu alcance. Daí por que todas as normas que compõem o direito constitucional devem ser estudadas, interpretadas, compreendidas à luz desses princípios. Quanto os princípios consagrados constitucionalmente, servem, a um só tempo, como objeto da interpretação constitucional e como diretriz para a atividade interpretativa, como guias a nortear a opção de interpretação. 125 Nestes princípios confluem os valores mais relevantes da ordem jurídica, pois a Constituição não é um mero conjunto de regras justapostas. Ela deve ser um sistema em harmonia, e os princípios constitucionais consubstanciam as premissas da ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles orientam a justiça no tocante aos caminhos que devem ser percorridos126. 3.1 RENÚNCIA NA REPRESENTAÇÃO A representação do ofendido consiste em uma espécie de pedidoautorização através da qual ele ou seu representante legal manifestam o desejo de que a ação penal seja instaurada. Nos crimes de ação penal pública condicionada, em que o interesse privado é mais afetado que o interesse público, há a necessidade de representação. Em tais casos, instaurar um processo para a apuração do delito, poderia acarretar danos ainda maiores para o ofendido, por isso 125 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21ª .ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 57. 126 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 142-143. 58 fica a seu critério a busca pela reparação do dano sofrido, ou a preferência por resguardar-se de outro dano ainda maior127. Alguns crimes em que a ação penal cabível é condicionada à representação são os de perigo de contágio venéreo (art.130, § 2º), em que a exposição pública do fato pode trazer mais danos ao ofendido do que o perigo de dano do delito, além dos crimes contra a dignidade sexual (arts. 213 a 219). Nesses casos, aplica-se a ação penal condicionada (art. 225, parágrafo único e súmula 608 STF)128. Há o entendimento consagrado na Jurisprudência de que a formulação da representação não exige procedimento especial, bastando a manifestação do desejo de instaurar ação criminal contra o agressor, por parte da vítima ou de seu representante legal. Contudo, este deverá prestar todas as informações úteis para a apuração do fato, tal como dispõe o art. 39, §2º do Código de Processo Penal, cujo caput prevê que a representação pode ser dirigida ao Juiz, ao Ministério Público ou à autoridade policial. Não há necessidade estrita de que esta representação seja feita por intermédio de profissional dotado de capacidade postulatória, já que se trata de figura processual129. A natureza jurídica da representação é vista, na doutrina, com posicionamentos diferentes. Alguns autores compreendem a representação como um direito material; para outros, é de natureza mista, ou seja, como pressuposto da ação e, por fim, há entendimento de que a representação é de natureza processual. A posição dominante, contudo, entende que a representação tem a natureza processual, da qual compartilham Bettiol, Marques, ente outros130. O autor Tourinho Filho ensina que: Sendo a representação aquela condição à qual se subordina a propositura da ação penal, nos casos previstos em lei, inegavelmente sua natureza é processual. [...] A despeito de ser processual sua natureza, há nela consideráveis aspectos penais, pois o seu nãoexercício acarreta a decadência, que é causa extintiva de punibilidade131. 127 MIRABETE, 2005, p. 111. Ibid. 129 Ibid. 130 Ibid. 131 TOURINHO FILHO, 2003, p. 308. 128 59 O prazo para o direito de representação ser exercido é de seis meses, a partir do dia em que seja tomado conhecimento da autoria do crime, pela vítima ou por seu representante legal (arts.103 do Código Penal e 38 do Código Processual Penal). O art. 38 do Código de Processo Penal tem, in verbis, o seguinte conteúdo: [...] salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá do direito de queixa ou representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime. Se a vítima for menor de idade, o prazo é contado a partir do dia em que seu representante legal tomar conhecimento do fato, desde que tal conhecimento não se dê após o representado atingir a maioridade. Se o representante legal desconhecer o fato até essa data, o prazo contará a partir do momento em que a vítima atingir a maioridade. Por outro lado, se a vítima for doente mental, tal cômputo não se aplica, pois a representação legal não cessa sem que cesse a incapacidade. Assim, o prazo não fluirá para a vítima, e contam-se seis meses depois que o representante legal do ofendido venha a tomar conhecimento da autoria do fato. Ao se falar em retratação, deve-se fazer uma distinção: há a retratação a que se refere o art. 107, VI do Código Penal Brasileiro, que é de natureza penal, porque quem se retrata é o autor do delito, o que acarreta, nos casos previstos em lei, extinção da punibilidade. A retratação prevista no art.25 do Código de Processo Penal, por outro lado, é de natureza processual e é feita pela pessoa a quem couber o direito de exercê-la. 3.2 REPRESENTAÇÃO E RENÚNCIA NA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS As iniciativas de combate à violência contra a mulher, originadas principalmente em grupos feministas, trouxeram a questão à tona, no Brasil, a partir de meados dos anos setenta. Em 1980, o SOS–Mulher, em São Paulo, foi a primeira 60 forma de atendimento concreto à mulher. Nesse serviço, militantes feministas faziam plantões e orientavam mulheres que apresentavam situações de violência doméstica.132 Em 1985, criou-se a primeira Delegacia de Defesa da Mulher, numa iniciativa conjunta do Conselho Estadual da Condição Feminina e pelo então Secretário Estadual da Segurança de São Paulo, Michel Temer. Após, outras foram criadas.133 Mas a criação de delegacias especializadas não fez os casos de agressões contra mulheres diminuírem. Assim, em 26 de setembro de 1995, a publicação da Lei n. 9.099/95 trouxe grandes mudanças ao sistema penal brasileiro134. Os objetivos dessa Lei era dar maior acesso à Justiça para a população e simplificar os procedimentos para promover a rápida atuação do direito.135 [...] Orientados pelos princípios da busca de conciliação, esses juizados julgam casos de contravenção e crimes considerados de menor poder ofensivo, cuja pena máxima não ultrapassa dois anos de reclusão. Aqui, os princípios da informalidade e da economia processual dispensam a feitura do inquérito policial; o boletim de ocorrência foi substituído pela elaboração de um "termo circunstanciado" que traz um relato dos fatos e a caracterização das partes e pode ser encaminhado, com presteza, ao Tribunal.136 Os Juizados Especiais Criminais deveriam, então, realizar o julgamento e processamento dos crimes tidos como de menor potencial ofensivo, cujo conceito inicial encontrava-se na Lei n. 9.099/95: Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que 132 SILVA, 1992, p. 84-86. DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero: novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 23, n. 66, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092008000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em jun. 2010. 