Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Ciências Médicas Programa de Aprimoramento Profissional AVALIAÇÃO DO IMPACTO DA HOSPITALIZAÇÃO SOBRE O ESTADO NUTRICIONAL DE PACIENTES INTERNADOS Mariana Oliveira D’Ambrósio Campinas-SP 2008 PROGRAMA DE APRIMORAMENTO PROFISSIONAL SECRETARIA DE ESTADO DA SAUDE COORDENADORIA DE RECURSOS HUMANOS FUNDAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO - FUNDAP MARIANA OLIVEIRA D’AMBRÓSIO AVALIAÇÃO DO IMPACTO DA HOSPITALIZAÇÃO SOBRE O ESTADO NUTRICIONAL DE PACIENTES INTERNADOS Monografia apresentada ao Programa de Aprimoramento Profissional/CRH/SESSP e FUNDAP, elaborada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. Área: Nutrição CAMPINAS-SP 2008 AGRADECIMENTOS A Deus, meu mais sincero companheiro, agradeço, primeiramente, por ter permitido a realização deste programa de aprimoramento, o qual me proporcionou vivência da prática profissional do nutricionista. Agradeço por ter me sustentado nas horas difíceis, por ter colocado pessoas maravilhosas em meu caminho e por ter me auxiliado na confecção desta monografia; À família maravilhosa que, mesmo distante, deu todo suporte necessário para meu crescimento profissional e pessoal. Agradeço ao amor e carinho incondicionais; As queridas amigas, Ângela e Raquel, pela caminhada conjunta, pelas discussões infindáveis, pelas horas de alegria e também pelas de tristeza; Às nutricionistas da Divisão de Nutrição e Dietética do HC-Unicamp, pela amizade, acolhimento, paciência, convivência e conhecimentos transmitidos; Aos funcionários da Divisão de Nutrição e Dietética do HC-Unicamp, pela amizade, pelo acolhimento, paciência, convivência e conhecimentos transmitidos; A todos os demais profissionais de saúde, pela convivência diária e conhecimentos compartilhados. SUMÁRIO 1 Introdução 06 1.1 Desnutrição intra-hospitalar 06 1.2 Avaliação Nutricional 10 1.2.1 Antropometria 10 1.2.2 História Clínica 13 1.2.3 Avaliação Bioquímica 13 1.2.4 História Dietética 14 2 Justificativa 16 3 Objetivos 17 3.1 Objetivo Geral 17 3.2 Objetivos Específicos 17 4 Metodologia 18 4.1 Avaliação Nutricional 19 4.1.1 Antropometria 19 4.1.2 Anamnese Clínica 27 4.1.3 História Dietética 27 4.2 Necessidades Energéticas 28 4.3 Prescrição Médica e Dietética da Dieta 29 5 Resultados 30 5.1 Avaliação Nutricional Inicial 30 5.2 Avaliação Nutricional Final 34 5.3 Avaliação da Ingestão Alimentar 35 5.4 Adequação da Dieta Prescrita 36 5.5 Prescrição de Jejum Via Oral 36 6 Discussão 37 7 Conclusão 43 8 Referências Bibliográficas 44 9 Apêndices 47 Resumo Avaliação do impacto da hospitalização sobre o estado nutricional de pacientes internados. A desnutrição intra-hospitalar é uma doença que acomete 50 a 90% dos pacientes. São inúmeras as etiologias da desnutrição e uma vez instalada, pode aumentar a morbidade e mortalidade, dificultando a resposta ao tratamento. Diante disso, objetivou-se determinar a influência da hospitalização sobre o estado nutricional de pacientes internados nas enfermarias geral de adulto e de cardiologia e pneumologia do HC-UNICAMP. Realizou-se avaliação nutricional e monitoramento da ingestão alimentar em duas etapas: na admissão e alta do paciente. O impacto do jejum e atuação do nutricionista no consumo alimentar e estado nutricional foram avaliados. O tempo médio de internação foi 6,3 dias. O perfil nutricional inicial mostrou que 34,8% tinham desnutrição e 17,4% risco nutricional. Ao final do estudo, verificou-se que 80% apresentaram perda ponderal (P); 17,4% redução da circunferência braquial (CB), 8,7% da prega cutânea tricipital (PCT) e 17,4% da circunferência muscular do braço (CMB). A ingestão energética média inicial foi 1960,3 Kcal, sendo que 36,4% das mulheres e 50% dos homens apresentavam ingestão calórica adequada. Ao final, houve redução da ingesta para 1721 Kcal, na qual apenas 25% dos homens mostraram ingesta adequada. Dos pacientes estudados, 52,2% tiveram suas dietas alteradas para melhor aceitação. O jejum via oral foi prescrito a 73,9% dos pacientes. Conclui-se que os fatores iatrogênicos inerentes à hospitalização podem comprometer o estado nutricional sendo fundamental a identificação precoce do risco nutricional, assim como o monitoramento para recuperar e/ou prevenir a desnutrição e suas complicações. 1 Introdução 1.1 Desnutrição Intra-Hospitalar Desnutrição é definida como um estado patológico secundário a uma deficiência ou excesso relativo ou absoluto de um ou mais nutrientes essenciais, resultando em desequilíbrio nutricional (AUGUSTO et. al., 2002). Segundo Frenhani (2003), esta é a doença intra-hospitalar mais prevalente, acometendo 50 a 90% dos pacientes de hospitais do 1o ao 3o mundo, dificultando a resposta aos tratamentos clínico e nutricional. De acordo com Prieto et. al. (2006), a perda de peso e desnutrição durante a hospitalização são ocasionadas por diversos fatores, entre eles, o aumento das necessidades energéticas, diminuição da ingestão calórica, presença de fatores que contribuem para a redução desta como náuseas, vômitos, diarréia, inapetência, saciedade precoce e disfagia; diminuição da capacidade de digestão e absorção intestinal dos nutrientes e de seu metabolismo, períodos prolongados de jejum para a realização de exames e terapia medicamentosa instituída. Além disso, o próprio ambiente hospitalar, ao qual o paciente não está familiarizado, o horário pré-estabelecido para as refeições diferente do que estava acostumado, o trânsito intenso de pessoas no quarto no horário das refeições também podem contribuir negativamente para a ingestão alimentar. Uma vez instalada, a desnutrição resulta em aumento significativo da incidência de mortalidade e morbidade no ambiente hospitalar. A perda de proteínas reduz a resistência à infecção, impede o reparo de tecidos e interfere na síntese de enzimas e proteínas plasmáticas (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). Prieto et. al. (2006) também citam a presença de complicações como pneumonia, sepse e úlceras de decúbito, além de complicações pósoperatórias e retardo na cicatrização de feridas em pacientes desnutridos. Tais complicações podem tornar o período de internação mais prolongado, reduzindo o turnover do hospital, diminuindo ainda mais o número de leitos vagos disponíveis para novos pacientes (WAITZBERG; BAXTER, 2004). Este fato, segundo Azevedo et. al. (2006), certamente acarretará aumento dos gastos hospitalares uma vez que o custo para tratar indivíduos desnutridos é quatro vezes maior do que é necessário para tratar os bem nutridos. A desnutrição energético-protéica (DEP) tem um grande espectro de manifestações clínicas que variam de acordo com a intensidade relativa do déficit protéico ou calórico, a gravidade e a duração das deficiências, a idade do indivíduo, a causa da deficiência e a associação com outras doenças (FRANCA; SILVA, 2006). Segundo Mahan, Escott-Stump (2005) existem dois tipos de desnutrição, o Marasmo e o Kwashiorkor que podem ocorrer de forma isolada ou combinada. Dentre as manifestações clínicas do marasmo, verifica-se perda de gordura subcutânea, sem edema. Já no Kwashiorkor observa-se perda de peso e edema que, muitas vezes mascara a perda muscular. Apatia significante e mudanças no cabelo como despigmentação, afilamento, entre outros também poderão estar presentes em ambas circunstâncias, em intensidades variáveis. Estudo multicêntrico realizado pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), revelou que quase metade (48,1%) dos pacientes internados na rede pública de saúde do Brasil apresenta algum grau de desnutrição. Entre estes pacientes desnutridos, 12,6% eram desnutridos graves e 35,5% moderados (WAITZBERG; CAIAFFA; CORREIA, 2001). Similarmente, estudo realizado nos Estados Unidos por