UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA DAS PERDAS E DANOS NA RESCISÃO CONTRATUAL DE CONTRATOS IMOBILIÁRIOS Das Perdas e Danos que o Credor Faz Jus nos Casos de Rescisão Contratual Decorrente de Inadimplência JOSÉ LUIZ FERREIRA Orientador: Prof. Msc. Claudio Melquiades Medeiros Joinville (SC), novembro de 2009. UNIVERSIDADE DA REGIÃO DE JOINVILLE – UNIVILLE CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA DAS PERDAS E DANOS NA RESCISÃO CONTRATUAL DE CONTRATOS IMOBILIÁRIOS Das Perdas e Danos que o Credor Faz Jus nos Casos de Rescisão Contratual Decorrente de Inadimplência JOSÉ LUIZ FERREIRA Monografia submetida à Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Claudio Melquiades Medeiros Joinville (SC), novembro de 2009. Meus agradecimentos: A Deus por todas as bençãos e oportunidades. Ao meu orientador, Professor e Mestre Claudio Melquiades Medeiros, pela orientação, pelos ensinamentos deixados, e principalmente pela compreensão nos momentos de dificuldade. Aos Professores desta instituição, por terem me ajudado a desvendar os caminhos do Direito. Aos meus amigos de sala por todos os momentos de aprendizado, cumplicidade, luta e solidariedade. Dedico esta obra: Aos meus pais Oracides Ferreira (in memoriam) e Antonia Antunes da Silva Ferreira (in memoriam) pela vida. As minhas filhas Indiara Elina Ferreira e Priscilla Inêz Ferreira por toda a ajuda nestes cinco anos de aprendizado. As minhas Netas Amanda Luíza Ferreira e Sofia Luíza Ferreira por sempre trazerem felicidade em seus sorrisos. Em especial a minha esposa Ivete Ferreira pelo seu amor e por estar incondicionalmente ao meu lado. “A justiça é o vínculo das sociedades humanas; as leis são a alma de um povo.” Juan Luis Vives “Eu não troco a justiça pela soberba. Eu não deixo o direito pela força. Eu não esqueço a fraternidade pela tolerância. Eu não substituo a fé pela superstição, a realidade pelo ídolo.” Rui Barbosa PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão de Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, elaborada pelo graduando JOSÉ LUIZ FERREIRA, sob o título DAS PERDAS E DANOS NA RESCISÃO CONTRATUAL DE CONTRATOS IMOBILIÁRIOS: Das Perdas e Danos que o Credor Faz Jus nos Casos de Rescisão Contratual Decorrente de Inadimplência, foi submetida em 07 de dezembro de 2009 à Banca Examinadora, obtendo a média final 9,37 (nove vírgula trinta e sete), tendo sido considerada aprovada. Joinville, 07 de dezembro de 2009. ____________________ ___________________ ____________________ Prof. Claudio M. Medeiros Profa. Kátja E. Fuxreiter Profa. Beatriz R. Branco DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Joinville (SC), 07 de dezembro de 2009. JOSÉ LUIZ FERREIRA GRADUANDO ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art. Artigo ART Anotação de Responsabilidade Técnica C/C Cumulado com CDC Código de Defesa do Consumidor Des. Desembargador Dec. Decreto Incs. Incisos INPC/IBGE Índice Nacional de Preços ao Consumidor / Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Min. Ministro Rel. Relator STJ Superior Tribunal de Justiça TJSC Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO PARA FINS CIENTÍFICOS Autorizo a publicação do presente trabalho, para fins unicamente científicos, na rede mundial de computadores, sítio da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE, sem quaisquer ônus a esta. Declaro, ainda, ter sido informado de que a presente autorização não me foi colocada de forma obrigatória e que a aprovação do presente conteúdo perante a Banca Examinadora não depende daquela. Joinville (SC), 07 de dezembro de 2009. JOSÉ LUIZ FERREIRA GRADUANDO SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................................... xi INTRODUÇÃO ..................................................................................................1 Capítulo 1 DA TEORIA DOS CONTRATOS E SEUS ASPECTOS GERAIS 1.1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS................................................ 3 1.2. CONCEITO DE CONTRATO E CONTRATO DE COMPRA E VENDA ......... 5 1.3. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA ................. 9 1.3.1. Cláusula Pacta sunt servanda ............................................................... 14 1.3.2. Cláusula Rebus sic stantibus ................................................................ 15 1.4. PROPRIEDADE X POSSE .......................................................................... 17 Capítulo 2 DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL LOTEADO 2.1. A PROMESSA DE COMPRA DE BEM IMÓVEL LOTEADO .....................23 2.1.1. Loteamento e lote ................................................................................... 30 2.2. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL...........34 2.3. RESCISÃO POR INADIMPLEMENTO ........................................................ 37 2.3.1. Mora.......................................................................................................... 41 2.3.2. Perdas e Danos ....................................................................................... 43 Capítulo 3 DA APLICAÇÂO DO DIREITO ÀS PERDAS E DANOS NA RESCISÃO CONTRATUAL 3.1. DA INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS QUE O CREDOR FAZ JUS......................................................................................................................47 3.1.1. Ressarcimento pela ocupação do bem ................................................. 49 3.1.2. Indenização em favor do credor ............................................................ 52 3.1.3. Custas do Processo e Honorários Advocatícios .................................56 3.2. BENFEITORIAS INDENIZÁVEIS EM FAVOR DO DEVEDOR ...................58 3.3. REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM FAVOR DO CREDOR .........................61 3.4. DOS JUROS E CORREÇÕES MONETÁRIAS SOBRE OS VALORES DEVIDOS AS PARTES.......................................................................................63 3.4.1. Juros e correção monetária sobre valores em favor do devedor ....... 64 3.4.2. Juros e correção monetária sobre valores em favor do credor .......... 65 3.4.3. Equidade dos reajustes sobre os valores envolvidos nas perdas e danos em favor do credor e devedor .............................................................. 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 68 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS .............................................. 71 REFERÊNCIAS LEGISLATIVAS ............................................................... 73 RESUMO A presente pesquisa tem por objetivo discutir o ressarcimento por perdas e danos que o credor faz jus na rescisão de contrato de compra e venda de bem imóvel decorrente do inadimplemento por parte do comprador. A rescisão contratual requerida à Justiça devido a inexecução do contrato por parte do comprador gera o direito à indenização por perdas e danos. A reparação para que se obtenha o status quo ante da firmação do contrato deve ser aplicada para ambas as partes, porém cada qual é beneficiada de maneira que visa retratar aquilo que empenhou, perdeu ou deixou de ganhar por consequência da inexecução. No caso de compra e venda de bens imóveis se percebe que os julgadores ao mesmo tempo em que possuem consenso e entendimento comum sobre alguns aspectos das perdas e danos, em outros, promulgam sentenças com decisões completamente díspares. Se o processo de rescisão visa além de extinguir o contrato, reparar as partes para que fiquem na mesma situação em que se encontravam antes da celebração do contrato, é complexo compreender o por quê de entendimentos tão discordantes sobre um mesmo objetivo. INTRODUÇÃO O objeto deste Trabalho de Conclusão de Curso é a investigação acerca da indenização por perdas e danos que o credor faz jus na rescisão de contrato de compra e venda de bem imóvel. É de conhecimento que este tema possui inúmeras vertentes, contudo, o foco central desta pesquisa se concentra na reparação que o credor faz jus na rescisão de contrato de compra e venda de bem imóvel, quando ocorre o inadimplemento por parte do comprador. O seu objetivo institucional é a produção de Monografia para a obtenção de título de Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE. O objetivo geral do trabalho é mostrar aos leitores alguns aspectos que envolvem o contrato de compra e venda de bem imóvel, com ênfase no contrato de compra e venda de lote urbano popular, e, aspectos da rescisão contratual como consequência da inadimplência, mais precisamente pelo descumprimento da obrigação de pagamento pelo comprador. Os objetivos específicos são: proporcionar conhecimento acerca da teoria dos contratos e seus aspectos gerais; aprofundar o entendimento sobre a extinção do contrato de compra e venda de bem imóvel e analisar a aplicabilidade das perdas e danos na rescisão contratual. Este trabalho utiliza o método de pesquisa qualitativo, meramente biibliográfica e documental, baseado em estudos procedentes de investigação doutrinária, jurisprudências, julgados, artigos científicos e leis, dividindo-se o trabalho em três capítulos. O primeiro capítulo tratará da origem e evolução dos contratos em geral, do conceito e aspectos gerais do contrato de compra e venda e da diferença entre propriedade e posse. Na segunda parte será abordado o contrato de compra e venda de bem imóvel loteado, a promessa de compra e venda, o conceito de loteamento e lote, a extinção do contrato de compra e venda, a rescisão causada por inadimplemento, a mora e as perdas e danos. Já no Capítulo 3 será dedicado a pesquisa da aplicação do direito às perdas e danos quando da rescisão contratual, com ênfase nas perdas e danos que o credor faza jus; as bem feitorias indenizáveis em favor do devedor; a reintegração de posse e os juros e correção monetária acrescida aos valores devidos as partes. O presente Trabalho de Conclusão de Curso alcançou seus objetivos, delimitados anteriormente, e que contribuiu efetivamente para propiciar maior entendimento acerca da possibilidade de indenização por perdas e danos na rescisão contratual decorrente do inadimplemento do comprador. Ressalta-se que esta ação é comum no universo das relações contratuais, especialmente nas que são contratadas por períodos mais extensos, como é o caso do contrato de compra e venda de bem imóvel. Capítulo 1 DA TEORIA DOS CONTRATOS E SEUS ASPECTOS GERAIS 1.1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS O ponto de partida da reflexão histórica da teoria dos contratos é o Direito Romano. Conforme Fiuza “o termo contrato no mais antigo Direito Romano, equivalia ao ato pelo qual o credor submetia o devedor a seu poder, em virtude do inadimplemento de uma obrigação. Era o ato de contrair (contrahere), no sentido de restringir, apertar.”1 No período de 510 a.C. a 27 a.C. é possível verificar a existência do gênero conventio. Neste gênero distinguiam-se as espécies contractus e pactum. Os contractus podiam ser de três categorias: litteris, re ou verbis. Nessa espécie de contrato o credor podia exigir o cumprimento da avença através de uma ação. Fiuza lembra que “os romanos não concebiam, como nós, a idéia do direito subjetivo, mas tão somente a de actio.”2 Aqui, para a formação contratual, não bastava o acordo de vontade das partes sobre o objeto, era necessária a observância da forma consagrada. Os romanos acreditavam que os contratos só seriam abençoados pelos deuses se seguissem os rituais corretos. Os pacta eram celebrados sem qualquer formalização de forma, bastando o acordo de vontades. Por não estarem na lista dos contratos e por não serem previstos em lei, não possuíam a proteção da actio. A maior diferença entre o contractus e o pactum é que o primeiro gerava obrigações civis por si mesmos, por força do ius civile, e o segundo acabava por gerar as obrigações naturais. Fiuza ressalta que: 1 2 FIUZA, César. Direito civil, p. 390. FIUZA, César. Direito civil, p. 390. 4 Os contratos eram convenções que apenas criavam obrigações. Para modificá-las ou extingui-las, celebravam-se pactos. Hoje, denominamos distrato à convenção que põe fim a um contrato. Além disso, atribuímos-lhe a natureza de contrato. Para os romanos o distrato seria um pacto. O mesmo se diga do que, atualmente, chamamos adendos ou aditivos contratuais. Assim, essas convenções, que modificavam ou extinguiam obrigações, eram pactos. Estes pactos eram denominados pactos adjetos (pacta adiecta), e é a eles que se refere a doutrina, ao afirmar que os pactos não geravam ações, mas exceções. 3 Foi na Idade Média, com a generalização da prática dos escribas de fazer constar no instrumento escrito das convenções, que todas as formalidades tinham sido cumpridas, mesmo quando não o tivessem sido, que iniciou uma grande mudança na história dos contratos. Fiuza dá ênfase a esta evolução destacando que a mesma foi “a abolição indireta da sacramentalidade, pois a simples menção da observância da forma tinha maior importância que seu cumprimento.”4 A partir deste momento o contrato começou a se estabelecer como instrumento abstrato, pois conferia força obrigatória às manifestações de vontade. E, para valorizar ainda mais a declaração de vontade e o consentimento, adotouse o costume de se introduzir um juramento, com motivos religiosos. À medida que o direito foi mudando, ocorreram modificações nos contratos, tanto na estrutura quanto nas especificações contidas, e, com isso, os mesmos adquiriram maior importância e notoriedade. Hoje em dia vive-se a “era dos contratos”. O ser humano celebra contratos durante toda a sua vida. Além dos contratos de compra e venda, outros fazem parte da rotina moderna, como por exemplo: a união entre os pares são celebradas com contratos, o futuro de um filho pode ser garantido através de um contrato e até após a morte o homem expressa suas vontades através de contratos. 3 4 FIUZA, César. Direito civil, p. 392. FIUZA, César. Direiro civil, p. 393. 5 1.2. CONCEITO DE CONTRATO E CONTRATO DE COMPRA E VENDA De maneira informal pode-se afirmar que contrato é o documento através do qual duas ou mais partes expressam suas vontades e combinam as penalidades para a parte que não cumprir suas obrigações. É fácil citar inúmeros exemplos de contratos, todos bastante comuns a vida cotidiana: contrato de compra e venda, de locação, de prestação de serviço, matrimonial, entre outros. Apesar de toda a sociedade ter um relevante conhecimento empírico acerca de contratos se faz extremamente necessário aprofundar tais conceitos. Fiuza afirma de maneira geral que: Contratos são negócios jurídicos. Por sempre dependerem de pelo menos duas atitudes, de pessoas diferentes, podese classificá-los como negócios jurídicos bilaterais ou plurilaterais. Serão negócios bilaterais se a atuação das partes for antagônica, como num contrato de compra e venda, em que o comprador quer comprar e o vendedor quer vender. Serão negócios plurilaterais se a atuação das partes não for antagônica, caminhando, ao revés, lado a lado, como no contrato de sociedade, em que os sócios tem os mesmos interesses. 5 É importante lembrar que o contrato é uma convenção, uma vez que duas ou mais pessoas se reúnem para atingir um objetivo comum de forma convencionada, e é uma necessidade, motivada por uma vontade que acaba por desencadear tal convenção. Muitas vezes ouve-se afirmar que os contratos expressam as vontades das partes envolvidas, porém, seria um retrocesso aceitar tal afirmação, pois, o contrato não é apenas um fenômeno da vontade. E é por isso que, como afirma Fiuza, se faz necessário buscar a definição de contrato no Direito Civil. Com muita propriedade, este autor complementa seu conceito afirmando que: 5 FIUZA, César. Direito civil, p. 387. 6 Contrato é o ato jurídico lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica que cria, modifica ou extingue relações convencionais dinâmicas, de caráter patrimonial, entre duas ou mais pessoas (partes), que em regime de cooperação, visam atender necessidades individuais ou coletivas, em busca da satisfação pessoal, assim promovendo a dignidade humana. 6 Fiuza destaca que como é a necessidade que impulsiona a vontade dos contratantes e que os contratos não resultam de vontade livre, incondicionada, não se pode eliminar o livre arbítrio. E lembra que este livre arbítrio que irá distinguir as necessidades reais das fictícias e levar a contratar ou não, baseado nas possibilidades individuais. 7 Neste mesmo norte, Diniz orienta que “o contrato constitui uma espécie de negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para a sua formação, do encontro da vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesses privados”. 8 Horcaio ensina que contrato significa “acordo de duas ou mais pessoas, para criar, modificar ou extinguir entre elas uma relação de direito.” 