EXAME DA LEGALIDADE DO AUMENTO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL AUTORIZADO EM FACE DO RACIONAMENTO COMPULSÓRIO VIGENTE EM 2001/2002. Paulo A. Meyer M. Nascimento SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O CONTRATO DE CONCESSÃO PARA A DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. 2. ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL). 3. A AUTORIZAÇÃO DO AUMENTO DAS TARIFAS FACE AO ADVENTO DO RACIONAMENTO OBRIGATÓRIO. CONCLUSÃO. INTRODUÇÃO A crise energética agravada em junho de 2001, quando os níveis de água nos reservatórios das hidroelétricas brasileiras alcançaram um patamar tão baixo que exigiu do Governo Federal a adoção de um rígido regime de racionamento de energia elétrica, gerou uma queda no faturamento das distribuidoras do setor. Em razão disso, essas empresas pleitearam uma compensação financeira, que adveio na forma de empréstimo concedido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empréstimo este a ser pago pelo consumidor, por meio de aumento extraordinário das tarifas. Em verdade, o racionamento apenas fez transparecer para a sociedade brasileira um problema que já vinha se agravando há tempos. A escassez de água vem se configurando há décadas um dos grandes gargalos das políticas públicas não só no Brasil, mas em todo o mundo. Suas implicações para o sistema de fornecimento de energia pátrio vinham sendo maciçamente discutidas no meio acadêmico, nos veículos de comunicação e no próprio Congresso Nacional. Pode-se dizer que, diante da inércia do Poder Público em buscar alternativas energéticas, o anúncio de um racionamento compulsório não foi um fato surpreendente. Todavia, muito embora a crise energética já se delineasse há muito tempo, alega-se que evitar seu agravamento até o ponto de culminar com a necessidade de racionamento estava fora do alcance das distribuidoras de energia. Caberia ao Poder Público implementar ações que revertessem a baixa dos níveis de abastecimento de água ou que possibilitassem o desenvolvimento de fontes alternativas de energia. Nesta ótica, ainda que previsível, o racionamento não poderia ter sido evitado pelas concessionárias. Aqueles que defendem este posicionamento argumentam que a eventual negligência do Poder Público nesta questão não pode ser estendida ao setor privado. Diante de tais circunstâncias, a Administração Pública nada mais teria feito do Bacharelando em Direito, pela Universidade Católica do Salvador, e em Economia, pela Universidade Federal da Bahia e pela Middlesex University, de Londres. E-mail: [email protected] E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... que se investir de suas prerrogativas para restabelecer as condições econômicofinanceiras originais dos contratos de concessão de serviço público firmados. Contudo, cabe questionar se tal cenário de crise ensejaria de fato um aumento extraordinário de tarifas de energia elétrica a fim de restituir as perdas porventura havidas pelas distribuidoras durante o período em que esteve o racionamento em vigor. A obrigação imposta aos consumidores de economizar energia se constituiria realmente em um evento extraordinário cujos reflexos nos contratos de concessão de distribuição seriam de tal magnitude a ponto de gerar um desequilíbrio econômicofinanceiro que enseje alteração contratual? Esta questão não é pacífica. Há quem sustente, por exemplo, que os contratos de concessão assinados prevêem investimentos na geração de energia elétrica por parte das empresas contratadas. Se assim for, a responsabilidade pela ocorrência do racionamento deve ser atribuída também às distribuidoras, as quais, portanto, não teriam direito à restituição das perdas porventura havidas no período. Para examinar a legalidade do aumento tarifário extraordinário decorrente do referido racionamento, este trabalho percorrerá três etapas. Na primeira serão abordados os aspectos concernentes aos contratos de concessão de serviço público em geral e de concessão de distribuição de energia elétrica em particular, inclusive no que diz respeito ao regime tarifário. Em seguida o foco será sobre as atribuições e as competências da agência reguladora do setor elétrico. Por fim, a última etapa discorrerá acerca da aplicabilidade das teorias do fato do príncipe, da imprevisão e do fato da administração ao aumento tarifário estudado, avaliando se de fato houve um desequilíbrio econômico-financeiro que justificasse esse aumento. 1. O CONTRATO DE CONCESSÃO PARA A DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A concessão é um instituto que há muito é empregado como uma forma de descentralização de serviços públicos. Entretanto, com o crescimento mundial da influência dos ideais neoliberais na formatação do Estado, criou-se uma nova aplicação desse instituto: a privatização. No Brasil, tal prática vem se intensificando gradativamente, sobretudo desde a década de 1990. Não obstante este modelo venha sofrendo um período de questionamentos mais contundentes acerca de sua real eficácia, sua utilização segue em voga nas mais diversas sociedades mundo afora, não sendo diferente na nossa. O intuito da utilização da concessão como forma de privatização é substituir a empresa estatal pela empresa privada no papel de concessionária, acreditando-se que, assim, desonera-se o Estado da prestação direta de serviços públicos viáveis de serem executados pela iniciativa privada, deixando-o mais apto a se dedicar a atividades tão ou mais essenciais nas quais o setor privado não veria lucratividade, além de tornar mais ágil e qualitativamente superior o serviço prestado ao usuário. Evidentemente, tal assertiva decorre de premissas e valores de determinada corrente ideológica. Não cabe aqui, ao menos por ora, discutir sua eloqüência. Atemo- 2 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O nos a discorrer sobre os ditames legais e as considerações doutrinárias pertinentes à concessão de serviços públicos no Direito pátrio. 1.1. ASPECTOS GERAIS DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS A concessão de serviços públicos é definida por Celso Antônio Bandeira de Mello como “o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob a garantia contratual do equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço” (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 622). Maria Sylvia Zanella di Pietro, por sua vez, alude a tal instituto como “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço” (DI PIETRO, 1999, p. 72). Já José dos Santos Carvalho Filho o conceitua como “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 287). Tendemos a sedimentar nossa posição de acordo com os dois últimos doutrinadores citados, para quem a concessão de serviço público é um contrato administrativo. Celso Antônio Bandeira de Mello, não obstante inclua este instituto como modalidade de contrato administrativo, o faz contra sua vontade, pois entende que tanto a concessão como as demais variedades de “relações tão díspares” nas quais a Administração Pública faz uso de suas prerrogativas especiais não deveriam ser chamados de contratos, devido às suas características próprias que as distanciam sobremaneira da natureza dos contratos regidos pelo Direito Privado (BANDEIRA DE MELLO, 2001). Em verdade, várias são as teorias que visam a definir a natureza jurídica da concessão de serviço público (ver o QUADRO I abaixo). Conforme ressalta José Cretella Jr., aquela mais aceita pela melhor doutrina é a que considera a concessão como contrato de direito público (CRETELLA JR., 2001). QUADRO I - Teorias Acerca Da Natureza Jurídica Da Concessão Teorias Unilaterais Ato unilateral Dois atos unilaterais Natureza Jurídica da De direito privado Concessão: Teorias Bilaterais De direito público De direito misto Teoria Mista: ato administrativo e contrato privado FONTE: CRETELLA JR., 2001. Em nossa opinião, trata-se a concessão de serviço público de um contrato administrativo que rege, a partir de outorga da Administração Pública, a execução de um serviço público por parte de um agente econômico, público ou privado, o qual assume para si os riscos inerentes à atividade, cuja remuneração 3 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... se dá principalmente por intermédio de tarifas cobradas dos usuários do serviço. A concessão de serviços públicos tem previsão constitucional. A Carta Magna dispõe sobre esse instituto em seus artigos 21, incisos XI e XII (indica os serviços que a União pode prestar diretamente ou por meio de autorização, concessão ou permissão), 25, § 2° (diz respeito a gás canalizado), 175 e 223 (pertinente aos serviços de radiodifusão sonora de sons e imagens). Desses dispositivos constitucionais, o artigo 175 é aquele de relevância indelével ao objeto do presente trabalho, estando seu texto reproduzido a