Aspectos emocionais e psicossociais em pacientes

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REVISTA DA
SOCIEDADE DE PSICOLOGIA
DO RIO GRANDE DO SUL
Aspectos emocionais e psicossociais em pacientes
renais pós- transplantados¹
Psychosocial and emotional aspects on post
transplanted renal patients
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Samantha Sittart Navarrete a *, Luciane Slomka b *
Resumo: As estimativas, no ano de 2011, revelaram que cerca de 10 milhões de brasileiros foram portadores de
doença renal crônica (DRC). Apesar do expressivo crescimento do número de pessoas com a patologia,
verificou-se que há relativamente poucas pesquisas sobre os aspectos emocionais e psicossociais dessa
população. O presente estudo constitui-se em uma revisão de literatura sobre a produção teórica a respeito dos
aspectos emocionais e psicossociais presentes em pacientes que realizaram transplante renal. Os resultados
indicaram prejuízos nos aspectos de ordem social, laboral e emocional – principalmente ansiedade e depressão
– que podem afetar diretamente este tipo de paciente. Na medida em que conhecemos os aspectos emocionais
dos pacientes transplantados renais, torna-se possível criar estratégias de intervenção para a melhoria da
qualidade de vida e saúde destes.
Palavras-chave: Pós-transplante renal; Aspectos emocionais; Aspectos psicossociais
Abstract: The estimates in 2011 revealed that about ten million Brazilians were suffering from chronic kidney
disease (CKD). Despite the significant growth in the number of people with CKD, it was found that there is
relatively little research on the emotional and psychosocial aspects of this population. The present study consists
in a literature review on theoretical works about the emotional and psychosocial aspects present in patients who
underwent renal transplantation. The results indicated losses in the aspects of social, labor, emotional - especially
anxiety and depression - that can affect this type of patient. To the extent that we know the emotional aspects of
renal transplant patients, it is possible to create intervention strategies for improving the quality of life and health
of these patient.
Keywords: After renal transplantation; Emotional aspects; Psychosocial aspects
1 Artigo de revisão de literatura apresentado ao Curso de Psicologia da FADERGS, como requisito parcial para aprovação na disciplina
Trabalho de Conclusão II.
a Psicóloga da FADERGS, Brasil.
* E-mail: [email protected]
b Psicóloga, Mestre em Medicina e Ciências da Saúde (PUC), Docente do Curso de Psicologia da FADERGS, Brasil.
* E-mail: [email protected]
Sistema de Avaliação: Double Blind Review
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As estimativas, no ano de 2011, revelaram que cerca de 10
milhões de brasileiros foram portadores de doença renal crônica
(DRC) e a maioria não sabia de tal condição, conforme a
Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN, n.d.b). As principais
causas da DRC são o diabetes, a hipertensão arterial e a
glomerulonefrite (SBN, n.d.b). A DRC – ou insuficiência renal
crônica – caracteriza-se pela presença de lesão renal progressiva
e irreversível. Sendo diagnosticada a perda de mais de 50% da
função renal, o paciente passa a apresentar uma série de
sintomas, como inchaço, pressão alta e anemia, entre outros
(SBN, n.d.a). Em sua fase mais avançada, é chamada de doença
renal crônica terminal (DRCT) ou de insuficiência renal crônica
(IRC), na qual a função renal fica comprometida em 90%. Os
tratamentos disponíveis como terapia renal substitutiva são a
hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal
(Cherchiglia et al., 2010; Moura et al., 2009).
O transplante renal é a forma de tratamento na qual, por
meio de uma cirurgia, o paciente recebe um rim de um doador
vivo ou falecido. Com a realização do transplante, o paciente tem
que fazer uso de medicações que inibam a reação do corpo contra
os organismos estranhos, e, nesse caso, o rim transplantado,
evitando-se, assim, a rejeição do seu novo órgão (SBN, n.d.c). É
imprescindível que, após esse procedimento, o paciente tenha
um acompanhamento médico permanente (Castro, n.d.b).