Gallagher-Allred et. al. (1996) divulgou que 40% dos pacientes hospitalizados encontravam-se desnutridos ou em risco de desnutrição e 12% estavam severamente desnutridos. Resultados semelhantes foram observados por Penié (2005), em avaliação nutricional de 1905 pacientes internados em 12 instituições hospitalares de Cuba. De acordo com Avaliação Subjetiva Global, a freqüência de desnutrição hospitalar observada foi de 41,2%, sendo que 11,1% dos pacientes foram considerados gravemente desnutridos. Do mesmo modo, estudo multicêntrico realizado por Correia, Campos (2003), em 13 países da América Latina, incluindo Brasil, detectou desnutrição hospitalar em 50,2% dos 9348 pacientes estudados, prevalência extremamente elevada. Dentre os desnutridos, 11,2% apresentavam desnutrição grave. Em concordância com estudos anteriores, Ramos e Valverde (2005) também verificaram que a desnutrição é prevalente no meio hospitalar. Ao avaliar 200 pacientes idosos internados no Hospital USP San Carlos em Murcia, Espanha, por três meses, detectou, através da Mini-Avaliação Nutricional, um percentual de 50% de desnutrição. Embora Azevedo et. al. (2006) tenham constatado prevalência menor de desnutrição em relação aos estudos anteriores, seus resultados não deixam de confirmar que a prevalência de desnutrição no meio hospitalar é significativa. Estudo realizado por tais autores em hospital geral de grande porte em Santa Catarina verificou que a desnutrição estava presente em 24,3% dos pacientes, sendo que 21,3% apresentavam desnutrição moderada e 3% severa. Os desnutridos permaneceram hospitalizados por período mais prolongado, fato que também foi observado por Penié (2005). Através da Avaliação Subjetiva Global (ASG), foi constatado no estudo de Azevedo et. al. (2006) que o grupo de idosos apresentou média de pontuação superior a de adultos. Correia, Campos (2003) também citam como importante fator de risco para a desnutrição a idade superior a 60 anos, incluindo, assim, os idosos como grupo etário mais vulnerável à desnutrição. Segundo Marchini, Ferriolli, Moriguti (1998), a má nutrição que ocorre no idoso pode ser devida às alterações fisiológicas do envelhecimento, às condições sócio-econômicas, às doenças e à interação entre nutrientes e medicamentos, resultando em sério comprometimento do estado geral do paciente, aumentando morbidade e mortalidade. Azevedo et. al. (2006) verificaram, ainda, maior índice de desnutrição em pacientes portadores de câncer (53%), seguido dos com doença respiratória (40%) e dos com desordens neurológicas (28,57%). Igualmente, Penié (2005) relata em seu estudo que a desnutrição foi altamente prevalente entre os pacientes portadores de câncer, em qualquer etapa do tratamento clínicocirúrgico, fato que também é confirmado por Correia, Campos (2003). O câncer é uma doença que trás alterações metabólicas e nutricionais ao paciente, freqüentemente leva à autoconsupção, tornando o estado nutricional do indivíduo precário (AUGUSTO et. al., 2002). 1.2 Avaliação Nutricional O interesse na avaliação do estado nutricional do paciente hospitalizado tem aumentado com a constatação de grande incidência de desnutrição entre os pacientes internados, na maioria dos hospitais. Através dela é possível observar a associação entre desnutrição protéico-calórica e a evolução clínica do paciente, tempo de internação e número de complicações (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). De acordo com a Associação Americana de Saúde Pública, estado nutricional é a condição de saúde de um indivíduo influenciada pelo consumo e utilização de nutrientes e identificada pela correlação de informações obtidas de estudos físicos, bioquímicos, clínicos e dietéticos. As técnicas de avaliação nutricional permitem que sejam identificados déficits em cada compartimento corporal analisado. Não existe um único método eficiente para a determinação do estado nutricional do indivíduo, portanto, a utilização de apenas um dos parâmetros não é suficiente para rotular o mesmo como desnutrido ou eutrófico. Dessa forma, a conclusão sobre o estado nutricional deverá combinar indicadores antropométricos, clínicos, dietéticos, bioquímicos e imunológicos que correlacionem parâmetros diretos ou indiretos da situação nutricional (AUGUSTO et. al., 2002). 1.2.1 Antropometria Antropometria é a medida das dimensões corpóreas. Elas são fáceis de se realizar e, relativamente, sensíveis para avaliar pacientes adultos hospitalizados quanto à desnutrição. Tais métodos incluem parâmetros de peso corporal, reserva de gordura e reserva muscular (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). De acordo com Vannucchi, Unamuno e Marchini (1996), o peso e altura são as medidas mais utilizadas na avaliação nutricional pela fácil disponibilidade de equipamentos, determinação simples e precisa e boa aceitação pelos pacientes. O peso corporal é um padrão antropométrico global que representa a soma da massa de tecidos (gordura, proteínas e ossos) e de água. Medidas freqüentes do peso podem detectar mudanças, sem especificar qual destes componentes foi alterado. Apesar de suas limitações, o peso corporal é uma medida crítica, se não a mais importante para a avaliação do estado nutricional de um indivíduo. Juntamente com outros parâmetros, o peso pode identificar deficiências significativas, uma vez que perdas ponderais graves estão associadas com aumento das taxas de morbidade e mortalidade dos pacientes. A medição do peso corporal atual deve ser feita diariamente em pacientes hospitalizados com o objetivo de monitorar alterações na ingestão de alimentos, impacto nutricional de doenças, além de ser necessário para estimar as necessidades de energia e proteínas e dosagem de medicamentos (MARCIEL, 2002; AUGUSTO et. al., 2002). Além do peso corpóreo atual, deve-se incluir na avaliação nutricional o peso ideal do indivíduo. Tão importante quanto este, é o peso habitual o qual, segundo Marciel (2002), é aquele considerado normal no indivíduo em exercício de suas atividades usuais. Assim, de acordo com Augusto et. al. (2002), para avaliação e diagnóstico mais acurado do estado nutricional, é necessário utilizá-los em conjunto a fim de evitar possíveis erros, uma vez que o peso ideal calculado pode não ser compatível com pesos de vários indivíduos de mesma altura e biótipo, podendo variar bastante sem que o indivíduo encontre-se realmente desnutrido. A associação do peso habitual com o atual do paciente gera um indicador, a porcentagem de alteração de peso, em um determinado período de tempo. Este indicador é o que melhor se correlaciona com morbidade e mortalidade, pois os parâmetros de comparação incluem o tempo a ser considerado, no qual ocorreu a alteração ponderal (AUGUSTO et. al., 2002). Variações superiores a 10% podem sugerir desnutrição, aumentando muito a morbidade e capacidade do organismo suportar a inanição, com maior comprometimento na presença de fatores de estresse (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). O peso corporal, por ser um padrão de avaliação antropométrica global, pode também ser considerado como um meio de avaliação das reservas adiposas, bem como de massa muscular, uma vez que a perda gradativa de depósitos de gordura resulta em perda ponderal, porém não é um meio preciso para a determinação da gordura corporal (AUGUSTO et. al., 2002). Logo, a mensuração da espessura das pregas cutâneas do corpo, considerando-se suas limitações, constitui o meio mais conveniente para estabelecer, indiretamente, a massa corpórea de gordura (VANNUCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996; WAITZBERG, 2000). A redução desta medida, de acordo com Marciel (2002), indica déficit crônico na ingestão calórica, tornando-a um parâmetro adequado para avaliar a presença de desnutrição crônica. Além disso, segundo Vannucchi, Unamuno e Marchini (1996), a depleção grave dos estoques de gordura nos pacientes representa um problema nutricional significativo, pois pode interferir com os mecanismos adaptativos de utilização de gordura, como combustível endógeno em estados de inanição ou semi-inanição. Ainda, durante a inanição e estresse prolongado, as reservas protéicas também são mobilizadas para atender a demanda de fase aguda e proteínas secretoras, levando à depleção da massa corpórea magra. A circunferência muscular do braço (CMB) é usada para avaliar este compartimento. Já a circunferência do braço (CB) reflete a composição corpórea total sem distinguir tecido adiposo e massa magra (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). 