seguir: Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. PARÁGRAFO ÚNICO. A lei disporá sobre: I. o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II. os direitos dos usuários; III. política tarifária; IV. a obrigação de manter o serviço adequado. É importante precisar o alcance do conteúdo do artigo em questão. Conforme ressalta Maria Sylvia Zanella di Pietro, não é qualquer serviço público que pode ser objeto de concessão, ainda que o texto em epígrafe dê essa impressão. A concessão só é possível para aqueles serviços públicos prestados a terceiros (usuários) e que admita sua exploração comercial por parte do concessionário. Na ausência de qualquer desses elementos, não há como se falar em concessão do serviço público. (DI PIETRO, 1999). Infraconstitucionalmente, o instituto da concessão de serviços públicos está disciplinado pelas Leis n° 8.987/1995 e 9.074/1995, alteradas pela Lei n° 9.648/1998. Subsidiariamente, nos casos omissos nas leis específicas, aplica-se a Lei n° 8.666/1993 (Lei de Licitações). A Lei n° 8.987/1995, conhecida como Lei de Concessões, dispõe, dentre outras coisas, sobre o que seja serviço adequado dos concessionários, os direitos e obrigações dos usuários, a licitação, os encargos do poder concedente, os encargos da concessionária e a extinção da concessão. Reserva ela o seu capítulo VI às disposições gerais dos contratos de concessão, em especial a enumeração de suas cláusulas essenciais (artigo 23), a responsabilidade pela execução do serviço concedido (artigo 25), as condições gerais para a outorga de subconcessão (artigo 26), conseqüências da transferência de concessão ou do controle societário da concessionária (artigo 27) e a possibilidade de oferecimento em garantia dos direitos emergentes da concessão, nos casos de contratos de financiamento (artigo 28). Já a Lei n° 9.074/1995 estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências. As disposições desse diploma legal acerca dos serviços elétricos estão agrupadas essencialmente no seu capítulo II, que traz normas preliminares sobre as concessões, permissões e autorizações (artigos 4° a 10), o produtor independente de energia elétrica (artigos 11 a 14), as opções de compra de energia elétrica por parte dos consumidores (artigos 15 e 16), as instalações de transmissão e dos consórcios de geração (artigos 17 e 18) e a prorrogação das concessões atuais (artigos 19 a 25). Acrescente-se a esses 4 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O dispositivos os §§ 1° a 4° do artigo 28 do mesmo diploma, acrescentados pela Lei n° 9.648/1998, que prevêem a possibilidade de alteração do regime de exploração de serviços de energia elétrica. No que diz respeito especificamente à concessão de energia elétrica, são de grande importância também a Lei n° 9.247/1996 e o Decreto n° 2.335/1997, que discorrem sobre a constituição da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), autarquia sob regime especial responsável pela regulação do setor, cujas atribuições e competências serão tratadas na seção 2 desta obra. O contrato de concessão de serviço público engloba sempre duas idéias antitéticas, cujo equilíbrio, como observa Maria Sylvia Zanella di Pietro, citando os autores franceses George Vedel e Pierre Devolvé, “constitui toda a teoria do contrato de concessão” (DI PIETRO, 1999, p. 73). Tais antíteses são o interesse geral que a prestação do serviço público deve atender, estando para tanto sob a autoridade da Administração Pública, e o máximo de proveito possível que a empresa capitalista concessionária busca obter. Em última instância, portanto, há em todo contrato de concessão de serviço público a dualidade entre os benefícios privados e os benefícios sociais que dele decorrem, devendo a Administração Pública procurar canalizar a atuação privada à maximização dos benefícios sociais, sem prejuízo aos benefícios privados, para fazer com que o contrato gere o que os economistas chamam de externalidades positivas1. Das duas idéias antitéticas presentes no contrato de concessão de serviço público derivam características próprias cuja observância conjunta visa a produzir uma síntese equilibrada. Tais aspectos, e de quais idéias decorrem, são enumeradas no QUADRO II abaixo: QUADRO II - Características Resultantes Das Idéias Antitéticas Presentes No Contrato De Concessão De Serviço Público Características Resultantes do Fato de a Concessão Ter por Objeto a Execução de um Serviço Público a) a existência de cláusulas regulamentares no contrato; b) a outorga de prerrogativas públicas ao concessionário; c) a sujeição do concessionário aos princípios inerentes à prestação de serviços públicos: continuidade, mutabilidade, igualdade dos usuários; d) reconhecimento de poderes à Administração concedente, como encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais da empresa concessionária, poder de direção e 1 Características Resultantes do Fato de Ser a Concessionária uma Empresa Capitalista que Visa ao Lucro a) a natureza contratual da concessão de serviço público; b) o direito do concessionário à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Externalidades positivas é o termo utilizado em Economia para se referir aos impactos positivos gerados em um determinado setor ou mesmo no todo da sociedade quando os benefícios sociais propiciados por uma atividade econômica superam em muito os benefícios privados. 5 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... de controle sobre a execução do serviço, poder de aplicar sanções e decretar caducidade; e) a reversão de bens da concessionária para o poder concedente, ao término da concessão; f) a natureza pública dos bens da concessionária afetados à prestação do serviço; g) responsabilidade civil regida por normas publicísticas; h) efeitos trilaterais da concessão do serviço público: sobre o poder concedente, o concessionário e os usuários. FONTE: DI PIETRO, 1999. A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é o direito do concessionário correspondente ao poder de alteração unilateral conferido à Administração, sendo, além do próprio objeto material da concessão, o único aspecto contratual da concessão imutável unilateralmente. Afinal, “para o concessionário, a prestação do serviço é um meio através do qual obtém o fim que almeja: o lucro. Reversamente, para o Estado, o lucro que propicia ao concessionário é o meio por cuja via busca sua finalidade, que é a boa prestação do serviço (...) Daí que, embora o Estado possa modificar unilateralmente as condições do serviço, deverá preservar o equilíbrio econômico quando as alterações que introduzir agravem a situação do concessionário” (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 633). 1.2. ASPECTOS ESPECÍFICOS DO CONTRATO DE CONCESSÃO PARA DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA Atualmente são 58 contratos de concessão para distribuição firmados entre a União, figurando como poder concedente por intermédio da ANEEL, e empresas privadas vencedoras de licitação para figurarem como concessionárias do serviço. O primeiro foi assinado em 1997 e o mais recente, em 2002. Em todos esses contratos, as cláusulas essenciais estabelecidas pelo artigo 23 da Lei de Concessões encontram-se presentes, quais sejam disposições referentes: ao objeto, à área e ao prazo da concessão; ao modo, forma e condições de prestação do serviço; aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e revisão das tarifas; aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relativos às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e instalações; aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço; à forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exerce-la; às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação; aos casos de extinção da concessão; aos bens reversíveis; aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; às condições para 6 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O prorrogação do contrato; à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente; à exigência de publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. 1.2.1. A POSIÇÃO DO PODER PÚBLICO NO CONTRATO Como em todo contrato administrativo, na concessão para distribuição de energia elétrica estão sempre presentes prerrogativas públicas para o poder concedente e restrições para o concessionário. São prerrogativas do poder concedente os poderes de alteração unilateral das cláusulas regulamentares, de encampação, de intervenção, de direção e controle sobre a execução do serviço, de aplicar sanções e decretar a caducidade e de utilizar os recursos humanos e os materiais da empresa concessionária sempre que lhe aprouver. Todas essas prerrogativas estão previstas na Lei de Concessões e estão presentes como cláusulas nos contratos já celebrados. A presença expressa de tais prerrogativas se faz necessária para garantir a supremacia do poder concedente, pressuposto indispensável para que prevaleça o interesse público. Nas palavras de José dos Santos Carvalho Filho, “como corolário da preponderância do Estado nos contratos administrativos, incidem na concessão as cláusulas de privilégio, ou exorbitantes, que são certas prerrogativas expressamente atribuídas ao Estado nos contratos administrativos” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 293). À Administração cabe ainda fiscalizar a exploração do serviço público de distribuição de energia elétrica. Este papel é desempenhado por intermédio da ANEEL. 