A AFIRMAÇÃO DE NOVOS PARADIGMAS NA CIÊNCIA JURÍDICA

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A AFIRMAÇÃO DE NOVOS PARADIGMAS NA CIÊNCIA JURÍDICA A
PARTIR DE UMA VISÃO SISTÊMICA.
THE ASSERTION OF NEW PARADIGMS IN LEGAL SCIENCE FROM A
SISTEMIC VIEW.
Alberto de Moraes Papaléo Paes
ALEPH HASS AN COS TA AMIN
RESUMO
O presente trabalho tem por escopo fundamental incentivar nos acadêmicos de
direito a vontade de proceder ao rompimento de paradigmas ultrapassados,
mas presentes na atual sociedade, bem como inseri-los no debate efetuado
nas obras de Fritjof Capra e Boaventura Sousa Santos a respeito do
pensamento sistêmico e o conseqüente rompimento com o pensamento
cartesiano aplicado na ciência contemporânea. Por fim, pretendemos discutir a
relação entre o supramencionado debate, a Teoria Pura do Direito de Kelsen e
os escritos de Lhumann para, somente então, efetuar a tentativa de
estabelecer quais os novos paradigmas que deveriam ser utilizados pelo direito
positivo brasileiro.
PALAVRAS -CHAVES: Pensamento sistêmico, Paradigma, Capra, Lhumann,
Kelsen.
ABS TRACT
The present study has as its fundamental aim to stimulate in the law students
the desire of breaking old paradigms, but present in the actual society, as well
as to incoportate them in the debate talking place in the Fritjof Capra and
Boaventura Sousa Santos publications about sistemic thinking and the natural
rupture with the Cartesian thinking applied in contemporary science. Finally, we
make the relation between the discussion mentioned above and the Theory of
Law by Kelsen and the writings of Lhumann, as to make na attempt to
determine which are the new paradigms that should be used by the Brazilian
positive law.
KEYWORDS: Systemic thinking, Paradigm, Capra, Lhumann, Kelsen
1 INTRODUÇÃO
Desde que o homem se acha integrado em um organismo social, no qual é
personagem atuante, faz-se presente a figura do direito (seja ele conceituado
como ciência, ou ordenamento jurídico, ou medida de Justiça, etc.). Daí o
ditado latino “ ubi jus, ibi societas, et ubi societas ibi jus”, que significa “ onde
houver o direito aí estará a sociedade, assim como, onde houver a sociedade
aí estará o direito”. Com isso, almejavam os antigos a tentativa de
desmistificação da densa relação entre homem e direito, resolvendo pela
existência e aplicação deste somente na condição sine qua non de préexistência do meio social.
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Volver à estes estudos é muito prazeroso, todavia, o cerne em que se funda o presente trabalho, apesar de tender ao resgate dos
estudos acima mencionados, clama, preliminarmente, pela inserção do leitor na crise que se instaurou, durante a década de oitenta
na ciência moderna, com o início da quebra de alguns dos paradigmas dominantes no século passado.
Com o advento da Física Quântica e a Teoria da Relatividade de Einstein, a ciência retornou a um estado somente
vivido anteriormente às idéias concebidas por Descartes, na qual imperava a incerteza quando o homem buscava entender o
mundo à sua volta. O pensamento cartesiano foi (e vem) perdendo, paulatinamente a sua força de argumentação diante de novas
descobertas e teorias.
Ocorre que por ser o direito (aqui visto como ciência), diretamente influenciado pelo pensamento cartesiano e,
conseqüentemente, por um modelo que passa por um processo crítico, os paradigmas utilizados tendem a uma completa
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modificação até que venham a “ fornecer problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes da ciência ”,
2
desta feita, tornando-se verdadeiras “ realizações científicas universalmente reconhecidas ”.
O que se pode observar - na prática jurídica - são vários sintomas dessa crise e como nas ciências humanas as respostas
que se produzem são respostas “ reducionistas”, específicas, incapazes de dar soluções que venham a por termo no colapso. Isso se
dá pelo fato de os cientistas modernos produzirem uma visão de mundo cada vez mais restrita à sua área específica de
conhecimento. Logo, um dos mais latentes sintomas dessa anomalia no direito é a tendência ao conhecimento “ técnico” de
direito.
Mais vale um advogado, magistrado, professor, promotor ou defensor, etc., conhecedor da lei do que um autêntico
“ cientista jurídico”, e o por quê é simples. Os paradigmas do direito moderno estabelecidos na filosofia kantiana deixaram-nos
extremamente acomodados com o sistema jurídico positivo. Todavia, a evolução do pensamento humano vem nos provando que
o direito como ciência social vive e viverá em eterno processo de adaptação.
Outro ponto que ressalta essa crise no método jurídico é a discussão acerca da efetividade das normas, se elas realmente
encontram seu fim em sua aplicação. Juristas como Luis Roberto Barroso são adeptos dos movimentos neoconstitucionalistas
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como “ o processo de redemocratização e reconstitucionalização do país ”, assevera, ainda, Luis Roberto que existem alguns
paradigmas que devem ser quebrados para que se alcance tal estado, como “ a busca da efetividade das normas constitucionais,
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fundada na premissa da força normativa da constituição ”, trazendo, desta feita o debate suscitado anteriormente, e ainda
menciona o autor acerca da necessidade do “ desenvolvimento de uma dogmática da interpretação constitucional baseada em
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novos métodos hermenêuticos e na sistematização de princípios específicos de interpretação constitucional ”.
Quer-se, com isso, romper com a solipsia do sujeito transcendental kantiano, fundamental na interpretação das normas
no direito positivo, para estabelecê-la em um contexto intersubjetivo de fundamentação na qual existe uma circularidade entre a
relação sujeito-objeto, da feita que o objeto deva ser analisado inserido no mundo (dasien, ser com), para produção de um
conceito específico de realidade que somente terá validade quando utilizado em confronto com o todo (Círculo Hermenêutico).