134 A Constituição Federal de 1988 dispôs sobre a criação dos juizados especiais: “Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.” 135 DEBERT; GREGORI, [s./p.]. 136 Ibid. 133 61 a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.137 Ou seja, os crimes cometidos contra a mulher, cujas penas não ultrapassassem dois anos, eram processados e julgados pelos Juizados Especiais Criminais, e desse modo a maioria dos casos de violência, tais como a contravenção penal de vias de fato, os crimes de lesão corporal de natureza leve, a difamação, a injúria e a ameaça eram processados nos Juizados Especiais Criminais, nos quais há duas fases, uma preliminar, não judicial, e a segunda fase, judicial. A fase preliminar se inicia com a lavratura do Termo Circunstanciado pela autoridade policial e, é: Destinada à tentativa de conciliação – que poderá conduzir à autocomposição em matéria civil e penal, ou em uma delas -, constitui a grande novidade introduzida no sistema penal brasileiro com respaldo no art. 98, I, CF. 138 As formas de autocomposição a que a conciliação pode conduzir são a renúncia e a transação. Composição dos danos civis e, após o oferecimento da ação penal, a suspensão condicional do processo. A renúncia ocorre quando o titular da pretensão cede e deixa de exigir a tutela dos direitos ou interesses dos quais se entendia possuidor. A submissão é a cessão do titular da resistência. Estas são formas de concessão unilaterais, por conseguinte, são mais raras do que a transação.139 A transação penal está prevista no caput do artigo 76 da Lei 9.099/95, que dispõe: [...] havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o 137 BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em jun. 2010. 138 GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 127. 139 ibid., p. 128. 62 Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.140 [...] A transação penal é instituto decorrente do princípio da oportunidade da propositura da ação penal, que confere ao seu titular, o Ministério Público, a faculdade de dispor da ação penal, isto é, de não promovê-la, sob certas condições. Nos termos da Lei [...] adotado o princípio da discricionariedade regulada, o Ministério Público somente poderá dispor da ação penal nas hipóteses previstas legalmente, desde que exista a concordância do autor da infração e a homologação judicial. A transação penal é o novo instrumento de política criminal de que dispõe o Ministério Público para, entendendo conveniente ou oportuna a resolução rápida do litígio penal, propor ao autor da infração de menor potencial ofensivo a aplicação sem denúncia e instauração de processo, de pena não privativa de liberdade.141 Os três incisos do § 2º do artigo 76 da Lei n. 9.099/95 determinam as condições em que a elaboração da proposta e a homologação da transação penal não são possíveis: Art. 76. [...] § 2º - Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida. 142 Não se trata de condições da ação, já que ainda não há ação nem processo. São apenas os requisitos cuja ausência impede a proposta de transação e o acordo homologado por sentença. Embora a transação penal seja uma espécie de sanção penal, sua aplicação não gera reincidência. A aceitação da proposta caracteriza submissão voluntária do autor do fato à pena não privativa de liberdade, mas não caracteriza seu reconhecimento da culpabilidade penal.143 140 BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em jun. 2010. 141 PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da lei n° 9.099/95. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 47. 142 BRASIL, op. cit. 143 GRINOVER et. al., 2005, p. 171. 63 Não havendo êxito na fase não judicial, a ação penal será proposta, conforme dispõe o artigo 77 da Lei supracitada: Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese prevista no art. 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao Juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.144 Outro instituto inovador presente na Lei n. 9.099/95 é a suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89. Para o qual exigem-se certos requisitos, objetivos e subjetivos, inseridos no caput do mesmo artigo: Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).145 Grinover et al. comentam que: [...] na suspensão do processo o que se suspende é o próprio processo [...]. O momento do oferecimento da denúncia é o corretamente adequado, em princípio, para a concretização da proposta de suspensão. Sendo aceita, o juiz pode suspender o processo. O que temos, em síntese, em termos conceituais, é a paralisação do processo, com potencialidade extintiva da punibilidade, caso todas as condições acordadas sejam cumpridas, durante determinado período de prova. Concretizado o plano traçado com o consenso do acusado, sem que tenha havido revogação, resulta extinta a punibilidade, isto é, desaparece a pretensão punitiva estatal decorrente do fato punível descrito na denúncia. Considerando que o acusado aceita entrar em período de prova desde logo, sem discutir a culpabilidade, já se falou em sursis antecipado. Isso dá uma idéia do instituto. Cuidando-se de acusado primário (bons antecedentes, boa personalidade etc.) e de pena 144 145 BRASIL, 1995. BRASIL, op. cit. 64 mínima que comportaria o sursis, o Ministério Público poderá propor desde logo a suspensão do processo.146 Mas, a despeito de todo o progresso que a criação dos Juizados Especiais Criminais representou, não houve efetivamente melhora no tratamento dado aos casos de violência contra a mulher em âmbito doméstico ou familiar, pois na maior parte dos casos não havia punição ao agressor, haja vista a inclinação destes Juizados na busca pela conciliação das partes, ou mesmo devido às punições convertidas em pagamento de cestas básicas. A Lei 10.455/2002 foi um primeiro passo para conferir proteção especial à mulher vítima de violência doméstica, ao acrescentar a parte final do parágrafo único do artigo 69 da Lei 9.099/95: “Em caso de violência doméstica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima”. Já a Lei 10.886/2004 acrescentou o § 9º ao artigo 129 do Código Penal, o qual foi modificado pela Lei 11.340/06 (aumento da pena máxima de um para três anos e diminuição da pena mínina de seis para três meses de detenção). Esse acréscimo ao CP estabeleceu um subtipo penal de lesão corporal decorrente de violência doméstica. Em caso de lesão corporal leve, a ação seria condicionada, já que: [...] a lei 9.099/95, rompendo tradição do nosso processo penal quanto aos crimes de lesão corporal leve e culposa, havia estabelecido em seu art. 88 que estes crimes dependem de representação, sendo, portanto, de ação penal pública condicionada147. A mudança introduzida no ordenamento jurídico em relação ao crime de lesões corporais leves deve-se à experiência da aplicação do Código Penal, com a invocação freqüente de princípios de bagatela, e ausência de interesse para justificar o emprego da sanção penal148. 146 GRINOVER et. al., 2005, p. 253. GONÇALVES, Ana Paula Schwelm; LIMA, Fausto Rodrigues de. A lesão corporal na violência doméstica: nova construção jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1169, 13 set. 2006. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8912>. Acesso em jun. 2010. 148 MELLO, Adriana Ramos (org.). Comentários à Lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 86. 147 65 Efetivamente, foi a Lei Maria da Penha que modificou esse quadro, reduzindo as possibilidades de que os crimes de violência doméstica contra a mulher fiquem impunes, além do impedimento da transação penal que encorajava os agressores a persistirem em suas práticas, pois que o mero pagamento de cestas básicas ou a prestação de serviços comunitários não representavam punições severas o bastante. 3.3 REPRESENTAÇÃO E RENÚNCIA NA LEI MARIA DA PENHA A Lei Maria da Penha não faz menção à natureza da ação penal nas infrações de que trata. Uma interpretação sistemática do que dispõe seu artigo 41, que afastou a incidência da Lei 9.099/95, nos crimes praticados contra a mulher, desde que, presente a violência doméstica e familiar, permite o entendimento de que o delito de lesão corporal leve volta a ser de ação penal pública incondicionada, como antes do advento da Lei 9.099/95149. Contudo, o artigo supracitado se refere a crimes, não faz menção a contravenções penais. Logo, deduz-se que a aplicação da Lei n. 9.099/95 ainda pode ser aplicada em certas situações de violência doméstica contra a mulher, tal como pensam Cunha e Pinto: Dentro do amplo espectro de violência doméstica e familiar (art. 7º) encontram-se alguns comportamentos que configuram meras contravenções penais, como por exemplo (e as mais comuns): vias de fato (art. 21), perturbação do trabalho ou sossego alheio (art. 42), importunação ofensiva ao pudor (art. 61) e perturbação da tranqüilidade (art. 65). Nesses casos (referindo-se o art. 41, da Lei 11.340/2006, apenas a ‘crimes’) continua aplicável a Lei 9.099/95 (e suas medidas despenalizadoras), ressalvando-se, apenas, as proibições trazidas no art. 17 da Lei 11.340/2006 (‘é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa’)150. 149 150 GOMES; BIANCHINI, 2006. CUNHA; PINTO, 2007, p. 126. 66 Os autores Gomes e Bianchini afirmam que, no caso de violência doméstica ou familiar contra a mulher não mais se lavra o termo circunstanciado (mesmo quando a infração não conta com pena superior a dois anos) e procede-se à instauração de inquérito policial. Uma vez concluído o inquérito, segue-se (na fase judicial) o procedimento pertinente previsto no CPP. A ação penal nos crimes de lesão corporal dolosa simples contra a mulher nas condições previstas na Lei 11.340/2006 passou a ser, segundo os autores, pública incondicionada.151 Mas o direito de representação vem expresso no artigo 12, I, da referida Lei: Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada. De acordo com a autora Kato, apenas nos crimes de ameaça contra a honra e contra a liberdade sexual, a vítima pode renunciar à representação formulada (art. 225 do CP). Isso deve ser feito antes do recebimento da denúncia, em audiência específica, com a oitiva do Ministério Público (art. 16)152. Sabendo que renúncia significa abdicação do exercício de um direito, clara está a impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, quando, na realidade, pretendeu se referir à retratação da representação, ato da vítima (ou de seu representante legal) reconsiderando o pedido-autorização antes externado (afinal, não se renuncia ao direito já exercido!). Mas mesmo essa alternativa encontra óbice na letra do art. 25, do CPP, que não admite a retratação depois de ofertada a denúncia. In casu, a audiência tratada no dispositivo em estudo é realizada quando já se tem a denúncia, conforme de verifica da parte final do artigo em comento, ao tempo, portanto, que não mais seria admitida a retratação.Vê-se, assim, que a partir do advento da Lei Maria da Penha, os arts. 25 do CPP e, 102 do CP, passaram a receber uma nova leitura, de tal maneira que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar, passa a ser admitida mesmo após a oferta da denúncia.153 151 GOMES; BIANCHINI, 2006. KATO, 2010. 153 CUNHA; PINTO, 2007, p. 75. 152 67 A renúncia, como se vê, significa abdicação do exercício de um direito, porém, o legislador faz uso do termo renúncia à representação em referência ao ato – da vítima, ou de seu representante legal – de reconsiderar o pedido externado anteriormente. A renúncia (ou retratação) à representação da vítima só é admissível se feita perante o juízo, conforme o artigo 16 da referida Lei: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Desse modo, as retratações feitas na delegacia só terão efeito se forem confirmadas também em juízo. Caso a vítima não compareça em juízo, Ministério Público dará continuidade ao processo penal. Tal alteração garante que a vítima terá contato pessoal com o Juiz e o Ministério Público, os quais, especializados no trato da violência doméstica que são, podem conscientizar a vítima sobre a necessidade do processo, e sugerir um acompanhamento multidisciplinar ao agressor e à própria vítima como forma de prevenção de futuras agressões.154 Ainda, a retratação em juízo, também tem o intuito de verificar se a ofendida está sofrendo algum tipo de pressão. As vítimas de violência doméstica podem retirar a representação oferecida contra o agressor tencionando preservar a harmonia familiar. Tal possibilidade está prevista na Lei Maria da Penha, e deve receber atenção especial do Ministério Público e Juiz, que têm o poder de analisar se a atitude da vítima é espontânea. Reiteração da violência doméstica, maus antecedentes criminais do agressor e gravidade das circunstâncias no momento da violência são fatores desfavoráveis à retratação. Tal faculdade de retratação da vítima só pode ser exercida em caso de lesão corporal leve. Se a lesão for grave ou quando houver tentativa de homicídio, a ação criminal é incondicionada.155 Em relação ao artigo 16, da Lei nº 11.340/2006, que dispõe da “renúncia” ao direito de representação, há, em parte da doutrina, a interpretação de que tal artigo 154 155 Ibid. CUNHA; PINTO, 2007. 