1.2.2 História Clínica A anamnese clínica ou história clínica na avaliação nutricional direcionase à identificação de uma possível nutrição deficiente. O profissional deverá descobrir, através de questionamentos diretos, se existe algum fator que interfira direta ou indiretamente no estado nutricional do paciente (AUGUSTO et. al., 2002). O reconhecimento dos sintomas e sinais clínicos de alteração do estado nutricional é de grande importância por se tratar de uma prática simples e econômica. Consiste em avaliar as manifestações que podem estar relacionadas com possível alimentação inadequada, evidenciando-se, também, por meio de alterações de tecidos orgânicos, de órgãos externos como a pele, mucosas, cabelos e os olhos (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). 1.2.3 Avaliação Bioquímica Segundo Vannucchi, Unamuno, Marchini (1996), na avaliação do estado nutricional, as determinações bioquímicas são usadas como complemento dos dados de história, exame físico e antropométrico. Os dados bioquímicos são úteis para monitorar o impacto da terapia nutricional como para determinar o risco de desnutrição. Permitem analisar, além da massa protéica somática, a integridade das proteínas viscerais e plasmáticas e a competência imunológica do indivíduo (MARCIEL, 2002; AUGUSTO et. al., 2002). Várias medidas têm sido propostas objetivando a detecção precoce de deficiências protéicas subclínicas e marginais. A albumina tem sido consagrada como um bom indicador das formas graves de desnutrição, porém com baixa sensibilidade diagnóstica nos estágios iniciais de desnutrição energéticoprotéica (VANNUCCHI; UNAMUNO; MARCHINI, 1996). Além da albumina plasmática utilizam-se, habitualmente, pré-albumina, transferrina, hemograma, linfocitometria, glicemia, creatinina, uréia, eletrólitos, triglicerídeos, colesterol total e frações, dentre outros (MARCIEL, 2002; AUGUSTO et. al., 2002). 1.2.4 História Dietética A história dietética, assim como a história clínica, também é colhida de forma a serem identificados sinais de possível má nutrição, porém é direcionada exclusivamente para os hábitos alimentares do paciente (AUGUSTO et. al., 2002). Segundo Duarte e Castellani (2002), os inquéritos dietéticos são métodos que podem fornecer informações qualitativas e quantitativas a respeito da ingestão alimentar, possibilitando, desta forma, relacionar a dieta ao estado nutricional dos indivíduos e ao aparecimento de doenças crônicodegenerativas. Cada método apresenta vantagens e desvantagens, tendo aplicações específicas. A escolha dependerá dentre outros fatores, da população-alvo e dos recursos disponíveis. A diferença entre os métodos inclui: participação do entrevistado, necessidade deste ser alfabetizado, dependência de memória, número de aplicações do instrumento, estimativa da ingestão habitual e interferência no comportamento alimentar (DUARTE; CASTELLANI, 2002). Existem alguns métodos mais comuns para colher a história dietética, dentre eles: recordatório de 24 horas, onde o paciente é interrogado sobre tudo o que ingeriu nas últimas 24 horas; questionário de freqüência de alimentos, onde o profissional questiona ao paciente quantas vezes por dia, por semana ou por mês ele ingere determinado alimento; registro alimentar, no qual o indivíduo anota tudo o que come ou bebe durante um período ou dias alternados; observação da ingesta alimentar, devendo o profissional observar as refeições do indivíduo, os alimentos e líquidos ingeridos, as quantidades e o número de vezes por dia e, por último, avaliação por grupo de alimentos, determinando-se quais alimentos e quantas porções de cada um dos grupos de alimentos foram consumidos durante o dia (AUGUSTO et. al., 2002). 2 Justificativa Em virtude do exposto, justifica-se, com este trabalho, a determinação da influência da hospitalização e dos fatores de risco inerentes a ela sobre o estado nutricional dos pacientes, uma vez que perda de peso e desnutrição podem se desenvolver durante a internação. 3 Objetivos 3.1 Objetivo Geral Avaliar o impacto da hospitalização sobre o estado nutricional de pacientes internados na Enfermaria Geral de Adultos e na Enfermaria de Cardiologia e Pneumologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas. 3.2 Objetivos Específicos • Avaliar o estado nutricional dos pacientes no momento da internação e da alta hospitalar; • Avaliar a ingestão calórica habitual dos pacientes; • Avaliar a ingestão calórica no primeiro e último dia da internação hospitalar; • Avaliar o impacto do jejum via oral sobre o estado nutricional dos pacientes; • Avaliar o impacto da atuação do profissional nutricionista sobre a ingestão alimentar dos pacientes hospitalizados e, conseqüentemente, sobre estado nutricional dos mesmos. 4 Metodologia O presente estudo foi realizado como parte das atividades de rotina do programa de aprimoramento profissional em nutrição hospitalar. O público-alvo foi os pacientes admitidos na Enfermaria Geral de Adultos (EGA) e na Enfermaria de Cardiologia e Pneumologia do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A pesquisa realizou-se no período de quatro a trinta de setembro de 2007 e incluiu todos os pacientes internados nestas enfermarias, em caráter de urgência ou eletivo. Foram excluídos do estudo os pacientes incapazes de responder às questões da avaliação nutricional, bem como aqueles hospitalizados para a realização de exames rápidos que não exigissem longo tempo de internação como cateterismo cardíaco; ou procedimentos cirúrgicos que requeressem cuidados intensivos deslocando o paciente da enfermaria de origem para Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A coleta dos dados foi feita em duas etapas sendo a primeira, no momento da admissão hospitalar e a segunda, na alta do paciente. Porém, em alguns casos, a avaliação final do paciente não coincidiu com sua alta hospitalar, em função do mesmo ter permanecido na Instituição por período maior que o delimitado para o estudo. Nestes casos, considerou-se como avaliação final a última avaliação realizada com o paciente. O presente estudo baseou-se no Manual de Terapia Nutricional desenvolvido pelo Grupo de Apoio Nutricional (GAN) do HC-Unicamp para a confecção de um formulário próprio (Apêndice 1). Este abordou itens relativos à identificação pessoal do paciente, avaliação e diagnóstico nutricional do mesmo, estimativa de suas necessidades energéticas, prescrição médica e dietética da dieta e tempo total de jejum via oral durante a internação. 4.1 Avaliação Nutricional Para avaliar o estado nutricional dos pacientes foram utilizados indicadores antropométricos, clínicos e dietéticos, excetuando os bioquímicos e imunológicos em função da ausência freqüente de tais dados nos prontuários dos pacientes. Além do curto período de estudo, o qual comprometia a solicitação e realização dos exames necessários em tempo hábil. 