O presente trabalho se propõe a fazer uma análise acerca das mudanças acontecidas na ciência e quais os efeitos destas
mudanças no método científico do Direito. Para isso pretendemos acometer a obra de Fritjof Capra intitulada de “ O Ponto de
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Mutação”, no intuito de descrever uma visão acerca de como a crise vivida pela ciência no final do séc. XX tendeu à formação de
um “ pensamento sistêmico”, no qual a relação entre sujeito-objeto somente tem relevância quando os cientistas conseguirem
entender a relação circular entre a parte e o todo na divisão do conhecimento.
Posteriormente, iremos abordar a obre de Boaventura Sousa Santos intitulada de “ Um Discurso Sobre as Ciências” que
trata basicamente da crise do método científico e fala especificamente do que pensa ser o paradigma emergente da ciência moderna,
guardando certa proximidade com as Ciências Sociais, ramo o qual se insere o Direito.
Por fim, entraremos no ponto principal do artigo que é a relação da reforma do pensamento científico e a influência que
isso gera para o direito. Por isso pretende-se abordar a obra de Hans Kelsen em “ Teoria Pura do Direito”, a fim de estabelecer o
paradigma dominante no direito atual (especificamente, no direito brasileiro), logo após, abordaremos as críticas a certeza do
direito no período pré-moderno com o intuito de apontar soluções que sejam compatíveis a experiência jurídica da modernidade.
Utilizar-se-á como base de estudo neste ponto a “ Teoria dos Sistemas” de Lhuman, para somente então emitir juízo de valor
acerca das conclusões alcançadas no decorrer deste caminhar.
2 CAPRA E O PONTO DE MUTAÇÃO DA CIÊNCIA MODERNA
Em “ O ponto de mutação” (mais especificamente no capítulo I, intitulado Crise e Transformação), Fritjof Capra tenta,
preliminarmente, inserir o leitor no contexto da crise mundial a qual a sociedade passa naquele momento (1983); com a corrida
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armamentista (nuclear), e suas conseqüências ; com a utilização da energia nuclear no setor industrial; a super poluição e a
contribuição que a tecnologia industrial tem dado para o crescente “ risco” ecológico e à saúde; a questão das “ doenças da
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civilização ”; por fim a questão da crise econômica representada (à época), pela figura da inflação galopante, desemprego maciço e
distribuição desigualitária de renda; e o eminente esgotamento dos recursos naturais.
Estabelecida idéia de crise Capra passa a demonstrar como tais problemas são intimamente ligados uns com os outros e
demonstra como a concepção reducionista do conhecimento (criada por Descartes), gera uma total falta de respostas para os
problemas apresentados na sociedade moderna. Fica clara essa crítica quando aponta que a verdadeira crise é a de idéias na qual as
ciências especificas não tem respostas, considerando que passam “ a subscrever percepções estreitas da realidade, as quais são
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inadequadas para resolver os problemas de nosso tempo ”.
Portanto, a inicialização do trabalho em “ O ponto de mutação” reside na tentativa de inserção do leitor no contexto
dessa crise de idéias, conseqüência da falta de soluções para os problemas da sociedade moderna em decorrência da percepção
estreita da realidade pelos cientistas de nosso tempo, fato este que comprova que todos os problemas estão intimamente ligados
de forma sistêmica e uma análise especifica somente geraria soluções específicas, sem, contudo, solucionar a grande falha
estrutural na produção científica.
Estabelecida a idéia de crise, recorre Capra à filosofia chinesa que conceitua “ crise” com o termo wei-ji. Composto pelos
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caracteres “ perigo” e “ oportunidade”, ficando viva a imagem de que apesar dos crescentes perigos os quais a sociedade passava (e
vem passando), o ser humano tem a oportunidade de encontrar-se na adversidade, de “ encontrar seu caminho”. Logo, o recurso a
essa abstração nos leva a crer que não é por acaso intitular-se a obra de “ O ponto de mutação”.
Utilizando-se dos ensinamentos de Toynbee, Capra ainda revela que existe um padrão de nos estudos de queda e
ascensão das civilizações no qual “ a gênese de uma civilização consiste na transição de uma condição estática para a atividade
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dinâmica ”, e que este padrão básico nada mais é do que um padrão de interação denominado de “ desafio-e-resposta”. Esta idéia
fica comprovada quando ele afirma que “ a civilização continua a crescer quando sua resposta bem sucedida ao desafio inicial
gera um ímpeto cultural que leva a sociedade para além de um estado de equilíbrio, que então se rompe e apresenta um novo
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desafio ”. Daí a dinamicidade da atividade das civilizações.
O que tem ocorrido conosco é que a falta de dinamicidade, ao longo dos anos, acabou por gerar esta crise que se
fundamenta (segundo Capra) em três facetas: 1) a supremacia do patriarcado; 2) a utilização de combustíveis fósseis; e 3) os
valores sociais apresentados em forma de paradigma; existindo a crescente necessidade de que superemos tais “ problemas”.
A apresentação da crise, vista pelo viés da sociedade patriarcal (que é um dos paradigmas mais antigos da humanidade) e
considerando que pouco se sabe acerca das sociedades pré-patriarcais, é um ponto de vista válido como alicerce dos outros dois.
Explica-nos Capra que a filosofia Taoísta vem sendo interpretada de modo a conceber o yin como sendo o lado “ feminino” de
todas as coisas, enquanto que yang seria o lado masculino.