68 traz uma impropriedade em sua redação. Essa leitura decorre de que, juridicamente, o significado de renúncia é abdicação do direito de representar, ou seja, é um ato unilateral anterior ao oferecimento da denúncia. Caso esta tenha sido oferecida, é cabível apenas a retratação. Entende-se, pois, que ao falar em renúncia, o legislador tencionava mencionar aquilo que se entende por retratação.156 Segundo tal corrente interpretativa, não há nenhuma incompatibilidade entre os artigos 41 e 16 da Lei 11.340/2006. Tendo o artigo 41 excluído a representação em casos de lesão corporal culposa e lesão simples e havendo no artigo 16 a referência à representação da mulher, já que este último dispositivo dispõe que apenas nas ações penais públicas condicionadas à representação, a renúncia (ou retratação) pode ser admitida perante o Juiz, em audiência designada para tal finalidade.157 De acordo com o artigo 25 do Código de Processo Penal, a retratação só é possível até o oferecimento da denúncia. Já a Lei 11.340/2006 determina que a retratação (à qual chama de renúncia) só pode acontecer depois de recebida a denúncia; o Juiz tem liberdade de aceitar ou não essa retratação. Maria Lúcia Karan considera que o fato de a retratação só poder ser feita perante o Juiz em audiência especialmente designada, com a oitiva do Ministério Público, inferioriza a mulher, pois força que ela ocupe uma posição passiva e vitimizadora, tratando-a como alguém incapaz de tomar decisões por si própria158. O autor Nogueira, por outro lado, critica o excesso de formalismo: Criou-se formalismo que contraria um dos princípios e critérios básicos que regem o funcionamento dos juizados especiais criminais (o da informalidade- art. 62 da Lei 9.099/95). E esse formalismo, que chega ao ponto de exigir audiência presidida pelo magistrado para que se faça a renúncia ou desistência da representação, não protegerá a mulher vítima de violência doméstica ou familiar, pois ninguém poderá impedi-la de renunciar ao direito de representar ou desistir da representação que eventualmente já tenha formulado. Deverá ela requerer a designação de audiência para essa finalidade? E se requerer e deixar de comparecer? Seria caso de conduzi-la coercitivamente, apenas para que ela renuncie ou desista da representação? Isso atentaria contra a dignidade da mulher, um dos 156 GOMES; BIANCHINI, 2006. Ibid. 158 KARAN. Maria Lúcia. Violência de Gênero: O Paradoxal entusiasmo pelo rigor penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v.14, n. 168, nov, 2006, p. 6-7. 157 69 pilares da lei (art. 3º). Assim como a formalidade criada, que representa um excesso de proteção, de um lado paternalista e de outro inócua, que a grande maioria das mulheres, na atualidade, certamente, não desejarão invocar159. Os princípios constitucionais são de valor fundamental à ordem jurídica, e têm a função sistêmica de convalidar normas hierarquicamente inferiores, além de revogar aquelas que sejam dissonantes com seus preceitos fundamentais. As leis infraconstitucionais devem guardar obediência aos princípios constitucionais como normas de hierarquia superior, como salienta Grecco: Sejam os princípios expressos ou implícitos, positivados ou não, entende-se, contemporaneamente, o seu caráter normativo como normas com alto nível de generalidade e informadoras do todo o ordenamento jurídico, com capacidade, inclusive, de verificar a validade das normas que lhe devem obediência160. O pesquisador Mendes ensina que: Os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição mediata)161. Uma importante questão decorrente da interpretação do artigo 41 da Lei nº 11.430 é sobre a delimitação da vedação explícita que se encontra no referido dispositivo legal. Há certa dúvida na doutrina sobre a extensão da vedação referente às previsões anteriores dispostas nos artigos 88 e 89 da Lei nº 9.099/95. Conforme uma primeira corrente doutrinária, que faz uso da interpretação literal, o artigo 41 da Lei nº 11.340 impossibilitaria a aplicação dos artigos 88 e 89 da Lei nº 9.099/95, pois veda a aplicação da Lei dos Juizados Especiais como um todo, sem exceção a nenhum dispositivo. A inaplicabilidade do artigo 88 da Lei nº 9.099/95 baseia-se no 159 NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8821>. 160 GRECCO, Rogério. Curso de Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 59 161 MENDES. Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 28. 70 fato de que a determinação da ação penal pública condicionada para as lesões leves em geral não estar presente no Código Penal, mas no referido dispositivo. Desse modo, teria retorno a regência do artigo 100 do CP, que impõe a ação penal pública incondicionada, aumentando ainda mais a demanda desnecessária na Justiça Comum, pois a vítima é obrigada a se submeter à instrução penal independentemente de sua vontade. Os doutrinadores Gomes e Bianchini, sugerem ainda uma outra questão: Dentre todos os delitos que, no Brasil, admitem representação acham-se a lesão corporal culposa e a lesão corporal (dolosa) simples. Nessas duas hipóteses a exigência de representação (que é condição específica de procedibilidade) vem contemplada no art. 88 da Lei 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais). Esse dispositivo não foi revogado, sim, apenas derrogado (ele não se aplicará mais em relação à mulher de que trata a Lei 11.340/2006 - em ambiência doméstica, familiar ou íntima). Note-se que o referido art. 88 só fala em lesão culposa ou dolosa simples. Logo, nunca ninguém questionou que a lesão corporal dolosa grave ou gravíssima (CP, art. 129, § 1º e 2º) sempre integrou o grupo da ação penal pública incondicionada. Considerando-se o disposto no art. 41 da nova lei, que determinou que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/1995”, já não se pode falar em representação quando a lesão corporal culposa ou dolosa simples atinge a mulher que se encontra na situação da Lei 11.340/2006 (ou seja: numa ambiência doméstica, familiar ou íntima)162 De acordo com esta corrente doutrinária, vedação do artigo 41 da Lei nº 11.430/06 não abarca o artigo 88 da Lei nº 9.099/95, já que esse dispositivo não se refere à condição de procedibilidade exclusiva para as ações penais de competência do Juizado. Ou seja, o artigo 88 da Lei dos Juizados trata da necessidade de representação aos crimes de lesão corporal leve e lesão corporal culposa, previstos no Código Penal, que podem ser de pequeno ou médio potencial ofensivo163. A própria Lei nº 11.340/06 dá a entender, conforme seu artigo 16, que a necessidade de representação se mantém. Portanto, legislador manteve expressamente a necessidade de representação para o início da ação penal nos crimes previstos em lei. Tal 162 GOMES; BIANCHINI, 2006. 163 GOMES; BIANCHINI, 2006. 71 entendimento, no referente às lesões corporais praticadas com violência doméstica, deriva do fato que a condenação do réu, em tais casos, vincula-se fortemente à cooperação da vítima na sua instrução probatória, porque a materialidade delitiva exige sua colaboração na realização do exame de corpo delito.164 Segundo o autor Nogueira: O que quis a lei vedar foram os benefícios decorrentes da aplicação da Lei do Juizado Especial Criminal aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Devemos buscar no conjunto das normas trazidas pela nova lei a vontade e os objetivos do legislador ao editá-la. Para isso, não podemos interpretar isoladamente determinados preceitos nela contidos. Devemos conjugar as disposições da lei, sem perder de vista os valores nela resguardados e as finalidades da lei. É a interpretação teleológica ou finalística da lei. Desse modo, segundo nossa interpretação, podem ser extraídas as seguintes conclusões da conjugação dos arts. 16, 17 e 41 da Lei 11.340/06: [...] persiste a exigência de representação nos casos do art. 129, § 9º, do CP, e art. 21, da LCP (por analogia); no caso do art. 147 do CP, o parágrafo único exigia e exige tal condição de procedibilidade; se o legislador pretendesse banir referida condição da Lei 11.340/06 ação penal pública, não teria trazido a previsão do art. 16 da lei, que impõe formalidade para a renúncia à representação.165 Nesse sentido, veja-se a manifestação jurisprudencial abaixo: PROCESSO PENAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL DE NATUREZA LEVE (VIOLÊNCIA DOMÉSTICA). LEI MARIA DA PENHA. AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA. 1. A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública condicionada à representação da vítima. 