REVISTA DA SOCIEDADE DE PSICOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL Aspectos emocionais e psicossociais em pacientes renais pós- transplantados¹ Psychosocial and emotional aspects on post transplanted renal patients 2 Samantha Sittart Navarrete a *, Luciane Slomka b * Resumo: As estimativas, no ano de 2011, revelaram que cerca de 10 milhões de brasileiros foram portadores de doença renal crônica (DRC). Apesar do expressivo crescimento do número de pessoas com a patologia, verificou-se que há relativamente poucas pesquisas sobre os aspectos emocionais e psicossociais dessa população. O presente estudo constitui-se em uma revisão de literatura sobre a produção teórica a respeito dos aspectos emocionais e psicossociais presentes em pacientes que realizaram transplante renal. Os resultados indicaram prejuízos nos aspectos de ordem social, laboral e emocional – principalmente ansiedade e depressão – que podem afetar diretamente este tipo de paciente. Na medida em que conhecemos os aspectos emocionais dos pacientes transplantados renais, torna-se possível criar estratégias de intervenção para a melhoria da qualidade de vida e saúde destes. Palavras-chave: Pós-transplante renal; Aspectos emocionais; Aspectos psicossociais Abstract: The estimates in 2011 revealed that about ten million Brazilians were suffering from chronic kidney disease (CKD). Despite the significant growth in the number of people with CKD, it was found that there is relatively little research on the emotional and psychosocial aspects of this population. The present study consists in a literature review on theoretical works about the emotional and psychosocial aspects present in patients who underwent renal transplantation. The results indicated losses in the aspects of social, labor, emotional - especially anxiety and depression - that can affect this type of patient. To the extent that we know the emotional aspects of renal transplant patients, it is possible to create intervention strategies for improving the quality of life and health of these patient. Keywords: After renal transplantation; Emotional aspects; Psychosocial aspects 1 Artigo de revisão de literatura apresentado ao Curso de Psicologia da FADERGS, como requisito parcial para aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão II. a Psicóloga da FADERGS, Brasil. * E-mail: [email protected] b Psicóloga, Mestre em Medicina e Ciências da Saúde (PUC), Docente do Curso de Psicologia da FADERGS, Brasil. * E-mail: [email protected] Sistema de Avaliação: Double Blind Review 58 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 14(1) | Jan/Ago | 58-65 As estimativas, no ano de 2011, revelaram que cerca de 10 milhões de brasileiros foram portadores de doença renal crônica (DRC) e a maioria não sabia de tal condição, conforme a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN, n.d.b). As principais causas da DRC são o diabetes, a hipertensão arterial e a glomerulonefrite (SBN, n.d.b). A DRC – ou insuficiência renal crônica – caracteriza-se pela presença de lesão renal progressiva e irreversível. Sendo diagnosticada a perda de mais de 50% da função renal, o paciente passa a apresentar uma série de sintomas, como inchaço, pressão alta e anemia, entre outros (SBN, n.d.a). Em sua fase mais avançada, é chamada de doença renal crônica terminal (DRCT) ou de insuficiência renal crônica (IRC), na qual a função renal fica comprometida em 90%. Os tratamentos disponíveis como terapia renal substitutiva são a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal (Cherchiglia et al., 2010; Moura et al., 2009). O transplante renal é a forma de tratamento na qual, por meio de uma cirurgia, o paciente recebe um rim de um doador vivo ou falecido. Com a realização do transplante, o paciente tem que fazer uso de medicações que inibam a reação do corpo contra os organismos estranhos, e, nesse caso, o rim transplantado, evitando-se, assim, a rejeição do seu novo órgão (SBN, n.d.c). É imprescindível que, após esse procedimento, o paciente tenha um acompanhamento médico permanente (Castro, n.d.b). Salienta-se ainda que o transplante renal não é a cura, mas, sim, uma forma de tratamento, ou seja, uma alternativa para a melhoria na qualidade de vida do paciente (Baron, 2010). Mesmo realizando o transplante renal, o paciente continua sendo portador de uma doença crônica (Ravagnani, Domingos & Miyazaki, 2007). Entretanto, Ravagnani et al. (2007) afirma, com base em seu estudo sobre Qualidade de Vida Pré e Póstransplante, que não houve uma mudança significativa na qualidade de vida