Na verdade, ao descrever o sistema yin-yang, nunca quis o Tao operar divisão entre opostos, tanto que nunca aparecem
separados, mas quer sim que os opostos se harmonizem procurando o constante equilíbrio. Então, Capra se utiliza de tal conceito
no intuito de demonstrar que a ciência e o pensamento da sociedade eram (ou ainda são) preponderantemente, masculinas,
expansivas, exigentes agressivas, competitivas, racionais (o cerne do conhecimento científico), analíticas, etc. Por isso é que
deve-se proceder ao resgate do lado feminino, contrátil, conservador, receptivo, cooperativo, indutivo (o lado perdido da ciência),
sintético, etc. a fim de estabelecer-se um equilíbrio entre todos os opostos.
E a crítica não termina aí. Relembra-nos Capra que as quando Descartes separou corpo e alma, procedeu-se, na verdade, a
criação de uma concepção mecânica do ser humano e do universo. No filme “ Mindwalk”, baseado no livro em estudo, utiliza-se
uma metáfora para descrever a visão mecanicista do ser humano. Considerando o homem como se fosse um relógio, se perfeito,
funcionaria perfeitamente, entretanto, se tivesse uma pequena peça avariada a mesma deveria ser estudada minuciosamente
(separada do todo), para que o problema pudesse ser resolvido. Daí decorre a divisão do estudo do objeto em áreas específicas.
Francis Bacon é citado na obra por também contribuir com as idéias de Renné Descartes. Bacon foi o autor do método
da experimentação no qual preceituava que o conhecimento advém das comprovações experimentais, logo considerava que o
homem deveria “ torturar a natureza” para obter todas as respostas possíveis para suas perguntas. Por ter vivido em meados do
Séc. XVI, Bacon foi fortemente influenciado pela perseguição católica mais conhecida como “ caça as bruxas”, por isso acredita-se
que favoreceu ao paradigma patriarcal quando utilizou de figuras como “ mãe natureza”, para descrever o natural e a necessidade de
torturá-la para se obter respostas. Pensando na natureza como selvagem e perigosa, tentou o homem, a todo custo, dominá-la e
como a idéia do patriarcado estava fortemente ligada a este movimento, coincidiu com exploração do sexo feminino.
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Em verdade, a obra de Fritjof Capra representa um marco para ciência moderna, não pelo cunho filosófico ou teórico de
sua argumentação, mas sim por ser uma crítica à sociedade científica que se apresenta estática em relação ao dinamismo universal
das relações sistêmicas. O caminho das ciências, depois de Capra, tende a permanecer utilizando o reducionismo de Descartes,
entretanto, cada vez mais e mais passamos a buscar a complementaridade entre as relações científicas, e é justamente neste viés
que “ O Ponto de Mutação” torna-se de imprescindível relevância.
3 O DISCURSO DE BOAVENTURA SOBRE AS CIÊNCIAS
O livro “ Um discurso sobre as ciências”, de Boaventura Souza Santos, consiste, na verdade, de um discurso proferido
pelo professor, na abertura do ano letivo de 1986-1987, na Universidade de Coimbra. Logo, a primeira relação que se pode fazer
com o “ Ponto de Mutação” de Capra é contemporaneidade entre eles, portanto o compartilhamento da mesma realidade de
mutação paradigmática a qual se pretendia àquela época.
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Preliminarmente, Boaventura, trata acerca da “ ambigüidade e complexidade do tempo científico presente ”, que
consiste no fato de que apesar de a ciência moderna pregar a chegada do século XXI – com os avanços conquistados pela
tecnologia, em especial pela tecnologia da informação – ainda se utiliza de paradigmas científicos do século XVIII. Por isso
afirma que existe essa complexa ambigüidade na ciência que pretende ser algo que ainda não é (e que pode nem vir a ser!).
Assim como Capra, Boaventura acredita que estamos presenciando uma fase de transição no qual deve o cientista resgatar
o lado humano das ciências. O trabalho é dividido em três partes. Utilizando-se do mais claro silogismo aristotélico,
primeiramente, estabelece qual o paradigma dominante na ciência naquela época recorrendo-se aos estudos de Galileu, Newton e
Einstein, passando obrigatoriamente, pela concepção reducionista e lógico-dedutiva de Descartes e Bacon.
Explica que a ciência moderna se filia em paradigmas como o da matemática chegando a dizer que tudo “ o que não é
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quantificável é cientificamente irrelevante ”, e na separação para análise detalhada do objeto em análise. Assevera, ainda que o
campo de pesquisa científica utiliza de um método no qual divide a realidade em “ condições iniciais” e “ leis da natureza”,
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significando o primeiro “ o reino da complicação, do acidente ”, e o segundo “ o reino da simplicidade e da regularidade onde
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é possível observar e medir com rigor ”.
Ocorre que a idéia de um mundo que possa ser analisado através de leis, remete à idéia de um mundo que funcione com
ordem e estabilidade, de que passado, presente e futuro são atos circulares. Neste sentido é a teoria mecanicista de Newton que
concebe o mundo como uma máquina perfeita, decifrada através da física e da matemática. Justamente esta idéia de um mundo
estático e mecânico que ganha força, através da intervenção burguesa que tinha claros interesses políticos de divulgar uma ciência
social que viesse a atender os seus propósitos, o rompimento com qualquer modelo dogmatista. Por isso é que nas ciências
sociais, este paradigma passa a ser utilizado hegemonicamente, tentado-se produzir teorias sociais mecanicistas, a fim de descobrir
as Leis da sociedade.
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Somente no século XIX é que as ciências sociais começam a se condensar na filosofia da ciência moderna, entretanto, tais
ciências ainda tinham como fundamento o pensamento cartesiano e o empirismo de Francis Bacon. Fato que ensejou na divisão
do conhecimento científico em: “ disciplinas formais da lógica e da matemática e as ciências empíricas segundo o modelo
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mecanicista das ciências naturais – as ciências sociais nasceram para ser empíricas ”, possuindo já esta concepção, não só os
componentes do paradigma dominante nas ciências sociais, como, também alguns dos componentes capazes de demonstrar o
ímpeto de transição já latente.