2. O disposto no art. 41 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação da Lei 9.099/95, restringe-se à exclusão do procedimento sumaríssimo e das medidas despenalizadoras. 3. Nos termos do art. 16 da Lei Maria da Penha, a retratação da ofendida somente poderá ser realizada perante o magistrado, o qual terá condições de aferir a real espontaneidade da manifestação apresentada, o que, no caso, ocorreu. 4. Recurso especial provido.166 164 NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. A Lei n. 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher, perplexidades à vista. 2006. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/artigos/Lei_11_340_Violencia_domestica.pdf >. Acesso em jun. 2010. 165 NOGUEIRA, op. cit. 166 STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.128.963 - PE (2009/0137534-1) Rel.: Min. Jorge Mussi. 21 jun. 2010. 72 E ainda nesse sentido: APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL LEVE E AMEAÇA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI MARIA DA PENHA – VÍTIMA QUE, NA AUDIÊNCIA PREVISTA NO ART. 16 DA LEI N. 11.340/06, MANIFESTA O DESEJO DE NÃO PROCESSAR O ACUSADO – POSSIBILIDADE – AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO – EXTINÇÃO DO FEITO – PRECEDENTES – RECURSO DESPROVIDO. VOTO Trata-se de recurso de apelação interposto pelo representante do Ministério Público contra a decisão que julgou extinto o feito, ante o desejo da vítima de não processar o acusado Olides Recalcati pela prática dos crimes previstos nos arts. 129, § 9º, e 147, todos do CP (lesões corporais leves e ameaça, com base na Lei Maria da Penha). O recurso não merece provimento. Isso porque, consolidado nesta Corte de Justiça o entendimento de que a ação penal, nos crimes de violência doméstica previstos na Lei n. 11.340/06, é pública condicionada à representação, e que a vítima, até a audiência prevista no art. 16 da referida lei, tem o direito de manifestar o desejo de processar ou não o seu agressor, o que pode implicar no não recebimento da denúncia, ou, caso tenha sido recebida sem a realização da audiência, na extinção do feito, como ocorreu na hipótese dos autos (fls. 44 a 47).167 Por meio de uma interpretação ampliativa, parte da doutrina, contudo, entende que nenhum dispositivo da Lei 9.099/95 pode ser aplicado aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa corrente conta com o método de interpretação literal a seu favor e sustenta que: “Todo o espírito da lei foi no sentido de maior agravamento da situação do agressor”.168 É assim que: [...] os crimes que devem depender de representação são aqueles em que o interesse privado à intimidade das vítimas sobrepujam o interesse público em punir o crime. Em caso de violência doméstica, a solução é exatamente oposta. É interesse público que tal violência cesse, não podendo o Estado tolerá-la em nenhuma hipótese169. TJSC - Apelação Criminal n. 2008.035084-4, Relator: Des. Rui Fortes. 21 abr. 2010. CUNHA; PINTO, 2007, p. 204. 169 GONÇALVES; LIMA, 2006. 167 168 73 Os autores Gomes e Bianchini consideram que: Não existe nenhuma incompatibilidade, de outro lado, entre o art. 41 e o art. 16. O primeiro exclui a representação nos delitos de lesão corporal culposa e lesão simples. No segundo existe expressa referência à representação da mulher. Mas é evidente que esse ato só tem pertinência em relação a outros crimes (ameaça, crimes contra a honra da mulher, contra sua liberdade sexual quando ela for pobre, etc).170 Já a corrente restritiva defende que a limitação contida no artigo 41 da Lei 11.340/2006 se refere apenas aos institutos despenalizadores dessa lei, tais como a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo. Assim, para essa corrente, persiste a regra do artigo 88 da Lei 9.099/95, que prescreve como de ação pública condicionada à representação os crimes de lesão corporal leve. A Lei 11.340/2006 (art. 12, I; art 16) menciona a representação, logo a nãoaplicação da Lei 9.099/95 somente se referiria aos seus institutos despenalizadores. O artigo 17 da Lei 11.340/2006, que veda a aplicação de penas de cesta básica ou prestação pecuniária, corroboraria esse entendimento. Outro argumento é que o crime de lesão corporal leve está previsto no artigo 129, caput, do Código Penal, e a Lei 9.099/95 apenas alterou a natureza da ação penal relativa a esse crime, ou seja, não se refere aos Juizados Especiais171. No caso da lesão corporal dolosa leve, todavia, não há como se interpretar literalmente o art. 41 da Lei Maria da Penha. Menos porque o crime está definido no Código Penal e a Lei dos Juizados Especiais Criminais tenha sido empregada tão-somente como meio de modificar a disciplina geral da matéria, no Código Penal.172 Impor uma ação penal ao ofensor no caso de lesão corporal leve, contra a vontade da mulher implica num retrocesso e pode ser um entrave à boa convivência, que deve nortear as relações amorosas e familiares173: “As chances de um acertamento do conflito entre as partes são muito maiores se a vítima tiver a faculdade de 170 GOMES; BIANCHINI, 2006. MELLO, 2007, p. 84-5. 172 Ibid., p. 86. 173 DIAS, 2007, p. 120. 171 74 fazer uso, como instrumento de negociação, do direito de livrar o agressor do processo criminal”.174 Além disso, o princípio da proporcionalidade não poderia admitir que crimes de menor gravidade praticados em situação de violência doméstica estejam sujeitos à ação penal pública incondicionada, enquanto outros de maior gravidade estejam sujeitos à ação penal privada ou à ação penal pública condicionada à representação, em circunstâncias similares quanto ao interesse na preservação da privacidade e intimidade da vítima. Considerando a alteração trazida pela Lei 12.015/2009, podese exemplificar a ofensa ao princípio da proporcionalidade: é impensável que um crime de estupro, mediante grave ameaça praticado pelo marido contra a esposa de 18 anos ou mais, sujeite-se à ação pública condicionada à representação e que um crime de lesão corporal leve praticado em circunstâncias análogas esteja submetido à ação pública incondicionada175. Embora boa parte da doutrina focalize seu caráter repressivo, deve-se ter em mente, na interpretação da Lei 11.340/2006, a orientação do moderno direito penal, com princípios como o da intervenção mínima176. Nucci comenta o princípio da intervenção mínima ou subsidiariedade do direito penal: [...] o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor os conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes. Há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas177. O amparo e a assistência que podem ser proporcionados à mulher, ao ofensor e familiares, por meio do atendimento multidisciplinar, visam à pacificação dos conflitos e à restauração da harmonia familiar e doméstica. Assim, um 174 Ibid., loc. cit. JOTA, Rodrigo Batista. Lei Maria da Penha: a natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal leve. Brasília: EMDF, 2010, p. 39. 