9 E referencia seu conceito, através do Art. 421 e 422 do Código Civil (Lei 10.406/02) que deliberam que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato e que os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa fé. 10 Para limitar melhor o foco desta pesquisa é necessário destacar o conceito de contrato de compra e venda dentro do Direito Civil, uma vez que esta será a modalidade de contrato foco deste trabalho. Fiuza afirma que contrato de compra e venda é o “contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir propriedade de certo objeto a outra, mediante recebimento de soma em dinheiro, denominada preço.” 6 11 E vai mais além ao estabelecer que as partes de um FIUZA, César. Direito civil, p. 388. FIUZA, César. Direito civil, p. 388. 8 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 23. 9 HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 208. 10 BRASIL. Código Civil (2002). Código civil brasileiro. 11 FIUZA, César. Direito civil, p. 489. 7 7 contrato de compra e venda se constituem de “quem vende, que, se denomina vendedor, e quem compra, comprador”, 12 e afirmar que “o principal efeito da compra e venda é a transmissão da propriedade do objeto do vendedor para o comprador.” 13 O ato da compra e venda traz obrigações a ambas as partes envolvidas. O vendedor tem como obrigações: transferir o domínio (propriedade) da coisa para o comprador (no caso de imóveis pela inscrição no registro), garantir o comprador dos riscos da evicção e dos vícios redibitórios e, de todas as demais que voluntariamente assumir no contrato. O comprador tem como obrigação mais importante, pagar o preço estipulado da coisa adquirida. A outra obrigação do comprador é a de receber a coisa no tempo e local determinados em contrato. O cumprimento das obrigações das partes é conhecido como responsabilidade contratual, que Fiuza define como: A que decorre da celebração ou execução de um contrato. Vizinhas da responsabilidade contratual, mas ontologicamente diferentes, são as responsabilidades précontratual e pós-contratual. Em ambos os casos, não há contrato. Na responsabilidade pré-contratual, o contrato ainda não foi celebrado; as partes encontram-se em fase de negociações preliminares. A responsabilidade pós-contratual ocorre após a execução do contrato. Mesmo não havendo mais contrato, por já ter sido executado, permanecem deveres para as partes, como os de garantia; daí falar-se em responsabilidade pós-contratual. 14 É extremamente singular ressaltar que todo contrato, suas especificações e obrigações são baseadas essencialmente no princípio da boa fé. Lembrando que a boa fé é a ausência de má fé, a falta de malícia. Gabriel escreve em um de seus artigos que “o Princípio da Boa-Fé diz respeito à intenção das partes na prática de seus atos, fazendo com que, o ser humano esteja 12 FIUZA, César. Direito civil, p. 489. FIUZA, César. Direito civil, p. 489. 14 FIUZA, César. Direito civil, p. 278. 13 8 sempre embuído de boa-fé para que tal ato seja convalidado” 15, e aponta que “o Princípio da Boa-Fé é mais que mero princípio presente em nosso ordenamento jurídico, ele é um balizamento de conduta de toda a sociedade brasileira.” 16 Gomes afirma que “as alterações nos modelos contratuais na sociedade contemporânea, conduzem à necessidade de maior controle do conteúdo contratual. Nesse mister, a boa-fé objetiva ganha relevo também no sentido de coibir qualquer abuso de uma parte sobre a outra, orientando a conduta contratual a ser desenvolvida.”17 Diniz estreita a ligação entre o Princípio da Boa-Fé e a Teoria do Contrato ao afirmar que: Segundo o princípio, na interpretação do contrato, é preciso ater-se mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem, e, em prol do interesse social da segurança das relações jurídicas, as partes deverão agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato. 18 Neste sentido Almeida orienta que “é necessária a presença da boafé nos contratos, não somente na feitura do contrato, mas também antes (período pré-contratual) e depois da formalização, ou seja, na sua execução (período póscontratual).”19 Para possibilitar um entendimento geral, Almeida conclui com muita propriedade que: A real necessidade da presença da boa-fé nos contratos atuais, em virtude da massificação dos contratos, fazendo com que este instituto jurídico possa realmente atingir a sua finalidade, que nada mais é do que a formalização das 15 GABRIEL, Sérgio. A interpretação do princípio da boa-fé pelo STJD e a fé da sociedade. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=837>. 16 GABRIEL, Sérgio. A interpretação do princípio da boa-fé pelo STJD e a fé da sociedade. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=837>. 17 GOMES, Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé, p. 166. 18 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 40. 19 ALMEIDA, William. A boa-fé contratual diante da nova codificação civil. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3435/A_BOAFE_CONTRATUAL_DIANTE_DA_NOVA_CODIFICACAO_CIVIL>. 9 vontades de ambas as partes contratantes, baseando-se no consensualismo, para que aquilo pactuado possa ter realmente a validade (fazer lei entre as partes).20 Ora, pois, se a vida em sociedade é baseada também no princípio da boa fé, não seria diferente com as relações de compra a venda. O vendedor deve ter a boa fé de entregar a propriedade da coisa e cumprir suas obrigações e o comprador deve ter a boa fé de pagar o preço da coisa e honrar suas responsabilidades pós-contratuais. É obvio que quem compra espera que o vendedor tenha a boa fé de lhe entregar a propriedade da coisa, assim como o vendedor acredita na boa fé de pagamento pelo comprador. 1.3. ASPECTOS GERAIS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA De acordo com Fiuza o principal efeito da compra e venda é a transmissão da propriedade do objeto do vendedor para o comprador. 21 É importante lembrar que para o Direito Brasileiro a compra e venda não é meio de transmissão de propriedade, uma vez que esta se dá pela tradição manual, quando se tratar de bem móvel e pela transcrição do Registro Imobiliário, quando se tratar de bem imóvel.22 Os elementos essenciais do contrato de compra e venda são: o objeto, o preço e o consentimento – res, pretium, consensus. O objeto da compra e venda deve, obrigatoriamente, ser um bem (corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel) que seja suscetível de alienação. A coisa ou objeto deve: a) ter existência mesmo que potencial no momento da realização do contrato; 20 ALMEIDA, William. A boa-fé contratual diante da nova codificação civil. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3435/A_BOAFE_CONTRATUAL_DIANTE_DA_NOVA_CODIFICACAO_CIVIL>. 21 FIUZA, César. Direito civil, p. 489. 22 FIUZA, César. Direito civil, p. 490. 10 b) ser individuada pois o contrato de compra e venda, por criar obrigação de dar, deverá recair sobre coisa perfeitamente determinada, suscetível de individuação no momento de sua execução; c) ser disponível ou estar in commercio uma vez que a inalienabilidade natural, legal ou voluntária impossibilita a transmissão do objeto ao comprador; d) ter possibilidade de ser transferida ao comprador, isto é, não poderá pertencer ao próprio comprador, uma vez que a compra e venda motiva a transmissão do domínio do objeto. 23 O preço é o elemento que caracteriza a compra e venda, diferenciando-a da troca. A fixação do preço jamais poderá ser deixada ao arbítrio de uma só das partes, pois isso poderá viciar todo o contrato. Desta forma, convenciona-se aplicar o preço “de mercado” (segundo taxa de determinado dia ou lugar) ou afixá-lo em razão de algum índice ou taxa (desde que não haja proibição legal). O preço deve ser sempre em dinheiro, pelo menos num primeiro momento, admitindo-se a dação em pagamento (quando o preço em dinheiro é substituído por outra coisa) se acordado entre ambas as partes. O preço deve ter as seguintes características: a) pecuniariedade por constituir uma soma em dinheiro que o comprador paga ao vendedor em troca do objeto adquirido, lembrando que nada impede que o preço seja pago por coisas representativas de dinheiro (cheque, nota promissória, duplicata, entre outros) desde que acordado entre as partes; b) seriedade uma vez que deverá ser sério, real e verdadeiro; c) certeza, isto é, deverá ser certo ou determinado para que o comprador possa efetuar o pagamento devidamente. 24 O consentimento é a vontade expressa de forma livre, isenta de qualquer desembaraço (como erro, dolo ou coação). O consentimento dos contratantes deve obedecer as restrições legais à liberdade de comprar e vender pois: a) pessoa casada, exceto em regime de separação absoluta de bens, não poderá alienar ou gravar de ônus os bens imóveis de seu domínio sem a autorização do cônjuge; 23 24 FIUZA, César. Direito civil, p. 492. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 171. 11 b) os consortes não podem efetivar contrato entre si, pois a compra e venda entre cônjuges é proibida; c) ascendentes não podem vender ao descendente, sem que os demais descendentes consintam; d) os que têm por dever de ofício ou por profissão o zelo pelos bens alheios estão proibidos de adquiri-los, mesmo em hasta pública; e) o condômino, enquanto pender o estado de indivisão, não poderá vender sua parte a terceiro; f) o proprietário de coisa alugada não poderá vendê-la sem dar conhecimento do fato ao inquilino e preferência para este adquiri-la em condições igualmente estabelecidas a terceiros; g) o comprador ou o vendedor, nos contratos que contiverem cláusulas de exclusividade, ajustada por prazo determinado, têm certos deveres; h) os menores são impostos de algumas limitações. 25 Diniz destaca que nos contratos de compra e venda de bens imóveis é necessário acrescentar um quarto elemento: a forma, uma vez que estes requerem forma especial, isto é, escritura pública, para serem válidos e eficazes.26 Quanto a caracterização jurídica os contratos de compra e venda podem ser: a) bilateral ou sinalagmático – por criar obrigações para ambos os contratantes (partes) que serão ao mesmo tempo credores (vendedores) e devedores (compradores). Diniz afirma que a “ bilateralidade está no fato de estabelecer para o vendedor a obrigação de transferir a propriedade da coisa alienada e de impor ao comprador o dever de pagar o preço avençado.” 27 E dá ênfase quando afirma que “é muito importante essa característica, pois a execução da prestação por um dos contratantes será a causa do cumprimento da do outro, e, havendo inadimplemento de qualquer uma das obrigações, romperse-á o equilíbrio contratual”.28 b) oneroso – pois ambas as partes contratantes auferem vantagens patrimoniais de suas prestações ( o sacrifício da perda da coisa será 25 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 173. DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 169 27 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 168. 28 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 168. 26 12 recompensado com o recebimento do preço e o sacrifício do pagamento do preço acarretará o proveito do recebimento da coisa); c) comutativo ou aleatório – comutativo se seu objeto for certo e seguro (objeto determinado e certeza de valor desde o ato da celebração do negócio), aleatório caso dependa de um evento incerto (hipóteses previstas no Código Civil arts. 458 e 459: emptio spei e emptio rei speratae); d) consensual ou solene – consensual quando forma-se pelo mútuo consenso dos contratantes, solene quando além do consentimento a lei exigir uma forma para sua manifestação; e) translativo do domínio – deve ser o ato causal da transmissão da propriedade gerador de uma obrigação de entregar a coisa alienada e o fundamento da tradição ou da transcrição.29 O contrato de compra e venda acarreta obrigações ao vendedor e ao comprador. Fiúza define obrigação como “situação dinâmica consistente em relação jurídica em cooperação entre credor e devedor, ficando este adstrito, basicamente, a cumprir prestação de caráter patrimonial em favor daquele, que poderá exigir judicialmente seu cumprimento.”30 É muito pertinente considerar a função social das obrigações, como lembra Fiúza ao afirmar que: Em relação a sua função social, deve ser ressaltado com muita veemência que as relações obrigacionais devem ser entendidas como instrumento de promoção da dignidade humana. As promoverem, pessoas para contraem melhorarem obrigações na vida, para não se para perecerem, para se darem mal. Neste sentido, com base no princípio da função social e da dignidade humana, as relações obrigacionais hão de ser vistas como um processo dinâmico, que se desenvolve em cooperação e não em contradição. Por outros termos, credor e devedor devem ajudar-se mutuamente, devem cooperar um com o outro, para o cumprimento satisfatório da prestação devida. Não que na prática as pessoas sejam cooperativas. Pelo 29 30 DINIZ, Maria Helena. Direito civil brasileiro, p. 168. FIUZA, César. Direito civil, p. 285. 13 contrário, não o são. É por isso mesmo que o Direito deve exigir que sejam. Cada um de nós, credores e devedores, com base no Direito, podemos exigir conduta cooperativa da outra parte. Assim credor e devedor não são partes contrárias, mas partes solidárias no mesmo processo obrigacional.31 Diante disto, pode-se afirmar que tanto vendedor quanto comprador possuem obrigações que devem ser cumpridas para que o contrato de compra e venda se efetive de maneira satisfatória para ambas as partes. Como principais obrigações do vendedor é possível destacar a obrigação de transferir o domínio ou propriedade da coisa para o comprador; de responder pelos riscos até o momento da tradição; de garantir o comprador dos riscos de evicção e dos vícios redibitórios; de responder pelos débitos relativos à coisa até a tradição e, de responder por todas as demais obrigações assumidas voluntariamente no contrato. As principais obrigações do comprador são: pagar o preço da coisa (o que deve ser feito antes da tradição) e receber a coisa no tempo e local determinados, além de todas as outras que de forma voluntária assumir em contrato. No caso de compra e venda de bem imóvel, a ser pago por financiamento, onde o comprador toma posse da coisa antes de pagar totalmente o preço, necessário ressaltar a obrigação do zelo que o mesmo deve ter com a coisa até que se efetive a tradição. Como os contratos de financiamentos, para compra e venda de bens imóveis, são contratos de longo e determinado prazo, eles só efetivam realmente a compra e venda quando são cumpridos em todos os seus termos. Por serem contratos reais “só se aperfeiçoam com a entrega da coisa que constitui seu objeto” , além do que, neste tipo de negociação “o mero consentimento das 32 partes, o acordo de vontades, é insuficiente para ter-se o contrato como cumprido” 33, conforme esclarece Venosa. 31 FIUZA, César. Direito civil, p. 286. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 383. 33 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 383. 32 14 Ao adquirir um imóvel financiado, o comprador passa a ter o direito de uso do mesmo, através da posse de título justo34, ao mesmo tempo em que contrai e aceita a obrigação de efetuar o pagamento como firmado em contrato. Venosa lembra que: O pagamento feito pelo devedor não é apenas uma obrigação, é um direito seu. Não é do interesse do devedor que a dívida se prolongue além do estipulado em contrato. É evidente que isso lhe trará maiores encargos, juros, correção monetária, multa. Assim, o bom pagador desejará pagar na forma contratada. Tanto que a lei lhe confere meios coercitivos para fungir o credor a receber. 35 Se o comprador honrar os pagamentos assumidos em contratos ou quitar a dívida pré-adquirida, quando da assinatura do contrato e aceitação das obrigações, o contrato estará extinto. Neste caso o comprador nada mais deve ao vendedor e este tem a obrigação de conceder a documentação necessária para que o comprador tome a posse legal do bem, normalmente via escritura junto ao Cartório de Registro de Bens. 1.3.1 Cláusula Pacta sunt servanda A tradução livre do latim pacta sunt servanda diz que os contratos existem para serem cumpridos, o que resulta no princípio da força obrigatória, segundo o qual o contrato faz lei entre as partes. Se é obrigatoriedade respeitar a lei e os princípios com os quais a força obrigatória coexiste, pode-se dizer que pacta sunt servanda é o princípio segundo o qual o contrato obriga as partes nos limites da lei. A respeito da força obrigatória do contrato, Orlando Gomes, citado por Zunino Neto, afirma que “celebrado que seja, com observância de todos os 34 Causa hábil para constituir a posse, como contrato de locação, compra e venda, doação, etc. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 166. 