dos pacientes pós-transplante, comparados aos pacientes pré-transplante. Um dos fatores associados a esse resultado é o estresse e a preocupação quanto à saúde e aos efeitos colaterais das medicações. De acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002, p.194), “as emoções são expressões afetivas acompanhadas de reações intensas e breves do organismo, em resposta a um acontecimento inesperado ou, às vezes, a um acontecimento muito aguardado”. É possível observar nas emoções uma relação entre os afetos e a organização corporal, ou seja, as modificações e as reações que ocorrem no organismo. No caso dos pacientes transplantados, muitos fatores influenciam a estabilidade das emoções. Neste sentido, a adaptação a esta nova condição física exige cuidados que mudam o modo e a qualidade de vida de cada um, o que pode gerar dificuldades emocionais e psicossociais, e é deste sofrimento psíquico que o presente estudo pretende dar conta. Metodologia Para a realização deste estudo, utilizou-se o método de pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (2011), é desenvolvido de acordo com um material já elaborado em livros, artigos científicos, entre outros. A principal vantagem desse método é o de permitir ao pesquisador “a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”(Gil, 2011, p.50). Para assegurar a confiabilidade dos dados obtidos, realizouse uma profunda e cuidadosa análise desses dados, para que incoerências ou contradições fossem checadas de forma minuciosa (Gil, 2011). A partir disso, a busca de bibliografias para esse estudo deu-se em livros de autores consagrados no assunto. Além disso, pesquisaram-se artigos científicos em bases de dados já reconhecidas pela comunidade científica, tais como Scielo, Lilacs e Pubmed. Os descritores que foram utilizados nas bases de dados para esse estudo são: “póstransplante renal”, “transplante renal” e, posteriormente, foi feita uma busca mais refinada, com os termos “aspectos psicológicos” e “emoções”. Para tal, algumas tarefas básicas foram realizadas: a exploração de fontes bibliográficas, a leitura do material pesquisado e a análise desse material encontrado para o desenvolvimento do estudo. A doença renal crônica Os rins são órgãos essenciais e vitais para funcionamento e manutenção da homeostase do corpo humano (Bastos et al., 2004). Eles são responsáveis por algumas funções, dentre elas eliminar as impurezas do sangue, regular a pressão arterial, produzir hormônios, bem como participar na formação e na manutenção dos ossos e estimular a produção de glóbulos vermelhos (Castro, n.d.a). A perda de 50% da capacidade de filtragem leva à Doença Renal Crônica (DRC), e a perda de 90% dessa função, à Doença Renal Crônica Terminal (DRCT). Atualmente, a incidência de pacientes com DRC cresce em uma alta escala em todo o mundo, inclusive no Brasil (Alvares, 2011). A DRC apresenta estágios que correspondem ao tratamento ao qual o paciente será submetido. O primeiro estágio do tratamento chama-se conservador, em que o paciente faz uso de medicamentos como forma de reduzir os efeitos da doença. O tratamento conservador não leva à cura total, mas ameniza o processo de avanço da doença. Conforme a evolução da doença, o paciente receberá outras formas de tratamento: a diálise peritoneal, a hemodiálise e o transplante renal (SBN, n.d.c). A diálise peritoneal é uma opção de tratamento através do qual o sangue que circula nos vasos sanguíneos do peritônio, que fica em contato com um líquido de diálise, é colocado na cavidade abdominal através de um cateter. Isso permite que as 59 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 14(1) | Jan/Ago | 58-65 substâncias que estão acumuladas no sangue, como ureia, creatinina e potássio, sejam removidas, bem como o excesso de líquido que não está sendo eliminado pelo rim. Neste procedimento, o paciente possui autonomia, pois ele mesmo ou algum membro da família e/ou cuidador treinado pode realizar a troca do líquido. Porém, este tipo de tratamento requer cuidado, já que há riscos de infecções porque o procedimento ocorre por meio de um cateter (SBN, n.d.c). A hemodiálise é um tratamento para pacientes que sofrem de insuficiência renal aguda ou crônica grave, em que o sangue é filtrado por uma máquina, e as substâncias acumuladas no sangue são removidas, assim permitindo que o paciente continue vivendo. A hemodiálise é realizada em hospitais ou em clínicas especializadas, com frequência de no mínimo três vezes por semana, e cada sessão tem duração de aproximadamente 3 a 4 horas. (SBN, n.d.c). O processo de