176 Ibid. 177 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 48. 175 75 processamento penal indesejado por essas pessoas serviria apenas como entrave a todos esses objetivos178: Ao expropriar da mulher o direito de decidir sobre a conveniência da instauração de uma ação penal contra o seu agressor, atentando contra a sua vontade, nos apartamos dos modernos preceitos de vitimologia, onde a vítima é levada a dialogar com o sistema, ser ouvida sobre o que sofreu e o que busca como solução do seu problema179. Porto ensina que: [...] o protagonismo da vítima ganha realce nas pequenas e médias infrações, nas quais pode o Estado, mais justificadamente, abrir mão de parte de seu poder decisório e punitivo em favor de quem foi vitimado diretamente pelo delito; [...] o interesse privado da vítima prevalece sobre o interesse público do Estado em exercer seu jus puniendi180. Nesse sentido, a manifestação da jurisprudência aclara tal entendimento: Cuida-se de Reclamação com pedido liminar interposta pelo órgão do Ministério Público contra decisão do Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Lages, que designou a audiência prevista no art. 16 da Lei n. 11.340/06, com a finalidade de ouvir a vítima em crime de violência doméstica perpetrado por Alex de Paula Almeida, já denunciado como incurso no art. 129, § 9º do Código Penal. Sustenta a combativa Promotora de Justiça que a designação de audiência para dar à vítima possibilidade de manifestar seu interesse no prosseguimento do feito é portanto inadequada e tumultuária, porque: a) conforme o art. 41 da referida lei, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9099/95; b) somente seria necessária a observância de audiência nas hipóteses excepcionais em que a lei expressamente exija manifestação da vontade do ofendido, tendo em vista a regra geral da ação penal pública incondicionada definida no art. 100 do Código Penal; a vítima em nenhum momento demonstrou interesse em retratar a representação. O pedido foi indeferido pela ausência do periculum in mora, à vista de espacejamento da data da audiência, 178 JOTA, 2010, p. 50. MAGALHÃES, Renato Vasconcelos. A representação da vontade da vítima na Lei Maria da Penha. Uma discussão sobre o empoderamento da mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2212, 22 jul. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13191>. 180 PORTO, 2007, p. 42. 179 76 marcada para o final do mês de novembro do corrente ano (fls. 27).181 Contudo, o entendimento jurisprudencial não foi conforme à reclamação: [...] A reclamação não procede, por quatro razões hermenêuticas. A primeira, de fundo (mens legis), permite interpretar em si mesmo o art. 16 da Lei Maria da Penha, como incorporando o pensamento, o fundo racional e uma vontade própria, a qual, como bem intuiu a Desembargadora Salete Silva Sommariva, em acórdão trazido pelo magistrado reclamado, não pretende “transformar a ação penal, que é condicionada para os casos de lesão leve e culposa, em incondicionada, porquanto visou apenas coibir a utilização dos institutos da suspensão da pena e transação penal, por considerálos respostas penais insuficientes à repressão que deve ser imposta pela ofensa ao bem jurídico tutelado” (HC 2009.026365-4).182 Isso porque a Lei Maria da Penha não define quais ações são cabíveis, apenas trata dos crimes, suas penas e medidas protetivas. A segunda, sistêmica, consiste em analisar a estrutura orgânica da Lei 11.340/06, em que está inserido o dispositivo questionado. A violência física é uma das formas de violência doméstica (art. 7º, I), e embora esteja apenada com mais rigor, cai debaixo do procedimento preliminar do mesmo art. 16, que incorpora no âmbito das ações penais condicionadas à representação o art. 129, § 9º do Código Penal.183 Como já foi dito, o procedimento não se rege especificamente pela lei Maria da Penha, mas por Diplomas hierarquicamente superiores a ela. A terceira, também sistêmica, não autoriza supor que a inaplicabilidade da Lei 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher revogou expressamente o artigo 88 da mesma lei. Este foi posto nas disposições gerais, fora do contexto do procedimento sumaríssimo. Exemplo disso é o art. 89, também alheio ao procedimento previsto para as infrações de menor potencial ofensivo.184 181 SANTA CATARINA, Procuradoria de Justiça Criminal, Parecer nº 0010/09/GCOPJC. Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho. Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira. 182 Ibid. 183 Ibid. 184 SANTA CATARINA, Procuradoria de Justiça Criminal, Parecer nº 0010/09/GCOPJC. Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho. Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira. 77 Aplica-se aqui, pois, a analogia para interpretar a lei. A quarta, ainda pela própria sistemática do ordenamento processual penal, permite afastar a norma genérica prevista no art. 25 do CPP, em face do consagrado princípio lex specialis derrogat lex generalis. O art. 16 da Lei 11.340/06, além de restringir a competência para receber a renúncia à representação – somente “perante o juiz” –, constitui exceção ao momento próprio da retratação, permitindo que ela possa ser efetivada depôs do oferecimento da denúncia, tal como prevê também o art. 79 da Lei 9.099/95. [...]185 Em crimes de delitos contra a dignidade sexual, a exposição da vítima pode trazer conseqüências de grande dano, além da própria agressão sofrida, onde, cabe a mulher, decidir buscar ou não seus direitos. As agressões praticadas contra mulheres em ambiente doméstico ou familiar, também reportam à vítima o direito de renunciar à representação. A Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), quanto à representação da ofendida, e seu direito à renúncia merecem atenção e pormenorização com análise minuciosa da interpretação das leis e seus mecanismos, cujas críticas se concentram nas contradições existentes na redação de alguns dispositivos, face às disposições de diplomas legais.186 185 Ibid. NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. 