35 15 pressupostos e requisitos necessários a sua validade, deve ser executado pelas partes como se suas cláusulas fossem preceitos legais imperativos.”36 Segundo Maria Helena Diniz, também citada por Zunino Neto, tal princípio se justifica porque “o contrato, uma vez concluído livremente, incorporase ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito.”37 O contrato só passa a ser obrigatório entre as partes a partir do momento em que forem atendidos os pressupostos de validade, elementos essenciais. Desde que atendidos os pressupostos de validade, o contrato obriga as partes de forma quase absoluta. Porém, a tendência, na doutrina e na jurisprudência, é a de que os contratos sejam vigiados pelos olhos da justiça, para que não se afastem da legalidade, isto se dá pela interferência judicial provocada. No que diz respeito a proteção do efetivo equilíbrio contratual numa relação de consumo, o Código do Consumidor rege que devem ser modificadas as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais.38 E cada vez mais vem se firmando nos juízos brasileiros a consciência de que é necessário intervir e corrigir o desequilíbrio dos contratos. Uma vez que a interferência judicial decorre do desequilíbrio de direito entre as partes, tal ação só tem fundamento se o desequilíbrio realmente existir, não sendo permitida a revisão contratual como recurso para discutir ou justificar o não cumprimento das obrigações de uma das partes contratantes. 1.3.2. Cláusula Rebus sic stantibus Rebus sic stantibus significa “estando as coisas assim” ou “enquanto as coisas estão assim”. De acordo com Zunino Neto: 36 ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?idid=641>. 37 ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?idid=641>. 38 BRASIL. Código do Consumidor (1990). Código de defesa do consumidor. 16 Esta expressão tem origem no Direito Canônico39 e é empregada para designar o princípio da imprevisão, segundo o qual a ocorrência de fato imprevisto e imprevisível posterior a celebração contrato diferido ou de cumprimento sucessivo implica alteração nas condições de sua execução. A cláusula de mesmo nome seria aquela que garantiria a adoção deste princípio pelos contratantes, o que leva a crer que, havendo esta opção como cláusula, seu emprego constitui exceção; a imutabilidade é a regra geral.40 A teoria da imprevisão é relativa à condição de que, havendo mudança, a execução da obrigação contratual não seja exigível nas mesmas condições pactuadas antes da mudança; porém, a execução da obrigação continua exigível, mas não nas mesmas condições, o que torna necessário se fazer um ajuste no contrato. A cláusula da imprevisão, rebus sic stantibus, é a instrumentalização do ajuste contratual, onde perante uma situação imprevista deve-se fazer o ajuste a nova realidade, tendo assim a revisão contratual. Formulando um conceito mais específico Zunino Neto afirma que a cláusula rebus sic stantibus pode ser definida como: A cláusula que permite a revisão das condições do contrato de execução diferida ou sucessiva se ocorrer em relação ao momento da celebração mudança imprevista, razoavelmente imprevisível e inimputável às partes nas circunstâncias em torno da execução do contrato que causem desproporção excessiva na relação das partes de modo que uma aufira vantagem exagerada em detrimento da desvantagem da outra.41 39 Direito da Igreja, a gama de normas que regem, amparam, determinam direitos, deveres, ritos, formas, normas a serem seguidas para que a Igreja cresça organizadamente e cumpra a sua finalidade nesta terra que é a salvação de todas as almas. 40 ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?idid=641>. 41 ZUNINO NETO, Nelson. Pacta sunt servanda x rebus sic stantibus: uma breve abordagem. Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?idid=641>. 17 É pontual lembrar que este princípio não pode ser levado em conta isoladamente, desconsiderando a segurança jurídica e o princípio da força obrigatória. Portanto, pode-se concluir que os princípios pacta sunt servanda e rebus sic stantibus mais que contrapostos, se completam, uma vez que o alcance de um só vai até o do outro. 1.4. PROPRIEDADE X POSSE A propriedade é a questão central do direito das coisas. Avvad citando Arnoldo Rizzardo lembra que: No Direito Romano, o termo técnico para designar a propriedade era ‘dominium’ (o domínio) enquanto designava-se o proprietário de ‘dominus’ (o senhor). Adveio, posteriormente, o termo ‘proprietas’, com o significado de referência à qualidade de ser própria a coisa, de pertencer de modo absoluto e exclusivo ao proprietário. O termo ‘dominium’, passou a exprimir o poder do proprietário sobre a coisa que lhe pertencia, ou a soma dos poderes que lhe competiam.42 A propriedade é o mais completo dos direitos reais. Uma de suas principais características é a sua oponibilidade “erga omnes”43. A propriedade atribui ao titular um poder absoluto sobre a coisa, já que, em tese, o proprietário pode dispor do objeto de sua propriedade da forma que lhe convier, com a ressalva de algumas limitações ditadas pelo interesse público. Outra característica da propriedade é a capacidade que tem o dono da coisa de excluir todas as demais pessoas de atuar sobre o seu bem, o que caracteriza a exclusividade, um dos principais atributos da propriedade. Fiuza afirma que: 42 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 54. A expressão erga omnes, de origem latina (latim erga, "contra", e omnes, "todos"), é usada principalmente no meio jurídico para indicar que os efeitos de algum ato ou lei atingem todos os indivíduos de uma determinada população ou membros de uma organização. 43 18 No grande universo do Direito das Coisas, propriedade ou domínio pode ser definida como a situação jurídica consistente em uma relação dinâmica entre uma pessoa, o dono, e a coletividade, em virtude da qual são assegurados àquele os direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e reivindicar um bem, respeitados os direitos da coletividade.44 A propriedade é constituída de quatro elementos: direitos do dono, deveres da coletividade, deveres do dono, direitos da coletividade. Os direitos do dono são: a) Direito de usar (ius utendi) – é a faculdade que tem o titular de colocar o bem a seu serviço, desde que não cause danos a terceiros nem infrinja a Lei. O dono emprega a coisa em seu próprio benefício, ou no de terceiro. Servese da coisa, sem modificação na sua substância. b) Direito de fruir ou gozar (ius fruendi) – Fruir ou gozar é obter todas as vantagens que a coisa possa proporcionar, realiza-se essencialmente com a percepção dos frutos, quer naturais, quer civis, e com o gozo dos produtos que a coisa proporciona. c) Direito de dispor (ius obutendi) – significa dar aplicação, dar finalidade, destino. Constitui o poder de consumir a coisa, de aliená-la, gravá-la de ônus ou submetê-la ao serviço de outrem. Dispor é comumente usado no sentido de desfazer-se, seja pela venda, doação, renúncia, etc. d) Direito de reaver ou reivindicar – é o direito de reclamar a coisa de quem injustamente a possua. Significa a capacidade jurídica de reivindicar a coisa e usar dos interditos, na defesa da posse.45 Os deveres por parte da coletividade, não titulares, são as obrigações reais, consistentes em abster-se de atentar contra os direitos do dono. Os deveres do dono para com a coletividade consistem em determinar que o proprietário, ao exercer seus direitos não o pode fazer de modo a prejudicar a comunidade, seja de forma direta ou indireta. E os direitos da coletividade consistem em que os direitos da propriedade sejam exercidos de forma útil, não 44 45 FIUZA, César. Direito civil, p. 756. AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 56. 19 prejudicial, buscando fundamento na função social e no princípio da dignidade humana. A propriedade dos bens imóveis se adquire de quatro modos: a) Registro do título aquisitivo no Cartório de Imóveis – é o modo ordinário de aquisição. Para que se processe a aquisição, o título aquisitivo deve ser registrado no Cartório de Imóveis. A partir deste momento o adquirente tornase o proprietário, antes não. b) Sucessão hereditária – segundo o Direito Brasileiro os herdeiros se tornam donos da herança no exato momento que o antigo dono morre. Porém, os herdeiros adquirem a propriedade de patrimônio universal, indiviso. É faz necessário inventariar os bens, a fim de partilhá-los. Realizada a partilha, é expedido formal de partilha, que será transcrito no Registro de Imóveis. Somente depois disto é que cada herdeiro adquire a propriedade individual dos imóveis da herança. c) Acessão – é o ato de aceder, de acrescentar, de ajuntar. É o modo originário de adquirir a propriedade de tudo aquilo que se incorpore de forma definitiva ao imóvel. A acessão de imóvel a imóvel ocorre sempre que um bem imóvel ajuntar-se definitivamente a outro imóvel, de maneira que um seja principal e o outro acessório. d) Usucapião – quer dizer aquisição pelo uso. É o tipo extraordinário de aquisição que se fundamenta na posse prolongada, que transforma a situação de fato em situação de Direito.46 Conceituando a posse, Avvad cita Washington de Barros Monteiro que se utiliza do conceito formulado por Savigny para afirmar que: A posse é o poder que tem a pessoa de utilizar fisicamente de uma coisa, com intenção de tê-la para si e de defendê-la contra a intervenção de outrem. São dois, portanto, no seu entender, os elementos constitutivos da posse: o poder físico sobre a coisa, o fato material de ter esta à sua disposição, numa palavra a detenção da coisa (corpus) e a 46 FIUZA, César. Direito civil, p. 778. 20 intenção de tê-la como sua, a intenção de exercer sobre ela o direito de propriedade (animus).47 Horcaio define posse como: O ato solene pelo qual a pessoa investida no cargo ou função para a qual foi nomeada entra no gozo dos direitos e vantagens que se lhe atribuem e têm início os deveres que lhe incumbem; é o poder da fruição de uma coisa ou de um direito, o modo exterior de existir da propriedade ou do exercício de fato de ação sobre ela ou algum dos direitos que lhe são elementares.48 Para um maior esclarecimento sobre a distinção de posse e propriedade Avvad explica que: O proprietário, ou titular de outro direito real, detém, via de regra, a posse da coisa, sobre a qual exerce esse direito e, ao mesmo tempo, dispõe das prerrogativas que são atribuídas, a esse direito, pelo ordenamento jurídico, que se constituem no poder jurídico. A posse é o poder de fato, a propriedade, o usufruto e o uso são poderes jurídicos. A posse constitui sinal exterior da propriedade, é o jus possidenti, o direito de possuir, pelo qual o proprietário, de modo geral, afirma seu poder sobre aquilo que lhe pertence. A posse espelhará o modo por que se exerce o direito de propriedade.49 A posse pode ser classificada em: a) Direta ou indireta – é direta quando o possuidor exercer sobre a coisa poder físico imediato; não existe entre possuidor e coisa possuída qualquer tipo de obstáculo. A posse é indireta quando entre possuidor e a coisa houver algum tipo de obstáculo que impeça qualquer contato físico entre eles. 47 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 31. HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 836. 49 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 33. 48 21 b) Justa ou injusta – a posse justa é definida por posse não violenta, clandestina ou precária, ou seja, é a posse fundada em título justo. A posse injusta é a posse violenta (obtida por força injusta), clandestina (se constitui às escondidas) ou precária (é a posse daquele que, tendo recebido a coisa das mãos do proprietário por título que o obrigue a restituí-la, recusa-se injustamente a fazer a restituição e passa a possuir em seu próprio nome). c) De boa-fé ou de má-fé – terá posse de má-fé aquele que tiver ciência dos defeitos que maculam a coisa. Ao revés, terá posse de boa-fé aquele que não tiver ciência desses defeitos. d) Posse com justo título e posse com título justo – título justo é a causa hábil para constituir a posse (contrato de locação, de compra e venda, de doação, etc). Justo título é a causa que seria hábil para constituir a posse, caso não contivesse defeito que a tornasse inábil. (contrato contendo defeito grave). e) Posse ad interdicta – é a posse protegida pelos interditos possessórios. f) Posse ad usucapionem – se dá quando o possuidor puder adquirir a propriedade do bem possuído por usucapião.50 Comparando os conceitos de propriedade e posse é possível afirmar que existe grande distinção entre ambas. A propriedade é o direito real, o poder de usar, usufruir e dispor da coisa enquanto que a posse é o direito físico de usufruir da coisa. No caso dos bens imóveis é fácil distinguir uma da outra quando se toma, por exemplo, o locador e o locatário. O primeiro é o proprietário, o dono do bem, que passa por determinado tempo a posse ao locatário, aquele que paga para temporariamente usufruir do bem de outrem. É possível fazer essa mesma distinção no caso de compra e venda de bem imóvel através de contrato de financiamento. O vendedor do bem detém a propriedade até que o comprador pague todo o preço e possa ser feita a tradição da propriedade através do Registro de Imóveis. O comprador, enquanto não cumprir plenamente sua obrigação de pagar o preço estipulado, terá apenas a posse do bem imóvel, podendo obter o direito a sua propriedade ao findar suas obrigações contratuais. 50 FIUZA, César. Direito civil, p. 870. 22 Pode-se concluir que no caso de compra e venda do bem imóvel por meio de financiamento, o proprietário continua tendo sua propriedade, mas cede a posse imediata ao comprador para que o mesmo possa usufruir do bem enquanto estiver cumprindo o contrato selado entre as partes. Ao findar do contrato o proprietário tem a obrigação de passar a propriedade da coisa para o comprador através da escritura lavrada em Cartório de Registro de Bens Imóveis. As partes além de obrigações possuem direitos distintos: a posse (comprador) e a propriedade (vendedor). . Capítulo 2 DA EXTINÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL LOTEADO 2.1. A PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL LOTEADO O registro da promessa de compra e venda foi criado pelo art. 22 do Decreto no. 58 de 10 de dezembro de 1937 ,e, de acordo com Avvad, esse registro previa inicialmente que apenas os imóveis loteados seriam beneficiados pelo privilégio, que posteriormente foi estendido aos imóveis não loteados, desde que lavrados por instrumento público.51 A promessa de compra e venda é um contrato preliminar, rotineiramente usado na compra e venda de bem imóvel, que tem como objeto o compromisso de uma ou de ambas as partes de, mais tarde, celebrar um outro contrato. Avvad cita Melhim Namem Chalhub para explicar que “pelo contrato de promessa52 de compra e venda de bem imóvel, o proprietário (promitente vendedor) transmite ao promitente comprador o jus utendi53 e o jus fruendi54 relativos ao imóvel objeto do contrato e, uma vez pago o preço, está obrigado a transmitir-lhe o domínio.”55 Rizzardo complementa o conceito de tal contrato afirmando que “no contrato de promessa de compra e venda – pactum contrahendo56 - os 51 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 458. Contrato pelo qual uma pessoa se obriga a transferir, dentro de determinado prazo, a propriedade de coisa certa a outrem, com quem convenciona a sua venda, e este a recebê-la e satisfazer o preço ajustado, sob pena de pagamento de multa que for estabelecida ou de perdas e danos, por parte do promitente que faltar ao compromisso. 53 Direito de fruir as utilidades. O que cabe ao proprietário, ao usufrutuário e ao titular do direito de habitação de se servir, ou usar da coisa. 54 Direito de gozar da coisa. Faculdade legal que tem o proprietário, ou usufrutuário, de perceber os frutos e produtos dela derivados. 55 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 451. 56 Tratado preliminar. 52 24 pressupostos são os mesmo que os do compromisso de compra de venda 57, mas com a condição de as partes se obrigarem a concluir outro negócio jurídico ou principal num futuro estabelecido, após cumpridas as obrigações assumidas no ato.”58 É válido citar que a Promessa de Compra e Venda é um contrato pessoal, já que essencialmente contém uma obrigação de fazer, que consiste no dever jurídico de realizar o contrato definitivo.59 Avvad afirma que a Promessa de Compra e Venda “não se trata de um direito real, cuja característica é o jus in re60, alcançado através do registro do contrato, como na compra e venda, também este, de natureza pessoal, mas contendo na sua substância uma obrigação de dar”.61 No caso de promessa de compra e venda de imóveis loteados registrar-se-ão os instrumentos no ofício imobiliário para valerem contra terceiros e atribuírem o direito de adjudicação compulsória. Rizzardo enuncia os direitos oriundos do registro da promessa de compra e venda afirmando que: Registrado o contrato a eficácia erga omnes do compromisso encontra plena segurança, mesmo em caso de falecimento do compromitente, ou do adquirente promissário. Vedam-se outras alienações do mesmo bem, e possíveis onerações judiciais ou não. Há uma questão de ordem pública, assegurando a necessária tranqüilidade dos negócios.62 De acordo com Rizzardo os instrumentos de promessa de compra e venda têm a forma prevista no art. 26, da Lei 6.766 e ao serem lavrados devem conter: a) nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes; 57 Contrato regulamentado por leis especiais, que tem por objetivo uma prestação de fazer, prestação esta consistente na celebração de outro contrato, o definitivo. 58 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p.82. 