1.2.2. DIREITOS E DEVERES DAS DISTRIBUIDORAS Conforme avançado anteriormente, a concessão acarreta restrições ao concessionário, ao passo que atribui prerrogativas ao poder concedente. Essa desigualdade entre as partes é compensada pelo direito do contratado ao equilíbrio econômico-financeiro. Todavia, algumas prerrogativas especiais são também atribuídas ao concessionário. Isto ocorre porque, como gestor de um serviço público, o concessionário necessita eventualmente fazer uso de poderes e privilégios jurídicos típicos do direito público, a fim de efetivamente obter condições de executar o serviço. São conferidas as seguintes prerrogativas às distribuidoras de energia elétrica, enumeradas nos contratos já firmados: Utilizar, por prazo indeterminado, os terrenos de domínio público, estabelecendo sobre eles estradas, vias ou caminhos de acesso e as servidões que se tornarem necessárias à exploração do serviço, com sujeição aos regulamentos administrativos; Promover desapropriação e instituição de servidões administrativas sobre bens declarados de utilidade pública, necessários à execução de serviços ou de obras vinculadas ao serviço, arcando com o pagamento das indenizações correspondentes; e Construir estradas e implantar sistemas de telecomunicações, sem prejuízo de terceiros, para uso exclusivo na exploração do serviço, respeitada a legislação pertinente. 7 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... Como já ressaltado, o maior direito das distribuidoras é a garantia de equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A Administração Pública pode alterar unilateralmente, observadas as condições e limites fixados legalmente, qualquer cláusula relativa à prestação do serviço em si, mas jamais poderá afetar com isso a equação econômico-financeira estabelecida no momento de execução do contrato. Ressalta Lucas Rocha Furtado que “a Administração somente poderá promover a alteração unilateral das cláusulas de serviço (...); se alguma alteração unilateral, ou mesmo bilateral, afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, será obrigatória a adoção de medidas que visem à preservação desse equilíbrio” (FURTADO, 2001, p. 270-271). A questão acerca da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão é de crucial importância para o objeto de análise do presente trabalho. Em razão disso, sua discussão será retomada e bastante aprofundada na seção 3, quando discorreremos precisamente acerca do cabimento do aumento das tarifas de energia elétrica para compensar as perdas das distribuidoras do setor em função do racionamento compulsório decretado em maio de 2001. Quanto às obrigações das distribuidoras, evidentemente sempre passíveis de serem alteradas unilateralmente pelo poder concedente, mediante normas regulamentares específicas, vêem elencadas ao longo do contrato de concessão, estando concentradas na cláusula destinada às condições de prestação do serviço, na cláusula que dispõe sobre a expansão e ampliação dos sistemas elétricos e, principalmente, na cláusula que discorre acerca das obrigações e encargos da concessionária. O conteúdo dessas cláusulas visa a, de um modo geral, garantir a prestação adequada do serviço. A obrigação das distribuidoras de energia elétrica que mais tem suscitado polêmica quanto à eventual parcela de responsabilidade dessas concessionárias pelo racionamento obrigatório de 2001 é aquela disposta no artigo 7º da Resolução ANEEL n° 278, de 19/07/2000. Este dispositivo é reproduzido a seguir: Art. 7º. No âmbito do sistema interligado nacional, uma empresa concessionária ou permissionária de distribuição somente poderá adquirir energia elétrica de empresas a ela vinculadas ou destinar energia por ela mesma produzida para atendimento de seus consumidores cativos até o limite de 30% (trinta por cento) da energia comercializada com esses consumidores. Os opositores à reposição das perdas das distribuidoras em face desse racionamento alegam que, além de ser este um fato perfeitamente previsível e alertado, não foi combatido pelas concessionárias de distribuição. Ainda que elas sozinhas não pudessem impedir a ocorrência da situação que obrigou a instituição do racionamento, poderiam ter feito o que estava a seu alcance, isto é, gerar energia própria. Segundo SAUER ET ALLI, a maior parte das distribuidoras de energia elétrica encontra-se muito aquém do limite estabelecido pela ANEEL para a geração própria dessas concessionárias. Enquanto tal limite é de 30% da energia vendida aos consumidores cativos, as concessionárias de energia elétrica geram, em média, menos de 10% da energia que comercializam (SAUER ET ALLI, 2001). Esta problemática também será retomada na seção 3. 1.2.3. DIREITOS E DEVERES DO CONSUMIDOR 8 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O Todo contrato de concessão é celebrado entre o poder concedente e o concessionário. Entretanto, seus efeitos não se restringem a essas duas partes, afetando também terceiros estranhos à celebração da avença, que são os usuários ou utentes do serviço público prestado. Por isso se diz que a concessão gera efeitos trilaterais. No caso da distribuição de energia elétrica, os usuários do serviço são os consumidores de eletricidade. A Resolução n° 456/2000 da ANEEL define consumidor como “pessoa física ou jurídica, ou comunhão de fato ou de direito, legalmente representada, que solicitar à concessionária o fornecimento de energia elétrica e assumir a responsabilidade pelo pagamento das faturas e demais obrigações fixadas em normas e regulamentos pela ANEEL, assim vinculando-se aos contratos de fornecimento, de uso e de conexão ou de adesão, conforme cada caso”. Os direitos e deveres dos consumidores de energia elétrica comuns aos dos usuários de serviços públicos objeto de concessão em geral estão enumerados no artigo 7° da Lei de Concessões, cujos incisos têm sua redação reproduzida a seguir: I. receber serviço adequado; II. receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; III. obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente; IV. levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V. comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI. contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços. Além desses, acrescente-se o direito à modicidade das tarifas, previsto nos artigos 6°, § 1°, e 11. Específicos dos consumidores de energia elétrica são os direitos e deveres enumerados no QUADRO III abaixo. 1.2.4. A SISTEMÁTICA TARIFÁRIA DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO PARA A DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A regulação tarifária atualmente adotada para o setor elétrico brasileiro é baseada no modelo inglês de privatização, o qual utiliza a metodologia do preço teto incentivado (price cap). Por este sistema, fixa-se inicialmente as tarifas consideradas adequadas para a remuneração e amortização dos investimentos e para suprir os custos operacionais. Posteriormente, as tarifas determinadas vão sofrendo duas modalidades de correções: os reajustes e as revisões (SAUER ET ALLI, 2001). O preço-teto estipulado funciona como um limite máximo para as concessionárias; podem elas, no entanto, cobrar tarifas inferiores ao limite determinado. Sauer et alli definem as duas modalidades de correção tarifária da seguinte maneira: “Os reajustes utilizam um índice de inflação, para preservação do valor real das tarifas. Os contratos de concessão estabelecem a periodicidade anual para o reajuste das tarifas, mas garantem que, eventualmente, ele poderá ocorrer períodos inferiores a 12 meses. A revisão tarifária acontece ao fim de um período definido em contrato (tipicamente entre 4 e 7 anos) e procede à aplicação, pela agência 9 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... reguladora, do fator X, a ser subtraído ou acrescido da fórmula de correção, equivalente aos ganhos de produtividade da empresa no período.” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 22). Na lógica desta sistemática, as empresas concessionárias se veriam estimuladas a obter ganhos de produtividade, no período entre as revisões, pois assim teriam um aumento de sua lucratividade. Ao mesmo tempo, os consumidores seriam beneficiados por uma posterior redução das tarifas reais, em virtude da atuação do fator X como redutor durante as revisões. O cálculo dos reajustes envolve um índice de correção dos preços do varejo e o fator X. Os contratos de concessão mais recentes estabelecem ainda duas parcelas, A e B, que constituem a receita das concessionárias para os fins de reajustes tarifários. A parcela A engloba os custos tidos como não-administráveis ou nãogerenciáveis, quais sejam: cota da Reserva Global de Reversão – RGR; cotas da Conta de Consumo de Combustíveis – CCC; encargos da compensação financeira pela exploração de recursos hídricos; valores relativos à fiscalização dos serviços concedidos; compra de energia; e encargos de acesso aos sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica para revenda. A parcela B corresponde aos custos administráveis ou gerenciáveis, que são o valor remanescente da receita da concessionária, excluído o ICMS, após a dedução da parcela A. A discussão em torno da sistemática vigente de regulação tarifária será retomada na última subseção da seção 2, quando será abordado o papel da ANEEL neste contexto. 10 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O QUADRO III -Direitos E Deveres Específicos Dos Consumidores De Energia ElétricaDIREITOS - Fornecimento de energia elétrica a todos os consumidores com qualidade e continuidade asseguradas; - Executar, por sua opção, as obras necessárias ao seu fornecimento, com a devida participação financeira do concessionário; - Rever o contrato de fornecimento (consumidores em alta tensão), após implantar medidas de conservação de energia; - Ter os equipamentos de medição vistoriados periodicamente pelo concessionário, segundo critérios estabelecidos na legislação metrológica. O consumidor poderá exigir a qualquer tempo uma aferição dos medidores; - No caso de inexistência de medidores, o faturamento deverá ser feito com base nos valores mínimos faturáveis; - No caso de defeito no medidor, o período máximo de retroação para cobrança dos valores não medidos é de 1 (um) mês. - Ser informado, quando da efetivação do pedido de fornecimento, as opções de faturamento que podem ser exercidas pela unidade consumidora; - As faturas devem conter, informações sobre a qualidade do fornecimento, além de ser possível incluir a cobrança de outros serviços, desde que previamente autorizado pelo consumidor; - Solicitar a entrega da fatura em outro local que não a unidade consumidora, devendo arcar com eventuais custos adicionais; - Disponibilização de 6 (seis) datas de vencimento da fatura, para a escolha do consumidor; - Quando houver pagamento em duplicidade da fatura, o concessionário deverá fazer a devolução até o próximo vencimento; - A multa por atraso está limitada a 2% do valor total da fatura; - No caso de suspensão de fornecimento indevida, o concessionário deverá providenciar a religação, sem qualquer ônus, no prazo máximo de 4 (quatro) horas após o pedido; - Deverá ser informado permanentemente sobre os cuidados especiais para a utilização da energia elétrica, bem como ser cientificado de seus direitos e deveres; - Esta assegurado o ressarcimento por danos ocasionados em virtude do fornecimento de energia elétrica. - Ser avisado com 15 dias de antecedência, no caso de suspensão do fornecimento por falta de pagamento; - Os consumidores que façam uso de equipamentos vitais à preservação da vida humana, que dependem de eletricidade, deverão serem avisados sobre interrupções programadas, com antecedência mínima de 5 dias úteis. DEVERES - Observar as normas técnicas dos órgãos oficiais, do concessionário, da ABNT; com especial atenção aos aspectos de segurança; - Instalar em local adequado e de fácil acesso, os dispositivos necessários para a colocação do medidor e equipamentos de proteção; - Manter sob sua guarda, na condição depositário fiel e gratuito, os equipamentos de medição do concessionário; - As instalações elétrica internas da unidade consumidora que estiverem em desacordo com as normas deverão ser reformadas ou substituídas; - Declarar toda a carga elétrica que será utilizada na unidade consumidora; - Celebrar contrato de fornecimento ou de adesão com o concessionário; - Informar ao concessionário a atividade que será desenvolvida na unidade consumidora; - Fazer os pagamentos correspondentes aos serviços prestados pelo fornecimento da energia; FONTE: ANEEL – Resolução n° 456/2000. 11 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... 2. ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DA AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA (ANEEL) A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi criada pela Lei nº 9.427, de 26/12/1996, tendo seu regulamento sido expedido pelo Decreto nº 2.335, de 06/10/1997. Sua criação inaugurou uma nova tendência de se inserir no Direto pátrio a terminologia agência para determinadas categorias de autarquias sob regime especial2. Essa terminologia advém do Direito Norte-americano, no qual todas as autoridades públicas, excetuando-se os três poderes do Estado, constituem agências (DI PIETRO, 2002). As agências norte-americanas exercem funções quase-legislativas, conquanto editam normas, e quase-judiciais, pois solucionam determinados conflitos de interesse, ditando, para tanto, qual o direito aplicável. Atualmente este modelo vem sendo limitado em seu país de origem, não obstante siga proliferando-se pelo mundo. Face às características do Direito Brasileiro, as funções quase-legislativas e quase-judiciais que desempenham as agências norte-americanas têm um alcance bastante reduzido quando transplantadas para as agências que estão sendo criadas pela reforma administrativa brasileira. Na verdade, o regime especial das agências que estão surgindo na Administração Pública Indireta brasileira tem como particularidade marcante apenas a nomeação dos seus dirigentes pelo Presidente da República, sob aprovação do Senado Federal, que, quando efetivada, garante aos nomeados mandato a prazo certo. Conforme ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello, “os demais traços que são apontados nas leis disciplinadoras de algumas das agências reguladoras para caracterizar o regime especial nada lhes agregam de peculiar em relação a quaisquer outras autarquias” (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 132). Mesmo assim, tal particularidade não é exclusiva dessas agências. Como sustenta Maria Sylvia Zanella di Pietro, “(...) já existem, no direito brasileiro, muitas entidades, especialmente autárquicas, com maior dose de independência em relação ao Poder Executivo, tal como ocorre com as Universidades Públicas, a Ordem dos Advogados do Brasil e outras entidades em que os dirigentes dispõem de mandato fixo, não podendo ser livremente exonerados pelo Poder Executivo” (DI PIETRO, 2002, p. 400). A apregoada função regulatória de certas agências tampouco é uma característica exclusiva delas, dentro da nossa Administração Pública Indireta. Função desta natureza é também exercida pelo Banco Central do Brasil, pelo Conselho Monetário Nacional e pelo CADE, dentre outras entidades. Na opinião de Maria Sylvia Zanella di Pietro, a maior novidade dentre as agências criadas pela reforma administrativa está provavelmente “na instituição das agências reguladoras que vêm assumindo o papel que o poder público desempenha nas concessões e permissões de serviços públicos” (DI PIETRO, 2002, p. 400). Após a ANEEL foram criadas a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (Lei nº 9.472/1997, regulamentada pelo Decreto nº 2.338/1997), a Agência Nacional do Petróleo – ANP (Lei nº 9.478/1997, regulamentada pelo Decreto nº 2.455/1998), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei nº 9.782/1999, regulamentada pelo Decreto nº 3.029/1999 e posteriormente modificada pela Medida Provisória nº 2.134-25/2000), a Agência Nacional de Saúde – ANS (Lei nº 9.961/2000, regulamentada pelo Decreto nº 3.327/2000), e a Agência Nacional das Águas – ANA (Lei nº 9.984/2000, regulamentada pelo Decreto nº 3.692/2000). 2 12 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O Tratemos, então, de examinar os moldes gerais das agências reguladoras, dentre as quais se inclui a ANEEL. 