Salienta-se ainda que o transplante renal não é a cura, mas,
sim, uma forma de tratamento, ou seja, uma alternativa para a
melhoria na qualidade de vida do paciente (Baron, 2010).
Mesmo realizando o transplante renal, o paciente continua sendo
portador de uma doença crônica (Ravagnani, Domingos &
Miyazaki, 2007). Entretanto, Ravagnani et al. (2007) afirma, com
base em seu estudo sobre Qualidade de Vida Pré e Póstransplante, que não houve uma mudança significativa na
qualidade de vida dos pacientes pós-transplante, comparados
aos pacientes pré-transplante. Um dos fatores associados a esse
resultado é o estresse e a preocupação quanto à saúde e aos
efeitos colaterais das medicações.
De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002, p.194), “as
emoções são expressões afetivas acompanhadas de reações
intensas e breves do organismo, em resposta a um
acontecimento inesperado ou, às vezes, a um acontecimento
muito aguardado”. É possível observar nas emoções uma relação
entre os afetos e a organização corporal, ou seja, as modificações
e as reações que ocorrem no organismo. No caso dos pacientes
transplantados, muitos fatores influenciam a estabilidade das
emoções. Neste sentido, a adaptação a esta nova condição física
exige cuidados que mudam o modo e a qualidade de vida de
cada um, o que pode gerar dificuldades emocionais e
psicossociais, e é deste sofrimento psíquico que o presente
estudo pretende dar conta.
Metodologia
Para a realização deste estudo, utilizou-se o método de
pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (2011), é desenvolvido
de acordo com um material já elaborado em livros, artigos
científicos, entre outros. A principal vantagem desse método é o
de permitir ao pesquisador “a cobertura de uma gama de
fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia
pesquisar diretamente”(Gil, 2011, p.50).
Para assegurar a confiabilidade dos dados obtidos, realizouse uma profunda e cuidadosa análise desses dados, para que
incoerências ou contradições fossem checadas de forma
minuciosa (Gil, 2011). A partir disso, a busca de bibliografias
para esse estudo deu-se em livros de autores consagrados no
assunto. Além disso, pesquisaram-se artigos científicos em
bases de dados já reconhecidas pela comunidade científica, tais
como Scielo, Lilacs e Pubmed. Os descritores que foram
utilizados nas bases de dados para esse estudo são: “póstransplante renal”, “transplante renal” e, posteriormente, foi feita
uma busca mais refinada, com os termos “aspectos psicológicos”
e “emoções”. Para tal, algumas tarefas básicas foram realizadas: a
exploração de fontes bibliográficas, a leitura do material
pesquisado e a análise desse material encontrado para o
desenvolvimento do estudo.
A doença renal crônica
Os rins são órgãos essenciais e vitais para funcionamento e
manutenção da homeostase do corpo humano (Bastos et al.,
2004). Eles são responsáveis por algumas funções, dentre elas
eliminar as impurezas do sangue, regular a pressão arterial,
produzir hormônios, bem como participar na formação e na
manutenção dos ossos e estimular a produção de glóbulos
vermelhos (Castro, n.d.a). A perda de 50% da capacidade de
filtragem leva à Doença Renal Crônica (DRC), e a perda de 90%
dessa função, à Doença Renal Crônica Terminal (DRCT).
Atualmente, a incidência de pacientes com DRC cresce em uma
alta escala em todo o mundo, inclusive no Brasil (Alvares, 2011).
A DRC apresenta estágios que correspondem ao tratamento
ao qual o paciente será submetido. O primeiro estágio do
tratamento chama-se conservador, em que o paciente faz uso de
medicamentos como forma de reduzir os efeitos da doença. O
tratamento conservador não leva à cura total, mas ameniza o
processo de avanço da doença. Conforme a evolução da doença,
o paciente receberá outras formas de tratamento: a diálise
peritoneal, a hemodiálise e o transplante renal (SBN, n.d.c).