59 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 454. 60 Direito sobre a coisa, direito de propriedade. 61 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 454. 62 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, p.246. 25 b) denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição (registro); c) descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromisso, confrontação, área e outras características; d) preço, prazo, forma e local de pagamento, bem como a importância do sinal; e) taxa de juros incidente sobre o débito e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior e três meses (cláusula penal moratória); f) indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado; g) declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.63 Dando complementação aos requisitos da promessa de compra e venda de imóveis Avvad propõe que na cláusula penal moratória, em caso de atraso, seja descrita como se dará a rescisão contratual por inadimplemento, com as restrições específicas para os imóveis loteados.64 A promessa de compra e venda deve atender à legislação ordinária, quanto à capacidade das partes legitimidade e representação legal, conforme citado no capítulo anterior. Mas é válido atentar para a outorga uxória 65, sobre a qual Avvad afirma que: É também indispensável a outorga uxória, sendo absolutamente inútil discutir-se a validade do ato, quando muito, apenas relativa, se faltar o assentimento do cônjuge, em sendo casado, o ato é considerado apenas anulável, assim mesmo, apenas pelo cônjuge que não consentiu, ou pelos seus herdeiros. Todavia, se a companheira e a concubina estão, hoje, com direitos reconhecidos até 63 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 105. AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 460. 65Autorização dada pela mulher ao marido para a prática de certos atos que, sem seu consentimento, não seria possível. 64 26 mesmo a meação, fica cada vez mais difícil encontrar-se um meio eficaz de se garantir estabilidade aos contratos.66 Dando explicação minuciosa e esclarecendo possíveis divergências, Rizzardo complementa a citação acima afirmando que: Em vista das normas legais, sendo casado o transmitente, a assinatura do cônjuge é indispensável para dar validez plena ao negócio, seja qual for o regime de bens do matrimônio. [...] O cônjuge do vendedor, sendo este pessoa física, deve estar presente; caso contrário prevalece o ajuste precariamente, ou seja, enquanto o cônjuge não promover a anulação. Dispensa-se a outorga, no entanto, em relação ao promitente comprador casado, como sucede nas escrituras públicas definitivas, onde basta a presença do adquirente. Não se visualiza regra legal ordenando o consentimento de quem recebe. Mas desde que casado o comprador, o bem passa ao patrimônio comum.67 Outro apontamento relevante na promessa de compra e venda diz respeito a adjudicação compulsória. Primeiramente é válido destacar conceituação feita por Avvad, onde o mesmo afirma que: Havendo recusa do promitente vendedor em efetivar a venda compromissada através de contrato que reúna as características necessárias e, ainda, já se encontre registrado no registro de imóveis, a compra e venda se fará através de um procedimento judicial, denominado adjudicação compulsória, que possibilita a execução coativa do contrato definitivo, ou seja, da obrigação de contratar.68 66 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 461. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 164. 68 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 462. 67 27 Devido ao grande número de processos envolvendo a adjudicação compulsória; principalmente impasses quanto ao registro da promessa de compra e venda (ou falta dele); a execução deste direito sofreu algumas alterações com o passar dos anos. Os ajustes foram sendo feitos para que se cumprisse tal direito sem ferir a essência do objetivo primário do contrato de promessa de compra e venda. Avvad explica tal questão afirmando que: Até há bem pouco tempo era imprescindível, para o exercício desse direito, o registro da promessa, não só por disposição legal, mas especialmente pela reiteração de decisões do STF, sempre nesse sentido. Permitia-se, assim, que prosperasse a má-fé do promitente vendedor, quando dependia dele satisfazer alguma exigência registral e, ainda, que usando de expedientes, ou da própria omissão, frustrasse, deliberada e culposamente, o direito do promissário comprador de registrar seu contrato e garantir a compra do imóvel. Felizmente, o STJ, desde quando assumiu o exame das questões infraconstitucionais, reviu essa posição jurisprudencial e passou a dispensar, essa absurda exigência, quando o instrumento satisfaça os demais requisitos legais. Havendo recusa do promitente vendedor em efetivar a venda compromissada através de contrato que reúna as características necessárias e, ainda, já se encontre registrado no registro de imóveis, a compra e venda se fará através de um procedimento judicial, denominado adjudicação compulsória, que possibilita a execução coativa do contrato definitivo, ou seja, da obrigação de contratar.69 O arrependimento também é um ponto relevante da promessa de compra e venda. Sobre tal questão, Rizzardo é objetivo e sucinto ao afirmar que: 69 AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 462. 28 O direito de arrependimento supõe contrato em que não houve começo de pagamento. Porque, tenha havido começo de pagamento, nenhum dos contratantes tem direito de se arrepender, pela contradição que estabeleceria entre firmeza e infirmeza do contrato. [...] Iniciado o pagamento, o avençado há de ser cumprido, pois o sinal integra a obrigação. [...] são irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de cessões, os que atribuam direito e adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram o direito real oponível a terceiros. Devidamente registrado o loteamento, todos os contratos dele oriundos são registráveis. Em decorrência, o efeito de adjudicação compulsória é uma conseqüência natural. O registro do contrato impede unicamente a alienação a terceiros. Mesmo não submetida retratabilidade àquela esbarra formalidade diante do cartorária, impedimento a legal, tornando-se ela possível apenas nos casos previstos de inadimplemento do preço.70 Em geral, insere-se nos contratos de compra e venda de imóveis a chamada cláusula penal, que traz os seguintes dizeres: “A rescisão do presente contrato por falta do compromissário no pagamento das prestações importa, além da perda do sinal, ainda na perda das prestações e dos juros, a título de aluguel ou locação.” Porém, tem-se que levar em conta a observação de Rizzardo que diz que “para cada caso temos uma solução, pouco importando o teor das cláusulas contratuais, na maioria das vezes descarregando ônus enormes sobre a parte adquirente.”71 Para se ater ao objetivo de discutir a cláusula penal na esfera dos contratos de compra e venda de imóveis loteados é conveniente citar Rizzardo que busca amparo no art. 26, V, da Lei 6.766 e no art. 52, § 1º., do CDC (Lei 8.078) para afirmar que a: 70 71 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 136. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 129. 29 Taxa de juros incidente sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses [...] e a multa limita-se a 2%, se o promitente comprador for consumidor final, isto é, se a promessa não se destina a outras comercializações. Mas, se resolvida a convenção, na maior parte das vezes por retardamento nos pagamentos, e obrigado o compromissário a devolver o bem, faz ele jus à indenização pelas benfeitorias e cessões, com direito de retenção, e à restituição das importâncias pagas, se integralizando mais de um terço do total do preço. Aquilo que está abaixo de um terço, e que não é restituído, constitui a multa penitencial. 72 Havendo recusa do promitente vendedor em efetivar a venda compromissada através de contrato que reúna as características necessárias e, ainda, já se encontre registrado no registro de imóveis, a compra e venda se fará através de um procedimento judicial, denominado adjudicação compulsória, que possibilita a execução coativa do contrato definitivo, ou seja, da obrigação de contratar.73 No mesmo sentido Fiuza afirma que “a Lei não estipula valor mínimo para a pena, mas deve ser observado o teto máximo; caso seja estipulado valor superior ao teto, o juiz o ajustará, subtraindo o excedente”.74 Conclui-se, portanto, que mesmo que a cláusula penal imponha valores diferentes dos estipulados em norma de ordem pública, tais dizeres pouco tem efeito quando analisado judicialmente pois diante de ajustes particulares, prepondera a lei. 72 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 130. AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários, p. 462. 74 FIUZA, César. Direito civil, p. 454. 73 30 2.1.1. Loteamento e lote O loteamento urbano é atualmente uma das maneiras mais comuns para proporcionar a expansão territorial urbana, de uma forma organizada, nas grandes cidades. Para atender a massa populacional com menor poder econômico, o loteamento “popular” tem se mostrado como excelente alternativa que possibilita ao cidadão a compra do lote onde, mais tarde será construída a, tão almejada, “casa própria”. Assim como o contrato de compra e venda do bem imóvel possui inúmeras leis que o norteiam, a execução do loteamento e sua comercialização também possuem legislaturas específicas e exigências a serem cumpridas. Primeiramente é de suma importância citar Rizzardo para esclarecer que: De acordo com o art. 1º, do Dec.-lei 58, estão sujeitas às exigências do loteamento as divisões em lotes de terrenos urbanos ou rurais, destinadas pelos proprietários ou coproprietários à venda por oferta pública, mediante pagamento de preço a prazo, em prestações sucessivas e periódicas. No corpo do dispositivo se encontram inseridas as características tipificadoras do loteamento. A Lei 6.766 partiu de outro critério, o da definição sem explicitar a forma de venda dos terrenos. Em termos gerais, conceitua-o como a operação que se utiliza de dados técnicos da agrimensura para dividir uma área em tantas outras porções autônomas, com possibilidade de vida própria. Feita a divisão da gleba em lotes, estes não mais são partes daquela, mas propriedades separadas, que passam a constituir, cada uma, um novo todo, uma nova propriedade.75 Como o loteamento resulta a divisão da área em lotes, Rizzardo conceitua o mesmo afirmando que: 75 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 35. 31 Esta porção de área veio definida pela Lei 9.785, que acrescentou o § 4º ao art. 2º da Lei 6.766: ‘Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe’. Temse nesta unidade de terreno, uma parcela do loteamento, ou a porção em que o mesmo foi dividido para a sua comercialização, com toda a infra-estrutura própria dos centros urbanísticos e com as exigências impostas pelo plano diretor ou lei municipal.76 A característica de grande relevância sobre o loteamento urbano é que o mesmo deve priorizar a função social de promover o poder de aquisição aos cidadãos que não possuem a condição financeira para a compra de imóvel por outra prática negocial ou transação imobiliária. Por esta razão na maioria absoluta dos contratos de compra e venda de lotes populares a condição de pagamento é de forma parcelada, onde as parcelas terão um baixo custo e se estenderão por um longo prazo. Neste sentido, Rizzardo ao afirmar que: O pagamento do preço, pela natureza dos contratos, será a prazo, em prestações sucessivas e periódicas, as quais consistirão em valor igual ou desigual; de idêntico modo, permite-se liberdade na estipulação dos períodos de cada parcela. E nenhum óbice impede o pagamento à vista. Neste sentido, há total liberdade em impor a forma de pagamento. Normalmente, porém, para facilitar o acesso às aquisições, o mais comum é vender sempre a prestações os lotes. Máxime considerando ser próprio do loteamento o seu endereçamento aos que não possuem condições de pronto pagamento.77 [original sem destaque] A execução de um loteamento urbano está condicionada ao cumprimento de algumas exigências mínimas. Rizzardo afirma que a condição 76 77 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 36. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 37. 32 básica para a execução do loteamento do solo urbano é que “somente será permitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.”78 E completa ressaltando que: Não será permitido o loteamento de áreas urbanas: I) em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações; II) em terrenos com aterros de materiais nocivos à saúde pública; III) em terrenos com declividade igual ou superior a trinta por cento; IV) em terrenos onde as condições geográficas não aconselham a construir. Mas previstas as possibilidade de correções, com obras de saneamento, drenagem, escoamento de águas, nivelamento e de erradicação dos elementos poluidores, quando, uma vez efetuadas, permitem a implantação do desdobramento do solo urbano.79 Como o loteamento é tido como prolongamento da cidade, nele fixando moradia uma considerável parcela da população, a lei protege os futuros ocupantes da área, visando assegurar-lhes uma vida comunitária com requisitos urbanísticos padronizados com o restante da cidade. Partindo de tal premissa é justificada a necessidade de uma infra-estrutura mínima que permita o convívio social de maneira saudável. Importante lembrar que o § 5º. do art. 2º. da Lei 9.785 traz em sua redação o seguinte conceito: “Considera-se infra-estrutura básica os equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e de energia elétrica pública e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não.” 80 Rizzardo complementa lembrando que pelo art. 4º. e incs., com redação vinda da mesma Lei 9.785, ao serem elaborados os projetos de loteamentos populares, deverão ser observadas ainda as seguintes regras: 78 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 38. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 38. 80 Área onde não se pode construir ou impermeabilizar o solo. 79 33 I - As áreas destinadas ao sistema de circulação, a implantação de equipamentos urbanos e comunitários, bem como de espaços livres de uso público, serão proporcionais a densidade de ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem. II – Os lotes terão área mínima de 125m² e frente mínima de 5m, salvo maiores exigências da legislação estadual ou municipal, ou se o loteamento se destinar à urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes. III – Ao longo das águas correntes e dormentes, isto é, dos rios, arroios, afluentes e lagos, e das faixas de domínio público das rodovias, ferrovias e dutos, obrigatoriamente reserva-se-á uma faixa livre non aedificandi81 de 15 metros de cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica. Obviamente, a faixa livre estende-se também ao lado das vias abertas no interior do loteamento. IV – As vias do loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existente ou projetadas, e harmonizar-se com a topografia local, entendendo-se a conexão não de todas as ruas abertas, mas de uma ou algumas principais. Impossível que todos os caminhos internos do parcelamento se interliguem com as rodovias oficiais.82 Levando em consideração os apontamentos hora feitos, fica explícita a obrigação do transmitente de cumprir a lei desde o momento de executar o projeto de loteamento. Exige-se que o loteador cumpra a lei, para que o direito do futuro adquirente, de morar em local que permita o convívio social saudável, seja preservado. A execução do loteamento do solo urbano gera gastos, como qualquer outro projeto, e espera-se que tais gastos sejam recuperados com a venda dos lotes. Essa é uma das razões de afixar-se determinado preço a cada um dos lotes que futuramente serão vendidos. 78 Área 82 onde não se pode construir ou impermeabilizar o solo. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 40. 34 O ressarcimento das dívidas geradas com a execução do projeto do loteamento e a possibilidade do ganho do lucro, que irá gerar o capital de giro do vendedor, constituem a essência financeira do negócio imobiliário de venda de lotes em áreas urbanas. A flexibilização do pagamento, com arras83 facilitado e o montante restante distribuído em grande quantidade de parcelas, é a face social da venda do lote urbano. 2.2. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL A extinção do contrato de compra e venda de um bem imóvel não é um ato pouco corriqueiro. Para introduzir as considerações sobre a extinção do contrato é relevante apresentar as formas extintivas de uma relação creditícia. Conforme Fiuza as maneiras de extinguir a relação obrigacional são: pagamento, inadimplemento, inviabilidade do objeto, decurso de prazo, implemento da condição resolutiva, incapacidade superveniente, morte, vontade do(s) agente(s) (distrato, revogação, renúncia), invalidade, prescrição, onerosidade excessiva, novação, compensação, confusão e remissão.84 Para um melhor entendimento acerca da extinção do contrato é importante apresentar o conceito, mesmo que sucinto, de cada uma das maneiras citadas por Fiuza: a) Pagamento – forma mais comum e, quase sempre, mais desejável de extinção de uma relação obrigacional, é sem dúvida, o pagamento. Ele põe fim à obrigação, ainda que parcialmente; b) Inadimplemento – é o não pagamento, que sem dúvida alguma pode pôr fim à obrigação, resultando na execução coativa da própria prestação ou de perdas e danos; c) Inviabilidade do objeto – se o objeto da obrigação se torna inviável, ele se extingue, como regra, a não ser que a inviabilidade não atinja a totalidade da prestação, por inviabilidade, deve-se entender a impossibilidade do objeto, seja física ou jurídica; 83 Sinal em dinheiro, ou qualquer outro valor, que um dos contraentes dá como prova de estar definitivamente concluído o contrato, ou para assegurar o seu cumprimento. 84 FIUZA, César. Direito civil, p. 375. 35 d) Decurso de prazo – transcorrido o prazo determinado que estabelece a obrigação, ela pode extinguir-se ou renovar-se; e) Implemento da condição resolutiva – a continuidade e a existência de algumas relações creditícias estão sujeitas ao implemento ou não de certa condição. Se a condição não for cumprida, extingue-se a relação; f) Incapacidade superveniente – quando as partes constituem a relação elas devem ser capazes de cumpri-la, mas, se uma delas se tornar incapaz após o nascimento da obrigação, esta pode extinguir-se; g) Morte – morrendo uma das partes a obrigação se extingue, a não ser que, sendo a obrigação impessoal, queiram os herdeiros lhe dar continuidade; h) Vontade do(s) agente(s) – a vontade do credor e do devedor podem pôr fim ao vínculo obrigacional através do distrato (quando as duas partes concorrem para extinguir a obrigação), revogação ou renúncia (as duas só se admitem por exceção); i) Invalidade – as obrigações inválidas, ou defeituosas, podem ser anuladas e consequentemente extintas; j) Prescrição – a prescrição extingue a obrigação do devedor, transcorrido o prazo prescricional, o devedor terá a faculdade de pagar se quiser, do ponto de vista da responsabilidade, a obrigação está extinta; k) Onerosidade excessiva – se a prestação de uma das partes se tornar manifestamente desproporcional, ou seja, excessivamente onerosa, devido a um acontecimento imprevisível, posterior à constituição da obrigação, poderá o prejudicado pedir sua revisão ao juiz, não sendo isso possível, recomendável ou desejável, a obrigação se extinguirá; l) Novação – é a constituição de obrigação nova, em substituição a outra, que fica extinta; m) Compensação – dá-se a compensação quando se extinguir a obrigação pelo fato de duas ou mais partes serem reciprocamente credoras; n) Confusão – é o fato que leva credor e devedor a se confundirem em uma só pessoa, ou em um só patrimônio, extinguindo, pois, a obrigação; o) Remissão – é o mesmo que perdão, ocorre quando o credor absolve o devedor do pagamento da obrigação.85 85 FIUZA, César. Direito civil, p. 375. 36 A extinção da obrigação gera, consequentemente, a extinção do contrato. Pode-se classificar a extinção dos contratos em: extinção normal, extinção por vício, extinção por resilição e extinção por resolução. A extinção normal decorre do cumprimento direto da obrigação, a extinção por vício ocorre por nulidade ou anulabilidade do negócio obrigacional firmado entre as partes, a extinção por resilição depende unicamente da vontade dos contratantes, a resolução refere-se à inexecução culposa ou involuntária do acordado.86 Fiuza chama atenção para a questão terminológica afirmando que não se deve confundir extinção, dissolução, resolução, resilição, anulação, rescisão e redibição. E para amparar sua afirmação explica cada uma das expressões: a) Redibição – é usada especificamente no sentido de anular o contrato por conter seu objeto algum defeito ou vício redibitório, há duas restituições – o adquirente reaverá o preço e o transmitente reaverá a coisa; b) Extinção – é o termo genérico, significando fim, qualquer que seja ele; c) Dissolução ou solução – extinção prematura de um contrato, sem que tenha sido executado na íntegra; d) Resolução ou denúncia – é a dissolução por culpa ou dolo de uma das partes, que torna impraticável a execução do contrato ou que não o executa. A resolução é normalmente requerida ao juiz, pela parte prejudicada; e) Resilição – é o mesmo que distrato, é a convenção entre as partes contratuais com o objetivo de desfazer o contrato; f) Anulação – é a extinção do contrato viciado por defeito grave ou leve; g) Rescisão – é a revogação de sentença judicial por ação denominada rescisória.87 Cabe aqui ressaltar que a rescisão por inadimplemento é o foco central deste trabalho. Por este motivo, haverá maior dedicação a esta forma de extinção contratual. É também válido lembrar que alguns autores utilizam as expressões “resolução contratual”, “extinção contratual” e “rescisão contratual” 86 DUQUE, Bruna Lyra. Uma proposta de classificação para as formas de extinção dos contratos. Disponível em: <http://www.jus2uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10154>. 87 FIUZA, César. Direito civil, p. 487. 37 para indicar a extinção do contrato por inadimplemento, uma vez que na maioria das vezes é através do juiz que se exige a resolução ou a rescisão que extinguirá o contrato de compra e venda do bem imóvel em questão. 2.3. RESCISÃO POR INADIMPLEMENTO O inadimplemento não é raro nos contratos de compra e vende de bem imóvel. Por se tratar de contrato de longo prazo, a obrigação de quitação de prestação por parte do comprador é um compromisso extenso. Muitas vezes o compromisso de pagamento não é cumprido, por razões diversas; o que acaba gerando o inadimplemento. Não raras também são às vezes em que o comprador acaba por acumular um grande número de prestações inadimplidas agravando a situação de insustentabilidade da relação contratual. Horcaio conceitua rescisão como: Ato de considerar ou declarar nulo, desfeito ou sem validade, desde o momento de sua conclusão, o negócio jurídico, ou contrato em que há vício ou defeito que o tornam anulável, e também por infração de cláusula contratual, ou inadimplemento de obrigação, e, ainda, em outros atos, sujeitos, por lei, à nulidade relativa. Resilição.88 O inadimplemento poderá levar o contrato a se dissolver. Busca-se novamente Horcaio, que define inadimplemento como “retardamento ou falta de cumprimento ou execução, total ou parcial, de uma obrigação positiva.” 89 Para propiciar maior entendimento acerca do âmbito do inadimplemento é relevante dar ênfase ao texto de Venosa que afirma: Pacta sunt servanda. As obrigações surgem para ter existência mais ou menos efêmera, transitória, fugaz. Uma vez cumpridas, exaurem seu papel no campo social, 88 89 HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 946. HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 538. 38 propiciando a circulação de riquezas, a criação de obras, a realização, por que não dizer, de sonhos e ideais. No convivo social ideal, todos os homens cumprem suas obrigações sociais, morais e jurídicas. A obrigação cumprida desempenha o papel dos vasos comunicantes. Alguém paga, o que recebe paga a outrem, este outrem ao receber já tem, por sua vez, programada a aplicação do objeto do pagamento recebido etc. Uma obrigação descumprida ou mal cumprida, ou cumprida com atraso, equivale a uma célula doente no organismo social; célula essa que pode contaminar vários órgãos do organismo .90 Fiuza destaca que o inadimplemento poderá ser fortuito ou culpável. “O fortuito conduz à solução do contrato, com o restabelecimento da situação, na medida do possível. Já o inadimplemento culpável poderá levar à resolução do contrato ou, sendo possível, à execução da obrigação. Depende do que preferir a parte prejudicada. Ela poderá optar pela execução específica da obrigação ou pela resolução do contrato, com perdas e danos.”91 Outra hipótese considerada por Fiuza é a de que o inadimplemento revele conduta ilícita, como o inadimplemento culpável, mas que não se possa atribuí-lo nem a conduta dolosa ou a conduta culposa; caso este, onde o contrato poderá ser resolvido, com a possibilidade de indenização por perdas e danos.92 É importante também apontar a existência ou não da cláusula resolutiva, ou penal, no contrato de compra e venda de bem imóvel. De acordo com Fiuza: A fonte da resolução por inadimplemento é diferente, dependendo da existência ou não de cláusula resolutiva expressa: se não houver, a possibilidade de resolução vem da Lei, que também admite a execução específica, em vez da resolução. Se houver cláusula resolutiva, a resolução é 90 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 235. 91 FIUZA, César. Direito civil, p. 483. 92 FIUZA, César. Direito civil, p. 484. 39 automática e deriva da vontade das partes, que abriram mão da possibilidade de execução específica.93 O inadimplemento pode ser absoluto ou relativo. Venosa conceitua as duas formas ao afirmar que: O inadimplemento de obrigação poderá ser absoluto. A obrigação não foi cumprida em tempo, lugar e forma convencionados e não mais poderá sê-lo. O fato de a obrigação poder ser cumprida, ainda que a destempo (ou no lugar e pela forma não convencionada), é critério que se aferirá em cada caso concreto. Cabe ao Juiz, com a consideração de homem ponderado, colocar-se na posição do credor: se o cumprimento da obrigação ainda é útil para o credor, o devedor está em mora (há inadimplemento relativo). O critério da utilidade é que fará a distinção. [...] Se existe ainda utilidade para o credor, existe possibilidade de ser cumprida a obrigação; podem ser elididos os efeitos da mora. Pode ser purgada a mora. Não havendo esta possibilidade, restará ao credor recorrer ao pedido de indenização por perdas e danos.94 Quanto ao descumprimento da obrigação, Venosa deixa claro que a mora constitui o inadimplemento parcial da obrigação. Se há mora, é porque a obrigação ainda pode ser cumprida com utilidade para a outra parte. No entanto, quando não há mais possibilidade no cumprimento da obrigação, por variadas razões, a obrigação está descumprida. Frustra-se a obrigação. E é nesta hipótese que está o foco deste trabalho.95 De acordo com o art. 389 do Código Civil “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização 93 FIUZA, César. Direito civil, p. 484. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 237. 95 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 249. 94 40 monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”96 Porém, para que haja tal indenização é essencial a culpa do devedor. Como afirma Venosa, “a responsabilidade contratual funda-se na culpa. Não haverá dever de indenizar se não houver culpa.” 97 Para se aprofundar na questão da culpa Venosa afirma que “a culpa na esfera civil é entendida em sentido amplo. O descumprimento se verifica quer quando o agente simplesmente não deseja cumprir a obrigação, com intuito precípuo de prejudicar o credor, quer quando se porta com negligência, imprudência ou imperícia, que são circunstâncias da culpa em nosso direito penal.”98 A intensidade da culpa civil é irrelevante. A culpa se caracteriza pela transgressão da avença. Só se desvencilhará o devedor de indenizar se provar que a transgressão ocorreu por fato alheio a sua vontade, ou melhor dizendo, “por forças maiores”. Para complementar cita-se Venosa que afirma: Em qualquer dos casos de culpa o fato pelo descumprimento da obrigação deve ser imputável ao devedor, é a conduta do agente devedor que deve ser examinada. Fixada a culpa do devedor, tal não influi no montante da indenização. Na esfera civil, o pagamento de perdas e danos é reparação patrimonial e não imposição de pena ao ofensor.99 Nos casos de inexecução da obrigação o promitente vendedor ao solicitar a rescisão contratual por intermédio da justiça não é obrigado a comprovar a culpa do promitente comprador; cabe a ele somente provar que não recebeu o que foi acordado, e que deveria ter recebido. Venosa explica: 96 BRASIL. Código Civil (2002). Código civil brasileiro. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 250. 98 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 250. 99 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 251. 97 41 Na inexecução do contrato, a única coisa que compete ao credor provar é seu descumprimento. Não está obrigado a provar a culpa do outro contratante. Sua prova é objetiva: tinha que receber e não recebeu no tempo, lugar ou modo devidos. O devedor é que deve provar que não agiu com culpa para se eximir da responsabilidade. Assim, cabe ao credor provar a existência do contrato, seu descumprimento e que esse descumprimento lhe causa dano.100 Atentando ao tema proposto para este trabalho, será considerado aqui, somente o inadimplemento conseqüente do não pagamento, ou pagamento defeituoso causado pelo comprador ao não cumprir sua obrigação de pagar o valor combinado, em local e forma convencionada em contrato. No cotidiano dos negócios imobiliários é comum o trato com o inadimplemento. Muitas vezes o comprador atrasa o pagamento das prestações apenas temporariamente. Buscando uma negociação com o próprio vendedor para quitar os débitos e “colocar em dia” suas obrigações. Nesses casos, os valores e novos prazos de pagamento são discutidos e decididos entre as partes envolvidas no contrato, não requerendo interferência jurídica e restabelecendo prontamente a eficácia do contrato. Porém, às vezes o comprador nega-se a negociar os débitos e acaba por acumular um grande número de prestações em atraso. Não raras são às vezes em que o comprador acumula um número tão grande de prestações inadimplidas que torna-se inviável negociar o débito, o que acaba por causar a inutilidade do recebimento para o vendedor. Nesta situação o vendedor acaba por requerer na Justiça a rescisão do contrato. 2.3.1. Mora A mora é o atraso injustificável no cumprimento da obrigação. Pode ocorrer por parte do devedor (comprador) ou do credor (vendedor). Venosa define mora como o “retardamento culposo no cumprimento da obrigação, quando se 100 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 253. 42 trata de mora do devedor”.101 A maior preocupação da mora é com o tempo correto para o cumprimento da obrigação. O próprio termo mora remete, lingüisticamente, à demora. A mora do devedor é denominada mora solvendi e a mora do credor é denominada mora accipiendi. Ocorre a mora accipiendi quando o credor se retardar a receber o pagamento da obrigação injustificadamente. A mora solvendi dá-se quando o devedor, injustificadamente, não realizar o pagamento no momento oportuno. De acordo com Fiuza para que se caracterize a mora do devedor, concorrem quatro fatores: 1º) Exigibilidade, liquidez e certeza – a dívida deve ser exigível, líquida e certa. Em outras palavras, a dívida deve estar vencida, pois só a partir do vencimento se tornará exigível. Ademais, deve ser líquida, ou seja, o objeto da prestação deve ser conhecido, determinado. Deve ser certa, de causa indiscutível. 2º) Ilegitimidade do atraso, por ser injustificável. 3º) Possibilidade e utilidade do pagamento tardio, pois se este não mais tiver cabida, ou não mais interessar ao credor, não haverá mora, mas sim inadimplemento. 4º) Constituição em mora é fato que caracteriza o atraso do devedor, podendo ser ato do credor, quando teremos a mora ex persona102, ou pode advir da própria natureza da obrigação, quando teremos mora ex re103 .104 De acordo com Venosa “o devedor moroso responde pelos prejuízos que a mora der causa. Paga, portanto, uma indenização. A indenização não substitui o correto cumprimento da obrigação. Toda indenização serve para minorar os entraves criados ao credor pelos descumprimentos; no caso, cumprimento defeituoso da obrigação.”105 101 Configura-se quando o comprador não cumprir, por culpa sua, a prestação devida na forma, tempo e lugar estipulados; seu elemento objetivo é a não realização do pagamento no tempo, local e modo convencionados; o subjetivo é a inexecução culposa de sua parte. 102 Ocorre nas obrigações sem termo certo de vencimento. Para que se constituía é necessária interpelação do devedor, por meio de notificação ou por meio de protesto, dependendo do caso. 103 Vem do próprio mandamento da Lei, com base na natureza da obrigação ou das circunstâncias. Assim, nas obrigações negativas, o devedor será constituído em mora desde o dia em que realizar o ato do qual se deveria ter abstido. 104 FIUZA, César. Direito civil, p. 369. 105 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 241. 43 Para complementação será citado Fiuza que afirma: São efeitos da mora solvendi a efetivação do pagamento e a indenização por perdas e danos, advindos do atraso. Isto sem prejuízo da multa da mora fixada no contrato. O devedor, portanto, além de ter que efetuar o pagamento, ainda terá que reparar todos os prejuízos causados ao credor pelo atraso. Se o contrato previr multa da mora, além dela, o devedor pagará soma equivalente aos prejuízos cuja ocorrência o credor conseguir provar. Estes prejuízos serão calculados à parte. Responde também o devedor pelos frutos percebidos e que teriam sido percebidos e não o foram em razão do atraso. [...] Se os juros da mora não forem suficientes para cobrir os prejuízos, o juiz poderá fixar indenização extra.106 Purgar a mora é efetuar ou receber o pagamento, ainda que tardiamente. Quando a mora for do devedor, a purga se dará quando este efetuar o pagamento da prestação, dos devidos juros e demais verbas indenizatórias. O término da mora se dá com a renúncia do credor ou do devedor dos direitos que dela adviriam. 