doc - Diagrama Editorial

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O PROUNI COMO UM PROGRAMA DE INCLUSÃO SOCIAL
SILVA, Manira Perfeito Ramos da
[email protected] UFMT
SILVA, Maria das Graças Martins da
[email protected] UFMT
Eixo 5: Acesso e Permanência na expansão do ensino superior
Resumo
As políticas consideradas de inclusão pretendem expressar acolhimento aos segmentos
populares ou discriminados, como é o caso do Programa Universidade para TodosPROUNI. Com o objetivo de verificar a inclusão social proposta pelo Programa,
analisamos documentos relacionados às políticas educacionais e ao PROUNI, assim
como dados do Programa, na busca de indícios da inclusão social. Mesmo que os
documentos do PROUNI não atribuam inclusão social ao Programa, ele é divulgado
como meio de democratização do acesso e de diminuição das desigualdades sociais. Há
nas pesquisas relacionadas ao PROUNI uma lacuna de dados que limitam sua avaliação,
porém certos dados disponíveis podem indicar a inclusão social proposta pelo
Programa, a exemplo da ocupação das bolsas por cor e dos tipos de bolsas distribuídas.
Entendemos que as políticas de inclusão, entre elas o PROUNI, possuem o mérito de
diminuir as mazelas sociais encravadas na nossa sociedade por séculos, que não
poderiam esperar até que todas as desigualdades sejam resolvidas. Contudo, não devem
ser identificadas como solução, nem remeter a um segundo plano as contradições que
envolvem o Programa.
Palavras-chave: Políticas educacionais. PROUNI. Inclusão Social.
Introdução
Consideramos que o Estado, por meio da implementação de políticas de
inclusão, pretende expressar acolhimento aos segmentos populares ou discriminados
socialmente, embora o faça também com o objetivo de controlar as tensões sociais
existentes em uma sociedade desigual.
A inclusão se faz por medidas no âmbito das políticas públicas, como é o caso
do PROUNI. Com o objetivo de entender o sentido de inclusão atribuído a esse
Programa, neste texto são analisados os discursos oficiais e as notícias veiculadas na
mídia sobre o PROUNI, os quais, de alguma forma, evidenciam o que pretendemos
revelar. Também analisamos os dados referentes à ocupação de bolsas por cor e por tipo
(parcial e integral), a fim de dimensionar a inclusão social promovida pelo PROUNI por
meio de tais indicadores.
No que tange à Educação Superior, examinamos os seguintes documentos,
abstraindo aspectos que permeiam o discurso da inclusão: Declaração Universal dos
Direitos Humanos, Constituição Federal de 1988, Lei n.º 9.394/ 1996 que institui as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, Lei n.º 10.861/ 2004 que institui o
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior- SINAES, Projeto de Lei em
tramitação do novo Plano Nacional de Educação 2011-2020, Decreto 7.234/ 2010 que
cria o Programa Nacional de Assistência Estudantil –PNAES, Decreto n.º 6.096/ 2007
que instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais- REUNI, e o Plano de Desenvolvimento da Educação- PDE;
marcos legais do PROUNI, ou seja, o Projeto de Lei 3.582/2004 , a Medida Provisória
213 de 10 de setembro de 2004 e a Lei n.º 11.096 de 13 de janeiro de 2005.
A inclusão nas políticas sociais pode ser adotada com a intenção de amenizar
desigualdades sociais próprias do sistema capitalista, mas também para fazer frente a
uma configuração social que apresenta eixos de desigualdades distintos, não só o de
classe social, como os étnico-raciais, de gênero, religioso, de condições físicas e de
opção sexual.
1 O uso do termo inclusão nas políticas sociais
A proteção social no Brasil nasce no início dos anos 1930, vinculada ao trabalho,
através de acesso a benefícios relacionados a contribuições feitas pelo trabalhador;
porém, o capitalismo e a atuação regulatória do Estado não permitiram a
universalização do assalariamento formal e nem a proteção para a maioria da população.
Recentemente, a CF-1988 surge como um marco na história por ampliar
legalmente a proteção social, tendo inserido os princípios da seguridade social e da
garantia aos direitos mínimos.