transplante O transplante é um procedimento cirúrgico que consiste na implantação de um órgão sadio para substituir a função anteriormente perdida pelo rim. O novo órgão implantado pode ser advindo tanto de um doador vivo como de um doador cadavérico (Castro, n.d.a). Os primeiros transplantes renais surgiram na década de 1950, sendo, em Paris, com doadores cadáveres e, em Boston, com doadores vivos (Manfro & Gonçalves, 2006). No Brasil, os primeiros transplantes de rim foram realizados na década de 1960 em São Paulo (Cherchiglia, Queiroz & Junior, 2007). Já o Sistema Nacional de Transplantes (SNT) e as primeiras centrais de transplantes surgiram no ano de 1997 (Cherchiglia et al., 2007). De acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, em junho de 2013, o número de pacientes ativos em lista de espera por um rim era de 19.913 no Brasil e de 1.049 no Rio Grande do Sul (ABTO, 2013). Já o número de transplantes permanece o mesmo referente ao ano de 2012. Entretanto, houve um aumento de 4,5% no transplante com doador falecido e uma queda de 11,6% com doador vivo. Nos últimos 10 anos, houve uma queda preocupante de 27% no número de transplantes renais com doador vivo (ABTO, 2013). O transplante de órgãos está normatizado pela Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001. Segundo Flores e Thomé (2004), a espera do órgão a ser transplantado é geradora de expectativas aos pacientes em lista de espera. A percepção dos pacientes acerca dessa espera é marcada por sentimentos ambivalentes de medo, culpa, fé e esperança. Muitos pacientes não resistem à espera do órgão a ser transplantado, e outros nem chegam a realizar os exames preparatórios para a realização do transplante, mesmo já tendo indicação médica, tanto por medo de não passarem nesses exames quanto pelo medo da cirurgia e da própria rejeição do novo órgão (Kazley, Simpson,Chavin & Baliga, 2012). O pós-transplante Com a realização do transplante, o paciente continua com uma rotina demandada pelos cuidados pós-cirúrgicos, o que inclui consultas regulares que despertam emoções estressoras, especialmente, nos seis primeiros meses (Ravagnani et al., 2007). Além das preocupações com o cuidado continuado, o mesmo autor ressalta que podem surgir sentimentos e emoções oriundos das preocupações com o retorno ao trabalho, o convívio com a família e as responsabilidades do cotidiano. Quanto aos prazos de uma sobrevida pós-transplante renal, estes são incertos, tendo em vista que as rejeições podem ocorrer a qualquer momento. No entanto, estudos apontam que uma parcela significativa dos pacientes transplantados tem sobrevida de, no mínimo, cinco anos e, no máximo, de 10 anos (Cassini, 2009; Marinho, 2006; Miranda et al., 2003; Peres, 2002 apud Fontoura, 2012). Porém, estudos mais recentes evidenciaram que a sobrevida do rim pode chegar até os 15 anos (Souza, 2006). Hoje, em média, 20% das perdas de enxertos se dão pela não aderência ao tratamento medicamentoso (Marinho et al., 2005). Alguns fatores colaboram para tal, sendo um deles a desinformação do próprio paciente, por achar que, como ele recebeu um novo órgão, já está apto a parar por conta própria a medicação. O resultado sempre negativo dessa atitude aparece em um ou dois meses, quando o rim para de funcionar novamente (Marinho, Santos, Pedrosa & Lucia, 2005). Portanto, é fundamental que o paciente siga à risca uma dieta nutricional restritiva e que faça uso de medicamentos imunossupressores para o resto da vida, entre outros cuidados que precisará ter, para que doenças oportunistas não apareçam. Muitas variáveis influenciam na estimativa de vida do paciente transplantado e exigem maiores cuidados desde as primeiras horas do transplante até o primeiro ano da implantação do enxerto (Manfro & Veronese, 2004). Aspectos emocionais Vasconcellos (2008) relata, em seu estudo, que há uma diversidade de perspectivas teóricas acerca das emoções. Desta forma, compreender uma definição de emoção depende da perspectiva teórica em que se encontra implícita essa definição. Zajonc (1998, apud Vasconcellos, 2008, p.19) refere-se às emoções “como sistemas complexos que implicam recursos psicológicos, interpessoais, sociais, culturais, além de envolverem processos neurofisiológicos, neuroanatômicos e 60 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 14(1) | Jan/Ago | 58-65 neuroquímicos” aos quais se ligam à cognição e à motivação também, e estão presentes em todos os tipos de comportamentos humanos. Logo, definir completamente as emoções representa um desafio e, devido a isso, o autor limita-se a