2.3.2. Perdas e danos As perdas e danos são as indenizações que o credor deve receber quando o inadimplemento do contrato chegar ao ponto de não mais ser reversível. Isto se dá quando não mais existe utilidade no pagamento das prestações atrasadas. Venosa afirma que: Se houver inadimplemento, parcial ou total, surge o dever de indenizar. Indenizar é reparar o dano, o prejuízo. Indene é 106 FIUZA, César. Direito civil, p. 370. 44 aquele que não sofreu prejuízo, que está incólume. Indenizar é tornar indene. Para que surja o direito à indenização, há necessidade de se ter um prejuízo, isto é, um dano avaliável, uma perda, uma diminuição do patrimônio. 107 Para um melhor entendimento acerca do assunto é relevante citar a afirmação de Fiuza que diz: Ocorre inadimplemento definitivo quando o devedor não realizar o pagamento da obrigação. Tal fato pode dar-se de duas formas. Ou bem o inadimplemento se atribui a fato alheio à vontade do devedor, ou bem a fato atributável ao devedor. No primeiro caso, não há culpa do devedor, e a obrigação simplesmente extingue-se, restaurando-se o status quo ante.108 [...] No segundo caso, o inadimplemento deve-se à atitude injustificável. Nesse caso, o credor terá direito a ser ressarcido por todos os prejuízos que sofrer. 109 Horcaio define perdas e danos como o “prejuízo patrimonial efetivo e certo, ou de ganho previsto ou de utilidade que alguém deixou de perceber por culpa ou inadimplemento de obrigação de outrem, de quem por via especial pode reclamar a devida indenização.”110 Levando em consideração as afirmações dos autores citados fica claro que as perdas e danos não são um “castigo” ao mau pagador. A instituição das perdas e danos nada mais é do que o pagamento devido da obrigação mais o prejuízo que o credor teve por não ter percebido o valor no momento anteriormente especificado. Muitas vezes se entende perdas e danos de forma totalmente contrária e, é bastante comum o devedor acreditar que a instituição das perdas e danos é uma repreensão; não considerando o prejuízo que causou ao credor. Não é possível deixar de apontar que, acima de tudo, receber a 107 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 257. 108 Significa “estado anterior” ou “situação anterior”. 109 FIUZA, César. Direito civil, p. 372. 110 HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 810. 45 obrigação é um direito do credor, e, que arcar com os prejuízos que o inadimplemento possa ter gerado é uma obrigação do devedor. Fiuza afirma que “o credor terá direito ao pagamento forçado da obrigação e, não sendo este mais possível, fará jus a seu equivalente em dinheiro, mais perdas e danos em qualquer caso. Para tanto, poderá executar o patrimônio do devedor ou as garantias que asseguravam o cumprimento da obrigação, como a fiança, o aval, a hipoteca, etc.”111 Venosa se ampara no Código Civil art. 402 para afirmar que “salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”112 E complementa sua teoria afirmando que “nas obrigações em dinheiro, as perdas e danos consistem nos juros de mora e custas, além da correção monetária cabível. Deve também o devedor pagar os ônus processuais da sucumbência. A correção monetária também passou a ser devida modernamente. “113 Esta observação é de grande valor pois, a correção monetária nada mais é do que uma reavaliação de valores, justificada pela diferença do tempo existente entre o prazo estabelecido para o pagamento e o momento em que ele ocorre. Como afirma Venosa: “sem correção monetária, não haverá indenização, sob pena de se premiar o mau pagador.”114 Não se pode esquecer que as perdas e danos são avaliados pelo efetivo prejuízo causado pelo descumprimento, por uma diminuição econômica no patrimônio do credor. O dano é efetivo e não hipotético. Venosa permite uma grande reflexão acerca das perdas e danos ao afirmar que: Devemos notar que, no descumprimento da obrigação, em primeiro lugar verificamos se não é possível o cumprimento coativo, por meio do processo judicial. Se for possível e a natureza da obrigação permitir, pode o devedor ser coativamente obrigado a entregar a coisa objeto da obrigação. Se não for isso possível, se partirá para a 111 FIUZA, César. Direito civil, p. 373. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 258. 113 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 259. 114 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 259. 112 46 indenização em dinheiro, que nunca equivalerá ao cumprimento, mas é um substitutivo. Nem sempre uma indenização repara totalmente o mal causado pelo descumprimento. No mais, às vezes, servirá de simples lenitivo para um credor insatisfeito.115 É importante ressaltar que as perdas e danos no caso dos contratos de compra e venda de imóvel urbano loteado é de suma importância, pois, enquanto o devedor não cumpre sua obrigação de pagar, o credor além de não estar recebendo, está acumulando um prejuízo, uma vez que a “terra” é um bem de rápida e perceptível valorização. No capítulo a seguir será possível entender o “peso” e a importância das perdas e danos na rescisão contratual gerada por inadimplemento do comprador a partir de situações reais. 115 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 259. Capítulo 3 DA APLICAÇÃO DO DIREITO ÀS PERDAS E DANOS NA RESCISÃO CONTRATUAL 3.1. DA INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS QUE O CREDOR FAZ JUS Rescindida a promessa de compra e venda devido ao inadimplemento do promitente comprador, na forma pura e simples, estaria sendo convalidado um enriquecimento ilícito do mesmo, uma vez que o comprador usufruiu do bem, objeto do contrato, a seu favor, e, por tal motivo, é que a Lei faculta à parte lesada pelo inadimplemento a requerer indenização por perdas e danos a fim de que o patrimônio do vendedor não seja prejudicado pelo descumprimento dos termos do contrato. Wald afirma que “a inexecução determina, pois, o pagamento das perdas e danos que visam a colocar o credor no status quo ante116, na situação jurídica que existiria se não tivesse havido a lesão de direito”.117 Como já visto, o Código Civil vigente preceitua que: Art. 389 – Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos. Mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. [...] Art. 402 – Salvo as exceções expressamente previstas em leis, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além 116 Statu quo ante (da frase completa in statu quo res erant ante bellum) é uma expressão latina que designa o estado atual das coisas, seja em que momento for. O conceito de “statu quo” origina-se do termo diplomático “in statu quo ante bellum” que significa “no estado (em que se estava) antes da guerra”. 117 WALD, Arnoldo. Direito das obrigações, p. 159. 48 do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 118 É possível se comprovar por meio das teorias citadas que as perdas e danos indenizáveis devem compreender o valor de todos os prejuízos advindos da inexecução da obrigação de pagamento instituída pelo contrato. Neste sentido pode-se destacar o posicionamento da Jurisprudência ao definir que “não pagando as prestações no prazo, torna-se o comprador inadimplente, facultando, consequentemente, à parte lesada pelo inadimplemento, a requerer a rescisão do contrato com perdas e danos.”119 Como já citado, quando rescindido o contrato de compromisso de compra e venda devem as partes retornar ao estado em que se encontravam anteriormente à sua celebração; e também os compradores (devedores) devem ter seu direito garantido. Por essa razão na rescisão do contrato deve o vendedor (credor) restituir ao comprador (devedor), integralmente, os valores das prestações já pagas, acrescidos de correção monetária e juros de mora, além de indenizar as benfeitorias realizadas no imóvel durante o período em que o mesmo foi ocupado pelo comprador. Diante do exposto começa a ser possível delinear a contraposição das perdas e danos do comprador (devedor) e das perdas e danos do vendedor (credor). É relevante destacar a Jurisprudência através do julgado: PROMESSA DE COMPRA E VENDA – IMÓVEL LOTEADO – MORA – RESCISÃO – EFEITOS – CONSTRUÇÕES PERMITIDAS – CARACTERIZAÇÃO COMO ACESSÕES – DISTINÇÃO DE BENFEITORIAS – INDENIZAÇÃO DEVIDA, SEM DIREITO À RETENÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Rescindido o contrato de promessa de compra e venda por mora do comprador, este, tendo direito a receber de volta as 118 BRASIL. Código Civil (2002). Código civil brasileiro. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 14.969, Des. Reynaldo Alves, j. 18.abr.1979. 119 49 parcelas que pagou, deve indenizar ao vendedor as perdas e danos que causou.120 No presente trabalho, o foco principal e de maior importância é a indenização por perdas e danos devida ao credor. Na execução da rescisão contratual a sentença é composta por independentes itens, analisar cada um destes itens é essencial para compreender a aplicação geral do direito as perdas e danos. 3.1.1. Ressarcimento pela ocupação do bem Embora deva o promitente vendedor restituir ao promitente comprador os valores das parcelas pagas, é de se reconhecer o direito de compensação, em parte, com os danos sofridos pela ocupação do imóvel durante o tempo em que o promitente vendedor não pode usufruir do mesmo. Se por um lado o vendedor (credor) não pode reter os valores já recebidos, em parcelas, do preço do imóvel que prometera à venda, em face da rescisão do negócio; por outro, o comprador (devedor) também não pode ser beneficiado pela ocupação do imóvel sem qualquer reparação dos prejuízos causados ao vendedor. Daí procede o pedido de compensação, em parte, entre os valores a serem restituídos e a ocupação do imóvel até que se opere a reintegração de posse em favor do vendedor. A compensação faz-se mediante a estipulação de uma remuneração, a título de aluguel, que é devido por todo o tempo em que o comprador (devedor) usufruiu do imóvel do vendedor (credor); desde a imissão na posse do bem, até sua efetiva entrega, período em que cessará a cobrança dos “locatícios”, como indenização pela fruição do bem imóvel sem a devida contraprestação. Neste sentido é relevante ressaltar a orientação seguida por alguns tribunais brasileiros, a saber: 120 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 97.002206-9, Des. Nilton Macedo Machado. 50 AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – INADIMPLEMENTO – RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS – COMPENSAÇÃO DOS DANOS PELA OCUPAÇÃO DO IMÓVEL – PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO Embora deva a promitente vendedor restituir os valores das parcelas pagas, é de se reconhecer o direito de compensação, em parte, com os danos sofridos pela ocupação do imóvel, mediante liquidação por arbitramento.121 Posicionamento de mesmo sentido julgou o Tribunal do Paraná, a saber: RESCISÃO DE CONTRATO – REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PERDAS E DANOS – PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE PRESTAÇÕES – IMÓVEL – ATRASO FINANCIAMENTO NO PAGAMENTO – – PROCEDÊNCIA PARCIAL. Comprovado o inadimplemento contratual dos compradores, devem eles restituir o imóvel objeto de compra e venda, pagando os alugueres pelo tempo em que compraram, recebendo, em devolução as parcelas pagas.122 O Tribunal de Justiça de Santa Catarina mantém mesma orientação, a saber: RESCISÃO CLÁUSULAS CONTRATUAL DE – INADIMPLEMENTO IRREVOGABILIDADE – E IRRETRATABILIDADE – RESOLUÇÃO AUTORIZADA – PERDAS E DANOS – INDENIZAÇÃO DEVIDA PELA 121 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Acórdão n. 8417, Des. Domingos Ramina, j. 16.abr.2002. 122 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Acórdão n. 75.719-5, Des. Vidal Coelho, j. 22.jun.1999. 51 OCUPAÇÃO DO IMÓVEL – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS. Por disposição legal, já, em todo contrato bilateral, implicitamente, uma cláusula resolutiva, pela qual a inexecução de uma parte autoriza a outra a pedir a resolução. A ninguém é dado ocupar gratuitamente imóvel de outrem, sendo que, à luz do art. 1.056, do Código Civil, deve, aquele que deu causa à rescisão, compor as perdas e danos defluentes de sua inadimplência contratual.123 APELAÇÃO – CÍVEL COMPROMISSO RESCISÃO DE COMPRA CONTRATUAL – E – VENDA INADIMPLEMENTO CONFIGURADO – CLÁUSULA PENAL – RETENÇÃO DE PARCELAS PAGAS – POSSIBILIDADE – ÍNDICE EXCESSIVO – REDUÇÃO. [...] RESCISÃO CONTRATUAL – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – OCUPAÇÃO DOS DEVEDORES – RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS – ALUGUERES DEVIDOS. Recebendo os devedores as parcelas pagas de contrato rescindido, estes se vêem obrigados ao alugueres de todo o período em que ocuparam o imóvel, sob pena de enriquecimento sem causa.124 A Jurisprudência do STJ reafirma tal posicionamento, a saber: CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. DEVOLUÇÃO PARCIAL DE PREÇO. COMPENSAÇÃO PELO USO DO IMÓVEL. A inadimplência do promitente comprador não justifica a perda dos valores pagos a título de preço, ainda que prevista contratualmente, mas o promitente vendedor tem 123 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 98.004031-0, Des. Pedro Manoel Abreu. 124 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Acórdão n.2006.0445910, Desa. Salete Silva Sommariva, j. 16.out.2007. 52 direito à indenização do que poderia auferir a título de locação, no período em que o imóvel esteve ocupado por aquele. Recurso especial conhecido e provido.125 É de fácil percepção que quanto à questão do ressarcimento o judiciário tem direcionado suas decisões para o mesmo veredicto. Pode-se, portanto, concluir que os julgadores possuem um mesmo entendimento sobre a questão legal que envolve o ressarcimento pela ocupação do bem a favor do credor (vendedor). 3.1.2. Indenização em favor do credor Levando em consideração a observação de que mediante a rescisão contratual por inadimplemento do comprador devem as partes voltar ao status quo ante, e que esta observação acarreta ao vendedor a devolução dos valores já pagos a parte devedora, deve-se também ressaltar que é de entendimento que parte do montante pago seja retida em favor do credor a título de indenização. Essa indenização é postulada de diferentes nominativos nas sentenças analisadas que embasam este trabalho. A referida indenização adquiriu títulos como: “indenização a titulo de cláusula penal”, “indenização a título de pena/multa” ou “indenização por despesas administrativas diversas”. Porém, a diversidade de títulos dados à indenização não muda seu teor ou objetivo. Tratase aqui de um dos direitos que se enquadra dentro das perdas e danos a que o credor faz jus por não ter podido dispor ou usufruir do bem objeto do contrato de compra e venda por todo o tempo que o mesmo esteve comprometido enquanto tal contrato era válido perante a lei. Mesma essência de sentido acerca do tema é possível depreender na seguinte Jurisprudência: CIVIL E PROCESSUAL – EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO – DESISTÊNCIA DOS ADQUIRENTES – 125 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 416.338/RJ, Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, j. 03.abr.2003. Publicado no Diário da Justiça em 02 de junho de 2003, p. 296. 53 PENALIZAÇÃO CONTRATUAL – SITUAÇÃO PECULIAR – OCUPAÇÃO DA UNIDADE POR LARGO PERÍODO – USO – DESGASTES – CDC – ELEVAÇÃO DO PERCENTUAL DE RETENÇÃO. Consoante a jurisprudência do STJ, é possível aos adquirentes de imóvel a desistência da compra sob alegação de insuportabilidade do pagamento das prestações, situação em que se reconhece, por outro lado, direito da empresa empreendedora à retenção de parte da quantia paga, a fim de se ressarcir das despesas administrativas havidas com a divulgação, comercialização e corretagem na alienação. Precedente do STJ fixam o percentual de 25% (2ª. Seção, EREsp. N. 59870/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, unânime, DJU de 09.12.2002; 4ª. Turma. REsp. n. 196.311/MG, Rel. Min. César Asfor Rocha, unânime, DJU de 19.08.2002; 4ª. Turma, REsp. n. 723.034/MG, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 12.06.2006, dentre outros). Caso, todavia, excepcional, em que ocorreu a desistência, porém já após a entrega da unidade aos compradores e o uso do imóvel por considerável tempo, a proporcionar enriquecimento injustificado se não reconhecida à construtora compensação mais ampla, situação que leva a fixar-se além da retenção aludida, uma extensão desta, até o limite da cláusula penal contratualmente estabelecida, a ser apurada em liquidação de sentença. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.126 Apesar dos julgadores fixarem valores diferentes, a interpretação segue o mesmo sentido, como por exemplo: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL URBANO 126 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 474.388/SP, Min. Aldir Passarinho Junior. Publicado no Diário da Justiça em 08 de outubro de 2007, p. 336. 54 – FALTA DE CONDIÇÕES FINANCEIRAS – POSSIBILIDADE – DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS – RETENÇÃO – 10% (DEZ POR CENTO) – FRUIÇÃO – 1% (UM POR CENTO) DO VALOR ATUALIZADO DO IMÓVEL Ninguém pode ser coagido a honrar seus compromissos, se carente de condições financeiras, em sacrifício de sua própria sobrevivência e de seus familiares. Assim, possível a rescisão contratual por esse motivo. Segundo iterativa jurisprudência da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, tem sido considerada razoável a retenção pelo promitente vendedor de 10% (dez por cento) do total das parcelas quitadas pelo comprador, levando-se em conta o retorno do imóvel, objeto do contrato, à sua esfera patrimonial, podendo ser negociado. Decorrendo a decisão de mera interpretação das cláusulas contratuais, desnecessária a apresentação de reconvenção, para que se determine retenção de verbas referentes à fruição do imóvel, correspondendo a 1% (um por cento) ao mês sobre o valor atualizado do imóvel, que deve ser abatido do valor a ser devolvido ao promitente comprador.127 É de suma relevância para o entendimento completo acerca da indenização devida ao credor citar: COMPRIOMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM PRESTAÇÕES – INADIMPLEMENTO DO PROMISSÁRIO COMPRADOR – RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS – ABATIMENTO, DO VALOR A SER RESTITUÍDO, DA COMISSÃO DE CONVENCIONADA CORRETAGEM, E DESPESAS MULTA CONTRATUAIS – CONSTRUÇÃO DE CASA RESIDENCIAL – DIREITO À INDENIZAÇÃO E DE RETENÇÃO – HONORÁRIOS DE ADVOGADO – DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONALMENTE À SUCUMBÊNCIA E COMPENSAÇÃO. 127 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 471.358/DF, Min. Ruy Rosado de Aguiar. Publicado no Diário da Justiça em 15 de maio de 2003, p. 136. 55 Rescindido o compromisso de compra e venda, devido à inadimplência do promitente comprador, tem este direito à restituição das prestações pagas e de indenização de construção feita no imóvel, consistente em casa de moradia, abatidas, porém, a comissão do corretor, as despesas de notificações e de cartório, além da multa contratual.128 Com a mesma concepção encontramos o seguinte posicionamento: CIVIL – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – CONTRATO FIRMADO POSTERIORMENTE À VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDO – DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS – PROCEDENTES DA CORTE – JUROS art. 1.062 DO CÓDIGO CIVIL. Celebrado o contrato posteriormente à vigência do Código de Defesa do Consumidor, inválida é a cláusula que prevê a perda das prestações pagas de um contrato de promessa de compra e venda. Cabível, no entanto, a retenção de 10% (dez por cento) do valor pago, a título de pena pelo inadimplemento contratual, na esteira de precedentes do STJ.129 A partir das doutrinas citadas acima é possível concluir que, apesar da diversidade de conceitos e nomenclatura acerca do tema, a indenização devida ao credor é reconhecida nos termos da lei e aplicada em diferentes instâncias jurídicas. Apesar do valor de tal indenização ser arbitrada pelo julgador do processo de rescisão, nos casos estudados onde a autoridade julgou procedente a implicação da indenização, observa-se uma variação limitada entre 10% (dez por cento) e 25% (vinte e cinco por cento), que pode ser determinada por diferentes fatores apurados na individualidade de cada caso (tempo/valor de inadimplência, valor do imóvel, valor das prestações já pagas a ser ressarcido ao comprador, entre outros). 128 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Acórdão n.19754, Des. Jesus Sarrão, j.17.abr.2001. 129 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 287.248/MG, Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.dez.2000. 56 Vale aqui ressaltar que antes de ser instituído o Código de Defesa do Consumidor muitos contratos previam como cláusula penal a não devolução dos valores já pagos, a título de entrada (sinal) e/ou prestações, ao promitente comprador quando da rescisão contratual por inadimplemento. Porém, atualmente, com a instituição do referido Código, tal cláusula não tem mais “amparo legal”, o que contribuiu para culminar no entendimento acima descrito e exemplificado acerca da indenização devida ao credor. Mesmo com um grande número de precedentes que garantem este direito ao credor é possível encontrar decisões contrárias a esta posição, onde a autoridade julgadora não reconhece o provimento de tal indenização; exemplo disto é o julgado que decide “INDEFIRO o pedido da autora de condenação ao pagamento de indenização a título de taxa de administração do imóvel”. 130 3.1.3. Custas do processo e honorários advocatícios Nas literaturas consultadas é unânime a decisão dos julgadores em condenar o devedor a pagar as custas do processo e os honorários advocatícios. Nesta questão não há controvérsias ou divergências de posições, cumpre-se o que diz a lei, bastante clara, no art. 389 do Código Civil, onde prescreve que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos. Mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.131 O Código de Processo Civil em seu art. 20 postula que: A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Essa verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. § 1º - O juiz, ao decidir qualquer incidente ou recurso, condenará nas despesas o vencido. 130 131 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.01.030048-9, Juíza Anna Finke Suszek. BRASIL. Código Civil (2002). Código civil brasileiro. 57 § 2º - As despesas abrangem não só as custas dos atos do processo, como também a indenização de viagem, diária de testemunha e remuneração do assistente técnico. § 3º - Os honorários serão fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, atendidos: a) o grau de zelo do profissional; b) o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.132 Pode-se conferir a aplicação da lei através das seguintes julgados: AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS COM ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONDENO os requeridos ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento), sobre o valor da condenação, com base no art. 20, § 3o, do CPC.133 AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS CONDENO os réus (pro rata), ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, a teor do art. 20, § 3o, do Código de Processo Civil.134 Somente a título de informação citar-se-á julgado que defere o benefício da justiça gratuita em favor do réu. Não será dado ênfase, nem será discutido o mérito da questão, uma vez que tal benefício é concedido na individualidade da cada caso. Nos autos no. 038.06.023355-6, da Justiça Catarinense, o Juiz decidiu assim: “deixo de condenar os réus ao pagamento das 132 BRASIL. Código de Processo Civil (1973). JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.05.453357-0, Juiz Otávio José Minatto, j. 26.abr.2007. 134 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.06.023360-2, Juíza Paula Botke da Silva, j. 17.maio.2007. 133 58 custas processuais e honorários advocatícios eis que deferida a gratuidade da justiça”.135 Sobre este ponto é fácil concluir que a parte que gerou a quebra do contrato pela inexecução da obrigação de pagar, no caso o comprador, será o responsável pelas custas processuais e honorários advocatícios. Dependendo da condição financeira do réu, lhe pode ser concedida a justiça gratuita, porém a concessão do benefício não anula o que é regulado pela legislação. Neste caso o réu (comprador/devedor) sempre será responsável por arcar com os gastos gerados pela causa. 3.2. BENFEITORIAS INDENIZÁVEIS EM FAVOR DO DEVEDOR Normal é a situação onde a pessoa que compra um lote urbano, com objetivo de nele construir sua moradia, faça com o passar do tempo a edificação necessária, dentro de sua condição e vontade, para nela estabelecer residência. Na maioria das vezes a construção de uma casa ou melhorias diversas são feitas no terreno antes de o comprador ter findado o pagamento das prestações estabelecidas no contrato. Essa prática é corriqueira e legal, pois, uma vez que o comprador assume contratualmente a compra do bem, mesmo que o pagamento se dê em longo prazo, ele já detém a posse desse bem e pode nele efetuar as melhorias e edificações que julgar necessárias. Toda construção ou melhoria feita é chamada comumente de benfeitoria. Horcaio define benfeitoria como: 1) Obras ou despesas feitas na coisa alheia móvel ou imóvel, com o fim de proteger, conservar ou melhorar. 2) As benfeitorias podem ser: a) necessárias (indispensáveis); b) úteis (para melhorar a comodidade); c) voluptuárias (mero luxo). Lei 10.406/02, Código Civil, art. 96 – As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. 135 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.06.023355-6, Juiz Otávio José Minatto, j. 29.jun.2007. 59 § 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem. § 3º São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.136 Na rescisão contratual por inadimplemento se prevê que as benfeitorias necessárias e úteis sejam indenizadas a favor do devedor. Para que isso ocorra, durante o processo de rescisão contratual o devedor deve citar as benfeitorias feitas, apresentando coerentemente dados e gastos sobre a melhoria em questão. Rizzardo destaca que “menção genérica de benfeitorias é insuficiente para a realização de provas e indenização dos melhoramentos, bem como reconhecimento do direito de retenção”.137 A primeira premissa para requerer esse direito é que a benfeitoria esteja regular138. Porém, tem-se conhecimento que a prática comum, é a realização de benfeitorias não regulamentadas, aquelas que simplesmente são construídas e passam a ser habitadas, sem terem se originado de um projeto civil, com acompanhamento de profissionais reconhecidos e qualificados, sem o alvará dos órgãos competentes, sem recolhimento de taxas e tributos devidos. Essas construções são vistas pela lei como clandestinas. Quanto as construções clandestinas, Meirelles afirma que, A construção clandestina, por não ter alvará de licença ou de autorização, pode ser embargada ou demolida, porque em tal caso o particular está incidindo em manifesto ilícito administrativo, já comprovado pela falta de licenciamento do projeto, ou por sua inteira ausência.139 O art. 34 da Lei do Parcelamento do Solo Urbano prescreve que “não serão indenizadas as benfeitorias feitas em desconformidade com o contrato 136 HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 125. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 119. 138 Construções regulares são aquelas que tenham ART e averbação no Registro Imobiliário. 139 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir, p. 137. 137 60 ou com a lei.”140 Rizzardo reconhece o provimento dado pela lei e afirma que “excetuam-se da recomposição econômica as benfeitorias feitas em desconformidade com o contrato ou a lei, conforme ordem do parágrafo único do art. 34 da Lei 6766/79)”.141 Neste sentido a Jurisprudência orienta que, BENFEITORIAS – EMBARGOS POR RETENÇÃO – OPOSIÇÃO POR COMPROMISSÁRIO COMPRADOR DO LOTE DE TERRENO EM FACE DE RESCISÃO CONTRATUAL – INADMISSIBILIDADE – Edificação erguida em desconformidade com o contrato – Parágrafo único do art. 34 da Lei Federal no. 6766 de 1979 – Embargos improcedentes – Recurso não provido.142 Também relevante se faz citar a Jurisprudência Catarinense no mesmo sentido: Menção genérica de benfeitorias é insuficiente para a realização de provas e indenização dos melhoramentos, bem como reconhecimento do direito. Ademais, o pedido dos réus de indenização e retenção das benfeitorias, não é aplicável ao caso concreto, tendo em vista que , os possuidores, não comprovaram que as construções são regulares, vez que, não anexaram com a contestação ou com a apelação os documentos que comprovam que as construções são legais, e que preenchem as exigências do Município.143 Conclui-se que, sendo as benfeitorias irregulares, e, erigidas em desconformidade com as regulamentações dos órgãos públicos responsáveis, 140 BRASIL, Lei no. 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. 141 RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano, p. 176. 142 SÂO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível n. 344.337-2l, Des. Gildo dos Santos, j. 03.nov.1994. 143 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 41.226, Des. Francisco Oliveira Filho. 61 não cabe indenização das mesmas, tendo em vista que, o credor não pode ser obrigado a indenizar o que está em desconformidade com a Lei, mesmo porque, as construções, se não puderem ser regularizadas, deverão ser demolidas. 3.3. REINTEGRAÇÃO DE POSSE EM FAVOR DO CREDOR No processo de rescisão contratual por inadimplemento é comum o pedido de reintegração de posse por parte do credor. Uma vez desfeito o contrato as partes voltam à condição que estavam antes da celebração do mesmo. A partir daí o credor/vendedor tem direito a reivindicar a posse do bem do qual tem a propriedade. Garcez ensina que “a ação de reintegração de posse, ao contrário das ações de imissão de posse e reivindicatória, não é petitória, mas sim possessória. Enquanto a ação de reintegração de posse é fundada na posse, a ação reivindicatória no domínio, e a ação de imissão no direito em documento que outorga o direito à posse.”144 Horcaio conceitua, REINTEGRAR – restituir ao primitivo estado. Restabelecer alguém na posse da coisa ou do direito de que fora privado ou espoliado. REIVINDICAÇÃO – Reclamação judicial, que faz alguém, a fim de que se lhe reconheça o direito de propriedade ou domínio sobre determinada coisa, móvel ou imóvel, que se encontra indevidamente na posse ou detenção de outrem. REIVINDICAR – afirmar alguém o seu domínio sobre determinada coisa e procurar, por via judicial, reavê-la da pessoa que dela se acha na posse injusta.145 De acordo com a aplicação da lei, “rescindida a promessa de compra e venda, a posse do promissário comprador passa a ser injusta, cabendo 144 GARCEZ, Rochelle Jelinek. Ação de reintegração de posse a as técnicas de tutela dos arts. 273 e 461-A do CPC. Disponível em: <http://tex.pro.br/wwwroot/06de2005/acaodereintegracao_rochellejelinekgarcez.html>. 145 HORCAIO, Ivan. Dicionário jurídico referenciado, p. 937. 62 a reintegração e as perdas e danos.”146 Rizzardo afirma que “... restituem-se as prestações recebidas. Devolve-se o bem objeto de avença. [...] dá-se o retorno como se nunca tivesse existido o contrato, ou seja, de forma integral, com todos os acessórios, incindindo as perdas e danos. Reconstitui-se ou reimplanta-se o status quo ante.147 A grande parte das Jurisprudências posiciona-se a favor da reintegração de posse, como pode ser observado: RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE E PERDAS E DANOS – AÇÃO PROCEDENTE Configurada a mora, conseqüência da notificação, impago o preço, impõe-se a rescisão contratual. Rescindido o contrato, a permanência do promissário comprador inadimplente no imóvel passa a ser injusta, o que enseja a reintegração e as perdas e danos.148 REINTEGRAÇÃO DE POSSE – EFEITO DA RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO Pela rescisão do contrato, restitui-se a situação ao “status quo ante”, com a reintegração da promitente vendedora na posse do imóvel.149 Analisando as doutrinas disponíveis, foram unânimes as decisões dos julgadores em determinar a reintegração de posse em favor do credor. É possível observar nas sentenças decisões como: “Determino a REINTEGRAÇÃO DE POSSE da requerente no imóvel (lote discriminado no termo de fl. 36, cláusula 1ª)”150 e “JULGO PROCEDENTE [...] b) reintegrar a autora na posse do imóvel 146 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.01.030523-5/003, Juiz Otávio José Minatto, j. 05.dez.2008. 147 RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações, p. 536. 148 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 37492, Des. Francisco Xavier Medeiros Vieira, j. 19.jan.1993. 149 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 97.01087-2, Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 20.ago.2002. 150 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.02.034588-4, Juiz Otávio José Minatto, j. 22.abr.2005. 