No entanto, a década de 1990 foi marcada por políticas pautadas no atendimento
focalizado
sobre
a
pobreza
extrema,
privatização
dos
serviços
públicos,
descentralização da implementação de políticas sociais e aumento da participação não
governamental na sua provisão, o que expressa um movimento das políticas públicas
que nega a universalidade do usufruto de bens coletivos.
Apesar do grande alcance da educação básica e a saúde de forma gratuita, a
atuação do setor privado atingiu níveis elevados e se deu muito mais por concorrência
do que por complementaridade. Efetivamente, a universalidade da cobertura e
atendimento de serviços, como educação e seguridade social, não se realizaram.
No meio acadêmico, segundo Peixoto (2010), o debate tem-se realizado sobre o
conceito de exclusão e a necessidade da promoção de inclusão por medidas adequadas.
Para a autora:
Inclusão e exclusão social são termos polissêmicos que, etimologicamente,
levam aos verbos latinos includere, com o significado de colocar algo ou
alguém dentro de outro espaço ou lugar, e excludere, com o significado de
colocar algo ou alguém para fora ou não deixar entrar em um espaço ou
lugar. Esses termos aludem, portanto, a uma relação espacial, em que os
verbos se complementam e se opõem e trazem, implícita, a compreensão de
uma relação centro-periferia. (PEIXOTO, 2010, p. 238, grifo da autora).
A autora entende que, no conceito de inclusão, se expressa uma carga valorativa
positiva e, na exclusão, essa carga é negativa. A seu ver, o termo inclusão traz implícita
a generalização da noção de direitos humanos, que surge em reconhecimento da
existência dos excluídos na sociedade e da necessidade de protegê-los.
Baseando-se nessa forma de interpretar a questão, o Estado, ao divulgar uma
ação como inclusiva, usa a carga valorativa positiva da palavra em seu discurso, ao
mesmo tempo em que discute a exclusão em demasia e obscurece, segundo Peixoto
(2010, p.241), as formas “às vezes indignas de inclusão”. Disso podemos depreender
uma das facetas do caráter contraditório que envolve o debate da inclusão/exclusão.
Outro aspecto a acentuar nesse debate, refere-se a uma tendência de que as
políticas sociais se inclinam, segundo Cohn (2000, p.4), a “um novo mercado de
investimento privado - subsidiado pelo Estado, haja vista o instrumento da ‘renúncia
fiscal’ para as áreas de saúde e educação- configurando-se a área social num setor
altamente lucrativo para o capital privado”. A autora alerta para o fato de que essa
configuração tende a desinstitucionalizar direitos e transferir para a esfera privada a
proteção social.
2 O uso do termo inclusão nas políticas de educação superior
A construção de um sistema educacional no Brasil, que tenha como uma das
pautas a inclusão social, deu-se a partir da concordância do país com a Conferência
Mundial Educação para Todos (1990), e, posteriormente, ao se tornar signatário da
Declaração de Salamanca (1994). Com isso, firmava-se o compromisso instituído
nesses eventos e dava-se maior visibilidade às questões relativas à inclusão na
educação, a exemplo do que se expressou na LDB de 1996, conforme se mostra adiante
no texto.
Há diferentes termos na legislação educacional que fazem menção à garantia de
direitos, como: educação inclusiva, inclusão social, democratização do acesso,
igualdade no acesso, acesso universal, universalização do acesso e acesso inclusivo.
Destacamos a seguir alguns deles, sob a perspectiva de determinados autores.
A educação inclusiva geralmente refere-se à oferta de oportunidade de ingresso
aos segmentos discriminados no sistema educacional básico com atendimento
especializado, como prevê a estratégia quatro do PL 8.035/2010 do PNE:
Meta 4: Universalizar, para a população de quatro a dezessete anos, o
atendimento escolar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação na rede regular de
ensino.
[...]
4.5) Fomentar a educação inclusiva, promovendo a articulação entre o
ensino regular e o atendimento educacional especializado complementar
ofertado em salas de recursos multifuncionais da própria escola ou em
instituições especializadas. (BRASIL, 2011, p.24, grifo nosso).
Silva e Nogueira (2011, p. 27), com base em seus estudos, apontam que, “no
discurso oficial, democratização e inclusão contêm significados semelhantes,
correspondendo ao acesso à educação superior pela população com menor poder
aquisitivo”.