2.1. AS AGÊNCIAS REGULADORAS José dos Santos Carvalho Filho define as agências reguladoras como autarquias a quem foi atribuída “a função principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executa-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização” (CARVALHO FILHO, 2001, p. 368). Mais sintéticos nesta definição são Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem as agências reguladoras “são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades” (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 132), E Maria Sylvia Zanella di Pietro, que as situa como “qualquer órgão da Administração Pública Direta ou entidade da Administração Pública Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta” (DI PIETRO, 2002, p. 402). Quando entidade da Administração Pública Indireta, a agência encontra-se adstrita ao princípio da especialidade, isto é, exerce e é especializada na matéria específica que a lei lhe atribuiu. Embora já existam há muito tempo entidades com função reguladora no direito brasileiro, somente a partir da recente reforma administrativa é que se começou a utilizar o vocábulo agência (DI PIETRO, 2002). Já o termo reguladora é aplicado para certas agências a fim de lhes fazer referência à sua função de regular e fiscalizar os assuntos atinentes a suas respectivas esferas de atuação (BANDEIRA DE MELLO, 2001). Nas palavras de Calixto Salomão Filho, a regulação, em sentido amplo, “engloba toda forma de organização da atividade econômica através do Estado, seja a intervenção através da concessão de serviço público ou o exercício de poder de polícia” (apud DI PIETRO, 2002, p. 403). O exercício do poder de polícia, que agências como a ANVISA e a ANS exercem, é uma atividade que também é da alçada de entidades desde antes existentes, a exemplo do Banco Central, do CADE, da Secretaria da Receita Federal e do Conselho Monetário Nacional. A regulação e controle das atividades que constituem objeto de concessão, permissão ou autorização de serviço público, função maior da ANEEL e da ANATEL, ao lado da concessão para exploração de bem público, que é a função da ANP, é que parece ser a principal novidade no direito brasileiro com a introdução das agências reguladoras. Uma vez que as agências reguladoras vêem substituindo a Administração Pública Direta no tocante à execução dos poderes especiais atinentes ao poder concedente, cabe agora a elas fixar e alterar unilateralmente cláusulas regulamentares dos contratos de concessão, que são aquelas que visam a garantir que o serviço seja prestado pela forma mais adequada ao interesse público, bem como se valer de outros poderes especiais, como os de encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais da empresa concessionária, poder de direção e controle sobre a execução do serviço, poder sancionatório, poder de decretar a caducidade e de fazer a reversão de bens da concessionária ao término da concessão. 13 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... Por outro lado, as cláusulas contratuais, que são aquelas que visam a garantir o direito da concessionária ao equilíbrio econômico-financeiro, continuam não podendo sofrer modificações unilaterais. No que diz respeito às atribuições das agências reguladoras na concessão, permissão ou autorização de serviço público, resumem-se elas às funções que o poder concedente exerce em tais tipos de contrato, assim enumeradas por Maria Sylvia Zanella di Pietro (DI PIETRO, 2002, p. 406): Regulamentar os serviços que constituem objeto da delegação; Realizar o procedimento licitatório para a escolha do concessionário, permissionário ou autorizatário; Celebrar o contrato de concessão ou permissão ou praticar ato unilateral de outorga da autorização; Definir o valor da tarifa e da sua revisão ou reajuste (grifo nosso); Controlar a execução dos serviços; Aplicar sanções; Encampar; Decretar a caducidade; Fazer a reversão dos bens ao término da concessão; Exercer o papel de ouvidor das denúncias e reclamações dos usuários. 2.2. A ANEEL Conforme já foi dito, a Agência Nacional de Energia Elétrica foi criada pela Lei n° 9.427, de 26/12/1996, tendo seu regulamento sendo expedido pelo Decreto n° 2.335, de 06/10/1997. Havendo suas atribuições sido delegadas diretamente por meio de sua lei instituidora, pois não tem previsão constitucional3, a função normativa da ANEEL se limita à edição de normas que objetivem regular a sua própria atividade ou esclarecer conceitos jurídicos presentes em lei, sem inovar na ordem jurídica. A Lei da ANEEL define, no caput do seu artigo 2°, a finalidade da agência como sendo “regular fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal”. As atribuições da ANEEL são as mesmas comuns a todas as agências reguladoras, tal como enumerado no último parágrafo da seção anterior deste capítulo, decorrendo do disposto nos artigos 29 e 30 da Lei n° 8.987/1995 (Lei de Concessões). Quanto à competência específica da ANEEL, sua previsão está no artigo 3° da lei instituidora da agência. São as seguintes as incumbências especialmente conferidas à ANEEL, elencadas no artigo 3° da Lei n° 9.427/1996: I. Implementar as políticas e diretrizes do governo federal para a exploração da energia elétrica e o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, expedindo os atos regulamentares necessários ao cumprimento das normas estabelecidas pela Lei n° 9.074, de 7/07/1995; II. Promover as licitações destinadas à contratação de concessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para o aproveitamento de potenciais hidráulicos; 3 Dispõem de previsão constitucional apenas duas agências: a ANATEL e a ANP. 14 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O III. Definir o aproveitamento ótimo de que tratam os §§ 2° e 3° do artigo 5° da Lei n° 9.074/1995; IV. Celebrar e gerir os contratos de concessão ou permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, expedir as autorizações, bem como fiscalizar, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, as concessões e a prestação dos serviços de energia elétrica; V. Dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores; VI. Fixar os critérios para cálculo do preço e transporte de que trata o § 6° do artigo 15 da Lei n° 9.074/1995, e arbitrar seus valores nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos; VII. Articular com o órgão regulador do setor de combustíveis fósseis e gás natural os critérios para fixação dos preços de transporte desses combustíveis, quando destinados à geração de energia elétrica, e para arbitramento de seus valores, nos casos de negociação frustrada entre os agentes envolvidos. Muitos dos incisos acima citados são, na verdade, repetição de outros constantes dos artigos 29 e 30 da Lei de Concessões. 2.2.1. A DETERMINAÇÃO DAS TARIFAS PELA ANEEL Na seção 1 foi dito que a atual sistemática tarifária dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica estabelece a determinação de uma tarifa inicial voltada a remunerar as concessionárias e amortizar seus investimentos. A partir de então, correções tarifárias de dois tipos, reajustes e revisões, acontecem periodicamente, com o intuito de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato através de uma fórmula que, em tese, incentivaria as distribuidoras a aumentar sua produtividade, ao mesmo tempo em que permitiria, a médio e longo prazo, uma evolução das tarifas reais benéfica ao consumidor (ver seção 1.2.4.). A ANEEL, sendo o órgão regulador do setor, é o responsável pela implementação dessa sistemática. Tanto as tarifas iniciais de energia elétrica quanto as suas correições devem ser homologadas por esta agência. No período dos reajustes anuais, cada concessionária encaminha à ANEEL um documento no qual solicita, com as devidas justificativas técnicas e com base na fórmula presente no contrato de concessão, o percentual de reajuste que acredita ser cabível. A agência então analisa esse documento e refaz as contas, definindo o percentual de reajuste que irá incidir de fato. Os reajustes são, em regra, anuais, podendo, contudo, ocorrer em prazos inferiores mediante permissão legal. Na hipótese disto acontecer, uma nova periodicidade é estipulada. Já as revisões são periódicas, podendo, todavia, haver alguma revisão extraordinária quando algum acontecimento altere significativamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Neste sentido propugna a própria ANEEL, em seu endereço eletrônico, conforme pode ser constatado da leitura do trecho transcrito a seguir: “Os reajustes pretendem oferecer à concessionária a perspectiva de que, no período entre revisões, o equilíbrio econômico-financeiro de sua concessão não sofrerá a corrosão do processo inflacionário, sendo-lhe permitida a apropriação de parte dos ganhos de eficiência econômica que vier a alcançar no período. As revisões são feitas ordinariamente a cada 15 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... cinco anos (revisões periódicas) e têm por objetivo restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. As revisões extraordinárias podem ser solicitadas nos períodos de reajuste, sempre que algum evento provoque significativo desequilíbrio econômico-financeiro da concessão.” (Extraído de www.aneel.gov.br em 05/06/2002). A primeira revisão tarifária periódica, segundo Sauer et alli, foi a da ESCELSA, em 