4.1.1 Antropometria O estudo incluiu as seguintes medidas antropométricas: peso, altura, altura do joelho, se necessário, circunferência do punho, circunferência braquial e prega cutânea tricipital. Para aferição diária do peso corporal, Marciel (2002) recomenda que esta deva ser feita pelo mesmo examinador, em balança antropométrica calibrada, sempre nas mesmas condições, as quais foram respeitadas no presente estudo. Segundo Augusto et. al. (2002), o paciente deve ser pesado em jejum e após urinar, porém tais variáveis não puderam ser controladas no estudo. O peso corporal atual dos pacientes estudados foi aferido em Balança Plataforma Mecânica, sem sapatos e com o mínimo possível de roupa (peças íntimas e avental). Utilizou-se a técnica estabelecida pelo Ministério da Saúde (1997), a qual encontra-se descrita abaixo: 1 Verificou-se se o braço da balança estava no ponto médio; isto é, se as agulhas estavam niveladas. Em caso negativo, foi feito o nivelamento utilizando o calibrador; 2 Posicionou-se o paciente no centro da balança; 3 Moveu-se os cursores sobre a escala numérica até as agulhas permanecerem niveladas; 4 Realizou-se a leitura do peso; 5 Anotou-se o peso; 6 Travou-se a balança; 7 Retirou-se o paciente da balança; 8 Retornaram-se os cursores ao zero na escala numérica. Utilizou-se, também, como parte da avaliação nutricional o peso ideal ou teórico. Esta medida foi relevante no presente estudo em situações nas quais o paciente encontrava-se restrito ao leito, já que o setor não dispunha de cama balança para obtenção do peso e altura atual ou mesmo quando o paciente ou familiar desconhecia estas medidas para informá-las. Ainda, quando o peso atual ou usual do paciente estava aquém ou além do adequado para sua altura, lançou-se mão do peso ideal para o cálculo das necessidades calóricas e protéicas. O cálculo do peso ideal baseou-se na compleição óssea e na altura aferida ou estimada (através da altura do joelho) dos pacientes. A compleição foi obtida relacionando-se a medida da circunferência do punho (cm) e altura (cm). A circunferência do punho foi medida distalmente ao processo estilóide na dobra do punho, utilizando-se fita métrica inextensível, de acordo com Franceschini; Priore; Araújo (1999). A partir do valor encontrado, verificou-se o tamanho da estrutura óssea do indivíduo (pequena, média ou grande), de acordo com o quadro abaixo: Quadro 1- Compleição óssea em homens e mulheres. Compleição óssea = Altura (cm)/Punho (cm) Compleição Pequena Média Grande Homens >10,4 9,6 – 10,4 <9,6 Mulheres >10,9 9,4 – 10,9 <9,4 Fonte: Metropolitan Life Insurance Company, 1979. Após ter sido determinada a compleição óssea do paciente, verificou-se qual o peso ideal para a altura do mesmo em tabela de referência (Metropolitan Life Ensurance, 1985). Segundo Augusto et. al. (2002), ao comparar o peso ideal com o peso atual, através da porcentagem do peso corporal ideal (%PI), o qual foi utilizado no presente estudo, um possível déficit nutricional do paciente poderá ser indicado. A classificação do estado nutricional de acordo com este indicador está descrita no quadro 2. Quadro 2- Classificação do estado nutricional em relação à adequação do peso. %Peso Ideal (%PI) = (Peso atual/Peso ideal) x100 %PI Classificação < ou = 70 Desnutrição grave 70,1 – 80 Desnutrição moderada 80,1 – 90 Desnutrição leve 90,1 – 110 Eutrofia 110,1 – 120 Sobrepeso >120 Obesidade Fonte: Blackburn GL & Thornton PA, 1979. Foi questionado, ainda, na avaliação nutricional sobre o peso habitual ou usual do paciente. O mesmo foi obtido durante a entrevista nutricional, recorrendo-se à memória do paciente ou do cuidador. Ele foi utilizado em situações nas quais não havia possibilidade de aferir o peso atual e como referência nas mudanças recentes de peso, através da porcentagem de alteração de peso (% Alteração de peso). Dessa forma foi possível observar a significância da perda de peso em relação ao tempo. Blackburn e col.(1977) apresentam o seguinte quadro, quanto à variação de peso: Quadro 3- Variação de peso em função do tempo. % Alteração de peso = (Peso usual-Peso atual/Peso usual)x100 Tempo Perda significativa de peso (%) Perda grave de peso (%) 1 semana 1–2 >2 1 mês 5 >5 3 meses 7,5 >7,5 6 meses 10 >10 Fonte: Blackburn GL & Bistrian BR, 1977. Outra medida utilizada no estudo, igualmente importante, foi o peso ajustado. Este corresponde ao peso ideal corrigido para a determinação das necessidades energética e de nutrientes. Sendo assim, quando a adequação do peso atual fosse inferior a 95% ou superior a 115% do peso ideal, através da %PI, empregou-se o peso ajustado. Este foi obtido por meio da equação abaixo: Peso ajustado = (Peso atual-Peso ideal) x 0,25 + Peso Ideal Para obtenção da altura, utilizou-se o antropômetro afixado na Balança Plataforma Mecânica. Esta medida foi obtida com o paciente descalço, de acordo com recomendações do Ministério da Saúde (1997), cuja técnica encontra-se exposta abaixo: 1 Verificou-se se a balança estava apoiada em uma superfície dura e lisa; 2 Posicionou-se o paciente no centro da balança, de costas para o seu marcador, fazendo-o tocar os maléolos internos e a parte interna de ambos os joelhos. Os calcanhares foram encostados em ângulo de 45 graus na haste vertical, assim como o corpo todo, que foi mantido reto. Retirou-se qualquer tipo de adorno nos cabelos, a cabeça foi mantida erguida, mirando a um plano horizontal à frente; 3 Abaixou-se a parte móvel do antropômetro, fixando-a contra a cabeça; 4 Realizou-se a leitura da medida, anotando-a; 5 Retirou-se o paciente da balança; 6 Abaixou-se a haste vertical da balança, travando-a. Na impossibilidade de aferir tal medida, empregou-se a altura do joelho como alternativa para estimar a altura do paciente. A altura do joelho foi tomada com uma fita métrica inelástica e inextensível em função do setor não dispor de régua com escala em centímetros apropriada. Utilizou-se a técnica estabelecida pelo WHO (1995), a qual está referida abaixo: 1 Caso o paciente estivesse sentado em uma cadeira, a perna do mesmo foi apoiada, mantendo o joelho e o calcanhar em ângulo de 90 graus; 2 Porém, caso o paciente não conseguisse manter-se sentado, esse medida foi obtida com o mesmo deitado em posição supina. Dobrou-se a perna do paciente para que o joelho e calcanhar estivessem em 90 graus, mantendo-se sempre a planta do pé em superfície plana; 3 Em seguida, determinou-se a altura do calcanhar à superfície anterior da coxa. Após a obtenção desta medida, aplicou-se a fórmula proposta por Chumlea (1985) para estimar a altura do paciente. A mesma é apresentada abaixo: Homem: (2,02 x altura do joelho) – (0,04 x idade (anos)+ 64,19 Mulher: (1,83 x altura do joelho) – (0,24 x idade (anos) + 84,88 Outro indicador de grande relevância utilizado no estudo foi o Índice de Quetelet ou Índice de Massa Corporal (IMC), o qual relaciona peso (em Kg) e altura do paciente (em m2). Este é o indicador mais simples do estado nutricional, cujos pontos de corte estão explicitados abaixo: Quadro 4- Classificação do estado nutricional de acordo com IMC. IMC= Peso (kg) / Altura2 (m) IMC (kg/m2) Classificação <16 Desnutrição grau 3 16 – 16,9 Desnutrição grau 2 17 – 18,4 Desnutrição grau 1 18,5 – 24,9 Eutrofia 25 – 29,9 Sobrepeso 30 – 34,9 Obesidade 1 35 – 39,9 Obesidade 2 > ou = 40 Obesidade 3 Fonte: World Health Organization (WHO), 1997. Como parte da avaliação da composição corpórea dos pacientes, empregou-se no estudo a mensuração da espessura das dobras cutâneas. Assim, durante o período inicial e final da internação hospitalar, utilizou-se a prega cutânea tricipital (PCT) como medida de monitoramento das reservas corpóreas de gordura. Para a tomada desta medida, foi utilizado o adipômetro Lange®. Solicitou-se que o paciente ficasse de pé ou sentado com o braço não dominante estendido livremente ao longo do corpo. No caso de pacientes que não pudessem sair do leito, dobrou-se seu braço sobre o tórax para a aferição da prega. Pinçou-se, com a ponta dos dedos e por no máximo três segundos, a pele e o tecido subcutâneo a 1cm acima do ponto médio entre a ponta do processo acromial da escápula e o olécrano da ulna, estando a prega paralela ao maior eixo do braço. Tomou-se cuidado para assegurar que a medida fosse feita na linha mediana da face posterior e que o braço estivesse relaxado e na vertical. A medida foi feita em triplicata, obtendo-se, posteriormente, a média das mesmas. Tal técnica é descrita por Heymsfield (1999). O valor obtido foi correlacionado com os valores-padrão de Frisancho, ou seja, percentil 50 (p50), a fim de verificar a adequação desta medida em relação à medida ideal para indivíduos do mesmo sexo, em diferentes idades. No quadro 5, demonstra-se a classificação do estado nutricional segundo adequação da PCT. Quadro 5- Classificação do estado nutricional segundo adequação da PCT. Adequação da PCT(%) = PCT obtida (cm) / PCT percentil 50 (cm) x 100 Estado Desn.