Logo em seguida, Boaventura discorre acerca da crise no paradigma dominante, expressando que trata-se de um
movimento intenso e irreversível, o qual ainda não nos é permitido delimitar o término, muito menos chegar em um consenso
acerca de qual será (com certeza) o paradigma emergente, restando apenas especular sobre o assunto. Explica-nos, o professor, que
é possível fazer-se uma distinção da crise através de duas condições, a social e teórica.
No que tange à condição social da crise do paradigma dominante, Boaventura, inicia afirmando que a própria ciência ao
se aprofundar começa a observar que o alicerce fundador de sua estrutura possuí falhas. Quase que como Sócrates havia defendido
séculos atrás, parece que no autoconhecimento a ciência encontra o primeiro passo para se reconhecer-se como incompleta e iniciar
a busca pela completude.
Todavia, é apenas em Einstein que fica clara a insuficiência do paradigma da ciência. Através das teorias da relatividade,
da simultaneidade e do avanço da física quântica, ficam provadas a arbitrariedade na produção dos resultados científicos através da
participação do observador; a inexistência de simultaneidade universal (por conseguinte, a noção de tempo e espaço absolutos); e
a falta de fundamento do rigor matemático, que segundo Boaventura, a própria matemática reconheceu e hoje encontra solução na
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redefinição “ enquanto forma de rigor que se opõe a outras formas de rigor alternativo ”.
Ocorre que, com o descrédito destes fundamentos do pensamento científico, tornou-se impossível a concepção de leis da
natureza que não fossem fundadas “ na idéia de que os fenômenos observados independem de tudo exceto de um conjunto
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razoavelmente pequeno de condições cuja interferência é observada e medida . Portanto, o que ocorre é que o positivismo
científico (e aqui inserido no campo das ciências sociais) torna-se de relativa efetividade na produção da realidade uma vez que
ignora a harmonia sistêmica em detrimento de sua concepção mecânica, trata-se de “ uma relação que interioriza o sujeito à
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custa da exteriorização do objeto, tornando-os estanques e incomunicáveis ”.
Finalmente, quanto às condições sociais da crise do paradigma científica, Boaventura é enfático ao afirmar que a
autonomia da ciência, no sentido de estar em um plano afastado apenas de observação em relação aos eventos sociais, acabaram
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por entrar em colapso com o fenômeno da globalização industrial da ciência .
Por fim, e aqui encontra-se a essência do trabalho, Boaventura exibe a sua visão acerca do paradigma emergente a partir
de quatro hipóteses básicas. Primeiramente, preceitua Boaventura que todo conhecimento científico-natural é científico social, no
sentido de que o novo paradigma deve romper com a dicotomia ciências naturais/ciências sociais, a fim de que se re-valorizem os
estudos humanísticos. Por conseguinte, estabelece que todo conhecimento local é total, no sentido de que a especialização do
conhecimento gera a criação de ignorantes especializados, sendo necessária exploração circular entre a relação do conhecimento
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local (especializado) em face do total. Para o direito esta noção do paradigma emergente fica clara quando o autor expressa: “ o
direito, que reduziu a complexidade da vida jurídica à secura da dogmática, redescobre o mundo filosófico e sociológico em
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busca da prudência perdida ”.
Logo após, aborda a questão de que todo conhecimento é autoconhecimento, apresentando o defeito produzido na ciência
moderna na análise da relação entre sujeito/objeto (distanciados por enormes lacunas) e agora necessitando ser vistos como
continuação um do outro. Quase que como a premissa socrática expressa anteriormente. Por fim, estabelece aquilo que considera a
última característica da ciência pós-moderna, que todo conhecimento visa constituir-se em senso comum, no sentido de que
existe um divórcio entre o conhecimento científico e o senso comum que deve ser resgato para que exista, efetivamente, a conexão
entre teoria e prática.
A abordagem do autor lusitano nos mostra uma aproximação maior com as ciências sociais (na qual está inserido o
direito), aproximação esta que Fritjof Capra não possuí, daí a importância de explorar o discurso de Boaventura, no que tange a
esta crise do paradigma dominante na ciência, bem como a sua visão, mais próxima acerca dos paradigmas emergentes.
4 KELSEN E A TEORIA PURA
Ao iniciar o tópico que abordará a Teoria Pura do Direito não pretendemos esgotar a matéria, muito pelo fato de tratar de
obra densa que tomaria muito tempo e acabaria por desvirtuar o propósito do presente trabalho que é mostrar o colapso na
estrutura do pensamento científico jurídico que se baseia no estudo de Kelsen e tentar demonstrar como os novos paradigmas do
direito vêm se apresentando em nossa sociedade, sem, contudo, romper completamente com todos os paradigmas do positivismo
jurídico. Logo, o que se utilizará da obra de Kelsen é o sentido da ciência do direito que decorre de sua teoria.
No início do século XX, o mundo conheceu a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen. Após o advento desta teoria, a
ciência do direito sofreu extraordinária transformação, uma vez que, não só o conceito de direito ali produzido, mas como também
o próprio objeto da ciência jurídica, passou a desconsiderar qualquer dos valores defendidos pelos jusnaturalistas para a produção
de uma teoria válida do direito.
Pretendia o jurista austro-americano proceder a uma conceituação pura, no sentido de que pureza fosse sinônimo de
isolamento. Para Kelsen, o direito deve ser analisado sob um prisma afastado de qualquer outro tipo de ciência, visto que é
ciência autônoma, portanto não podendo ser contaminada pela sociologia, filosofia, política, etc.
Tal análise ainda fica mais densa e complexa no decorrer da explanação do jurista. No prefácio à primeira edição o autor
demonstra que empreendeu o desenvolvimento de uma teoria pura baseado na premissa de que sua teoria trata de “ teoria jurídica
consciente da sua especificidade porque consciente da legalidade específica de seu objeto1”, ou seja, que o objeto da ciência
jurídica consiste em objeto particular do direito. Logo, pela necessidade de ser a ciência exata e objetiva, o direito deve tratar de
critérios de legitimidade formais e não adentrar nos objetos das outras ciências.
