No mercado elétrico falta o sinal de preço

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No mercado elétrico falta o sinal de preço
Por Adilson de Oliveira
24/02/2014
Os livros textos nos ensinam que, em economias de mercado, a escassez é
administrada com base em preços. No entanto, nossos burocratas decidiram que
esse mecanismo não é adequado para gerir a escassez no mercado elétrico. Eles se
reúnem mensalmente em Brasília para avaliar a capacidade de o sistema atender
a demanda futura de energia. O comportamento esperado dos reservatórios
hidrelétricos é o parâmetro adotado para o posicionamento desses burocratas.
Após sua reunião, eles sugerem medidas tópicas para evitar dificuldades no
suprimento futuro de energia. O comunicado regular brasiliense é que o sistema
elétrico brasileiro está perfeitamente planejado: não há risco de racionamento!
A segurança com que os burocratas emitem esses comunicados tem sua origem
na crença ingênua de que as regras adotadas para a gestão do mercado elétrico
não permitem situações de racionamento. Pelo ângulo da demanda, a
regulamentação setorial exige que as concessionárias de distribuição e os
consumidores livres contratem no mínimo 100% de sua previsão da demanda de
energia para os próximos cinco anos. Como mecanismo de segurança, as
distribuidoras podem contratar até 103% do consumo previsto de seus mercados
cativos, repassando os custos dessa sobrecontratação para as tarifas dos
consumidores, se necessário. Portanto, o risco de um pico inesperado no
consumo de energia só ocorreria na hipótese de um erro significativo nas
previsões de demanda desses agentes.
A expansão da capacidade de oferta é realizada em leilões anuais destinados a
prover energia assegurada (sic) para suprir as necessidades energéticas do país no
horizonte de cinco anos. E essas necessidades são estimadas pela EPE com base
em ritmo de crescimento da economia superior às expectativas do mercado.
Sintetizando, a expansão do sistema elétrico está planejada para operar com
substancial margem de reserva para atender picos de consumo, garantindo o
equilíbrio estrutural entre a oferta e a demanda de energia nos próximos cinco
anos. O preço da energia pode se tornar elevado por excesso de capacidade
instalada, porém o racionamento de energia é um evento de probabilidade
"baixíssima" (sic).
Para evitar que o PLD atue na gestão da escassez de energia, o
país sacrifica o Tesouro, as famílias e a economia
As pequenas diferenças entre demandas e ofertas contratadas são ajustadas por
meio de transações realizadas no mercado de curto prazo. O preço de liquidação
de diferenças (PLD), calculado pela CCEE, é utilizado nessas transações. O PLD
não pretende sinalizar aos consumidores a necessidade de modificar seu
comportamento energético diante de um risco de racionamento, já que a oferta de
energia assegurada é suficiente para atender mesmo expectativas otimistas de
consumo. O objetivo do PLD é apenas sinalizar o preço para a contratação de
energia dos consumidores livres.
A fragilidade desse arcabouço regulamentar reside no conceito enganoso de
energia assegurada. Essa quantidade é estimada por um conjunto de modelos
computacionais que opera com parâmetros físicos e econômicos teóricos.
Diferenças entre a quantidade estimada pelos computadores e a realidade diária
são ajustadas por decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
quanto ao esgotamento dos reservatórios hidrelétricos.
Essa solução não gera dificuldades para a oferta de energia assegurada enquanto
a pluviometria é favorável. Nessas situações, uma parcela da energia que chega
aos reservatórios é necessariamente desperdiçada nos vertedouros das
hidrelétricas. Essa parcela é usada para acomodar os desvios entre o que os
modelos teóricos sugerem e a realidade objetiva, sem impacto econômico
relevante. Porém o resultado econômico dessa acomodação é radicalmente
distinto quando realizado com o uso de energia acumulada nos reservatórios.
Nesse caso, o risco de racionamento aumenta e acaba exigindo o incremento do
despacho de centrais térmicas para garantir o suprimento de energia do país, em
períodos de estiagem como o atual.
A Aneel propôs a adoção de bandeiras tarifárias para diluir no tempo e amenizar
o repasse, para as tarifas, do custo das térmicas necessário para garantir a
confiabilidade do suprimento elétrico. Esse mecanismo aumentaria as tarifas dos
consumidores cativos, sempre que os burocratas setoriais identifiquem risco de
racionamento. Porém o governo decidiu postergar a medida. Insensíveis à
elevação do PLD das últimas semanas, os consumidores cativos preservaram seus
padrões de uso da energia. Por outro lado, os consumidores livres também pouco
alteraram seu consumo, pois o essencial de seu consumo está assentado em
contratos com preços firmes. Preservado o consumo, a elevação do PLD tem tido
por único efeito o forte aumento dos gastos das distribuidoras com a compra de
energia no mercado de curto prazo.
Sem o instrumento do preço para alterar os padrões de consumo, a burocracia
setorial removeu os entraves que impediam o despacho de térmicas, viabilizando
a oferta de 1100 MW adicionais de energia. Buscou também a redução voluntária
do uso de energia pelos grandes consumidores, o que permitiu a redução da
demanda em outros 2000 MW na região Sudeste. O risco de racionamento foi
reduzido, porém a oferta de energia assegurada continua fundamentalmente
dependente da generosidade de São Pedro nos próximos meses. Caso isso não
ocorra, já conhecemos o fim da história.
Nesse ínterim, o Tesouro será convocado para evitar o colapso financeiro das
distribuidoras; os consumidores cativos ficaram sabendo que suas tarifas
aumentarão e os consumidores livres terão que aceitar preços mais elevados nos
seus contratos de energia. Tudo somado, para evitar que o PLD atue na gestão da
escassez de energia, o país sacrifica o Tesouro, as famílias e o desempenho da
economia. Vale a pena?
Adilson de Oliveira é professor titular do Instituto de
Economia/UFRJ; [email protected]
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