63 objeto do contrato”151. No mesmo sentido segue “JULGAR PROCEDENTE [...] decreta-se a rescisão do contrato particular de compra e venda [...], reintegrando a autora na posse do bem.”152 É possível concluir que quanto à questão da reintegração de posse a decisão da Justiça tem sido em favor do credor, ora pois, essa decisão apenas reflete o respeito aos direitos de ambas as partes e o cumprimento da lei. 3.4. DOS JUROS E CORREÇÔES MONETÁRIAS SOBRE OS VALORES DEVIDOS AS PARTES Como já debatido anteriormente, quando da rescisão contratual por inadimplemento, é unânime o restabelecimento da situação a que as partes se encontravam antes da celebração do contrato. Ao devedor cabe o ressarcimento das prestações pagas e ao credor cabe a compensação pelo uso do imóvel, a indenização e a reintegração de posse. O estudo da aplicabilidade da lei, prova que ambas as partes detém direitos quando da rescisão contratual, e possibilita estabelecer uma diretriz para determinar a decisão das autoridades legais ao se depararem com esta questão. Grande foi a busca por processos que embasassem o “desfecho” do processo de rescisão contratual. Examinando o material disponível, chama atenção um fator bastante relevante, mas ainda envolto de divergências e aplicações: a correção dos valores estipulados para as perdas e danos, de ambas as partes, visando a reparação mais justa daquilo que se perdeu com a rescisão. Em alguns julgados e jurisprudências observa-se a imposição da mora, outras citam a correção espelhada em índice nacional, ou concedem a mora e os juros. As decisões são bastante díspares e ainda estão longe de terem um padrão ou um consenso sobre neutralizar os valores a serem recebidos por cada uma das duas partes envolvidas no contrato rescindido. Não é possível estabelecer o que se pode chamar de “padrão” no que envolve esta questão, na pequena amostragem estudada é possível perceber que a maioria das decisões 151 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.04.008072-0, Juiz Alexandre Karazawa Takaschima, j. 30.nov.2007. 152 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.07.049957-5, Juiz Otávio José Minatto, j. 07.maio.2009. 64 determinam a correção monetária e acrescenta os juros ao montante, porém, também encontram-se decisões onde não é feita menção específica nem a um nem a outro. 3.4.1. Juros e correção monetária sobre valores em favor do devedor Como já visto quando da rescisão contratual por inadimplemento, o credor deve devolver ao devedor o montante recebido, equivalente ao valor das prestações adimplidas. Por hora, é relevante lembrar a fórmula aplicada para se determinar tal montante, a saber: somam-se todas as prestações já pagas pelo devedor para obter-se um subtotal; deste subtotal subtrai-se a porcentagem de indenização a favor do credor (quando decidida como de direito pela autoridade judicial) para obter-se o valor a ser devolvido ao devedor. O que chama atenção é que na maioria dos casos estudados, o valor a ser devolvido pelo credor correspondente às prestações já recebidas é acrescido de juros e correção monetária. Algumas decisões neste sentido podem ser observadas nas seguintes sentenças: “CONDENO a Reconvinda a reembolsar o Reconvinte em 90% (noventa por cento) do montante recebido (atualizado com a aplicação de juros de 0.5% ao mês e correção monetária do INPC/IBGE).”153 Mesmo direcionamento pode ser reconhecido nos julgados que fundamentam as decisões de “CONDENAR a requerente à devolução de 90% (noventa por cento) da quantia correspondente às prestações efetivamente pagas pelos requeridos, corrigida desde a data do desembolso”154 e “DETERMINAR que a autora proceda à devolução de 90% (noventa por cento) da quantia correspondente às 57 (cinqüenta e sete) prestações pagas (pelos réus) aos réus, corrigidas desde a data do seu pagamento”. 155 No mesmo sentido a Jurisprudência Catarinense determina que “a demandante deverá reembolsar o requerido no montante recebido (atualizado de 153 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.02.007386-8, Juiz Otávio José Minatto, j. 26.mar.2009. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.06.023360-2, Juíza Paula Botke e Silva, j. 17.maio.2007. 155 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.05.045357-0, Juiz Otávio José Minatto, j. 26.abr.2007. 154 65 juros de 0,5% ao mês e correção do INPC/IBGE).”156 Mesma posição é encontrada na Jurisprudência do Distrito Federal que decide “Determino à autora que devolva ao réu as parcelas recebidas, devidamente corrigidas da data do pagamento e acrescidas de juros legais a partir da citação.”157 Com base nas sentenças citadas acima é possível concluir que a maioria dos julgadores estabelecem o acréscimo dos juros e correção monetária sobre o valor do montante, a ser reembolsado pelo credor, em favor do devedor a título de restituir o montante das parcelas já pagas por este durante a execução do contrato, anteriormente a sua rescisão. 3.4.2. Juros e correção monetária sobre valores em favor do credor Como visto anteriormente na aplicação do direito à indenização por perdas e danos em favor do credor as decisões estabelecem ressarcimento devido pela fruição que o devedor fez do bem imóvel durante a execução do contrato de compra e venda. Em tópico específico, já dissertado, verifica-se que o ressarcimento em favor do credor é na maioria das vezes concedido através de um valor determinado pelo julgador, a título de aluguel, que deve ser pago pelo devedor pelo uso que o mesmo fez do bem imóvel em questão e para compensar o tempo em que o credor esteve coibido de usufruir de seu bem, devido a utilização do mesmo feita pelo devedor. Na gama de casos estudados, minoria estabelece que o valor a ser ressarcido em favor do credor seja corrigido de alguma forma. Bem verdade é que não foi encontrada decisão que estabeleça claramente a estipulação de correção e juros a favor do credor. Exceção pode ser apurada no seguinte julgado: Apresentados os cálculos pelas partes, e visando a liquidação da sentença, resta estabelecido: 156 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.2005.005689-6, Des. Sergio Izidoro Heil, j. 22.abr.2005. 157 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível n. 2001.05.0003944-0, Des. Roberval Casemiro Belinati, j. 28.jun.2004. 66 1 – Aluguel: R$50,00 (cinqüenta reais) mensalmente (sem atualização) desde 06.11.1996 até a efetiva data da sentença = 24.07.2004 [R$50,00 X 91 meses = R$4.550,00] 2 – Aluguel após sentença (aplicação somente de correção monetária sem contagem de juros, atualização do valor a título de fruição = R$61,59): R$61,59 X 54 meses = R$3.325,83; total aluguel = R$7.875,86.158 No exemplo acima o valor a título de aluguel é corrigido a partir da data da sentença; pode parecer pouco se comparado com os 91 meses em que o devedor usufruiu do bem sem nenhum ajuste ao valor que deve restituir ao credor, a título de aluguel, mas é grande avanço se for considerada a situação como um todo. De um total de 34 processos de rescisão contratual estudados para a composição deste trabalho, apenas o citado aqui corrige o valor da perda e dano a título de aluguel em favor do credor. 3.4.3. Equidade dos reajustes sobre os valores envolvidos nas perdas e danos em favor do credor e devedor Comparando as restituições cabíveis a favor do credor e do devedor, no caso de rescisão contratual, e a incidência de juros e correção monetária sobre os valores dos montantes é perceptível o descompasso das concessões. Enquanto que sobre o montante a ser restituído pelo credor em favor do devedor, que é constituído pelo valor e número de parcelas adimplidas, as instâncias judiciais concordam e concedem o acréscimo dos juros e correção monetária. Sobre o montante a ser restituído pelo devedor em favor do credor, a título de aluguel pela fruição do bem, não se aplica o mesmo posicionamento. Do total de processos examinados apenas um determinou a atualização do valor do aluguel, que o credor deve receber a título de compensação pelo tempo que não pode usufruir de seu bem. Este único julgado corresponde a 2,9% (dois vírgula nove por cento) dos casos estudados. 158 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.01.030523-5/003, Juiz Otávio José Minatto, j. 05.dez.2008. 67 Se o valor a ser reembolsado pelo credor a favor do devedor está sujeito ao acréscimo de juros e correção monetária, uma vez que os valores devem ser atualizados de alguma forma, deveria também, o valor a ser ressarcido pelo devedor, a título de fruição do bem, em favor do credor ser reajustado de alguma maneira, pois o bem imóvel tende a valorizar, e o impedimento de sua fruição gera um prejuízo para o credor. Analisando especificamente esta questão, durante o estudo feito nos processos, não se pôde vislumbrar equidade na concessão de reajustes sobre os valores devidos em favor das partes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Primeiramente é relevante lembrar que desde o início das sociedades civilizadas o homem firma contratos para estabelecer limites entre as relações de convívio dos cidadãos. Os contratos já foram pactuados e honrados pela “palavra” das partes envolvidas, pelo “sangue”, pela imposição ou pela submissão e atualmente são estabelecidos, na maioria das vezes, com base em troca entre as partes, de direitos e deveres e devem observar sempre a legislação vigente à época e ao local onde são firmados. A sociedade moderna é repleta de relações estabelecidas em contratos. A matrícula de uma criança na escola gera direitos e deveres à todas as partes envolvidas: ao estudante, aos outros alunos, aos pais, a instituição e as pessoas que nela trabalham. Comprar um móvel em prestações em uma loja também é uma relação contratual. O serviço prestado, a contratação de um funcionário, a situação de emprego, a organização de um evento e muitas outras atitudes do dia-a-dia são estabelecidas em contratos, e muitas vezes as partes envolvidas não se dão conta disto. O contrato é a garantia de que o cidadão não será lesado, de que será respeitado; é o contrato que estabelece os direitos e deveres de cada parte e é ele que norteará as atitudes quando as partes não cumprirem suas obrigações, dando à parte lesada a certeza de que poderá recuperar ou retratar o que lhe foi restringido. Os contratos são feitos tencionando a extinção normal, que se dá pelo cumprimento das obrigações que estabelece, porém, nem sempre isto acontece e; quando a inexecução da(s) obrigação(ões) compromete o contrato a ponto de não haver mais utilidade para que o mesmo exista surge a necessidade de extingui-lo. O contrato de compra e venda de bem imóvel está bastante sujeito a sofrer descumprimento das obrigações que estabelece. Por se tratar de contrato de longo tempo, durante sua execução podem haver ações e atitudes, voluntárias ou não das partes, que prejudiquem a execução das obrigações das partes. Quando a inexecução for contornável o contrato pode ser restabelecido após 69 acordo entre as partes. Quando a inexecução for grave a ponto de inutilizar a relação, resta apenas a extinção por descumprimento da obrigação, a rescisão. Para que ocorra a extinção do contrato de compra e venda de bem imóvel a parte lesada (credor) vai à Justiça solicitar rescisão contratual, as perdas e danos e a reintegração de posse. Quando da firmação do contrato, o vendedor antecipou a posse do bem para o comprador acreditando que o mesmo pagaria o preço combinado, na forma estabelecida, para que ao findar dessa obrigação pudesse transferir a propriedade do bem para ele. Ao mesmo tempo em que o comprador passou a usufruir do bem, consciente de que tinha adquirido uma obrigação de pagar por ele para que pudesse receber a propriedade da coisa. Num processo de rescisão ambas as partes têm direito, devendo voltar a situação que estavam antes da celebração do contrato. Para que o status quo ante seja atingido são estabelecidas as indenizações por perdas e danos a que cada parte faz jus. O credor vai ser ressarcido pelo tempo que esteve impossibilitado de usufruir seu bem e vai ter novamente a posse do mesmo. O devedor vai ter direito ao ressarcimento daquilo que desembolsou e será indenizado pelas benfeitorias legalizadas que acrescentou ao bem do outro. Mesmo parecendo simples e equilibrada a rescisão do contrato de compra e venda de bem imóvel por inadimplemento não o é. É um processo desgastante para ambas as partes. Na maioria das vezes o bem imóvel tornou-se residência do comprador, o que gera um grande desconforto perante a opção de ter que “devolver” aquilo que já considerava e usava como seu. Para o vendedor, não receber o pagamento é situação certa de indignação. As partes conflitam perante a Justiça e o julgador tem de manter postura imparcial e justa para que administre da melhor forma os direitos de cada uma das partes. Relevância extrema se dá aqui, pois é através da reparação das perdas e danos que o julgador objetiva compensar os direitos de cada. Nota-se uma tentativa dos julgadores em compensar cada uma das partes por aquilo que empenhou no contrato que está sendo extinto, porém, observou-se uma pequena distinção na aplicação da sentença de execução. Na maioria das vezes somente os valores a serem percebidos pelo devedor são acrescidos de juros e correção monetária. Em apenas um processo estudado o julgador concedeu a atualização monetária sobre os valores a ser percebido pelo credor. Situação que chama bastante atenção uma vez que os 70 valores a serem recebidos por ambas as partes sofreu desvalorização durante o tempo em que o contrato perdurou. Acredita-se que a sentença específica desse contrato seja um sinal de que as autoridades julgadoras estão tendo novo entendimento acerca do acréscimo de juros e correção monetária sobre os valores a serem recebidos pelo credor. E espera-se que esta sentença seja um precedente para inúmeras outras ações sinônimas a esta pois, o credor é tão vulnerável quanto o devedor quando tem de enfrentar uma extinção contratual decorrente de uma inexecução como o inadimplemento. REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ALMEIDA, William. A boa-fé contratual diante da nova codificação civil. Disponível em: <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3435/A_BOAFE_CONTRATUAL_DIANTE_DA_NOVA_CODIFICACAO_CIVIL>. Acesso em: 13 abr. 2009. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 3. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. DUQUE, Bruna Lyra. Uma proposta de classificação para as formas de extinção dos contratos. Disponível em: <http://www.jus2uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10154>. Acesso em: 03 ago.2009. FIUZA, César. Direito civil. 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. GABRIEL, Sérgio. 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Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 287.248/MG, Min. Aldir Passarinho Junior, j. 07.dez.2000. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 416.338/RJ, Min. Ari Pargendler, Terceira Turma, j. 03.abr.2003. Publicado no Diário da Justiça em 02 de junho de 2003, p. 296. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 471.358/DF, Min. Ruy Rosado de Aguiar. Publicado no Diário da Justiça em 15 de maio de 2003, p. 136. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial n 474.388/SP, Min. Aldir Passarinho Junior. Publicado no Diário da Justiça em 08 de outubro de 2007, p. 336. DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível n. 2001.05.0003944-0, Des. Roberval Casemiro Belinati, j. 28.jun.2004. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 0xxxx, Juiz Alexandre Karazawa Takaschima, j. 30.nov.2007. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.01.030048-9, Juíza Anna Finke Suszek. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.02.007386-8, Juiz Otávio José Minatto, j. 26.mar.2009. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.02.034588-4, Juiz Otávio José Minatto, j. 22.abr.2005. 74 JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.04.008072-0, Juiz Alexandre Karazawa Takaschima, j. 30.nov.2007. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.05.453357-0, Juiz Otávio José Minatto, j. 26.abr.2007. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.06.023355-6, Juiz Otávio José Minatto, j. 29.jun.2007. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.06.023360-2, Juíza Paula Botke da Silva, j. 17.maio.2007. JOINVILLE. 1ª Vara Cível. Autos n. 038.07.049957-5, Juiz Otávio José Minatto, j. 07.maio.2009. PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Acórdão n. 8417, Des. Domingos Ramina, j. 16.abr.2002. PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado Paraná. Acórdão n.19754, Des. Jesus Sarrão, j.17.abr.2001. PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Acórdão n. 75.719-5, Des. Vidal Coelho, j. 22.jun.1999. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Acórdão n. 2006.044591-0, Desa. Salete Silva Sommariva, j. 16.out.2007. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 14.969, Des. Reynaldo Alves, j. 18.abr.1979. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 37.492, Des. Francisco Xavier Medeiros Vieira, j. 19.jan.1993. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 41.226, Des. Francisco Oliveira Filho SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 97.002206-9, Des. Nilton Macedo Machado. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 97.01087-2, Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. 20.ago.2002. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n. 98.004031-0, Des. Pedro Manoel Abreu. SÂO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação cível n. 344.337-2l, Des. Gildo dos Santos, j. 03.nov.1994. 75 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível n.2005.005689-6, Des. Sergio Izidoro Heil, j. 22.abr.2005.