* Desn. Desn. Eutrofia Sobrepeso Obesidade nutricional Grave Moderada Leve Adequação <70 70 – 80 80 - 90 90 – 110 – 120 >120 PCT (%) 100 *Desn.: desnutrição. Tão relevantes quanto a mensuração das dobras cutâneas, são as medidas que refletem a massa corpórea magra. Diante disso, incluiu-se a circunferência braquial (CB) e a circunferência muscular do braço (CMB) como medidas complementares à avaliação da composição corpórea. A CB foi conseguida utilizando como instrumento uma fita métrica inelástica, de acordo com técnica recomendada pelo WHO (1995). Obteve-se esta medida dobrando-se, inicialmente, o cotovelo do paciente até que se formasse um ângulo de 90 graus, de forma que a palma da mão estivesse voltada na direção do tronco. Posteriormente, determinou-se o ponto médio do braço, localizado entre o processo acromial e o olécrano. O braço foi estendido ao longo do corpo com a palma da mão voltada para frente. Finalmente, circundou-se o ponto médio do braço, não comprimindo os tecidos, alcançando assim o valor da circunferência em cm. Este valor foi comparado ao padrão (p50) estabelecido por Frisancho, a fim de verificar a adequação do estado nutricional, conforme pode ser descrito no quadro abaixo: Quadro 6- Classificação do estado nutricional segundo adequação da CB. Adequação da CB(%) = CB obtida (cm) / CB percentil 50 (cm) x 100 Estado Desn.* Desn. Desn. Eutrofia Sobrepeso Obesidade nutricional Grave Moderada Leve Adequação <70 70 – 80 80 - 90 90 – 110 – 120 >120 CB (%) 100 *Desn.:desnutrição Além da CB, usou-se a CMB para avaliação das reservas musculares e, conseqüentemente, do estado nutricional dos pacientes. Este indicador foi calculado a partir da PCT e CB, de acordo com fórmula abaixo: CMB (cm) = CB (cm) – 3,14 x PC (cm) Igualmente à CB, para avaliar a adequação da CMB comparou-se o valor calculado com valor-padrão (p50) estabelecido por Frisancho, a fim de obter a classificação do estado nutricional. Tais informações encontram-se descritas no quadro 7. Quadro 7- Classificação do estado nutricional segundo adequação da CMB. Adequação da CMB(%) = CMB obtida (cm) / CMB percentil 50 (cm) x 100 Estado nutricional Desn. Grave* Desn. Moderada Desn. Leve Eutrofia Adequação CMB (%) <70 70 – 80 80 - 90 90 *Desn.:desnutrição 4.1.2 História Clínica Investigou-se, através de questionamentos dirigidos ao paciente ou familiar, a presença de fatores que pudessem interferir direta ou indiretamente no estado nutricional do mesmo. O paciente foi interrogado sobre sinais de doença gastrintestinal como náuseas, vômitos, diarréia, saciedade precoce, flatulência, dispepsia; presença de anorexia, lesões bucais, dificuldades de mastigação ou outros fatores limitantes da ingesta adequada como disfagia e/ou odinofagia. Além disso, verificou-se o uso de medicamentos que interferissem no apetite, na absorção e utilização de nutrientes como laxantes, antibióticos, anticoncepcionais, dentre outros. Verificou-se, ainda, a presença de edema, ascite, anemia, hipotrofia muscular, escassez de tecido subcutâneo, os quais são indicadores de desnutrição. Averiguou-se, também, sinais de deficiências nutricionais em regiões como pele, cabelo, dentes, gengivas, lábios, língua e olhos. 4.1.3 História Dietética Existem vários métodos para avaliar o consumo alimentar de indivíduos, porém neste estudo utilizou-se o Recordatório de 24 horas e a Anamnese ou História Alimentar, os quais, segundo Duarte e Castellani (2002), são métodos simples, fáceis e que necessitam de pouco tempo e material para serem aplicados, apesar das limitações dos mesmos. O recordatório de 24 horas foi usado no presente estudo para avaliar a ingestão alimentar do paciente no início e final da internação hospitalar. Além disso, ele foi importante para monitorar a adesão à prescrição dietoterápica. O paciente foi questionado sobre todos os alimentos e bebidas ingeridos nas diferentes refeições fornecidas pela Divisão de Nutrição e Dietética (DND) do HC-Unicamp ou fora delas, nas últimas 24 horas. A fim de avaliar a ingestão alimentar habitual do paciente realizou-se a anamnese ou história alimentar. De acordo com Duarte e Castellani (2002), este método possibilita o conhecimento de aspectos quantitativos e qualitativos da dieta habitual do paciente. Para isso, questionou-se o que ele costumava ingerir em cada refeição, registrando-se o tipo, a quantidade, a marca comercial, as preparações de cada alimento e bebida consumidos habitualmente nas refeições. De acordo com as informações obtidas por meio destes métodos, calculou-se a ingestão calórica e protéica dos pacientes a partir do Manual de Dietas Hospitalares, confeccionado pela DND, e do programa de apoio à nutrição, NutWin®. Posteriormente, estes dados foram comparados com as necessidades calóricas e protéicas dos indivíduos avaliando, assim, a adequação e evolução da ingesta alimentar dos mesmos ao longo da hospitalização. 4.2 Necessidades Energéticas Sabe-se que no adulto normal que mantém um peso corporal constante, as necessidades nutricionais estão diretamente relacionadas com a atividade corporal, determinada por um estado basal mais as demandas criadas pela atividade, digestão e acomodação ao ambiente nutricional. Por outro lado, no indivíduo doente, onde existe uma redução máxima na atividade física, na digestão e no estresse ambiental; a doença, a cirurgia e a medicação com freqüência se combinam para produzir ingestão insuficiente, para acentuar as reservas e para exacerbar a função orgânica, com o subseqüente surgimento da subnutrição com deficiências específicas (AUGUSTO et. al., 2002). As demandas energéticas estão intimamente relacionadas com a idade, o sexo, o biotipo, o grau de atividade e as condições patológicas do indivíduo. Embora existam vários meios para obtenção de tais demandas, a forma mais utilizada para indivíduos doentes e a que foi utilizada neste estudo é a fórmula de Harris-Benedict. A determinação do gasto energético total (GET) por esta fórmula foi feita a partir do gasto energético basal (GEB), ajustado de acordo com a patologia, pelos fatores atividade física (1,3 para pacientes que deambulam e 1,2 para paciente acamados) e fator injúria. Tal fórmula encontrase descrita abaixo: Homem: 66,47 + (13,75 x peso) + (5,00 x altura) – (6,75 x idade) Mulher: 655,09 + (9,56 x peso) + (1,84 x altura) – (4,67 x idade) Peso = kg / Altura = cm / Idade = anos 4.3 Prescrição Médica e Dietética da Dieta Após o médico ter prescrito a dieta ao paciente, realizou-se a visita de rotina ao mesmo a fim de fazer as alterações necessárias na consistência, temperatura, volume, conteúdo de resíduos, consistência e composição da dieta hospitalar. Posteriormente, monitorou-se ao longo da internação a aceitação e ingestão calórica dos pacientes através dos indicadores dietéticos e seu impacto sobre os antropométricos e clínicos do estado nutricional como já foi explicitado anteriomente. 