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Apesar de reconhecer a existência de um direito dinâmico e de um direito estático como objetos da ciência do Direito,
sua teoria utiliza como base o plano lógico-dedutivo; que o direito dinâmico subordina-se ao estático pela relação de validade
formal pois, segundo Mauro Noleto, “ os atos da conduta humana que desencadeiam o movimento do Direito são eles próprios
conteúdo de normas jurídicas, e só nesta medida é que interessam para o estudo da ciência jurídica”.
Portanto, o que podemos perceber até aqui é que a Teoria de Kelsen utiliza os paradigmas que a ciência moderna vem
tentando superar, o pensamento lógico, cartesiano, formulador de leis em um mundo mecânico onde a pré-existência de
estabilidade é requisito essencial. Ocorre que, como já amplamente debatido, tais paradigmas já não conseguem responder aos
problemas apresentados ao direito, sendo necessária a reformulação para que se possa progredir.
Para Lênio Luiz Streck o Brasil apostou no positivismo como o sistema que iria resolver de vez os problemas
decorrentes das dicotomias direito/moral, teoria/prática, sujeito/objeto, etc. O que ocorreu, na verdade, foi que se conferiu ao
Juiz-Estado, a prerrogativa de interpretação da norma jurídica, para que, utilizando a discricionariedade legal, pudesse aplicar o
direito no caso concreto.
Contudo, a experiência vem demonstrando, ao longo dos anos, que se apostou na solipsia do sujeito transcendental
kantiano para solucionar às duvidas, mas, da discricionariedade do sujeito também decorre arbitrariedade; várias respostas certas
em direito, apontando Streck, como solução, a aplicação do método hermenêutico filosófico de Martin Heidegger e Hans
Gadamer; o que, de fato, seria uma concepção mais humanística do direito, na qual o Círculo Hermenêutico é quem passa a
constituir verdadeiro contexto intersubjetivo de fundamentação jurídica.
O positivismo jurídico kelseniano é sem dúvida alguma obra de elementar importância para humanidade, importância
provada pela própria história. No Brasil, o sistema positivista é o que rege a dinâmica das relações jurídicas por mais de um
século. Basta lembrar que a primeira Constituição do Brasil, datada de 1891 (apesar de em 1824 a Carta Imperial do Brasil
possuir aspectos de constituição), demonstra o ordenamento lógico dedutivo de validade formal defendido por Kelsen.
Analisado por este viés histórico torna-se importante salientar que a desconstrução da Teoria Pura do Direito fica
prejudicada pelo aspecto jurídico-cultural que surge da aplicação do direito positivo. No caso do nosso país, a cultura jurídica
torna inconcebível a mudança de sistema jurídico para aplicação de direito consuetudinário, porque o sistema positivo faz parte da
cultura brasileira.
Entretanto, não é plenamente impossível moldar a teoria de Kelsen para uma reconstrução da Teoria Pura na tentativa
concepção de um direito mais abrangente como ciência. De um direito cujo o objeto consista na rede de sistemas jurídicos que
decorrem da relação entre sociedade x direito; uma ciência que se autoconheça como parte, mas também como todo. A criação de
uma ciência do direito pós-positivista.
5 A TEORIA DOS SISTEMAS DE LHUMANN E A CONCEPÇÃO DE UM NOVO DIREITO
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Muito se discute acerca da legitimidade do direito na modernidade e qual tipo de certeza este pode oferecer. As críticas ao
atual sistema positivista são inúmeras e já se fala até em crise desse. Assim, este ponto tem como objetivo entender como a
Teoria dos Sistemas Socias de Niklas Luhmann pode ajudar a conceber uma nova forma de direito que atenda os anseios da
sociedade moderna.
Primeiramente, é importante analisar a evolução da percepção de certeza do direito na sociedade. Assim, tem-se como
ponto de partida o Direito Natural.
O Direito Natural tem como enfoque as leis naturais que são advindas com a criação da sociedade, como normas
consideradas divinas, pela qual os homens estariam subordinados. Tem-se a idéia da existência de um Direito, baseado no mais
íntimo da natureza humana, como ser individual ou coletivo. Acreditava-se que existe um direito natural permanente e
eternamente válido, independente de legislação, de convenção ou qualquer outro expediente imaginado pelo homem.
Por esta razão, no jusnaturalismo a certeza do direito nunca se apresentou como um problema epistemológico, pois a
certeza era uma das principais características de sistema jurídico. Desta forma, pode-se dizer que o Direito Natural é um direito
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certo por excelência, pois não há muitas dúvidas sobre sua estrutura normativa .
O Direito Natural é organizado através de interferências externas, de princípios pré-constituídos que formam os valores
normativos através de dedução lógicas, sendo que estes pressupostos podem ser tanto a vontade divina como a razão humana.
Assim, o direito toma forma de todos os valores que são fixados previamente, de maneira que “ é fruto de um processo de
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revelação no qual a norma ulterior denota sua premissa” .
Então, a norma jurídica do “ dever-ser” é construída a partir dos princípios do “ ser”. A certeza do direito no
jusnaturalismo é exatamente o fato de a norma se apresentar como verdade absoluta, pois é deduzida logicamente do princípio que
a determina.
Esta relação entre "ser” e “ dever ser”, típica do Direito Natural, perde espaço no momento em que há aumento da
complexidade e das possibilidades comunicativas. Percebe-se, então, que pela diversidade do homem, não se pode conceituar e
estabelecer certos caracteres fundamentais sempre iguais e imutáveis a todos.
