Conseqüências do racionamento de energia

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Savasini, José Augusto Arantes. “Conseqüências do racionamento de energia” São Paulo: Gazeta
Mercantil, 14 de maio de 2001. Jel: H e R
Conseqüências do racionamento de energia
José Augusto Arantes Savasini
14 de maio de 2001 - Na última semana, a sociedade brasileira finalmente passou a avaliar o
racionamento de energia elétrica como um fato concreto. Percebido anteriormente como uma
eventualidade remota, o racionamento passou a ser considerado inevitável. Agora, com o programa de
cortes proposto pelo governo visto como evento líquido e certo, o momento exige uma reflexão. Um
estudo da consultoria Rosenberg & Associados, realizado com base na desagregação dos dados do PIB
brasileiro, concluiu que um corte de 15% no fornecimento de energia elétrica durante todo o segundo
semestre deste ano provocaria tamanho impacto sobre a atividade econômica que o crescimento brasileiro
deste ano poderia reduzir-se pela metade. Mais especificamente, se antes era esperado um crescimento do
PIB de 4,2% em 2001, o racionamento poderá reduzir esse valor para algo em torno de 2%.
Os números assustam. Apesar de encerrarem algum grau de incerteza, inerente a todo tipo de estimativa,
os resultados do estudo indicam claramente que os cortes programados de energia certamente terão efeitos
de magnitude que não pode ser desprezada. O primeiro impacto se dará sobre o nível de atividade
econômica. Antes de mais nada, é preciso notar que se trata de redução na oferta de um dos mais
importantes insumos básicos da economia. Todos os elos da cadeia produtiva sofrerão, em maior ou
menor grau, os prejuízos do corte de energia. Em números, estima-se uma queda entre 10% e 15% na
produção industrial brasileira, no segundo semestre, em relação aos níveis do primeiro.
Parte da redução da produção doméstica de bens precisará ser de algum modo compensada. O primeiro a
sentir o impacto será então o saldo comercial. Apesar de a complexidade das relações econômicas
produzir efeitos positivos e negativos, em decorrência do racionamento, no curto prazo, predominarão os
negativos, com a perspectiva de deterioração do resultado do comércio do Brasil com o resto do mundo.
As importações aumentam para tomar lugar dos bens que deixaram de ser produzidos internamente e as
exportações caem em função da restrição à produção. Além dessa, o corte no fornecimento de energia
elétrica terá muitas outras conseqüências sobre as contas externas do País. Provavelmente, a mais
importante será o adiamento de investimentos estrangeiros diretos. Insuficiência de energia e atividade
econômica em desaceleração aumentam o prazo de retorno dos investimentos, ficando a maior parte deles
'de molho' na gaveta dos empreendedores, no aguardo de um momento mais favorável para se concretizar.
Esses eventos reduzirão o influxo de recursos externos na direção do País. Com uma menor quantidade de
dólares disponíveis, seu preço - ou seja, a taxa de câmbio - tende a subir, resultando daí uma
desvalorização do real.
A segunda forma de corrigir a redução da produção doméstica é por meio do nível de preços. A
diminuição da quantidade disponível de bens na economia, principalmente se associada a um processo de
desvalorização cambial, gera pressão inflacionária, pela lei de oferta e demanda. Concretizada essa
pressão, o Banco Central se verá obrigado a agir, para defender o cumprimento das metas do programa de
estabilização, preconizadas no acordo com o FMI. Isso significa aumentos adicionais na taxa básica de
juros. No entanto, se, de um lado, o aumento dos juros ajuda a conter a inflação, de outro, induz a um
aprofundamento da desaceleração de atividade econômica, com grande probabilidade de gerar impactos
negativos sobre a produção, os investimentos, a competitividade e o emprego.
Tentar conter o consumo de energia apenas com o recurso ao aumento de tarifas é uma inviabilidade.
Energia é um insumo tão inelástico que, para cortá-lo exclusivamente com base em mecanismos de
preços, seria necessário impor aumentos colassais à tarifas, com efeitos evidentes sobre as taxas de
inflação. Algum tipo de limitação do consumo por meio da imposição de cotas ou simplesmente pela via
do corte do fornecimento, portanto, terá de ser inevitavelmente adotado. Nesse sentido, uma forma
interessante de fazer valer um sistema de cotas pode ser a da decretação de feriados. Dois dias de folga na
semana, para começar, podendo chegar a quatro, se a situação exigir.
Além das conseqüências econômicas, o racionamento de energia produz outros desdobramentos inclusive políticos. Os indicadores econômicos andam de mãos dadas com os índices de aprovação
política. Com a ocorrência de uma deterioração econômica, leia-se: aperto da renda disponível e aumento
da insatisfação social. Quando isso ocorre, piora invariavelmente a percepção da população em relação ao
sistema político e aos próprios políticos. Se o governo conseguiu, neste momento, barrar a CPI da
corrupção, é provável que daqui a alguns meses a pressão da sociedade seja muito maior. Em pleno
racionamento e com o risco Brasil aumentando, a demanda social por uma CPI dessa natureza poderá ser
avassaladora e sua instalação inevitável, com enormes custos para o País. (Gazeta Mercantil/Página A3)
(José Augusto Arantes Savasini, professor do Departamento de Economia da USP, ex-secretário de
Planejamento do Ministério do Planejamento e diretor da Rosenberg & Associados)
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