A diálise peritoneal é uma opção de tratamento através do
qual o sangue que circula nos vasos sanguíneos do peritônio, que
fica em contato com um líquido de diálise, é colocado na
cavidade abdominal através de um cateter. Isso permite que as
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substâncias que estão acumuladas no sangue, como ureia,
creatinina e potássio, sejam removidas, bem como o excesso de
líquido que não está sendo eliminado pelo rim. Neste
procedimento, o paciente possui autonomia, pois ele mesmo ou
algum membro da família e/ou cuidador treinado pode realizar a
troca do líquido. Porém, este tipo de tratamento requer cuidado,
já que há riscos de infecções porque o procedimento ocorre por
meio de um cateter (SBN, n.d.c).
A hemodiálise é um tratamento para pacientes que sofrem
de insuficiência renal aguda ou crônica grave, em que o sangue é
filtrado por uma máquina, e as substâncias acumuladas no
sangue são removidas, assim permitindo que o paciente
continue vivendo. A hemodiálise é realizada em hospitais ou em
clínicas especializadas, com frequência de no mínimo três vezes
por semana, e cada sessão tem duração de aproximadamente 3 a
4 horas. (SBN, n.d.c).
O processo de transplante
O transplante é um procedimento cirúrgico que consiste na
implantação de um órgão sadio para substituir a função
anteriormente perdida pelo rim. O novo órgão implantado pode
ser advindo tanto de um doador vivo como de um doador
cadavérico (Castro, n.d.a).
Os primeiros transplantes renais surgiram na década de
1950, sendo, em Paris, com doadores cadáveres e, em Boston,
com doadores vivos (Manfro & Gonçalves, 2006). No Brasil, os
primeiros transplantes de rim foram realizados na década de
1960 em São Paulo (Cherchiglia, Queiroz & Junior, 2007). Já o
Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e as primeiras centrais
de transplantes surgiram no ano de 1997 (Cherchiglia et al.,
2007).
De acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de
Órgãos, em junho de 2013, o número de pacientes ativos em lista
de espera por um rim era de 19.913 no Brasil e de 1.049 no Rio
Grande do Sul (ABTO, 2013). Já o número de transplantes
permanece o mesmo referente ao ano de 2012. Entretanto,
houve um aumento de 4,5% no transplante com doador falecido
e uma queda de 11,6% com doador vivo. Nos últimos 10 anos,
houve uma queda preocupante de 27% no número de
transplantes renais com doador vivo (ABTO, 2013). O transplante
de órgãos está normatizado pela Lei nº 10.211, de 23 de março
de 2001.
Segundo Flores e Thomé (2004), a espera do órgão a ser
transplantado é geradora de expectativas aos pacientes em lista
de espera. A percepção dos pacientes acerca dessa espera é
marcada por sentimentos ambivalentes de medo, culpa, fé e
esperança. Muitos pacientes não resistem à espera do órgão a ser
transplantado, e outros nem chegam a realizar os exames
preparatórios para a realização do transplante, mesmo já tendo
indicação médica, tanto por medo de não passarem nesses
exames quanto pelo medo da cirurgia e da própria rejeição do
novo órgão (Kazley, Simpson,Chavin & Baliga, 2012).
O pós-transplante
Com a realização do transplante, o paciente continua com
uma rotina demandada pelos cuidados pós-cirúrgicos, o que
inclui consultas regulares que despertam emoções estressoras,
especialmente, nos seis primeiros meses (Ravagnani et al.,
2007). Além das preocupações com o cuidado continuado, o
mesmo autor ressalta que podem surgir sentimentos e emoções
oriundos das preocupações com o retorno ao trabalho, o convívio
com a família e as responsabilidades do cotidiano.