Cabe ressaltar que a igualdade, conceitualmente, se distingue da inclusão, pois
as políticas de inclusão não se propõem a efetivar a igualdade e sim amenizar as
desigualdades no acesso aos direitos. Sobre isso, Almeida (2009) faz a seguinte análise:
A compreensão de que a política social, em especial a denominada de
inclusiva, preconiza o acesso aos direitos e utiliza-se de programas para
efetivar ações que minimizem as desigualdades sociais, demonstra que o
Estado vem seguindo uma lógica específica: a de que essas justificativas (sob
o rótulo do discurso de inclusão) são efetivadas em um sistema em que o
capital é o ator principal e que nenhuma política desenvolvida sob essa
orientação é desvinculada dessa lógica. (ALMEIDA, 2009, p. 43).
A referida análise remete à ideia de que o acesso universal ou a universalização
do acesso diz respeito à possibilidade de ingressar de forma abrangente na educação
superior. Esse debate, por sua vez, remete a outro: o de que somente o ingresso não
garante a permanência e a conclusão. Sobre isso, cabe destacar que acesso, na
perspectiva de Silva e Veloso (2013), vai além da entrada no nível superior, pois
engloba o ingresso, a permanência, a conclusão e a formação qualificada.
Assim, percebe-se a abrangência do tema acesso, visto que, ao submetê-lo a
aprofundamentos, transcende-se à mera questão do ingresso do estudante. As
dimensões que comporta (ingresso, permanência, conclusão e formação),
vistas no conjunto, segundo os indicadores quantitativos (quantos?) e na sua
complexidade (a quem? a que fins? como?), sinalizam as possibilidades da
democratização do acesso. Entende-se, pois, que democrático ou
democratizante refere-se a um atributo do acesso, capaz de explicitar as suas
características em face da realidade. (SILVA; VELOSO, 2013, p. 2-3).
Na busca de explorar os aspectos conceituais que permeiam a questão da
inclusão, ressaltamos o entendimento de que os termos agregados (educação inclusiva,
inclusão social, democratização, igualdade, acesso universal, universalização do acesso
e acesso inclusivo) possuem uma aparência de legalidade e de ruptura com o sistema de
exclusão, sendo usados na função ideológica de expressar o acolhimento de grupos
historicamente excluídos, bem como em políticas ativas de inclusão, dentro dos limites
aceitáveis pelo sistema capitalista.
Como ilustração, temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948,
um documento importante no que diz respeito à reivindicação dos direitos, tendo
influenciado na elaboração de políticas relacionadas à educação no Brasil, como a LDB.
O artigo da Declaração que trata do direito à instrução indica que a instrução superior
será acessível a todos, desde que baseada no mérito, o que representa uma aceitação às
diferentes oportunidades de ingresso que os indivíduos terão, frente aos diferentes tipos
de instrução recebidos ao longo da vida.
Art. XXVI- Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será
gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução
elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a
todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. (UNESCO,
1998, p.5).
No Brasil, a LDB, implementada pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
estabelece como um dos princípios e fins da Educação Nacional, no art. 3º ítem I: a
igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
A partir disso, podemos inferir que a LDB apresenta-se com a garantia legal de
que todos tenham a mesma oportunidade de participação no processo de seleção. Porém,
a CF (1988) indica uma desconstrução dessa ideia ao prever que o ingresso no ensino
superior seja de acordo com a capacidade de cada um, conforme art. 208: “V- acesso
aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a
capacidade de cada um”.
Ainda sobre a LDB, na perspectiva de evidenciar contradições expressas,
observamos a aceitação da coexistência entre sistema público e privado na oferta do
ensino, visto que o mesmo se apresenta livre à iniciativa privada (o que se alia ao art.
209 da CF- 88), de modo que os recursos públicos não sejam reservados exclusivamente
para as instituições públicas.
Outro documento importante relativo a essa temática é o SINAES, instituído
pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004. O documento define que um dos parâmetros
de avaliação é a responsabilidade social da instituição e cita a inclusão social como um
dos objetivos da mesma:
III – a responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no
que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao
desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória
cultural, da produção artística e do patrimônio cultural. (BRASIL, 2004, grifo
nosso).
Por sua vez, o PDE tem a inclusão social como um dos princípios que balizam a
educação superior:
iii) promoção de inclusão social pela educação, minorando nosso histórico
de desperdício de talentos, considerando que dispomos comprovadamente de
significativo contingente de jovens competentes e criativos que têm sido
sistematicamente excluídos por um filtro de natureza econômica. (BRASIL,
2007, grifo nosso).