1998. Naquela oportunidade foi testada pela primeira vez a sistemática da regulação pelo teto incentivado, a qual, conforme já visto, visa a “viabilizar o incremento da produtividade das empresas, induzindo a eficiência na gestão dos recursos humanos, tecnologia e contratos, permitindo, após um prazo suficiente de apropriação exclusiva pela empresa – o incentivo – que os ganhos sejam repartidos com os consumidores” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 24). O caso da ESCELSA mostrou que o incremento de produtividade foi muito pequeno diante do conjunto de correções tarifárias normais e extraordinárias concedidas no mesmo período. Além disso, a ANEEL, mesmo assessorada por consultores internacionais, não conseguiu avaliar precisamente a produtividade da empresa (SAUER ET ALLI, 2001). As concessionárias, em geral multinacionais poderosas, acabam tendo um poder de pressão bastante alto sobre a agência reguladora, que por sua vez depende das informações prestadas pelas concessionárias para definir as tarifas. Os consumidores, sem a mesma organização das concessionárias e conseqüentemente sem a mesma força, não conseguem defender a contento seus interesses nesse embate. A sistemática tarifária adotada para o setor elétrico brasileiro, portanto, encontra obstáculos de difícil superação para atingir sua finalidade inteiramente. A dificuldade de medir com alguma precisão os ganhos de produtividade das empresas é agravada pela presença de “assimetria de informações entre empresa e regulador, acentuada pela parca participação e controle por parte da sociedade e, pelos riscos de captura do regulador pela empresa” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 24). 2.2.2. O PROGRAMA EMERGENCIAL DE REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA E A ANEEL O Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica, que instituiu o racionamento compulsório do consumo de eletricidade, anunciado em maio de 2001 e implantado no segundo semestre do mesmo ano, vigorando até março de 2002, não foi decorrência de ato da ANEEL. A implantação do racionamento foi de responsabilidade do próprio Poder Executivo, que o fez por intermédio de Medida Provisória, através da qual criou também a Câmara de Gestão da Crise Energética (GCE), cuja atribuição primária é “implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas de eletricidade” (MARTINI, ob. cit., p. 1). O aumento de tarifas que decorreu desse programa, cuja autorização coube à ANEEL, foi justificado como uma revisão extraordinária face à ocorrência de evento capaz de alterar substancialmente o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica. A sustentabilidade jurídica desse argumento será analisada no próximo capítulo. 16 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O 3. A AUTORIZAÇÃO DO AUMENTO DAS TARIFAS FACE AO ADVENTO DO RACIONAMENTO OBRIGATÓRIO Desde que foi instituído, o racionamento obrigatório suscitou questionamentos em todo o País acerca de sua legalidade. O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, julgando uma ação declaratória de constitucionalidade interposta pelo Governo Federal, declarou que o racionamento de eletricidade estabelecido pelo referido Programa não fere a ordem constitucional pátria. Na visão de Arnoldo Wald, essa decisão da Suprema Corte foi acertada, face à crise energética estabelecida, possibilitando a conclusão de importantes acordos entre o Governo e as geradoras e distribuidoras de eletricidade, o que teria representado, a seu ver, um importante passo para a sedimentação do direito das concessões do serviço público. Para Wald, o Poder Público e as concessionárias encontraram soluções que permitiram a recomposição patrimonial às empresas, sem prejuízo aos direitos adquiridos. Deste posicionamento não se mostra de acordo Paulo Martini, juiz de Direito no Mato Grosso, para quem o racionamento de energia imposto seria completamente ilegal, pois a distribuição de energia elétrica é considerado por Lei serviço essencial e, por isso, sua prestação deve ser contínua. Além disso, “tratando-se de serviços prestados sob o regime de remuneração tarifária ou tributária, inocorrendo mora ou inadimplemento, não há como lhe negar, principalmente a título coercitivo e punitivo, o seu desfrute” (MARTINI, ob. cit., p. 4). Para Martini, não pode o Governo alegar a ocorrência de fato imprevisível como justificativa para a adoção das medidas concernentes ao racionamento, posto que “é público e notório que o Governo foi várias vezes alertado pelos órgãos competentes, no sentido de que, ao final da década de 90, se não fossem feitos investimentos na área energética, o País sofreria déficit de energia. Inclusive o próprio Presidente, quando ainda candidato, manifestou-se neste sentido” (MARTINI, ob. cit., p. 10). Arnoldo Wald, por outro lado, ressalta que a responsabilidade pela crise que culminou no racionamento não pode ser atribuída às empresas concessionárias. Se, de fato, as empresas concessionárias não podem ser responsabilizadas pelas circunstâncias que ensejaram o advento do racionamento de energia elétrica, far-se-ia jus a alteração de seus contratos no caso de estes haverem sido atingidos em seu equilíbrio econômico-financeiro. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos é de fundamental importância à observância dos princípios da eqüidade, da razoabilidade, da continuidade do contrato administrativo e da indisponibilidade do interesse público. Para Di Pietro, “na realidade, tem-se que conciliar duas idéias: de um lado, a de que, para o concessionário, a concessão constitui um empreendimento que visa ao lucro, mas que envolve riscos; de outro, a de que, para a Administração, o objeto do contrato é um serviço público e, portanto, uma atividade que atende a necessidades da coletividade e, por isso mesmo, não pode parar” (DI PIETRO, 1999, p. 93). Assim, a ocorrência de áleas ordinárias seria um risco ao qual o concessionário estaria sujeito sem o direito de recomposição do equilíbrio econômico financeiro, mas o advento de áleas extraordinárias, por serem estas imprevisíveis e não imputáveis ao concessionário, enseja a revisão das cláusulas financeiras para a recomposição do equilíbrio que desapareceu. Os eventos extraordinários, que correspondem a um risco imprevisível, inevitável e não imputável ao contratado, podem ser de natureza econômica (quando 17 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... dão margem à teoria da imprevisão) ou administrativa (quando decorrem de alteração unilateral do contrato, da teoria do fato do príncipe ou da teoria do fato da administração). No caso do aumento das tarifas de energia elétrica em razão do racionamento obrigatório, o motivo do desequilíbrio econômico-financeiro evidentemente não foi alteração unilateral do contrato. Como salienta Sauer et alli, “a falta de energia não pode ser interpretada como alteração unilateral, pois mesmo admitindo que o Governo falhou em sua política adotada para o setor, trouxe como resultado alterações ao contrato, ou perdas de faturamento, que não devem ser entendidas como unilaterais, ou seja, receberam contribuição de todas as partes: Poder Concedente, operador, administrador do mercado atacadista, geradoras e distribuidoras” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 49). Resta analisar se tal motivo teria fundamento na teoria do fato do príncipe, na teoria do fato da administração ou na teoria da imprevisão, o que será feito a seguir. 3.1. FUNDAMENTO NA TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE? A teoria do fato do príncipe, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, se aplica “nos casos em que o Poder Público, no uso de prerrogativas alheias à sua qualidade de contratante, adota medidas que desbalanceiam o equilíbrio contratual originalmente estipulado” (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 578). No mesmo sentido Leon Frejda Szklarowsky conceitua o fato do príncipe, que seria “ato geral do Poder Público, que reflexamente produz o desequilíbrio econômico do contrato ou obsta sua execução” (SZKLAROWSKY, ob. cit., p. 4), bem como Di Pietro, para quem o fato do príncipe abrangeria “medidas de ordem geral, não relacionadas diretamente com o contrato, mas que nele repercutem, provocando desequilíbrio econômico-financeiro em detrimento do contratado” (DI PIETRO, 1999, p. 95). Já segundo Hely Lopes Meirelles, “o que caracteriza o fato do príncipe é a generalidade e a coercitividade da medida prejudicial ao contrato, além de sua surpresa e imprevisibilidade, com agravo efetivo ao contratado” (MEIRELLES, ob. cit., p. 224). Dessa forma, se o referido aumento nas tarifas do setor elétrico for conseqüência de um desequilíbrio contratual originado de um evento que se adeqüe à teoria do fato do príncipe, então