Aborto, uma opção perigosa para a mulher

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30/09/2006 - Aborto, uma opção perigosa para a mulher
A manicure Carla, de 39 anos, optou pela tabelinha e camisinha no planejamento
familiar. Num período de dez anos engravidou três vezes, todas interrompidas por meio
de comprimidos de Cytotec. A universitária Isabel, de 25 anos, fez uma escolha difícil.
Ainda adolescente e com o desinteresse do namorado pela paternidade, fez o aborto para
não parar com os estudos. Ela pagou R$ 4 mil a uma clínica clandestina cercada de
grades e câmeras na Capital.
Carla e Isabel (nomes fictícios) são exemplos de uma prática comum no Brasil. O
Código Penal pune o aborto, apesar de raramente ocorrerem prisões, as religiões
condenam a interrupção e de tempos em tempos o assunto vem à tona por meio de
promessas de mudança da lei. O Governo anunciou este mês a criação de um grupo de
discussão que começa a trabalhar em janeiro.
A sociedade finge que não vê a prática ilegal, enquanto o risco ao qual as mulheres se
submetem aumenta à medida que é menor a quantidade de dinheiro para pagar pelo
aborto. A situação de ilegalidade dificulta a transparência do problema, que para o atual
Governo é de saúde pública.
Segundo o diretor-técnico do Hospital e Maternidade Silvério Fontes, Marco Sérgio
Duarte, o aborto já é a terceira causa das mortes maternas. De acordo com ele, a cada
mês, são atendidos cerca de 39 casos de curetagem na instituição — o que equivale a
pelo menos uma mulher por dia. A intervenção cirúrgica é feita para resolver
complicações do aborto, seja ele espontâneo (o aborto acontece contra a vontade da
mulher) ou provocado.
A ilegalidade do aborto acaba por prejudicar o próprio sistema de saúde. Duarte explica
que o Silvério Fontes é referência no atendimento dessas complicações. Na outra ponta
frente a essa qualificação estão os reflexos causados pela clandestinidade — muitas
pacientes ficam receosas em revelar a circunstância da prática. O médico fica sem
informações para agir.
Riscos
‘‘O abortamento é um problema de saúde pública’’, afirma Duarte. Ele explica que o
problema de saúde pública se deve à rede de complicações que cerca uma paciente que
abortou. Elas podem apresentar infecções, hemorragias, esterilização definitiva e
problemas psicológicos para o resto da vida.
Carla e Isabel têm sorte. Não tiveram complicações sérias. Isabel, aos 17 anos, contou
com o apoio dos pais, mas a decisão pelo aborto foi só dela. Teve a sorte da família
contar com recursos suficientes (ver depoimento) para pagar por uma clínica. O
problema é que ela procurou um serviço clandestino, que pode se esquivar em caso de
complicações.
Alternativa
No caso de Carla, a saída foi apelar para o Cytotec. Enquanto muitas mulheres usam o
comprimido para conter uma gravidez acidental, a manicure transformou o aborto em
método de planejamento familiar. Mãe de dois filhos, ela não queria um terceiro.
Fez isso três vezes: o primeiro aborto foi feito aos 25 anos, o segundo aos 30 anos e o
terceiro aos 31 anos. Neste último, procurou um médico da rede privada, que a alertou
que o útero estava muito dilatado e que corria risco de vida. ‘‘É muito arriscado’’,
conclui só agora sobre o Cytotec.
O Ministério da Saúde aponta que em 2003 foram notificadas 1.880 intervenções pósaborto no País. Mas a própria clandestinidade dificulta estatísticas sobre a interrupção
da gravidez. Para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), elas variam de 730 mil a 940 mil
ao ano. ‘‘De todos os abortos, acredita-se que 80% sejam provocados ou clandestinos’’,
afirma Duarte.
Depoimento
Hoje, o aborto só pode ser feito nos casos de gravidez resultante de abuso sexual ou
quando há risco de morte para a mãe. No começo do mês, o Governo se mostrou
disposto a revisar a partir de janeiro o Código Penal de 1940 para descriminalizar a
prática. Apesar da iniciativa, assim como em outras polêmicas, o embate será duro.
Confira como se posicionam algumas das instituições sobre mudanças na lei:
Governo — A favor
A descriminalização do aborto é encampada abertamente por vários setores do Governo.
O Palácio do Planalto concedeu carta branca para a formução de um grupo em janeiro
que discutirá as mudanças necessárias que, além da mudança legal, devem incluir
planejamento familiar e serviços específicos de atendimento. Em seguida, a discussão
será estendida ao Congresso. O Ministério da Saúde aponta que o aborto é um problema
de saúde pública. A secretária especial de Política para as Mulheres, Nilcéa Freire,
incluiu a proposta no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
Supremo Tribunal Federal (STF) — Indeciso
O ministro Marco Aurélio de Mello concedeu liminar que autorizou aborto para casos
de anencefalia em julho, que foi cassada por sete dos 11 votos. Mas os contrários
alegaram que o assunto não era urgente. Marco Aurélio de Mello mais os colegas Celso
de Mello e Nelson Jobim defendem que o aborto não deve ser considerado crime.
Confederência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) — Contra
Por razões religiosas, sempre se posiciona contra a permissão do aborto. Recentemente,
pressionou o STF pela cassação da liminar dos casos de anencefalia.
Congresso — Indeciso
O tema aborto está em discussão na Câmara há mais de dez anos, com a apresentação de
pelo menos 102 propostas, segundo o link de busca do site da casa. Entre as principais
propostas estão as de Jandira Feghali (PC do B-RJ), que autoriza o aborto até o terceiro
mês de gestação. A também petista Ângela Guadagnin é contra a prática, mas defende
plebiscito nacional. Já Severino Cavalcanti (PP-PE), representante da ala católica
tradicional, é totalmente contra a descriminalização e considera a prática um
‘‘assassinato’’.
Médicos — em termos
A classe médica tem se mostrado em sua maioria a favor da descriminalização do
aborto, apesar de uma parcela contrária ou dos que defendem limitações. Anibal
Faundes e Ricardo Barini, da Unicamp, defendem a mudança legal.
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