5 Resultados O estudo foi realizado com 29 pacientes, porém destes, 6 foram excluídos, uma vez que haviam recebido alta hospitalar, deixando a Instituição antes da coleta final dos dados, o que comprometeu e inutilizou as informações obtidas na avaliação inicial dos mesmos. Dos 23 pacientes estudados, 47,8% eram do sexo feminino e 52,2% do sexo masculino, com idades médias de 50,9 e 51,8 anos respectivamente. As doenças mais prevalentes, independente do sexo, foram as cardiovasculares e as pulmonares, acometendo 26,1% e 52,2% dos pacientes, respectivamente. Em 30,4% dos casos, o câncer estava associado à doença de base, descompensando-a. A distribuição dos pacientes internados segundo a especialidade médica encontra-se descrita na tabela abaixo: Tabela 1- Pacientes internados nas diferentes especialidades médicas. Especialidade Médica Homens Mulheres Total Porcentagem Cardiologia 4 2 6 26,1 Pneumologia 6 6 12 52,2 Gastroenterologia 1 1 2 8,7 Neurologia 1 0 1 4,3 Hematologia 0 1 1 4,3 Endocrinologia 0 1 1 4,3 5.1 Avaliação Nutricional Inicial De acordo com os indicadores nutricionais avaliados, 34,8% dos pacientes apresentaram desnutrição, 17,4% risco nutricional, 21,7% eutrofia, 13% sobrepeso e 13% obesidade, no momento da internação. O diagnóstico nutricional foi semelhante para homens e mulheres, sendo que 4 pacientes de cada sexo mostraram-se desnutridos. Abaixo, encontra-se exposto a média de IMC, CB, PCT e CMB apresentada pelos pacientes na avaliação nutricional inicial Tabela 2- Média inicial das variáveis nutricionais apresentada pelos pacientes. Indicador Nutricional Homens Mulheres Total 2 IMC (Kg/m ) 24,3 25 24,6 CB (cm) 28,2 28,7 28,4 PCT (mm) 13,9 25,9 19,9 CMB (cm) 23,8 20,8 22,3 Ao comparar o peso aferido dos pacientes no momento da admissão hospitalar com o peso ideal dos mesmos foi possível verificar um percentual de 47,8% de eutrofia, 21,7% de sobrepeso, 21,7% de obesidade e 8,7% de desnutrição leve; não houve pacientes classificados com desnutrição moderada ou grave, de acordo com o percentual de adequação do peso ideal. Resultados semelhantes puderam ser observados quando o sexo dos pacientes foi discriminado. Tais valores encontram-se expostos na tabela 3. Tabela 3- Classificação do estado nutricional de homens e mulheres, segundo %adequação do peso ideal. Classificação Nutricional Homens (%) Mulheres (%) Desnutrição Grave 0 0 Desnutrição Moderada 0 0 Desnutrição Leve 8,3 9,1 Eutrofia 50 45,4 Sobrepeso 25 18,2 Obesidade 16,7 27,3 Em relação ao Índice de Massa Corpórea, verificou-se que 65,2% dos pacientes encontravam-se eutróficos no momento da internação, 21,7% apresentavam sobrepeso e 13% obesidade. Não houve pacientes classificados em algum grau de desnutrição, segundo este indicador. Os valores obtidos e classificação nutricional por sexo estão apresentados abaixo. Tabela 4- Classificação nutricional de homens e mulheres, segundo IMC. Classificação Nutricional Homens (%) Mulheres (%) Desnutrição 3 0 0 Desnutrição 2 0 0 Desnutrição 1 0 0 Eutrofia 58,3 72,7 Sobrepeso 33,3 9,1 Obesidade 1 8,3 18,2 Obesidade 2 0 0 Obesidade 3 0 0 Embora este importante indicador do estado nutricional não tenha classificado paciente algum como desnutrido, outros indicadores como percentual de perda de peso, CB, PCT e CMB a revelam em parcela significativa da população hospitalizada. Dos indivíduos estudados, 13 apresentaram perda ponderal previamente à internação, ou seja, 56,5% da amostra. Destes, 38,5% eram mulheres (n=5) e 61,5% homens (n=8). Dentre os pacientes com perda de peso, verificou-se que esta não foi significativa em 15,4% dos indivíduos (n=2), porém, 38,5% (n=5) apresentaram perda significativa e 46,1% (n=6) perda ponderal grave. Observou-se, ainda, que o percentual médio de perda ponderal apresentado pelas mulheres e homens foi de 8,1% e 4,8%, respectivamente. Embora os homens tenham mostrado menor percentual de alteração de peso em relação às mulheres, quando observou-se o intervalo de tempo em que as mesmas ocorreram, verificou-se que 50% destes apresentaram perda grave de peso, contra 40% das mulheres. Perda significativa ocorreu em 40% das mulheres e 37,5% dos homens. Em relação à composição corpórea, diagnosticou-se desnutrição em 43,4% dos pacientes por meio da adequação da circunferência braquial. Destes, 13% estavam moderadamente desnutridos e 30,4% apresentavam desnutrição leve; não foi observado desnutrição grave nos pacientes estudados, de acordo com a CB. 52,2% da amostra eram eutróficos e 4,3% obesos, não verificou-se sobrepeso a partir deste indicador. Na tabela 5 é possível observar as diferenças encontradas em homens e mulheres, segundo a CB. Tabela 5- Classificação do estado nutricional de homens e mulheres, de acordo com CB. Classificação Nutricional Homens (%) Mulheres (%) Desnutrição grave 0 0 Desnutrição moderada 16,7 9,1 Desnutrição leve 33,3 27,3 Eutrofia 50 54,5 Sobrepeso 0 0 Obesidade 0 9,1 Similarmente, constatou-se um percentual de 43,4% de desnutrição entre os pacientes estudados, através do percentual de adequação da prega cutânea tricipital, sendo que 26,1% apresentaram desnutrição grave, 4,3% moderada e 13% leve. Eutrofia foi diagnosticada em 8,7% dos pacientes, sobrepeso em 8,7% e obesidade em 39,1%. A tabela abaixo mostra a classificação nutricional observada em homens e mulheres, segundo este indicador. Tabela 6- Diagnóstico nutricional em homens e mulheres, de acordo com PCT. Classificação Nutricional Homens (%) Mulheres (%) Desnutrição grave 8,3 45,4 Desnutrição moderada 8,3 0 Desnutrição leve 25 0 Eutrofia 16,7 0 Sobrepeso 0 18,2 Obesidade 41,7 36,4 Dentre os pacientes avaliados, observou-se que 60,8% encontravam-se desnutridos no momento da internação, segundo CMB. Destes, 13% estavam moderadamente desnutridos e 47,8% apresentavam desnutrição leve, 39,1% da amostra estudada estava eutrófica. A classificação nutricional por sexo, segundo este indicador encontra-se na tabela 7. Tabela 7- Classificação do estado nutricional em homens e mulheres, de acordo com CMB. Classificação Nutricional Homens (%) Mulheres (%) Desnutrição grave 8,3 45,4 Desnutrição moderada 8,3 0 Desnutrição leve 25 0 Eutrofia 16,7 0 Sobrepeso 0 18,2 Obesidade 41,7 36,4 Em relação à história clínica, foram identificados 21,7% dos pacientes com sinais de deficiência nutricional prévia à hospitalização, tais como descamação de pele, queda de cabelo, palidez, ferida no canto dos olhos, emagrecimento, dentre outros. Fatores interferentes na ingestão alimentar ocorreram em 86,9% dos pacientes, os quais relataram náuseas, vômito, inapetência, tosse freqüente, disfagia, intolerância ao cheiro da comida e mastigação deficiente. Este último foi apresentado por 78,3% dos indivíduos avaliados. A história dietética obtida na primeira entrevista evidenciou uma ingestão alimentar habitual média de 1611Kcal/dia, sendo que os homens relataram consumo médio de 1971 Kcal/dia e as mulheres 1251 Kcal/dia. 5.2 Avaliação Nutricional Final Os pacientes foram avaliados por um período médio de 6,3 dias, no qual foi possível observar, através da última tomada das medidas antropométricas, redução de IMC, CB, PCT e CMB em parcela considerável da população estudada. Dos 23 pacientes avaliados, 3 não puderam ser pesados ao final da avaliação, pois estavam acamados ou edemaciados. Sendo assim, 80% dos 20 pacientes pesados apresentaram perda ponderal, a qual foi em média 1,080Kg, culminando, também, em redução do IMC. As mulheres