Ao fazer referência aos jovens que têm sido excluídos por um filtro de natureza
econômica, o PDE apresenta um discurso de inclusão social, que defende que sejam
tratados desigualmente os desiguais, através da discriminação positiva do grupo que se
pretende incluir na educação superior. Com isso, ao que parece, os beneficiários dessa
política têm a sensação de igualdade de oportunidade de ingresso, como é o caso das
políticas de cotas das Universidades Federais.
Registramos, igualmente, que na criação do PNAES, pelo Decreto n.º 7.234, de
19 de julho de 2010, o termo inclusão aparece como um dos objetivos do programa:
IV - contribuir para a promoção da inclusão social pela educação.
Outro documento a ser mencionado é o Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), instituído pelo
Decreto n.º 6.096, de 24 de abril de 2007, que aponta em uma das suas diretrizes: V ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil.
Em síntese, pelos documentos do SINAES, PDE, PNAES e REUNI, verificamos
que o Estado atribui a função de inclusão social às instituições que ofertam a educação
superior, sendo essa, inclusive, uma das dimensões da avaliação das IES no SINAES.
Podemos observar que os documentos citados preveem que as políticas de ingresso e de
permanência
voltadas
aos
grupos
discriminados
historicamente
deverão
ser
desenvolvidas pelas IES com o objetivo de inclusão social dos mesmos.
É oportuno mencionar, por fim, o PL 8.035/2010, em tramitação na Câmara dos
Deputados, que versa sobre o novo PNE. Nele, a meta de número 12 é elevar a taxa
bruta1 de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da
população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta. Tem como estratégia,
ainda, ampliar, por meio de programas especiais, as políticas de inclusão e de
assistência estudantil nas instituições públicas de educação superior, de modo a ampliar
as taxas de ingresso e permanência na educação superior de estudantes egressos da
escola pública, apoiando seu sucesso acadêmico.
Em suma, pode-se afirmar que o termo inclusão nas políticas de educação
superior relaciona-se, sobretudo, com o ingresso nesse nível de ensino. Ao que
percebemos, predominam as políticas que favorecem o ingresso em relação as que
favorecem a permanência de grupos historicamente excluídos.
3 O PROUNI como programa de inclusão social
O PROUNI está entre os programas que, segundo o MEC, visam aumentar o
acesso ao ensino superior de estudantes de baixa renda. Nas descrições dos programas
voltados para a educação superior no site do Ministério da Educação, a criação do
PROUNI é assim justificada:
Por que foi criado:
O programa foi criado objetivando ampliar o acesso ao ensino superior de
estudantes de baixa renda, até então somente atendidos no âmbito das
instituições privadas pelo Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino
Superior (FIES), e regulamentar a concessão de bolsas nas instituições de
ensino superior beneficentes de assistência social. O ProUni integra o
conjunto de ações do MEC destinadas ao cumprimento das metas do Plano
Nacional de Educação 2001-2011. (MEC, 2010, grifo nosso).
1
Taxa bruta de matrícula na educação superior refere-se ao percentual de estudantes matriculados
independente da idade e taxa líquida de matrícula refere-se ao percentual de estudantes com idade entre
18 e 24 anos.
Apesar dessa justificativa não se referir expressamente ao termo inclusão social,
observamos que, assim como “ascensão social”, esse termo é usado nos discursos em
defesa do PROUNI, proferidos pelo Presidente, pelo Ministro da Educação e pelas
entidades representativas do segmento privado. Também verificamos que vários
trabalhos científicos associam o PROUNI ao tema inclusão social.
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)
considera o PROUNI um projeto de inclusão social e lamenta, no momento da sua
criação, ele não ser reconhecido como tal, e sim como uma política de expansão do
acesso ao ensino superior em resposta ao Plano Nacional de Educação:
Lamenta-se que um programa que permite a possibilidade de acesso de
alunos carentes às instituições de ensino superior, não seja reconhecido como
exemplo de política de inclusão social. Parece que há no País um excessivo
tributo à crítica destrutiva. (ABMES, 2004, p. 11).