Quanto aos prazos de uma sobrevida pós-transplante renal,
estes são incertos, tendo em vista que as rejeições podem ocorrer
a qualquer momento. No entanto, estudos apontam que uma
parcela significativa dos pacientes transplantados tem sobrevida
de, no mínimo, cinco anos e, no máximo, de 10 anos (Cassini,
2009; Marinho, 2006; Miranda et al., 2003; Peres, 2002 apud
Fontoura, 2012). Porém, estudos mais recentes evidenciaram
que a sobrevida do rim pode chegar até os 15 anos (Souza,
2006).
Hoje, em média, 20% das perdas de enxertos se dão pela não
aderência ao tratamento medicamentoso (Marinho et al., 2005).
Alguns fatores colaboram para tal, sendo um deles a
desinformação do próprio paciente, por achar que, como ele
recebeu um novo órgão, já está apto a parar por conta própria a
medicação. O resultado sempre negativo dessa atitude aparece
em um ou dois meses, quando o rim para de funcionar
novamente (Marinho, Santos, Pedrosa & Lucia, 2005). Portanto,
é fundamental que o paciente siga à risca uma dieta nutricional
restritiva e que faça uso de medicamentos imunossupressores
para o resto da vida, entre outros cuidados que precisará ter, para
que doenças oportunistas não apareçam. Muitas variáveis
influenciam na estimativa de vida do paciente transplantado e
exigem maiores cuidados desde as primeiras horas do
transplante até o primeiro ano da implantação do enxerto
(Manfro & Veronese, 2004).
Aspectos emocionais
Vasconcellos (2008) relata, em seu estudo, que há uma
diversidade de perspectivas teóricas acerca das emoções. Desta
forma, compreender uma definição de emoção depende da
perspectiva teórica em que se encontra implícita essa definição.
Zajonc (1998, apud Vasconcellos, 2008, p.19) refere-se às
emoções “como sistemas complexos que implicam recursos
psicológicos, interpessoais, sociais, culturais, além de
envolverem processos neurofisiológicos, neuroanatômicos e
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neuroquímicos” aos quais se ligam à cognição e à motivação
também, e estão presentes em todos os tipos de
comportamentos humanos. Logo, definir completamente as
emoções representa um desafio e, devido a isso, o autor limita-se
a considerá-las como uma reação emocional. A capacidade que
se tem para reagir emocionalmente é a de distinguir entre as
situações presentes ou futuras, que podem ser ameaçadoras ou
benéficas, e responder adequadamente a elas. Tal definição
encontra-se de acordo com a perspectiva teórica desse autor, que
considera o afeto como uma reação primária a todo e qualquer
evento (Zajonc, 1998 apud Vasconcellos, 2008). As emoções, tais
como a raiva, o medo, a tristeza, o desespero, a alegria, a
vergonha e a surpresa, estão vinculadas diretamente à vida
afetiva da pessoa. As referidas emoções podem ser expressas
tanto de forma difusa quanto de forma mais consciente, ou,
ainda, podem estar encobertas (Bock et al., 2002).
O processo de transplante é permeado de aspectos e reações
emocionais contraditórias, com as quais o paciente precisa lidar.
Há uma perspectiva de mudança no panorama de vida do sujeito
após a realização do procedimento, todavia o conflito entre a
dúvida de o transplante dar certo, não ocasionando na rejeição, o
medo do processo cirúrgico e o da própria morte podem dar
lugar a sentimentos repletos de esperança e fé e, principalmente,
de não mais depender dos procedimentos dialíticos (Baron,
2010).
No estudo realizado por Camargo, Quintana, Weissheimer,
Junges e Martins (2011), os pesquisadores verificaram que os
pacientes que se encontravam em hemodiálise tinham uma
percepção muito negativa da realização do transplante em si. Tal
percepção estava associada à ideia de morte ou insucesso do
procedimento, pois a totalidade dos entrevistados disse já ter
perdido colegas que fizeram o transplante e outros que
retornaram à hemodiálise por conta da rejeição. Os pacientes
renais crônicos, de modo geral, têm certa dificuldade em
expressar seus sentimentos acerca do adoecimento,
diferentemente de pacientes com outros tipos de doença
orgânica (Rudnicki, 2006).