mostraram perda média de 0,855Kg e os homens 1,260Kg. No decorrer do estudo, apenas 15% dos pacientes (n=3) apresentaram ganho ponderal, em média, 1,700Kg. Redução de CB, PCT e CMB foram observadas, respectivamente, em 17,4%, 8,7% e 17,4% dos pacientes. Observou-se aumento de CB e CMB em 8,7% da população estudada. A tabela abaixo expõe a média dos valores das diferentes medidas antropométricas obtidas ao final do estudo. Tabela 8- Média das variáveis nutricionais apresentada pelos pacientes na avaliação nutricional final. Indicador Nutricional Homens Mulheres Total 2 IMC (Kg/m ) 23,7 23,4 23,5 CB (cm) 28 28,7 28,3 PCT (mm) 13,7 25,9 19,8 CMB (cm) 23,7 20,8 22,25 5.3 Avaliação da Ingestão Alimentar A ingestão energética média dos pacientes no início da hospitalização foi de 1960,3 Kcal, sendo que os homens ingeriram em média 2127,9 Kcal e as mulheres 1792,7 Kcal. Ao final da internação, houve redução na ingestão calórica para 1721 Kcal, ocasião em que os homens passarão a ingerir, em média, 1896,1 Kcal e as mulheres 1545,9 Kcal. Dos 23 pacientes estudados, 11 mostraram redução na ingestão alimentar, 6 aumentaram o seu consumo e 6 o mantiveram durante a hospitalização. As necessidades calóricas foram calculadas individualmente, de acordo com o peso, altura, idade, sexo, atividade física e a doença apresentada durante a internação. Dessa forma, a necessidade energética média dos pacientes foi de 2058,69 Kcal/dia, variando de 2307,04 Kcal/dia para homens e 1810,35 Kcal/dia para mulheres. Na avaliação inicial, observou-se que o percentual de adequação da ingestão calórica apresentada em relação às necessidades ficou entre 0% a 145,5% para mulheres. Destas, 36,4% mostraram ingestão calórica entre 90 a 110% do recomendado; 36,4%, acima de 110% e 27,3%, abaixo de 90%. Já para os homens, a adequação da ingestão inicial variou de 27,1% a 129,6% para homens. Destes, 50% apresentaram ingestão adequada em relação às necessidades calóricas, ou seja, 90% a 110%; 16,7%, acima de 110% e 33,3%, abaixo de 90%. Na avaliação final, verificou-se que a adequação da ingesta calórica variou de 0% a 139,5% para mulheres, sendo que 0% delas ficou entre 90% a 110%; 63,6%, abaixo de 90% e 36,4%, acima de 110%. Para os homens, o percentual de adequação ficou entre 0% a 129,8%, sendo que 25% destes mostraram ingestão entre 90% a 110%; 41,7%, abaixo de 90% e 33,3%, acima de 110%. 5.4 Adequação da Dieta prescrita De acordo com as visitas de rotina aos pacientes e avaliação nutricional dos mesmos, realizou-se adequação da dieta prescrita pelo médico, sempre que necessário. Assim, 52,2% dos pacientes estudados (58,3% dos homens e 45,4% das mulheres) tiveram suas dietas alteradas para melhor aceitação. As adequações promovidas incluíram aumento de fibras, aumento da oferta calórica, alterações de consistência, de terapêutica, preferenciais, dentre outros. 5.5 Prescrição de Jejum Via Oral O jejum via oral foi prescrito a 73,9% dos pacientes. A justificativa para tal incluiu realização de procedimentos cirúrgicos, exames ou por intolerância à alimentação via oral. 6 Discussão A desnutrição, como na maioria das doenças crônicas, é uma característica proeminente na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), incidindo em 30 a 50% desses pacientes. Este termo refere-se a um heterogêneo e impreciso grupo de doenças que, embora com fisiopatologia e tratamento diferentes, tem alguns sinais e sintomas em comum como tosse, expectoração, dispnéia e broncoespasmo (MAGNONI; CUKIER, 2004; AUGUSTO et. al., 2002). Sabe-se que doenças como estas determinam alterações profundas na utilização de substratos energéticos, hipermetabolismo, catabolismo protéico importante, dentre outras alterações. Uma vez instalada, a desnutrição grave impõe uma série de interferências no parênquima pulmonar, como a redução da superfície interna e do número de alvéolos, diminuição do surfactante pulmonar, menor teor lipídico do parênquima e maior perda protéica por redução da síntese e desequilíbrio no metabolismo de hidroxiprolina e elastina. A associação destes fatores afeta sobremaneira o tecido pulmonar, implicando em conseqüências desastrosas para a função respiratória e para o organismo como um todo (MAGNONI; CUKIER, 2004). Dessa forma, é consensual que a terapia nutricional seja importante para atenuar as conseqüências desta desnutrição aguda e devastadora, modificando a resposta inflamatória e a evolução deste grupo de pacientes (MAGNONI; CUKIER, 2004). Assim como nas doenças pulmonares, a terapia nutricional é imprescindível nas doenças cardiovasculares. A insuficiência cardíaca é o estado fisiopatológico no qual o coração encontra-se incapaz de suprir as necessidades metabólicas dos tecidos, seja em repouso ou durante exercícios físicos. Evitar desnutrição, proporcionar adequados parâmetros de composição visceral que possibilitem o pleno funcionamento do organismo e recuperar a massa muscular esquelética nos pacientes previamente desnutridos são os objetivos da terapia nutricional na insuficiência cardíaca (AUGUSTO et. al, 2002; MAGNONI, CUKIER, 2004). A terapia nutricional deverá ser instituída tão logo quanto possível se à patologia de base estiver associada neoplasias. Isso por que a desnutrição é muito comum no câncer. Sua intensidade varia conforme o tipo e a localização do tumor. A desnutrição encontra-se mais freqüentemente associada às neoplasias malignas do pulmão, pâncreas, rins e trato gastrintestinal, porém, sua incidência é universal em todos os tipos de tumores (MAGNONI; CUKIER, 2004). Nos pacientes com câncer, pode-se encontrar gasto de energia elevado com desgaste tecidual e perda de peso. Um estado hipermetabólico ou catabolismo persistente é comum nos estágios avançados da doença. Este fato, associado à presença freqüente de anorexia, contribui para degradação muscular e desnutrição (MAGNONI; CUKIER, 2004). A prevalência de desnutrição detectada no presente estudo, ou seja, 34,8% dos pacientes hospitalizados mostra analogia com os demais referidos em literatura, confirmando a íntima relação entre doença e desnutrição. Dentre estes, Ramos, Valverde (2005) referiram elevado percentual de desnutrição hospitalar ao diagnosticar 50% de pacientes com algum grau de desnutrição. Similarmente, Correia, Campos (2003) a relataram em 50,2% dos pacientes estudados. Em estudo multicêntrico, Waitzberg, Caiaffa, Correia (2001), alertaram aos profissionais de saúde sobre a elevada prevalência de desnutrição intrahospitalar. Através dos resultados do IBRANUTRI, constatou-se que 48,1% dos pacientes avaliados estavam desnutridos. Em concordância, Penié (2005), também em estudo multicêntrico, demonstrou que a desnutrição hospitalar é prevalente, atingindo 41,2% dos pacientes internados. Similarmente, Prieto et. al. (2006) diagnosticaram em hospital privado 45% dos pacientes em risco de desnutrição, confirmando a importância da intervenção nutricional como fator de influência para melhora do prognóstico clínico. Por outro lado, Azevedo et. al. (2004) descreveram 24,3% de desnutrição em ambiente hospitalar, prevalência inferior aos demais estudos. Embora o percentual de desnutridos no presente trabalho tenha se mostrado inferior à maioria dos demais, há de se considerar que, além dos pacientes com diagnóstico de má nutrição, existe uma parcela importante da população estudada em risco nutricional. Esta, se não bem monitorada no decorrer da hospitalização, poderá, certamente, desenvolver desnutrição, prejudicando a evolução do tratamento clínico. Entre os fatores causais atribuídos à desnutrição hospitalar, a alimentação é considerada fator circunstancial, o que pôde ser comprovado neste trabalho. Embora as dietas prescritas tenham sido alteradas em 52,2% dos casos para