Assim, o positivismo surge como solução para que o sistema jurídico reflita a complexidade da sociedade em
manifestação de direito, que esteja preparado para sobreviver a indeterminação da sociedade, já que o modelo jusnaturalista em
sua estrutura produzia um direito pouco variável e dotado de baixa capacidade de mutabilidade, já que não aceitava a negação de
sua premissa. Desta forma o positivismo trás um novo objeto para epistemologia jurídica e para o estudo da certeza ao direito,
que é a certeza derivada da lei, enquanto que para o Direito Natural esta certeza era a sua própria manifestação.
Entretanto, o direito positivo deparou-se com o problema da natureza da lei, de sua formação e de seus critérios de
validade. Destarte, a produção legislativa passa a se concentrar nas mãos do Estado, assim como a distribuição institucionalizada
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da justiça através do poder judiciário. Neste sentido, segundo Bobbio , “ o positivismo jurídico nasce do impulso histórico para
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a legislação, se realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, de qualquer modo, absolutamente prevalente – do direito, e
seu resultado último é apresentado pela codificação”.
Na esteira do desenvolvimento do positivismo jurídico surge Hans Kelsen, fundador da Escola Normativista ou Escola
de Viena , com o intuito de esvaziar o direito de qualquer sentido moral ou validade material, e assim, consolidar o direito como
uma ciência. A partir de Kelsen, e do seu normativismo é que o direito passa a se solidificar na sociedade moderna, já que sua
contingência normativa passa a ser continuamente reproduzível o que produz uma análise estrutural do direito a partir de sua
autonomia. “ Esse pressuposto formal de validade, fundado num sistema dinâmico e neutro, permite conceber um direito com
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qualquer conteúdo”
Desta forma o principal requisito do direito passa a ser a validade, já que só se pode considerar normas jurídicas como
válidas, quando seu processo de elaboração formal estiver de acordo com o que é estabelecido pelo próprio ordenamento jurídico,
ou seja, em uma norma fundamental. “ O direito é uma realidade normativa, donde as normas são consideradas a partir de um
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'dever ser' implícito que as confirmam como direito” .
Desse modo, a certeza do direito no positivismo jurídico tem como característica assegurar expectativas normativistas, a
qual produz certeza na orientações da conduta social, mas gera incerteza dentro do ordenamento jurídico, pois a decisão judicial
sempre será contigente. Não se pode ter duas partes vencendo uma demanda judicial. Assim, “ aquela certeza da expectativa
normativa é transformada juridicamente na incerteza de sua concretização. Em outras palavras: a única certeza do direito e sua
26
oscilação entre lícito/ílicito” .
O positivismo de Kelsen, só não pode prever algo que só pode ser percebido dentro no mundo dos fatos, que é o
incontrolável crescimento da complexidade do sistema jurídico (complexidade que é característica da sociedade moderna).
A partir deste ponto, pode-se adentrar a teoria de Luhmann, com vista a sugerir soluções ao modelo positivista, já que
não se pode desconsiderar o fato de que o direito da sociedade moderna é fundamentado no positivismo jurídico.
Niklas Luhmann diz que o que caracteriza a sociedade moderna é a comunicação e o pressuposto para esta é a
comunicação anterior, ou seja, a sociedade é concebida como um sistema autopoiético27 de comunicação que se caracteriza pela
organização auto-reprodutiva e circular de atos de comunicação. Então, segundo uma visão sistêmica da sociedade, cria uma teoria
que tem como foco explicar a sociedade moderna supercomplexa e a interação entre os atores sociais, que através de sistema de
comunicações formam esta sociedade.
O direito dentro deste perspectiva de um grande sistema , seria um subsistema que ao longo da evolução sócio-cultural,
foi se autonomizando da moral, a partir de um processo de diferenciação funcional, até chegar a constituir-se num sistema social
autopoiético, composto de comunicações de expectativas normativas, cuja validade se remete de modo recursivo a outras
expectativas normativas.
Luhmann lembra que o direito como sistema legal constitui um sistema fechado, porém não se deve obscurecer o fato de
que todo sistema mantém conexões com seu ambiente. Luhmann formula essa concepção quando diz o sistema legal é aberto
porque é fechado e é fechado porque é aberto. O autor, com esse paradoxo, quer expressar a forma particular do relacionamento
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entre a ciência jurídica o ambiente societário. Como afirma, o sistema legal tem seu componente e sua forma própria de
expressão: a norma; e seu modo próprio de operação, o código lícito e ilícito. Pode haver influência política na legislação, mas
somente a lei pode modificar a lei. Somente dentro do sistema legal a mudança das normas legais pode ser percebida como
mudança da lei28.
Tudo isso significa dizer que o direito, assim como a sociedade da qual faz parte, é uma máquina histórica que, em todas
as suas operações sempre parte parte do estado em que ela mesma, com suas operações, se colocou. Esta mobilidade de operar
produz complexidade, ou seja excesso de possibilidades, pois a sociedade se faz instável por si mesma e, a um só tempo, produz
contingência, visto que, no presente, tudo também pode ser diverso. Instabilidade autoproduzida: este é o presente. “ A percepção
desta condição estrutural do sistema da sociedade é que esta é a modernidade da sociedade moderna. A sociedade aparece para si
mesma como resultado de si própria. Se assim não fosse, ela não poderia perceber-se como um sistema que opera no presente”29
Com a finalidade de construir certeza e eliminar incertezas, o direito moderno se molda a partir de sua própria
auto-organização, que é formada pela legislação e decisão jurídica. Assim, a “ procedimentalização”, porém delimita o “ como”,
mas não o “ que”. Tem-se que a abstração e a positividade são alicerces deste direito. Porém, os valores objetivos ficam
dependentes apenas dos condicionamentos formais de sua produção, ou seja, a validade do direito não se mostra com caráter
absoluto, mas apenas de forma hipotética-relativa, já que a existência se condiciona a forma de produção e se foi posta por um
poder legítimo.