Na submissão do PL 3.582/2004 para aprovação pelo Presidente Luiz Inácio
Lula da Silva em 28 de abril de 2004, dentre as justificativas para a criação do
Programa, está o aumento de matrículas no ensino médio que, consequentemente,
aumenta a demanda pelo ensino superior. Além disso, apresenta-se como justificativa a
expansão do ensino superior privado com aumento da ociosidade de vagas, a
necessidade de elevação do padrão educacional da população para se alcançar maiores
níveis de desenvolvimento econômico, a regularização da filantropia, um pacto pela
qualidade no ensino superior privado e o cumprimento da meta do Plano Nacional de
Educação (PNE- lei nº 10.172 de 06 de janeiro de 2001) de prover, até o final da década
pelo menos 30% da população entre 18 e 24 anos.
Em 28 de abril de 2004, no pedido de aprovação pelo Presidente Lula do PL que
instituía o PROUNI, o termo inclusão social não é citado como uma das justificativas
para a implantação do Programa. Ao invés disso, o primeiro item do documento referese à democratização do acesso, ao que parece, pretendendo significar “diversificação e
expansão do acesso”.
1. O Programa Universidade para Todos (PROUNI) visa democratizar o
acesso da população de baixa renda ao ensino superior, pois, enquanto os
alunos do ensino fundamental e médio estão majoritariamente matriculados
em instituições públicas de ensino, o mesmo não acontece com os alunos
matriculados no ensino superior, em que apenas 30% dos jovens
universitários tem acesso ao ensino gratuito. (ABMES, 2004, p. 28, grifo
nosso).
Na justificativa apresentada pelo Ministro da Educação Interino Fernando
Haddad para a MP 213 que instituía o PROUNI, também não há como razão para a
implantação do mesmo o uso da expressão inclusão social, e sim, novamente
“democratização do ensino superior”. Dentre as quinze justificativas apresentadas,
destacamos as seguintes:
7. O Programa reteve, sem exceção, todas as suas preocupações iniciais, no
sentido de regular a educação superior ofertada por entidades beneficentes de
assistência social e democratizar o acesso à universidade [...]. (ABMES,
2004, p. 103).
8. Além de consubstanciar um programa de democratização do ensino
superior mediante a concessão de bolsas de estudo, a presente proposta de
Medida Provisória institui, em seu art.5º, §6º. medida de tratamento
equilibrado às instituições de ensino superior sem fins lucrativos, que podem
ser beneficentes ou não beneficentes. (ABMES, 2004, p. 103, grifo nosso).
Outra justificativa do Ministro para a criação desse Programa é o tratamento
fiscal diferenciado atribuído às instituições de ensino superior, não visando somente
desonerá-las, e sim diminuir os custos das mensalidades para os alunos, beneficiando
também os alunos regulares com mensalidades com menor valor efetivando. Segundo
Haddad (2004, p.126), “uma política clara de acesso à população que, com méritos, não
tem renda para arcar com as mensalidades”.
10. Nota-se, com isso, que o presente projeto de Medida Provisória visa a dar
à educação superior um status diferenciado, intenta elevá-la à categoria de
bem essencial e que, destarte, não poderia se submeter ao regime tributário e
fiscal indistintamente aplicável à atividade empresarial orientada pela
mercadoria e pelo consumo. Ora, ninguém ignora que os tributos cobrados de
instituições de ensino superior são repassados aos estudantes por meio da
cobrança de mensalidade, conforme a racionalidade econômica empresarial.
(ABMES, 2004, p. 103).
O texto da MP 213, que posteriormente foi convertida na Lei n.º 11.096, que
instituiu o Programa, também não apresenta o termo inclusão social, mas já trata de
políticas de ação afirmativa no inciso II do artigo 7º, que destina percentual de bolsas
para os autodeclarados negros e indígenas.
A apresentação da Lei n.º11.096 indica a criação do Programa e regulação da
atuação das entidades beneficentes de assistência social que atuam na educação
superior, não apresentando em seu bojo o uso do termo inclusão social. Mas há de
ressaltar que as propagandas veiculadas na mídia relacionam o Programa com a
diminuição das desigualdades sociais e a democratização do acesso ao ensino superior.