O recebimento de um órgão, no caso o rim, é permeado por
fantasias que podem ser de cunho persecutório e também ser
variáveis, dependendo da forma de recebimento do órgão
(Baron, 2010). Quando o recebimento do órgão parte de um ente
da família ou mesmo de alguém conhecido, isso pode gerar
crises de identidade, de acordo com a relação do paciente com o
doador. Baron (2010, p.381) destaca que perguntas e
indagações, como “Tenho medo de ficar com os defeitos da
minha irmã. Será que vou virar mulher? Terei trejeitos femininos?
Vou engordar até ficar do tamanho do meu irmão? Vou perder
meu senso de humor?” são frequentes nesses casos e podem
interferir no equilíbrio emocional do paciente.
No caso do recebimento de um rim de um doador cadavérico,
o paciente pode apresentar tanto crise de identidade quanto
reações de ansiedade por conta do medo do desconhecido
(Baron, 2010). O paciente, por estar diante do anonimato deste
órgão, pode também enfrentar o vazio existente diante da figura
do doador, que se constitui como uma tela branca para projeções
do universo psíquico (Leis, 2013; Pereira, 2006).
Alguns sintomas psiquiátricos podem aparecer no pósoperatório do transplante renal, bem como ao longo desse.
Arapaslan, Soykan, Soykan e Kumbasar (2004) asseveraram em
seu estudo que a frequência de transtornos psiquiátricos, mesmo
depois de um transplante de rim bem sucedido, é muito alta:
50% dos pacientes pesquisados apresentaram diagnóstico
psiquiátrico, sendo 25% dessa amostra acometidos de
depressão grave. Nas primeiras 24 horas do transplante, podem
ocorrer tanto sintomas de abstinência de medicamentos
utilizados anteriormente como o delirium caracterizado por um
estado confusional agudo, comprometendo, por conseguinte, a
cognição, o humor, a percepção, o pensamento e o sono (Manfro
& Blaya, 2004). Os sintomas de ansiedade estão presentes desde
o pré-transplante e podem permanecer por alguns dias após o
transplante (Manfro & Blaya, 2004).
As alterações de humor tendem a ocorrer tanto em episódio
depressivo maior quanto em episódio maníaco. No episódio
depressivo maior, o paciente apresenta humor deprimido ou
mesmo perda do interesse em quase todas as atividades por um
período mínimo de duas semanas. Também encontram-se
presentes sintomas como diminuição do apetite, perturbação do
sono, diminuição de energia, sentimento de culpa ou desvalia e
prejuízo na capacidade de pensar. O estado de depressão pode vir
associado à morbidade pós-transplante, ocasionando a não
adesão medicamentosa. Tal conduta pode levar à rejeição do
órgão, assim tendo o paciente que retornar à diálise. Os pacientes
que se deparam com essa situação tendem a ter tentativas de
suicídio (Manfro & Blaya, 2004). No episódio maníaco, o
paciente apresenta um humor anormal, juntamente com
sintomas de grandiosidade ou autoestima elevada, pressão por
falar, fuga de ideias, entre outros. Se essas alterações não forem
tratadas, há risco de perda do órgão também pela não aderência
medicamentosa (Manfro & Blaya, 2004).
Após o transplante, com a ingestão dos imunossupressores,
podem ocorrer tanto o aumento do peso como problemas
dermatológicos na face. As mulheres, muitas vezes, deixam de
tomar a medicação por conta dessas alterações (Manfro & Blaya,
2004).
Os mesmos autores assinalam que a rejeição do rim pode ser
de ordem psicológica, já que está associada à falta de adesão ao
tratamento, ocasionada por depressão, dificuldade de memória
e abuso de substâncias, ou à reação de ajustamento relacionado
ao estresse psicológico e à alteração da imagem corporal.