O positivismo jurídico, é um observador que ao assumir um caráter neutro e de abstração, por ser uma ordem sempre
mutável, que pode ser ajustável as condições históricas de tempo e espaço, tenta observar a tudo, a partir de si mesmo. Não
percebe, toda via, que a complexidade de seu sistema acaba a incrementar a contingência. Isto ocorre pelo fato de que a produção
de direito implica necessariamente na produção de não-direito.
O direito, assim, fica restrito a observação de seu próprio sistema e se diferencia em relação aos outros sistemas. Por isso
que enquanto máquina histórica “ o direito moderno só constrói e se reconstrói, continuamente, o limite de sua sensibilidade em
relação a partir de si mesmo”30. Acerca deste ponto De Giorgi31 diz o seguinte: “ o direito regula por, meio do direito , a sua
sensibilidade aos ruídos externos. Quando esse ruído irrita o direito ao ponto do sistema produzir novas emergências, novos
níveis de ordem, o que se produz, na verdade, é apenas outro direito, que funciona como direito que produz outro direito. Por
isso a justiça é justiça do sistema, ela é a fórmula de sua contingência. O direito não reconhece novos direitos, mas transforma em
direito eventos que têm outros significados no ambiente. A inclusão de novos princípios não torna o direito mais justo ou mais
adequado à sociedade, como se diz”.
Conclui-se, então que o direito da modernidade se afastou do seu ambiente, justamente por tentar encontrar todas as
respostas dentro de si. Isto concede, indiscutivelmente, validade formal ao direito, entretanto, no que diz respeito a validade
material, esta é amplamente questionada. A legitimidade das normas e das decisões jurídicas, que são os alicerces do positivismo
jurídico, muitas vezes são criticadas por não representarem o valor moral do que seria justo. Isto ocorre pelo fato de que ao tentar
criar igualdade, com fundamentos próprios, sem observar o externo, o direito acaba refletindo a si mesmo, criando com a
igualdade, mais desigualdade.
Ao não levar em consideração a complexidade da sociedade e tentar diminuir as contingências unicamente através de seus
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próprios mecanismos de funcionamento, o direito positivo cria mais incerteza, pois ao tentar criar procedimentos com vista a dar
certezas absolutas ao direito, o resultado é exatamente o inverso. Tem-se, então, que a certeza do direito acaba sendo a própria
incerteza.
O direito da modernidade é o direito positivo, mas este tem que estar preparado, posto que esta modernidade é
caracterizada pelos níveis de complexidade, contingência e incerteza muito altos. Por esta razão, de acordo com Luhmann,o
sistema jurídico deve estar "cognitivamente aberto", ou seja, deve deixar que seja estimulado pelas informações do ambiente.
Deve retirar parte de sua dinâmica própria do processamento que realiza, segundo seu código, dos estímulos dos demais
subsistemas sociais: político, econômico, educacional, moral etc. Na verdade, a fricção entre os subsistemas auto-referenciados e o
ambiente é o que produz informação. Isso não seria possível, no entanto, se o sistema legal fosse apenas um sistema de normas e
o ambiente fosse apenas cognição. Luhmann32 enfatiza, então, que o sistema legal não é um sistema normativo no sentido de
seus componentes serem os conteúdos das normas, ou no sentido ainda de "determinarem" o funcionamento do ambiente, mas
sim um sistema de operações legais que usa sua auto-referência normativa para reproduzir a si próprio e para selecionar
informações do meio.
Destarte, Luhmann acredita que o direito deve se guiar pela dupla contingência dos sistemas, pois o fato de eles
operarem de maneira normativamente fechada, o que requer relações simétricas entre seus componentes, na medida em que um
elemento dá sustentação ao outro e vice-versa, e, ao mesmo tempo, operarem de maneira cognitivamente aberta, na qual a
assimetria entre o sistema e seu ambiente os força a uma recíproca adaptação e mudança. Os sistemas legais, afirma, apresentam
uma maneira especial de resolver esse problema ao combinar disposições normativas e cognitivas, e estabelecer condicionalidades
para a introdução no sistema dos estímulos do ambiente.
O direito positivo moderno deve operar um sistema ao mesmo tempo "fechado normativamente", o que garante sua
manutenção e auto-reprodução, e "aberto cognitivamente", no sentido de que está em contínua adaptação às exigências do
ambiente. Deve forma, o sistema permanece predisposto ao tratamento de todos os eventos e, ao mesmo tempo, continua
33
predisposto à revisão deste tratamento com base em seus programas . A certeza direito, assim, pode ser determinada através de
um sistema que reconheça incertezas, mas não que se predisponha a criar e solidificar o certo.
6 CONCLUSÃO
Como amplamente discutido ao longo do presente artigo a primeira conclusão que se pode chegar é a de que a ciência do
direito, assim como as ciências modernas, não podem ser analisadas através de uma visão cartesiana, produzindo uma visão
restrita da realidade, o “ ser” científico reflete a si próprio.
Para compreender o mundo moderno faz-se necessário que os ramos específicos das ciências se desvinculem da suas
particulares zonas de conforto, passando a entender o mundo como um sistema do qual estas são subsistemas.
Apesar de Capra não correlacionar seu estudo diretamente com o direito, nos mostra que as respostas para as indagações
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da sociedade moderna não irão ser respondidas enquanto não houver uma visão sistêmica dessa própria sociedade, pois só assim é
possível entender as complexidades entre as relações humanas e o ambiente e vice-e-versa. As certezas do direito taram de visões
restritas da realidade que acabam por gerar um paradoxo entre o que é real e o legal, desta feita os problemas de efetividade das
normas. Como o dinamismo da sociedade demanda uma constante adaptação do direito, e hoje vivemos em um momento de
colapso das estruturas científicas, devem os próprios paradigmas da ciência do direito atenderem aos pressupostos da revolução
pós-moderna.