melhor aceitação, houve redução do consumo alimentar, podendo ser explicação plausível para a depleção do estado nutricional dos pacientes, ao longo da internação. Sabe-se que a alimentação é essencial na vida do ser humano, em qualquer etapa da vida, seja para o crescimento, desenvolvimento, reprodução e, ainda, para manutenção ou recuperação da saúde. Dessa forma, ela deve se adequar ao estado em que o indivíduo se encontra ofertando ao mesmo todos os nutrientes necessários à manutenção ou recuperação do estado nutricional (MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005). A dieta hospitalar é importante por garantir o aporte de nutrientes ao paciente internado preservando, assim, seu estado nutricional e pelo seu papel co-terapêutico em doenças crônicas e agudas. Além disso, o ato de se alimentar é uma prática que desempenha um papel relevante na experiência da internação uma vez que, atende a atributos psicossensoriais e simbólicos inerentes a ela. Assim, poderá atenuar o sofrimento gerado por esse período em que o indivíduo está separado de suas atividades e papéis desempenhados na família, na comunidade e nas relações de trabalho encontrando-se, ainda, ansioso pelo próprio adoecimento, pela disciplina e procedimentos hospitalares, muitas vezes pouco compreendidos (GARCIA, 2006). Há de se considerar ainda que determinadas patologias, tais como as doenças cardiovasculares, apresentadas por 26,6% dos pacientes avaliados requerem que a dieta seja restrita em sódio, gorduras e líquidos o que pode, também, justificar a redução do consumo alimentar dos mesmos. Prieto et. al. (2006) confirmam em seu estudo que os pacientes com doença cardiovascular são os que apresentaram maior índice de rejeição da alimentação. Apesar da preocupação com o aspecto nutricional do paciente hospitalizado, pouca atenção é dada à alimentação hospitalar, freqüentemente. Dessa forma, o tratamento não deveria estar focado somente na doença, mas sim na intervenção nutricional, modificações na apresentação e na consistência dos alimentos, oferecimento de lanches com alta densidade calórica e de pouco volume entre as refeições, incluindo na dieta alimentos do consumo habitual do paciente, os quais são estratégias baratas, se comparadas aos custos que o paciente desnutrido gera ao hospital (PRIETO et. al., 2006). Embora a baixa ingestão alimentar seja a principal causa de perda ponderal durante a hospitalização, segundo Prieto et. al. (2006); existem outras etiologias que contribuem para tal como o jejum, o qual foi prescrito a 73,9% dos pacientes internados. Procedimentos hospitalares como operações eletivas são, em geral, realizadas após 10 a 16 horas de jejum. Na maioria dos hospitais, a rotina é manter o paciente sem comer desde noite anterior ao ato operatório. Este período, tão questionado atualmente, é tido como fundamental para que no momento da indução anestésica o estômago esteja completamente vazio e o risco de aspiração seja mínimo (CORREIA; SILVA, 2005). Contudo, Moro (2004), através de revisão bibliográfica, revela que pacientes saudáveis com jejum pré-operatório prolongado, freqüentemente, apresentam volume gástrico maior que 0,4 mL.Kg-1 e pH menor que 2,5, valores críticos para pneumonite aspirativa. A ansiedade, comum em períodos de jejum prolongado, é um estímulo emocional que pode aumentar a produção de ácido clorídrico, de forma similar à fase cefálica da secreção gástrica, o que explica o aumento do volume e diminuição do pH gástrico em circunstâncias como esta. Há de se considerar ainda que o tempo em que o paciente permanece em jejum é suficientemente longo do ponto de vista metabólico, levando à depleção dos estoques de glicogênio. (CORREIA; SILVA, 2005). Esta prática também pode ser responsável em grande parte pela degradação da proteína corporal. As catecolaminas produzidas inibem a produção de insulina, sendo antagonizada perifericamente pelos glicocorticóides, aumentando assim a gliconeogênese a partir de aminoácidos adquiridos através do turnover da massa muscular corpórea (SHILS et. al., 2003). Além disso, o jejum prolongado resulta em desconforto e irritabilidade, depleção de líquidos e suas conseqüências: desidratação, hipotensão grave durante a indução anestésica por hipovolemia relativa, aumento do risco de vômitos no pós-operatório e de ocorrência de hipoglicemia no peri-operatório (PINTO; ARAÚJO; GALLANI, 2005). Diante disso, Moro (2004) e Aguilar-Nascimento et. al. (2006) sugerem períodos menores de jejum, principalmente para líquidos, permitindo mais conforto aos pacientes e menor risco de hipoglicemia e desidratação, sem aumentar a incidência de aspiração pulmonar perioperatória. Se a ingestão de líquidos claros no pré-operatório não gera aumento de complicações pós-operatórias, por outro lado o jejum prolongado está associado a potencial agravante da resposta orgânica ao estresse como já foi descrito anteriomente. Por isso, a Sociedade Brasileira de Anestesiologia elaborou um protocolo de jejum pré-operatório que discrimina o tipo de alimento a ser ingerido e o período permitido para tal, antes do procedimento cirúrgico. Assim, para líquidos sem resíduos como água, chá, suco sem polpa ou café preto o tempo mínimo é de 2 horas; para leite materno, 4 horas; para fórmulas infantis, 6 horas; para refeições leves como líquidos sem resíduos com torradas, 6 horas; para leite não humano ou refeições plenas (para crianças abaixo de 3 anos), 6 horas e para leite não humano ou refeição plena (para indivíduos acima de 3 anos), 8 horas. 7 Conclusão Diante do exposto, conclui-se que a hospitalização e os fatores iatrogênicos inerentes a ela podem comprometer o estado nutricional, sendo fundamental a identificação de pacientes de risco e de desnutridos. Além do atendimento e monitoramento necessários para recuperar e/ou prevenir a perda de peso e as complicações que ela acarreta. 8 Referências Bibliográficas AGUILAR-NASCIMENTO, J. E. et. al. Acerto Pós-Operatório: Avaliação dos Resultados da Implantação de um Protocolo Multidisciplinar de Cuidados PeriOperatórios em Cirurgia Geral. Rev. Col. Bras. 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Geneva, WHO, 1995. 9 Apêndices Questionário de avaliação nutricional Acompanhamento do estado nutricional no período de internação Dados do paciente Nome: HC: Leito: Sexo: Idade: Data da internação: Data da avaliação inicial: Data da alta: Data da avaliação final: Doença de base e doenças associadas: Avaliação nutricional inicial - Avaliação antropométrica Peso atual: Peso usual: Adequação do peso (%): Peso ideal: Perda de peso: Altura: Altura do joelho (se necessário): IMC: Classificação: Punho: Compleição óssea: CB: Adequação da CMB: Classificação: PCT: Adequação da PCT: Classificação: CMB: Adequação da CMB: Classificação: - Anamnese clínica Edema: Sinais de deficiência nutricional: Dentição: Fatores que interferem na ingestão alimentar: Hábito intestinal: Estimativa das necessidades calóricas e protéicas GEB: Fator atividade: Fator injúria: GET: Kcal/kg peso corpóreo: Prescrição da dieta Dieta: Valor calórico fornecido: Adequações dietéticas realizadas durante o acompanhamento: Intercorrências durante o período de acompanhando nutricional Avaliação nutricional final Peso atual: Adequação do peso (%): Perda de peso: Altura: Altura do joelho (se necessário): IMC: Classificação: CB: Adequação da CMB: Classificação: PCT: Adequação da PCT: Classificação: CMB: Adequação da CMB: Classificação: Avaliação da ingestão alimentar Quadro 1- Evolução da ingestão alimentar ao longo da internação e adequação em relação às necessidades nutricionais Ingestão alimentar Recordatório alimentar de 24 horas 1o dia de internação Final do acompanhamento %adequação recomendado em relação ao