186 78 CONCLUSÃO Na Constituição Federal de 1988, há grande preocupação com o princípio da igualdade, apresentando uma ampla gama de direitos de natureza social. Mas a proclamação na ordem constitucional da igualdade entre homens e mulheres não bastou para solucionar os casos de violência de gênero, os que afetam a qualidade de vida das mulheres, geram insegurança, medo, sofrimentos físicos, mentais, sexuais, além de outras formas de privação da fruição plena dos direitos fundamentais. Por isso, o legislador, através da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), criou uma tutela específica ao gênero feminino, posto que as mulheres são as maiores vítimas da violência doméstica. A despeito de que os homens que agridem as mulheres com quem mantêm relações afetivas íntimas devam ser punidos, pretendeu-se demonstrar que, em certos casos, a intervenção do Direito Penal é também uma forma de resolução de conflitos que pode causar danos às vítimas. Sendo mais gravosa que benéfica, há que se considerar o desejo da vítima de solucionar o problema da melhor maneira para ela. A Lei Maria da Penha traz uma tutela específica ao gênero feminino, mas há autores que defendem a inconstitucionalidade da Lei 11.340/2006, considerando que ela promove a discriminação sexual, rompendo com o princípio da igualdade, pois não há justificativa legal para a aplicação de penas diferenciadas a dois crimes idênticos com sujeitos passivos distintos. Por isso, foi importante a apresentação feita aqui das características da ação penal. Em certos casos para os quais se aplica a Lei Maria da Penha, a vítima deve ter o direito de decidir se deseja ou não mover a ação contra o agressor. Pela análise empreendida, concluiu-se que, aos crimes descritos nos artigos 213 a 219 do Código Penal, aplica-se a ação penal condicionada, pois em se tratando de delitos contra a dignidade sexual, entende-se que a exposição da vítima pode lhe ser mais danosa que a própria agressão sofrida. Razão pela qual a mulher deve decidir se buscará ou não uma forma de punir o agressor. 79 Além dos crimes contra a dignidade sexual, viu-se que também as agressões praticadas contra mulheres em seu ambiente doméstico ou familiar, e que resultem em lesão corporal leve, são passíveis de ação penal condicionada, posto que a esses delitos aplica-se tal regra de modo geral e, negar à vítima o direito de renunciar à representação pelo fato de ser mulher é um desrespeito à igualdade apregoada pela Constituição Federal. Além disso, no seu artigo 41, a Lei Maria da Penha proíbe expressamente a aplicação da Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados contra a mulher com violência doméstica e familiar, enquanto o artigo 16 determina que a renúncia à representação só pode se dar em juízo. Concluiu-se, em primeiro lugar, que por ‘renúncia’ o legislador quis dizer ‘retratação’, já que a renúncia só pode ocorrer em casos de contravenções penais, pois aos crimes praticados com violência doméstica, aplica-se o disposto pelo artigo 41. Como a Lei não tipifica as condutas a que se aplica, o condicionamento ou não da ação penal permanece vinculado ao que dispôs a Lei n. 9.099/95, e os crimes de lesão corporal leve continuam a exigir representação, conforme disposição expressa do artigo 12 da Lei 11.340/2006. Aos comportamentos que configuram contravenções penais, como vias de fato, perturbação do trabalho ou sossego alheio, importunação ofensiva ao pudor e perturbação da tranqüilidade, continua aplicável a Lei 9.099/95 (e suas medidas despenalizadoras), posto que o art. 41, da Lei 11.340/2006, refere-se apenas a ‘crimes’. Contudo, são válidas as proibições trazidas no art. 17 da Lei 11.340/2006 (‘é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa’). Essa Lei trouxe inúmeras inovações (aumento das penas, impossibilidade de serem invocados os Juizados Especiais Criminais, nova possibilidade de decretação da prisão preventiva, etc), mas o legislador, na tentativa de proteger a mulher, acabou por discriminá-la mais uma vez, ao adotar medidas que tornam as vítimas de violência doméstica incapazes de decidir se querem buscar ou não uma punição para seus agressores. Entretanto, tentou-se mostrar aqui que uma interpretação aprofundada da Lei não permite que, em função do sexo, seja negado o direito à 80 renúncia (ou retratação) à representação quando for cabível ação penal condicionada. 81 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Guilherme Assis de. Direitos humanos e não-violência. São Paulo: Atlas, 2001. ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8764>. Acesso em jun. 2010. AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal: esquematizado. São Paulo: Método, 2009. AZEVEDO, Paulo Vicente de. Curso de direito judiciário penal. São Paulo: Saraiva, 1958. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. .ed. São Paulo: Saraiva, 2000. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. BITENCOURT, César Roberto. Tratado de direito penal. 8. ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. BRAGHINI, Lucélia. Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre eros e tanatos. Campinas: Unicamp, 2000. BRASIL. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em jun. 2010. ______. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em jun. 2010. ______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n. 100022/DF. Rel. Min. 82 Jane Silvas. ______. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus 85.086/MG. Rel. Min. Carlos Britto. DJ 25.08.2006. ______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso criminal n. 2008.040771-0, de São Miguel do Oeste. Rel. Des. Sólon d’Eça Neves. Data da decisão: 13 de janeiro de 2009. ______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Recurso Criminal n. 2009.006075-9, de Lages. Rel. Desa. Marli Mosimann Vargas. Data da decisão: 12 de maio de 2009. BUGLIONE, Samantha. Justiça: a mulher enquanto metáfora do direito penal. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, n. 9, ano 5, jul. 2000. CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Reflexos da Lei Maria da Penha nas imunidades dos crimes patrimoniais. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1435, 6 jun. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9979>. Acesso em: 29 de novembro 2009. CAMPOS, Carmen Hein de. Lei Maria da Penha: mínima intervenção punitiva, máxima intervenção social. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos tribunais, n. 73, jul./ago. 2008. Disponível em: <http://www.mp.ba.gov.br/biblioteca/sumarios/criminais/073.pdf>. Acesso em jun. 2010. CAMPOS, Roberta Toledo. Aspectos constitucionais e penais significativos da Lei Maria da Penha. In: De Jure, Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. n. 8. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/10249/aconstitucionalidade-da-lei-maria-da-penha>. Acesso em jun. 2010. CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Lei dos juizados especiais criminais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. CASTANHO, Maria Amélia Belomo. Questões de gênero no processo de exclusão social: a violência doméstica contra a mulher e o acesso à justiça. In: Revista de Direito das Famílias e Sucessões, n. 3, abril 2008. CINTRA, Antonio Carlos Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. COSTA JÚNIOR, Quintino Farias. Ação penal pública condicionada e a lei Maria da Penha: algumas considerações. Disponível em: 83 <https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/upload/40/acao_penal_publica.pdf> . Acesso em jun. 2010. CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica (Lei Maria da Penha): Lei 11.430/06. Comentada artigo por artigo. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2007. DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. Violência e gênero: novas propostas, velhos dilemas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 23, n. 66, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092008000100011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em jun. 2010. DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. ELUF. Luisa Nagib. A lei Maria da Penha. 