Como visto, o Direito Natural em sua estrutura não é capaz de satisfazer todos os anseios do direito moderno,
especialmente pela sua baixa qualidade de adaptação às diversidades inerentes ao espaço e o tempo. Assim, como a sociedade
moderna é sinonimo de hipercomplexidade, alta contingência e abertura para o futuro, o direito da modernidade deve ser o direito
positivo que tem como características a abstração e o seu dinamismo às mutações.
É por esta razão que não se pode destruir o positivismo jurídico e sim reconstruí-lo. Seus alicerces não devem ser apenas
critérios formais de validade, visto que um dos anseios do próprio direito é a justiça, assim, a validade material é imprescindível.
Dessa forma, pode-se conceder mais legitimidade ao ordenamento jurídico. Ao considerar a sua substancia e não apenas o
procedimento, o direito não renega sua pureza, ou, autonomia, como ciência, mas sim adapta-se, integra-se, a uma sociedade na
qual a visão sistêmica deve ser o ponto de partida para solução (ou pelo menos redução) das incertezas, já que a ciência jurídica é
apenas parte de um todo.
Não tardaram os dias em que se presenciará tal revolução no direito. Hoje mesmo já é possível perceber como uma
concepção mais integrada de direito, com relações expressas à outros ramos da ciência, geram a preocupação em defender certos
bens que até algum tempo atrás não possuíam qualquer valor jurídico.
Se o paradigma positivista da Teoria Pura de Direito era a qualificação de uma ciência autônoma que analisava critérios
formais de validade, pois estes sim constituíam o objeto central da especificidade do direito, hoje, o novo paradigma positivista
coloca os critérios materiais de efetividade como objetivo a ser alcançado, logo tenta proceder a "humanização” da ciência jurídica
porque coloca o ser humano no centro de suas preocupações.
Como exemplos desta proteção mais abrangente que pretende o neo-positivismo, o direito ambiental, como aquele que
não procura a solução para seus problemas apenas dentro das ciências jurídicas, mas passa a buscar em todas as ciências que
tratam do meio ambiente as respostas para seus dilemas; como uma ciência jurídica que considera a natureza como bem difuso e
coletivo, pertencente a todos, considerado não pelo seu valor econômico ou jurídico e sim pela sua importância para complexo
sistema de relação entre o ser humano e o meio ambiente.
Ainda neste diapasão destacam-se os estudos de Lênio Luiz Streck e Luis Roberto Barroso, que apontam como solução
para os problemas do positivismo jurídico brasileiro o resgate da Força Normativa das Constituições e a reconstrução dos
métodos de interpretação das normas jurídicas, com o objetivo readquirir o direito a relação entre validade material e efetividade
das leis.
Portanto, no presente trabalho nunca pretendeu-se a criação de um novo paradigma para o direito, apenas apontar como o
pensamento sistêmico já causa no direito moderno uma ruptura com o pensamento cartesiano e que o novo paradigma do direito
já existe e reside na humanização da ciência jurídica.
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1
KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. Tradução: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 7ª Ed. São Paulo – Perspectiva. 2003.
Pág. 218.
2
Idem. Ibidem.
3
BARROSO, Luis Roberto. A Nova Interpretação Constitucional. Ed. Renovar. Rio de Janeiro. 2003. Pág. 43.
4
Idem. Ibidem.
5
Idem. Ibidem.
6
Como conseqüências cita o autor a disparidade entre os incentivos nucleares (que giravam em torno de 1 bilhão) e os outros ramos que necessitam de
maior atenção (como alimentação, seguridade social e prestação de serviços básicos). CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação – a ciência a sociedade e a
cultura emergente. Editora Cultrix. Pág. 19.
7
A este respeito citamos in verbis: “Enquanto as doenças nutricionais e infecciosas são as maiores responsáveis pela morte no Terceiro Mundo, os países
industrializados são flagelados pelas doenças crônicas e degenerativas, apropriadamente chamadas "doenças da civilização", sobretudo as enfermidades
cardíacas, o câncer e o derrame. Quanto ao aspecto psicológico a depressão grave, a esquizofrenia e outros distúrbios de comportamento parecem brotar de
uma deterioração paralela de nosso meio ambiente social”. CAPRA, Fritjof. Op cit. Pág. 22.
8
CAPRA, Fritjof. Op Cit. Pág. 23.
9
Idem. Ibidem. Pág. 24.
10
Idem. Ibidem. Pág. 25.
11 SANTOS, Boaventura Sousa. Um Discurso Sobre as Ciências – Edições Afrontamento. 13ª Ed. Cidade do Porto. 2002. Pág. 8.
12
SANTOS, Boaventura Souza. Op. Cit. Pág. 15.
13
Idem. Ibidem. Pág. 15.
14
Idem. Ibidem. Pág. 15.
15
Idem. Ibidem. Pág. 18-19.
16
Idem. Ibidem. Pág. 27.
17
Idem. Ibidem. Pág. 31.
18
Idem. Ibidem. Pág. 33.
19
Neste sentido: “A industrialização da ciência manifestou-se tanto ao nível das aplicações da ciência como ao nível da organização da investigação
científica.(...)A ciência e a tecnologia têm vindo a revelar-se as duas faces de um processo histórico em que os interesses militares e os interesses econômicos
vão convergindo até quase à indistinção”. SANTOS, Boaventura Sousa. Op Cit. Pág. 35.
20
Idem, Ibidem. Pág. 46.
21 GONÇALVES, 2006
22 GONÇALVES, 2006
23 1995, P. 117
24 QUEIROZ, 2003
25 QUEIROZ, 2003
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26 GONÇALVES, 2006
27 Produção de forma contínua a si próprio
28 LUHM ANN, 1986, p. 113
29 DI GIORGI, 1998, P. 153
30 DI GIORGI, 1998, P. 157
31 DI GIORGI, 1998, P. 158
32 1986, p. 114
33 DI GIORGI, 1998, P. 156
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