Silva (2011) constatou em seu estudo que 37,5% dos
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pacientes transplantados apresentaram ocorrência no
comprometimento do sono. Já Sabbatini et al. (2005, apud
Silva, 2011) observou que a qualidade do sono de pacientes
transplantados renais pode ter não somente aspectos
psicológicos envolvidos, como também comorbidades da
própria doença renal.
A depressão pode ocorrer em receptores, doadores, doadores
não compatíveis e eventualmente nos familiares (Castro, n.d.a).
De acordo com Zimmermann, Carvalho e Mari (2004), a etiologia
da depressão é usualmente associada a uma perda, e as perdas
são normalmente numerosas e duradouras para o paciente com
doença renal. Existe a perda da função renal, da sensação de
bem-estar, de seu papel tanto na família quanto no trabalho,
perda do tempo, de fontes de recursos financeiros, da função
sexual, entre outras. A isso é preciso acrescentar as características
da personalidade do paciente, além de uma eventual
predisposição genética para depressão.
Outro fator que incide na estabilidade emocional do paciente
transplantado é a ansiedade referente ao próprio medo da perda
do novo órgão, e o paciente geralmente apresenta um sofrimento
psíquico maior do que o sofrimento físico (Garcia, Souza &
Holanda, 2005). Em um estudo com pacientes chineses
transplantados, verificou-se que os principais fatores estressores
identificados foram o medo da rejeição, a interação
medicamentosa bem como os efeitos colaterais, a incerteza
sobre o futuro, o medo de infecção e o custo despendido (Kong &
Molassiotis, 1999). Diante disso, é essencial que haja uma
atenção específica para ansiedade e depressão, pois o quanto
antes tais comorbidades psiquiátricas forem detectadas e
tratadas, melhor será, em curto prazo, o bem estar geral do
paciente (Noohi et al., 2007).
Baines, Joseph & Jindal (2002) compararam dois grupos de
pacientes transplantados, sendo um grupo que recebia
tratamento psicoterápico e outro não. Como resultado, o grupo
que realizou acompanhamento psicoterápico apresentou
menores escores para depressão.
De acordo com a pesquisa realizada por Weng, Dai, Huang e
Chiang (2009), os pacientes transplantados não relatam
mudanças expressivas no pós-transplante, pois muitos cuidados
ainda são demandados. Os mesmos autores sugerem que se
trabalhe a autogestão dos pacientes transplantados, pois, se
aprenderem a detectar precocemente os sintomas de uma
possível rejeição, terão mais confiança e bem estar.
Aspectos psicossociais
Quando o paciente renal está em tratamento dialítico, ele é
amparado pelo governo e recebe tanto o benefício de auxíliodoença quanto a isenção do transporte público. Além do amparo
do governo, nesse período, o paciente também conta com o
auxílio da rede pública de saúde e com apoio de seus familiares e
ou cuidadores. Com a realização do transplante e o sucesso desse
tratamento, o paciente perde o benefício cedido
temporariamente pelo governo, tendo que retornar ao mercado
de trabalho (Silva, 2011), o que também irá interferir no quadro
emocional do paciente. Todavia, esse período pode ser marcado
por conflitos emocionais, pois, de um lado, ele está livre da
dependência da máquina de hemodiálise e, por outro, tem que
lutar pela sua sobrevivência financeira (Silva, 2011). É uma fase
em que o paciente terá tanto a implicação com o seu
autocuidado quanto com a sua autogestão financeira. Overbeck
et al. (2005) constatou em seu estudo que, apesar de os
pacientes apresentarem uma boa recuperação física e maior
qualidade de vida pós-transplante renal, o índice de reinserção
no mercado de trabalho ainda é baixo.
É devido a todas estas questões de ordem social e emocional
que, em 1978, Norman Levy, juntamente com um grupo de
psiquiatras americanos da cidade de Nova York, preocupados
com a adaptação psicológica e social dos pacientes renais,
fundou um movimento chamado de psiconefrologia (Matta,
2000). Hoje, a psiconefrologia “representa a área de interface
entre a psicologia e a nefrologia” (Diniz, 2006, p.588) que se
utiliza de referenciais teóricos da psicologia da saúde.