Os manuais dos bolsistas são orientações procedimentais do programa e
possuem uma apresentação feita pelo MEC. No Manual do Bolsista de 20082, há o uso
do termo inclusão social na apresentação do programa, chamando a atenção do públicoalvo:
O Programa Universidade para Todos é uma das mais bem-sucedidas ações
do Ministério da Educação possibilitando o ingresso de jovens de baixa renda
nas instituições de ensino superior. A concessão de bolsas de estudo a esses
estudantes oferece oportunidade a milhares de jovens de ampliarem os seus
conhecimentos e as chances de sucesso profissional. Ao reservar vagas para
afrodescendentes, indígenas e pessoas com deficiência, o ProUni caracterizase por um importante mecanismo de inclusão social, estabelecendo
oportunidades para vencer as desigualdades. (BRASIL/ MEC/ PROUNI,
2008, p.2, grifo nosso).
Já no Manual do Bolsista de 2010, o Programa é apresentado como uma política
que alia a inclusão ao mérito devido às características do processo seletivo do mesmo,
conforme descrito no trecho a seguir:
Dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede
particular na condição de bolsistas integrais, com renda per capita familiar
máxima de três salários mínimos, o ProUni conta com um sistema de seleção
informatizado e impessoal, que confere transparência e segurança ao
processo. Os candidatos são selecionados pelas notas obtidas no ENEM –
Exame Nacional do Ensino Médio conjugando-se, desse modo, inclusão à
qualidade e mérito dos estudantes com melhores desempenhos acadêmicos.
(BRASIL/ MEC/ PROUNI, 2010, p.2, grifos nossos).
A apresentação do Manual do Bolsista de 2012 não traz o termo inclusão social.
Destaca as ações que incentivam a permanência e apresenta o PROUNI como uma das
medidas que aumenta as vagas e o acesso ao ensino superior.
O ProUni possui também ações conjuntas de incentivo à permanência dos
estudantes nas instituições, como a Bolsa Permanência, o convênio de estágio
MEC/CAIXA e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e o Fies Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior, que possibilita ao
bolsista parcial financiar a parcela da mensalidade não coberta pela bolsa do
programa. Assim, o Programa Universidade para Todos, somado ao
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais – REUNI, a Universidade Aberta do Brasil e a
expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica ampliam
significativamente o número de vagas e o acesso à educação superior.
(MEC/ PROUNI, 2012, p.3, grifo nosso).
O MEC, ao divulgar o PROUNI como uma forma de ampliação de vagas induz à
ideia de que a vaga privada é uma vaga pública. Porém, cabe lembrar que o Programa
não aumenta o número de vagas e sim promove a ocupação das vagas já existentes.
2
Não foram encontrados os Manuais dos Bolsistas dos outros anos.
Na cerimônia de comemoração do bolsista PROUNI de número um milhão, a
Presidente Dilma Roussef referiu-se ao Programa como uma forma de distribuição de
renda e construção de oportunidades no mercado de trabalho:
E tenhamos muito orgulho do ProUni porque o ProUni é um dos elementos
de distribuição de renda deste país. É um dos instrumentos mais
importantes construídos agora, no presente, mas nós construímos a
oportunidade no presente para garantir o futuro. Não tem como garantir o
futuro se você não constrói um sistema de oportunidades no presente. E é isso
que eu acho que o ProUni é. [...] Com a Educação você constrói também um
modelo de desenvolvimento sustentável para o país. (BRASIL, 2012, grifo
nosso).
Nesse mesmo discurso, a Presidente referiu-se ao ENEM, o mecanismo de
seleção para o PROUNI, como um meio de “deselitização” do ensino universitário em
nosso país e o defendeu “como a forma mais democrática de acesso dos jovens
brasileiros ao ensino universitário”.
Em síntese, os marcos legais do PROUNI, embora não citem diretamente a
expressão inclusão social, o relacionam à democratização do acesso. Ressalte-se, ainda,
que nos Manuais dos Bolsistas aparece a relação do Programa com a inclusão social ao
se referir à capacidade do Programa em diminuir as desigualdades sociais, facilitando o
ingresso na educação superior de grupos historicamente discriminados.
Em face da definição do que entendemos por inclusão e o modo como o termo é
usado nos documentos e discursos sobre o PROUNI, entendemos que ele de fato se
configura como um programa de inclusão social. Um desafio é quantificar alguns
elementos que expressem de alguma maneira a inclusão social por esse programa, já que
alguns dados que seriam necessários para subsidiarem essa análise não são divulgados
oficialmente.