o racionamento compulsório foi uma medida de ordem geral do Poder Público, coercitiva e imprevisível, alheia ao contrato de concessão firmado com as distribuidoras de energia elétrica, que causou uma situação contratual desfavorável e injusta às concessionárias. Ora, as circunstâncias que ensejaram a instituição do racionamento compulsório eram bastante previsíveis. Segundo Sauer et alli, “é de conhecimento geral dos técnicos do setor que o sistema elétrico historicamente trabalhou considerando a possibilidade de déficit em até 5%. (...) pelo menos desde 1999 o risco que estava sendo incorrido era muito maior do que os 5% admissíveis” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 38/39). Além disso, não se tratou de uma medida totalmente alheia ao contrato de concessão firmado com as concessionárias, pois a necessidade de racionamento de energia elétrica foi conseqüência também da inércia das distribuidoras, que, mesmo cientes do risco de uma sub-oferta, não se movimentaram no sentido de expandir a geração. Conforme visto no Capítulo 1, colaborar para o aumento da geração de energia estava ao alcance das distribuidoras, uma vez que o artigo 7° da Resolução ANEEL n° 278, de 19/07/2000, prevê uma margem de geração própria dessas empresas equivalente a até 30% da energia por elas comercializada, o que não vem acontecendo (ver seção 1.2.2.). Assim sendo, ainda que tendo sido uma medida geral de caráter coercitivo do Poder Público, o racionamento decretado em 2001, a nosso ver, não se constitui em 18 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O um fato do príncipe, haja visto que era mais do que previsível a necessidade de implantá-lo. 3.2. FUNDAMENTO NA TEORIA DA IMPREVISÃO? A teoria da imprevisão apregoa a revisão contratual sempre que haja “a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas nãoimputáveis, refletindo sobre a economia ou na execução do contrato, (...), para ajustálo às circunstâncias supervenientes” (GAGLIANO, ob. cit., p. 4). Orlando Gomes ressalta que o fundamento da revisão contratual regida pela teoria da imprevisão reside, para alguns autores, no desaparecimento da vontade contratual em razão da alteração do estado de fato, enquanto que, para outros, está na falta parcial de causa do contrato, em seu aspecto funcional, existindo ainda corrente que encontra esse fundamento na teoria do abuso do direito, além de outras que o vêem na eqüidade, na boa-fé, e em outras idéias gerais. De qualquer forma, para que uma situação se configure como uma aplicação da teoria da imprevisão, é necessária presença de quatro requisitos básicos, enumerados por Arnaldo Medeiros da Fonseca: a) o diferimento ou a sucessividade na execução do contrato; b) alteração nas condições circunstanciais objetivas em relação ao momento da celebração do contrato; c) excessiva onerosidade para uma das partes, sem compensação por outras vantagens auferidas anteriormente; d) imprevisibilidade da circunstância superveniente. Nélson Zunino Neto, advogado em Santa Catarina, e Pablo Stolze Gagliano, juiz de direito na Bahia, utilizam, respectivamente, os termos previsibilidade razoável e previsibilidade natural inserta na álea de todo contrato para se referir às circunstâncias que ensejam a manutenção da pacta sunt servanda; quando a onerosidade excessiva decorre de fato cuja ocorrência tenha transposto tais limites de previsibilidade, se faz jus a aplicação da teoria da imprevisão. Portanto, se o racionamento decretado em 2001 foi um evento imprevisível ou imprevisto, alheio ao comportamento das partes signatárias dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica, causando às concessionárias prejuízo ao seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro, então a autorização do aumento das tarifas é legitimada pela teoria da imprevisão. Analisando os quatro requisitos básicos à aplicação da teoria da imprevisão, constata-se que falta ao nosso caso a presença do último, o da imprevisibilidade da circunstância superveniente, além de ser duvidosa a presença do terceiro desses requisitos, o da excessiva onerosidade para uma das partes, sem compensação por outras vantagens auferidas anteriormente. É questionável a onerosidade excessiva que as distribuidoras alegam ter sofrido em função do racionamento como justificativa para a autorização de um aumento extraordinário das tarifas do setor elétrico. De acordo com Sauer et alli (ver seção 3.4.), essas empresas reduziram bastante seus custos operacionais desde a assinatura de seus contratos de concessão, demitindo pessoal. Ao mesmo tempo, teriam lucrado muito com os reajustes anuais anteriores, sempre superiores aos índices de inflação (SAUER ET ALLI, 2001). Conforme visto na seção anterior, a imprevisibilidade é descartada pelo fato público e notório, especialmente entre os técnicos do setor, de que o sistema elétrico vinha já há anos funcionando com um déficit de abastecimento muito superior aos 5% tradicionalmente adotados como margem de segurança. 19 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... Ainda que se trate a concessão de distribuição de energia elétrica de um contrato de execução sucessiva e mesmo que as condições conjunturais observadas no momento de sua celebração tenham sido modificadas face ao racionamento, falta o requisito fundamental da imprevisibilidade para que o aumento em questão das tarifas seja justificado pela teoria da imprevisão, além de ser questionável o argumento de que as concessionárias sofreram uma onerosidade excessiva sem compensação por outras vantagens auferidas anteriormente. 3.3. FUNDAMENTO NA TEORIA DO FATO DA ADMINISTRAÇÃO? Fato da Administração é todo ato praticado por autoridade pública que repercute sobre o contrato, podendo provocar um desequilíbrio econômico-financeiro que confere ao contratado o direito à sua recomposição. De acordo com Di Pietro, o fato da Administração difere do fato do príncipe porque, ao contrário deste, não guarda relação direta alguma com o contrato. Hely Lopes Meirelles equipara o fato da Administração à força maior, mas, na visão de Di Pietro, os dois não se confundem, visto que, embora em ambos haja a ocorrência de um fato atual (posterior à celebração do contrato), imprevisível e inevitável, “na força maior esse fato é estranho à vontade das partes e, no fato da Administração, é imputável a esta” (DI PIETRO, 1999, p. 96). Assim, se o racionamento foi um ato de autoridade pública sem relação direta alguma com a distribuição de energia elétrica objeto do contrato de concessão, repercutindo nele apenas reflexamente, então o aumento das tarifas autorizado em dezembro de 2001 se apresenta como uma compensação a um prejuízo causado por um fato da administração. Entretanto, do nosso ponto de vista, não se pode falar em imprevisibilidade nem em inevitabilidade das circunstâncias que obrigaram o Poder Público a instituir o racionamento obrigatório naquele ano. Por conseguinte, a teoria do fato da administração não é instrumento consistente para justificar o aumento das tarifas de energia elétrica autorizado em razão dos eventuais prejuízos causados às concessionárias distribuidoras pelo referido racionamento. A inconsistência do argumento da imprevisibilidade já foi fartamente exposta nas seções anteriores. O argumento da inevitabilidade, por sua vez, é derrubado com a constatação, a partir da leitura do artigo 7° da Resolução ANEEL n° 278, de 19/07/2000 (ver seção 1.2.2.), de que as distribuidoras, a quem o aumento das tarifas favorece de imediato, poderiam ter contribuído para o aumento da oferta de energia elétrica por intermédio de investimentos em geração própria. Vale ressaltar, ainda, que “mesmo a viabilização das obras de expansão da oferta, a serem feitas por empresas Geradoras, cabe às Distribuidoras, na medida em que devem atender ao crescimento de seus mercados, contratando (adquirindo) energia junto às geradoras, através de contratos de longo prazo. Nenhum empreendedor irá, naturalmente, construir novas obras se não obtiver a garantia de colocação/venda da energia a ser produzida, posto que os investimentos iniciais são muito elevados” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 41). Vê-se, portanto, que além de não ter expandido sua geração própria de energia elétrica, as distribuidoras tampouco criaram as condições contratuais necessárias à expansão da oferta das geradoras, mesmo sabendo que o sistema já estava há muito funcionando muito acima de sua capacidade. Neste sentido, falhou também o Poder Público, na figura da agência reguladora do setor, que, apesar dos sucessivos avisos técnicos quanto aos riscos de um desabastecimento, não tratou de exigir das concessionárias, tanto de geração quanto de distribuição, as medidas cabíveis para se evitar o problema que já era previsto. 