Atualmente, nos livros e manuais de nefrologia, há um capítulo
destinado aos aspectos psiquiátricos e psicossociais dos
pacientes renais, mas ainda há uma escassez de estudos que
envolvam os aspectos emocionais após a realização do
transplante renal, o que foi almejado no presente estudo.
Considerações Finais
Através desse estudo, pôde-se reforçar o quanto o paciente
renal é acometido por uma gama de sentimentos desde o
diagnóstico da doença até o pós-transplante renal. A partir da
revisão de literatura realizada, foram levantados aspectos de
ordem social, laboral e emocional – principalmente ansiedade e
depressão – que podem afetar este tipo de paciente. É
primordial que se busque um entendimento o mais completo
possível sobre os atravessamentos desse adoecimento desde o
seu início. Dessa forma, espera-se facilitar a compreensão e,
consequentemente, a aplicação de intervenções psicoterápicas.
As adaptações físicas e emocionais de cada paciente
dependerão de diversos fatores, que vão desde a informação
precisa da doença e as suas possibilidades de tratamento até a
sua condição após a realização do transplante. A relação do
paciente com a doença, o órgão doente e o novo que será
recebido, pode despertar no indivíduo variadas emoções ou
ainda estar refletindo emoções inconscientes, as quais o corpo
pode manifestar através da doença. Salienta-se que, mesmo
tendo uma base dos aspectos emocionais que circundam o
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paciente em relação à doença renal, o ser humano é subjetivo,
sente e reage de formas diferentes frente ao adoecimento e a
cada fase da doença.
Através dos dados levantados, foi sobressalente a
porcentagem de rejeições do órgão transplantado pela não
aderência ao tratamento. Entretanto, essa porcentagem pode ser
ainda maior, pois rejeições de outras ordens também podem
acontecer. Neste estudo, não foram contemplados os números
reais dessas perdas, já que não foi possível o acesso preciso a
essas informações devido à limitação de tempo, mas é de grande
importância que essas informações sejam levantadas nos
próximos estudos.
De forma geral, os achados da presente revisão de literatura
foram ao encontro do que se esperava com relação ao sofrimento
do paciente e às novas adaptações no pós-transplante renal.
Contudo, ainda se fala pouco sobre a etapa do pós-transplante, o
que resultou em um trabalho mais minucioso na busca de
literatura. Há mais estudos relacionados aos processos dialíticos.
Com a realização deste estudo, foi possível perceber o quanto
é necessário o aprofundamento nas necessidades do paciente, a
fim de propor intervenções terapêuticas que possam minimizar
o sofrimento vivenciado no enfrentamento do pós-transplante
renal. O acompanhamento psicológico, grupos de autoajuda,
psicoeducação e psicoterapia breve de apoio seriam indicações
pertinentes para esse público. Uma rede de apoio é fundamental
nesse processo, bem como um atendimento multidisciplinar. É
imprescindível que o psicólogo trabalhe com um olhar sistêmico,
amplo, acerca das questões que permeiam o pós-transplante, o
que faz chamar atenção para o quanto é essencial o trabalho em
uma equipe multidisciplinar.
É importante ressaltar igualmente que o estudo não teve o
objetivo de generalizar as suas conclusões, entretanto é
necessário que mais pesquisas dessa natureza sejam realizadas,
de modo que possam contribuir para melhores condições
psicossociais e de qualidade de vida do paciente renal após a
realização do transplante. Cabe ressaltar também que esse
estudo, por ser um trabalho acadêmico, como parte de conclusão
do Curso de Psicologia, contou com um tempo reduzido para um
aprofundamento em uma temática tão multifacetada e
profunda, o que despertou na pesquisadora a vontade de
prosseguir realizando mais pesquisas nesta área.
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