considerá-las como uma reação emocional. A capacidade que se tem para reagir emocionalmente é a de distinguir entre as situações presentes ou futuras, que podem ser ameaçadoras ou benéficas, e responder adequadamente a elas. Tal definição encontra-se de acordo com a perspectiva teórica desse autor, que considera o afeto como uma reação primária a todo e qualquer evento (Zajonc, 1998 apud Vasconcellos, 2008). As emoções, tais como a raiva, o medo, a tristeza, o desespero, a alegria, a vergonha e a surpresa, estão vinculadas diretamente à vida afetiva da pessoa. As referidas emoções podem ser expressas tanto de forma difusa quanto de forma mais consciente, ou, ainda, podem estar encobertas (Bock et al., 2002). O processo de transplante é permeado de aspectos e reações emocionais contraditórias, com as quais o paciente precisa lidar. Há uma perspectiva de mudança no panorama de vida do sujeito após a realização do procedimento, todavia o conflito entre a dúvida de o transplante dar certo, não ocasionando na rejeição, o medo do processo cirúrgico e o da própria morte podem dar lugar a sentimentos repletos de esperança e fé e, principalmente, de não mais depender dos procedimentos dialíticos (Baron, 2010). No estudo realizado por Camargo, Quintana, Weissheimer, Junges e Martins (2011), os pesquisadores verificaram que os pacientes que se encontravam em hemodiálise tinham uma percepção muito negativa da realização do transplante em si. Tal percepção estava associada à ideia de morte ou insucesso do procedimento, pois a totalidade dos entrevistados disse já ter perdido colegas que fizeram o transplante e outros que retornaram à hemodiálise por conta da rejeição. Os pacientes renais crônicos, de modo geral, têm certa dificuldade em expressar seus sentimentos acerca do adoecimento, diferentemente de pacientes com outros tipos de doença orgânica (Rudnicki, 2006). O recebimento de um órgão, no caso o rim, é permeado por fantasias que podem ser de cunho persecutório e também ser variáveis, dependendo da forma de recebimento do órgão (Baron, 2010). Quando o recebimento do órgão parte de um ente da família ou mesmo de alguém conhecido, isso pode gerar crises de identidade, de acordo com a relação do paciente com o doador. Baron (2010, p.381) destaca que perguntas e indagações, como “Tenho medo de ficar com os defeitos da minha irmã. Será que vou virar mulher? Terei trejeitos femininos? Vou engordar até ficar do tamanho do meu irmão? Vou perder meu senso de humor?” são frequentes nesses casos e podem interferir no equilíbrio emocional do paciente. No caso do recebimento de um rim de um doador cadavérico, o paciente pode apresentar tanto crise de identidade quanto reações de ansiedade por conta do medo do desconhecido (Baron, 2010). O paciente, por estar diante do anonimato deste órgão, pode também enfrentar o vazio existente diante da figura do doador, que se constitui como uma tela branca para projeções do universo psíquico (Leis, 2013; Pereira, 2006). Alguns sintomas psiquiátricos podem aparecer no pósoperatório do transplante renal, bem como ao longo desse. Arapaslan, Soykan, Soykan e Kumbasar (2004) asseveraram em seu estudo que a frequência de transtornos psiquiátricos, mesmo depois de um transplante de rim bem sucedido, é muito alta: 50% dos pacientes pesquisados apresentaram diagnóstico psiquiátrico, sendo 25% dessa amostra acometidos de depressão grave. Nas primeiras 24 horas do transplante, podem ocorrer tanto sintomas de abstinência de medicamentos utilizados anteriormente como o delirium caracterizado por um estado confusional agudo, comprometendo, por conseguinte, a cognição, o humor, a percepção, o pensamento e o sono (Manfro & Blaya, 2004). Os sintomas de ansiedade estão presentes desde o pré-transplante e podem permanecer por alguns dias após o transplante (Manfro & Blaya, 2004). As alterações de humor tendem a ocorrer tanto em episódio depressivo maior quanto em episódio maníaco. No episódio depressivo maior, o paciente apresenta humor deprimido ou mesmo perda do interesse em quase todas as atividades por um período mínimo de duas semanas. Também encontram-se presentes sintomas como diminuição do apetite, perturbação do sono, diminuição de energia, sentimento de culpa ou desvalia e prejuízo na capacidade de pensar. O estado de depressão pode vir associado à morbidade pós-transplante, ocasionando a não adesão medicamentosa. Tal conduta pode levar à rejeição do órgão, assim tendo o paciente que retornar à diálise. Os pacientes que se deparam com essa situação tendem a ter tentativas de suicídio (Manfro & Blaya, 