Sendo assim, consideramos como indicadores de inclusão social os dados que
refletem a ocupação das bolsas por cor, levando em consideração que a parcela mais
pobre da população ainda é formada por negros.
Nos dados do IBGE de 2010 sobre a distribuição da população de acordo com
cor e renda, os negros e pardos prevaleciam nos grupos de menor salário. Entre as
pessoas que recebem entre ¼ e ½ salário mínimo, 6,20% são brancas e 10,74% são
pretas e pardas; entre ½ e 1 salário mínimo, 13,27% são brancas e 15,02% são pretas e
pardas; entre um e dois salários mínimos, 12,73% são brancas e 8,88% são pretas e
pardas. Verifica-se, pois, que as menores faixas de renda possuíam percentuais maiores
de pretos e pardos, enquanto as maiores faixas de renda possuíam um percentual maior
de brancos.
Houve um crescimento da renda de negros e pardos no período de 2001 a 2011,
apontado pelo IPEA (2012, p. 7): “A renda daqueles que se identificam como pretos e
pardos sobe 66,3% e 85,5%, respectivamente, contra 47,6% dos brancos.” Apesar desse
crescimento da renda, acredita-se que ainda o grupo dos que se identificam como pretos
e pardos prevalece nas menores faixas de renda.
A Tabela 1 ilustra a distribuição da população com mais de 10 anos de idade no
Censo Demográfico e Contagem da População de 2010 do IBGE.
Tabela 1. Distribuição do número de pessoas de 10 anos ou mais de idade e
percentual. Brasil, Mato Grosso e Cuiabá, 2010
Brasil
Mato Grosso
Cuiabá
Núm. de pessoas
%
Núm. de pessoas
%
Núm. de pessoas
%
Branca
77.787.902
48,02
950.329
37,46
155.821
33,14
Preta
12.974.794
8,01
207.132
8,16
53.755
11,43
Amarela
1.824.789
1,13
29.759
1,17
6.661
1,42
Parda
68.779.712
42,46
1.321.616
52,09
252.381
53,68
616.927
0,38
28.099
1,11
1.494
0,32
6.142
0,0
155
0,01
10
0,00
Indígena
Sem declaração
Total
Fonte: IBGE.
161.990.266
2.537.090
470.122
Em Mato Grosso prevalece a população de cor parda. Em Cuiabá e Mato Grosso
o percentual da população preta é maior que no Brasil, enquanto que a população branca
é menor em Mato Grosso e em Cuiabá.
A lei que criou o PROUNI prevê que as bolsas sejam distribuídas conforme a
proporcionalidade do último levantamento feito pelo IBGE. A Tabela 2 demonstra a
ocupação das bolsas, conforme a cor do bolsista em Mato Grosso, de 2005 a 2011.
Tabela 2. Ocupação das bolsas por cor. Mato Grosso, 2005-2011
Amarela
%
Branca
%
Indígena
%
Não informada
%
Parda
%
Preta
%
Total
2005
34
2,52
287
21,29
5
0,37
379
28,12
454
33,68
189
14,02
1348
2006
53
2,48
694
32,51
5
0,23
0
0,00
922
43,19
461
21,59
2135
2007
52
2,65
697
35,52
6
0,31
10
0,51
880
44,85
317
16,16
1962
2008
37
1,87
633
31,99
3
0,15
0
0,00
962
48,61
344
17,38
1979
2009
44
1,72
697
27,27
2
0,08
1
0,04
1313
51,37
499
19,52
2556
2010
61
1,85
839
25,51
4
0,12
0
0,00
1736
52,78
649
19,73
3289
2011
46
1,25
983
26,78
5
0,14
0
0,00
1946
53,01
691
18,82
3671
Total
327
1,93
4830
28,51
30
0,18
390
2,30
8213
48,48
3150
18,60 16940
Fonte: Painel de Controle/ MEC.
A ocupação das bolsas por pessoas de cor preta é maior que a proporcionalidade
divulgada pelo IBGE. Enquanto 48,48% das bolsas são ocupadas por pardos e 18,60%
são ocupadas por pretos, na população acima de 10 anos os pardos representam 52,09%
e os pretos 8,16%. Isso significa que em Mato Grosso mais pessoas da cor preta estão
ingressando no ensino superior via PROUNI, além do mínimo imposto pela Lei que
criou o Programa. Porém, o número de pardos ocupando as bolsas é, em média, inferior
ao número de pardos na população. Isso pode ser devido ao fato de alguns candidatos
não se declararem pardos e sim de cor preta.