2007. Disponível em: <http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/clipping/abril/a-lei-maria-da-penha-1>. Acesso em: 29 de maio de 2010. FEITOZA, Denílson. Direito processual penal: teoria, crítica e Práxis. 6. ed. Rio Janeiro: Atlas, 2009. FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. FREITAS, Jayme Walmer de. Impressões objetivas sobre a lei de violência doméstica. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/impressao.asp?id=1699>. Acesso em: 02 de maio de 2010. FULLER, Paulo Henrique Aranda. Aspectos polêmicos da lei de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei nº 11.340/06). Boletim do IBCCRIM, São Paulo, ano 14, n. 171, fev. 2007, p. 14-15. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação – Enfoque sobre o interesse de agir. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. GAUER, Ruth M. Chittó. Alguns Aspectos da fenomenologia da violência. In: ______. GAUER, Gabriel J. Chittó; GAUER, Ruth M. Chittó (Org.). A fenomenologia da violência. Curitiba: Juruá, 2004. GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Lei da violência contra a mulher: renúncia e representação da vítima. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1178, 22 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8965>. Acesso em: 28 84 jun. 2010. GONÇALVES, Ana Paula Schwelm; LIMA, Fausto Rodrigues de. A lesão corporal na violência doméstica: nova construção jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1169, 13 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8912>. Acesso em: jun. 2010. GRECCO, Rogério. Curso de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. ______. ______. 6. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099, de 26.09.1995. 5. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. JESUS, Damásio E. de. Violência doméstica. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 437, 17 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=5715>. Acesso em: 27 jan. 2010. JESUS, Damásio de. A questão da renúncia à representação na ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica ou familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo, Atlas, 2006. JOTA, Rodrigo Batista. Lei Maria da Penha: a natureza da ação penal nos crimes de lesão corporal leve. Brasília: EMDF, 2010. KARAN. Maria Lúcia. Violência de Gênero: O Paradoxal entusiasmo pelo rigor penal. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v.14, n. 168, nov, 2006. KATO, Shelma de. Lei Maria da Penha: uma lei constitucional para enfrentar a violência doméstica e construir a difícil igualdade de gênero. In: Revista brasileira de ciências criminais. v.16, n. 71, mar/abr 2008. LIMA FILHO. Altamiro de Araújo. Lei Maria da Penha comentada. Leme/SP: Mundo Jurídico, 2007. MAGALHÃES, Renato Vasconcelos. A representação da vontade da vítima na Lei Maria da Penha. Uma discussão sobre o empoderamento da mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2212, 22 jul. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13191>. Acesso em jun. 2010. MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. São Paulo: 85 Saraiva, 1997. MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Kookseller, 1997b. MAZZILI, Hugo Nigro. O inquérito civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. MELLO, Adriana Ramos (org.). Comentários à lei de violência doméstica e familiar contra a mulher. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. MENDES. Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais constitucionalidade. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2004. e controle de MIRABETE, Júlio Fabrini. Juizados especiais criminais. 4. ed. São Paulo: Altas, 2000. ______. Código de processo penal interpretado. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2003. ______. Processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2005. MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. Justa causa para a ação penal. São Paulo: RT, 2001. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado. 9. ed. São Paulo: RT, 2006. NOGUEIRA, Fernando Célio de Brito. A lei n. 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher, perplexidades à vista. 2006. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/artigos/Lei_11_340_Violencia_domestica.pdf>. Acesso em jun. 2010. ______. Notas e reflexões sobre a Lei nº 11.340/2006, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1146, 21 ago. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8821>. Acesso em jun. 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ______. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. ______. Leis penais e processuais penais comentadas. 4. ed. rev. atual. e ampl. 86 São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 7. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2000). Relatório n° 54/01. Caso 12.051: Maria da Penha Maia Fernandes. 4 abr. 2001. Disponível em: <http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/article.php?storyid=227>. Acesso em jun. 2010. PAZZAGLINI FILHO, Marino et al. Juizado especial criminal: aspectos práticos da lei n° 9.099/95. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997. PORTO, Pedro Rui da Fontoura. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/06: análise crítica e sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. RABELO, Iglesias Fernanda de Azevedo; SARAIVA, Rodrigo Viana. A lei Maria da Penha e o reconhecimento legal da evolução do conceito de família. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1170, 14 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8911>. Acesso em: dez. 2010. RANGEL, Paulo. Direito processo penal.16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. ROCHA, José de Albuquerque. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. SANTA CATARINA, Procuradoria de Justiça Criminal, Parecer nº 0010/09/GCOPJC. Relator: Desembargador Moacyr de Moraes Lima Filho. Procurador de Justiça Gilberto Callado de Oliveira. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1985. SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? São Paulo: Cortez, 1992. SILVA, Paulo Márcio. Inquérito Civil e Ação Civil Pública - Instrumentos da Tutela Coletiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 22. ed. Atualizado por: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. SOUZA, Luiz Antônio de; KÜMPEL, Vitor Frederico. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei 11.340/2006. 2. ed. São Paulo: Método, 2008. 87 SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: lei Maria da Penha 11.340/06. 2. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2008. TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense S.A., 2002. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. v.1, 30. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999. TORNAGHI, Hélio. Instituições de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. ______. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva,1988. ______. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 1997.