2004). No episódio maníaco, o paciente apresenta um humor anormal, juntamente com sintomas de grandiosidade ou autoestima elevada, pressão por falar, fuga de ideias, entre outros. Se essas alterações não forem tratadas, há risco de perda do órgão também pela não aderência medicamentosa (Manfro & Blaya, 2004). Após o transplante, com a ingestão dos imunossupressores, podem ocorrer tanto o aumento do peso como problemas dermatológicos na face. As mulheres, muitas vezes, deixam de tomar a medicação por conta dessas alterações (Manfro & Blaya, 2004). Os mesmos autores assinalam que a rejeição do rim pode ser de ordem psicológica, já que está associada à falta de adesão ao tratamento, ocasionada por depressão, dificuldade de memória e abuso de substâncias, ou à reação de ajustamento relacionado ao estresse psicológico e à alteração da imagem corporal. Silva (2011) constatou em seu estudo que 37,5% dos 61 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 14(1) | Jan/Ago | 58-65 pacientes transplantados apresentaram ocorrência no comprometimento do sono. Já Sabbatini et al. (2005, apud Silva, 2011) observou que a qualidade do sono de pacientes transplantados renais pode ter não somente aspectos psicológicos envolvidos, como também comorbidades da própria doença renal. A depressão pode ocorrer em receptores, doadores, doadores não compatíveis e eventualmente nos familiares (Castro, n.d.a). De acordo com Zimmermann, Carvalho e Mari (2004), a etiologia da depressão é usualmente associada a uma perda, e as perdas são normalmente numerosas e duradouras para o paciente com doença renal. Existe a perda da função renal, da sensação de bem-estar, de seu papel tanto na família quanto no trabalho, perda do tempo, de fontes de recursos financeiros, da função sexual, entre outras. A isso é preciso acrescentar as características da personalidade do paciente, além de uma eventual predisposição genética para depressão. Outro fator que incide na estabilidade emocional do paciente transplantado é a ansiedade referente ao próprio medo da perda do novo órgão, e o paciente geralmente apresenta um sofrimento psíquico maior do que o sofrimento físico (Garcia, Souza & Holanda, 2005). Em um estudo com pacientes chineses transplantados, verificou-se que os principais fatores estressores identificados foram o medo da rejeição, a interação medicamentosa bem como os efeitos colaterais, a incerteza sobre o futuro, o medo de infecção e o custo despendido (Kong & Molassiotis, 1999). Diante disso, é essencial que haja uma atenção específica para ansiedade e depressão, pois o quanto antes tais comorbidades psiquiátricas forem detectadas e tratadas, melhor será, em curto prazo, o bem estar geral do paciente (Noohi et al., 2007). Baines, Joseph & Jindal (2002) compararam dois grupos de pacientes transplantados, sendo um grupo que recebia tratamento psicoterápico e outro não. Como resultado, o grupo que realizou acompanhamento psicoterápico apresentou menores escores para depressão. De acordo com a pesquisa realizada por Weng, Dai, Huang e Chiang (2009), os pacientes transplantados não relatam mudanças expressivas no pós-transplante, pois muitos cuidados ainda são demandados. Os mesmos autores sugerem que se trabalhe a autogestão dos pacientes transplantados, pois, se aprenderem a detectar precocemente os sintomas de uma possível rejeição, terão mais confiança e bem estar. Aspectos psicossociais Quando o paciente renal está em tratamento dialítico, ele é amparado pelo governo e recebe tanto o benefício de auxíliodoença quanto a isenção do transporte público. Além do amparo do governo, nesse período, o paciente também conta com o auxílio da rede pública de saúde e com apoio de seus familiares e ou cuidadores. Com a realização do transplante e o sucesso desse tratamento, o paciente perde o benefício cedido temporariamente pelo governo, tendo que retornar ao mercado de trabalho (Silva, 2011), o que também irá interferir no quadro emocional do paciente. Todavia, esse período pode ser marcado por conflitos emocionais, pois, de um lado, ele está livre da dependência da máquina de hemodiálise e, por outro, tem que lutar pela sua sobrevivência financeira (Silva, 2011). É uma fase em que o paciente terá tanto a implicação com o seu autocuidado quanto com a sua autogestão financeira. Overbeck et al. (2005) constatou em seu estudo que, apesar de os pacientes apresentarem uma boa recuperação física e maior qualidade de vida pós-transplante renal, o índice de reinserção no mercado de trabalho ainda é baixo. É devido a todas estas questões de ordem