Desde o lançamento do PROUNI até o ano de 2012, foram ofertadas no Brasil
1.669.938 bolsas, conforme a Tabela 3. Porém, em 2012 é que a bolsa de número 1
milhão foi ocupada, fato amplamente divulgado pelo MEC3.
Tabela 3. Distribuição de bolsas PROUNI. Brasil, 2005-2012
Ano
Parcial
%
%∆
Integral
%
%∆
Total
2005
40370
35,95
---
71905
64,05
---
112275
2006
39970
39,69
-0,99
100698
60,31
40,04
140668
2007
66223
40,41
65,68
97631
59,59
-3,05
163854
2008
125510
55,78
89,53
99495
44,22
1,91
225005
2009
94517
38,16
-24,69
153126
61,84
53,90
247643
2010
115351
47,8
22,04
125922
52,2
-17,77
241273
2011
124926
49,06
8,30
129672
50,94
2,98
254598
2012
133752
46,99
7,06
150870
53,01
16,35
284622
Total
740619
44,23
---
929319
55,77
---
1669938
Fonte: Dados e Estatísticas PROUNI.
A relação entre o número de bolsas parciais e integrais é importante para revelar
a faixa de renda dos beneficiários do programa e, através do número de bolsas parciais,
o duplo favorecimento das IES, que recebem a isenção fiscal e a outra parte da
mensalidade arcada pelo bolsista.
Nos primeiros anos do Programa, a maioria das bolsas era integral, o que
privilegiava uma população que se enquadrava em um perfil socioeconômico menor,
inclusive favorecendo a sua permanência, já que a bolsa integral não necessita de
complementação da mensalidade e era concedida àqueles que possuíam renda familiar
de até 1,5 salários mínimo per capita.
3
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17412>.
Em 2008, as bolsas integrais representavam menos da metade; já nos últimos
anos nota-se um equilíbrio entre o número de bolsas parciais e integrais, o que sinaliza
que metade dos bolsistas necessita buscar financiamentos ou arcar com a outra parte da
mensalidade. Há, pois, nesse quadro, uma forma questionada de inclusão social, que
pode manifestar a sua outra face, a exclusão.
Considerações finais
Em síntese, pretendemos expressar que, frente a uma realidade desigual, com
conflitos de classes e discriminação, o sistema se vê obrigado a criar mecanismos de
inclusão para amenizar a condição social contraditória, impedindo-a de se tornar
explosiva. Essas medidas acolhem os grupos desassistidos e injustiçados, porém, faz-se
necessário admitir seu caráter limitado e paliativo.
Ainda que beneficie um número reduzido de alunos, o PROUNI seleciona-os
conforme a renda e dá a oportunidade de ingresso no ensino superior àqueles que
obtiveram nota suficiente no ENEM e que não acreditavam que teriam a oportunidade
de ingressar no ensino superior público.
A propósito, em estudo realizado com
estudantes concluintes de escola pública estadual no interior de São Paulo, Silva (2009)
verificou que a maioria considera que as vagas no ensino superior público são para as
pessoas de classe média e alta. Isso parece ter sido divulgado fortemente e influenciado
o sentimento de autoexclusão de segmentos populares sobre o ambiente universitário
público.
Verificamos, através dos dados, que a ocupação das bolsas por bolsistas da cor
preta é, proporcionalmente, maior do que se apresenta na população, o que sugere que o
PROUNI favoreça o ingresso desse grupo no ensino superior. Portanto, entendemos o
PROUNI como um programa de inclusão social, que encerra as limitações impostas
pelo sistema capitalista e pelo ensino no setor privado, principalmente o de fim
lucrativo.
Mesmo assim, entendemos importante considerar que o Programa contribui para
diminuir certas mazelas sociais encravadas na nossa sociedade por séculos, que
expressam situações de extrema fragilidade dos setores excluídos do usufruto dos bens
coletivos. Contudo, esse traço não pode ser identificado como solução nem remeter a
um segundo plano as contradições que envolvem o Programa.
Referências
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< http://www.portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/portaria_pnaes.pdf> Acesso em: 17 jul.
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