20 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O 3.4. HOUVE DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS CONTRATOS? Conforme visto, o aumento das tarifas autorizado em razão do racionamento vigente a partir de junho de 2001 não se justifica nem pela teoria do fato do príncipe, nem pela teoria da imprevisão, nem pela teoria do fato da administração. Tampouco tratou-se de uma necessidade por motivos de força maior. Resta saber se houve um significativo desequilíbrio econômico-financeiro da concessão que justifique a solicitação à ANEEL, por parte das concessionárias, de uma revisão extraordinária das tarifas, o que é previsto pelos contratos. Tal previsão não atrela as eventuais revisões extraordinárias à inexistência de culpabilidade por parte das concessionárias pela ocorrência das circunstâncias que ensejaram o prejuízo. Apenas exigem o acontecimento de um evento que afete o direito dessas empresas ao equilíbrio econômico-financeiro, como em todo contrato administrativo. Em tese, portanto, mesmo tendo permanecido inertes quando poderiam ter evitado a falta de energia elétrica que levou ao racionamento, as concessionárias teriam direito à revisão extraordinária das tarifas se comprovado que houve prejuízo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Este entendimento é reforçado pela redação do dispositivo contratual, presente em todos os contratos já celebrados, que prevê as revisões extraordinárias das tarifas. No contrato celebrado com a Manaus Energia S.A., por exemplo, este dispositivo está presente na subcláusula décima da cláusula sétima do contrato de concessão, transcrita abaixo: “A ANEEL poderá, a qualquer tempo, proceder à revisão das tarifas, visando a manter o equilíbrio econômico-financeiro deste Contrato, sem prejuízo dos reajustes e revisões a que se referem as Subcláusulas anteriores desta Cláusula, caso haja alterações significativas nos custos da CONCESSIONÁRIA, incluindo as modificações de tarifas de compra de energia elétrica e encargos de uso das instalações de transmissão e distribuição de energia elétrica que possam ser aprovadas pela ANEEL durante o período, por solicitação desta, devidamente comprovada”. (Subcláusula Décima da Cláusula Sétima do Contrato de Concessão n° 20/2001 – ANEEL). Mesmo que tal dispositivo não estivesse presente nos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro seria garantida às concessionárias. Afinal, tal equilíbrio “constitui-se em direito do concessionário e esta idéia está tão arraigada na doutrina e na jurisprudência, que tal direito seria reconhecido ainda que não previsto em lei ou contrato. Isto porque a teoria do equilíbrio econômico baseia-se em princípios maiores, que independem de previsão no direito positivo” (DI PIETRO, 1999, p. 93). Os princípios que asseguram a proteção do concessionário contra eventuais alterações desfavoráveis no equilíbrio econômico-financeiro de seu contrato firmado com a Administração Pública são o princípio da eqüidade, que obsta o locupletamento ilícito de uma parte em detrimento da outra, o princípio da razoabilidade, que exige proporção entre o custo e o benefício, o princípio da continuidade do contrato administrativo, para o qual é imprescindível a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, e o princípio da indisponibilidade do interesse público, tendo em vista que uma eventual quebra da continuidade do contrato em razão de desequilíbrio econômico-financeiro vai de encontro ao interesse público (DI PIETRO, 1999). 21 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... Entrementes, as evidências apontam que no período anterior ao racionamento as concessionárias aumentaram bastante sua lucratividade em virtude de dois fatores principais: Redução de seus custos operacionais: de acordo com Sauer et alli, “os custos das concessionárias, mormente as de Distribuição de eletricidade (...), foram substancialmente reduzidos no período, bastando referir a redução média de 50% do quadro de pessoal. Os demais dispêndios operacionais comportaram-se, na maior parte, de maneira proporcional aos custos de pessoal” (SAUER ET ALLI, 2001, p. 44); Aumento de suas receitas acima da inflação: é o que pode ser verificado a partir da simulação feita no QUADRO IV abaixo, com base em informações tornadas disponíveis pela ANEEL. QUADRO IV - Setor Elétrico Brasileiro: Simulação do Aumento das Receitas das Concessionárias Acima da Inflação Classe de Consumo Tarifa Média (R$/MWh) 1 1995 Residencial Industrial Comercial Rural/Outros TOTAL FONTE: (1) ANEEL, 2001. 2001 Consumo Variação Ano 2000 (%) (GWh) 2 76,26 176,53 131,5% 83.493 43,59 80,28 84,2% 131.182 85,44 152,27 78,2% 47.437 55,19 94,97 72,1% 43.491 59,58 120,57 102,4% 305.603 ano 2001 até setembro; (2) ELETROBRÁS. Tarifa de Aumento 1995 das Corrigida Receitas pelo IPC-FIPE (R$ Bi/ano) 112,28 5,365 64,18 2,112 125,79 1,258 81,26 0,596 87,72 9,329 Apud SAUER ET ALLI, Os números da última coluna do QUADRO IV mostram que os dados publicados pela ANEEL referentes à evolução das tarifas do setor elétrico entre 1995 e 2001 permitem uma estimativa aumento considerável das receitas das concessionárias no período. Assim sendo, nosso ponto de vista é o de que nem sequer houve o tão argüido desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de distribuição de energia elétrica. Por conseguinte, não há porque se falar em revisão tarifária extraordinária em decorrência do racionamento compulsório vivido pelos brasileiros em 2001 e 2002. 22 P P A U L O A M E Y E R M N A C M E N T O PA AU UL LO OA A... M ME EY YE ER RM M... N NA ASSSC CIIIM ME EN NT TO O CONCLUSÃO O racionamento compulsório de energia elétrica decretado em junho de 2001 e vigente até março de 2002 trouxe transtornos a todos os setores da economia brasileira. Embora a crise do sistema energético do País advenha de muito antes, tendo sido agravada pelo menos desde 1999, quando o déficit de produção de energia elétrica suplantou a margem de segurança de 5%, nada foi feito para evitá-la pelos principais agentes econômicos atuantes no setor: Poder Concedente, operador, administrador do mercado atacadista, geradoras e distribuidoras. Quando a bomba-relógio da escassez de energia elétrica explodiu na necessidade imperiosa e inadiável de se instituir um racionamento obrigatório de proporções nacionais, as concessionárias responsáveis pela distribuição desse bem essencial se prontificaram a solicitar à ANEEL uma revisão extraordinária das tarifas cobradas aos consumidores de seus serviços. Todavia, ficou demonstrado neste trabalho que não há fundamento jurídico algum que seja consistente o suficiente para justificar um aumento tarifário em decorrência do advento do Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica, nome oficial do mencionado racionamento imposto à coletividade. Isto porque tal racionamento não se configurou nem como imprevisível, nem como inevitável, haja visto que o risco de sua ocorrência tem sido alardeado desde muito antes e que as providências para a expansão da geração de energia elétrica cabia tanto ao Poder Público quanto às concessionárias geradoras e distribuidoras. Além disso, há fortes indícios de que a alegada quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato não aconteceu, pois os reajustes das tarifas perpetrados entre 1995 e 2001 estiveram acima da inflação do mesmo período, fato que, aliado à redução dos custos operacionais das concessionárias, permitiu um ganho dessas empresas antes da instituição do Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica que decerto compensa a eventual onerosidade sofrida ao longo de sua duração de dez meses. Lamentavelmente, o poderio econômico por vezes consegue propiciar interpretações jurídicas absurdas para defender seus interesses. Enquanto isso, o consumidor de energia elétrica, certamente a parte mais prejudicada com o racionamento e o conseqüente aumento das tarifas, é quem arca com mais este ônus decorrente da inércia do Poder Público e da pressão de grandes grupos econômicos. 23 E E X A M E D A L E G A L D A D E D O A U M E N T O D A S T A R F A S D E E N E R G A E L É T R C A N O B R A S L EX XA AM ME ED DA AL LE EG GA AL LIIID DA AD DE ED DO OA AU UM ME EN NT TO OD DA AS ST TA AR RIIIF FA AS SD DE EE EN NE ER RG GIIIA AE EL LÉ ÉT TR RIIIC CA AN NO OB BR RA AS SIIIL L A A U T O R Z A D O E M F A C E D O R A C O N A M E N T O C O M P U L S Ó R O V G E N T E E M AU UT TO OR RIIIZ ZA AD DO OE EM MF FA AC CE ED DO OR RA AC CIIIO ON NA AM ME EN NT TO OC CO OM MP PU UL LS SÓ ÓR RIIIO OV VIIIG GE EN NT TE EE EM M 222000000111///222000000222... BIBLIOGRAFIA AGÊNCIA ESTADO. Racionamento de energia – material retirado do jornal O Estado de São Paulo. Disponível em www.estadao.com.br. Capturado em 21/02/2002. 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