social e emocional que, em 1978, Norman Levy, juntamente com um grupo de psiquiatras americanos da cidade de Nova York, preocupados com a adaptação psicológica e social dos pacientes renais, fundou um movimento chamado de psiconefrologia (Matta, 2000). Hoje, a psiconefrologia “representa a área de interface entre a psicologia e a nefrologia” (Diniz, 2006, p.588) que se utiliza de referenciais teóricos da psicologia da saúde. Atualmente, nos livros e manuais de nefrologia, há um capítulo destinado aos aspectos psiquiátricos e psicossociais dos pacientes renais, mas ainda há uma escassez de estudos que envolvam os aspectos emocionais após a realização do transplante renal, o que foi almejado no presente estudo. Considerações Finais Através desse estudo, pôde-se reforçar o quanto o paciente renal é acometido por uma gama de sentimentos desde o diagnóstico da doença até o pós-transplante renal. A partir da revisão de literatura realizada, foram levantados aspectos de ordem social, laboral e emocional – principalmente ansiedade e depressão – que podem afetar este tipo de paciente. É primordial que se busque um entendimento o mais completo possível sobre os atravessamentos desse adoecimento desde o seu início. Dessa forma, espera-se facilitar a compreensão e, consequentemente, a aplicação de intervenções psicoterápicas. As adaptações físicas e emocionais de cada paciente dependerão de diversos fatores, que vão desde a informação precisa da doença e as suas possibilidades de tratamento até a sua condição após a realização do transplante. A relação do paciente com a doença, o órgão doente e o novo que será recebido, pode despertar no indivíduo variadas emoções ou ainda estar refletindo emoções inconscientes, as quais o corpo pode manifestar através da doença. Salienta-se que, mesmo tendo uma base dos aspectos emocionais que circundam o 62 Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 14(1) | Jan/Ago | 58-65 paciente em relação à doença renal, o ser humano é subjetivo, sente e reage de formas diferentes frente ao adoecimento e a cada fase da doença. Através dos dados levantados, foi sobressalente a porcentagem de rejeições do órgão transplantado pela não aderência ao tratamento. Entretanto, essa porcentagem pode ser ainda maior, pois rejeições de outras ordens também podem acontecer. Neste estudo, não foram contemplados os números reais dessas perdas, já que não foi possível o acesso preciso a essas informações devido à limitação de tempo, mas é de grande importância que essas informações sejam levantadas nos próximos estudos. De forma geral, os achados da presente revisão de literatura foram ao encontro do que se esperava com relação ao sofrimento do paciente e às novas adaptações no pós-transplante renal. Contudo, ainda se fala pouco sobre a etapa do pós-transplante, o que resultou em um trabalho mais minucioso na busca de literatura. Há mais estudos relacionados aos processos dialíticos. Com a realização deste estudo, foi possível perceber o quanto é necessário o aprofundamento nas necessidades do paciente, a fim de propor intervenções terapêuticas que possam minimizar o sofrimento vivenciado no enfrentamento do pós-transplante renal. O acompanhamento psicológico, grupos de autoajuda, psicoeducação e psicoterapia breve de apoio seriam indicações pertinentes para esse público. Uma rede de apoio é fundamental nesse processo, bem como um atendimento multidisciplinar. É imprescindível que o psicólogo trabalhe com um olhar sistêmico, amplo, acerca das questões que permeiam o pós-transplante, o que faz chamar atenção para o quanto é essencial o trabalho em uma equipe multidisciplinar. É importante ressaltar igualmente que o estudo não teve o objetivo de generalizar as suas conclusões, entretanto é necessário que mais pesquisas dessa natureza sejam realizadas, de modo que possam contribuir para melhores condições psicossociais e de qualidade de vida do paciente renal após a realização do transplante. Cabe ressaltar também que esse estudo, por ser um trabalho acadêmico, como parte de conclusão do Curso de Psicologia, contou com um tempo reduzido para um aprofundamento em uma temática tão multifacetada e profunda, o que despertou na pesquisadora a vontade de prosseguir realizando mais pesquisas nesta área. Referências Alvares, J. (2011). Avaliação da qualidade de vida e análise de custoutilidade das terapias renais substitutivas no Brasil. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil Arapaslan, B., Soykan, A., Soykan, C., & Kumbasar, H. (2004). 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