UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA THOMAS MARCELO FERNANDES HERNANDEZ MARKETING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA: A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO NO ESPAÇO URBANO Palhoça 2008 2 THOMAS MARCELO FERNANDES HERNANDEZ MARKETING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA: A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO NO ESPAÇO URBANO Monografia apresentada como requisito parcial da disciplina Projeto Experimental – Monografia para conclusão de curso de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda Orientadora: Ramayana Lira. Palhoça 2008 3 “Estou fazendo marcas negras sobre papel branco. Essas marcas são meus pensamentos e, mesmo não sabendo quem és nem quando estás lendo isto, de algum modo as linhas de nossas vidas se cruzam aqui, sobre este papel branco. Necessitamo-nos aqui, durante o tempo que duram estas breves frases. Não é acidental que estejas lendo isto. Estas palavras te esperavam.” Duane Michals 4 AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente ao meu Deus maior, pai da humanidade, luz divina e eterna que me ilumina e me orienta na linha reta do caminho do infinito. Agradeço aos espíritos de luz, guias espirituais, índios e caboclos guerreiros que me protegeram até aqui, neste ponto da minha vida em que escrevo estas palavras. Agradeço a força e a firmeza e determinação que a doutrina da floresta me proporcionou, à Rainha e ao Príncipe. Agradeço a Jesus e a Maria santíssima. A Meu pai Juan Agustin Barria Hernandez que me deu todo o apoio para que eu concluísse os meus estudos desde pequeno, me dando toda segurança possível, e a cobrança necessária. ”Vai em frente filho”. A minha mãezinha querida Kélinha, que me deu a luz da idéia para o tema desta monografia quando eu estive confuso e não sabia por onde seguir. E também por me ajudar em toda a minha vida com todas as dificuldades, sempre me olhando, e até mesmo fazendo por mim quando fui fraco. Obrigado mãe. A minha irmã querida, Ana Farrah, linda e maravilhosa, um ser de luz que eu amo de coração, de uma inteligência cósmica e brilhante e que me ajudou muito para acelerar no inicio deste trabalho quando ainda estava se arrastando e sem rumo definido. E finalmente a minha noiva, alma gêmea e pequena Aliandra, Ali, que me apoiou desde quando a vi pela primeira vez. A melhor naturóloga da Terra, terapeuta e conselheira. Amo todos vocês. 5 RESUMO Este trabalho faz uma abordagem sobre a vida urbana, onde os cidadãos são submetidos aos excessos de um cenário poluído e massificado. Além disso, aborda as atuações e influências que o Marketing de Guerrilha e também a Intervenção Urbana podem exercer sobre o espaço urbano e conseqüentemente seus resultados sobre os moradores das metrópoles que estão imersos dentro deste contexto. Para facilitar o entendimento criou-se metaforicamente um cenário de batalha onde serão estudadas as possíveis lutas simbólicas destas duas vertentes em busca da atenção do público. Palavras-chave: Marketing de Guerrilha, Intervenção urbana, espaço urbano, luta simbólica, atenção. 6 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Anúncio original da Motorola......................................................................10 Figura 2 - Anúncio da Motorola subvertido.................................................................10 Figura 3 – 1984 de Orwell..........................................................................................23 Figura 4 – Brazil o Filme.............................................................................................23 Figura 5 – Blade Runner............................................................................................23 Figura 6 – Síndrome de Stendhal...............................................................................30 Figura 7 – Jovens punks londrinos.............................................................................35 Figura 8 – Os 4P’s......................................................................................................44 Figura 9 – PR-Stunt....................................................................................................51 Figura 10 – Ambush...................................................................................................52 Figura 11 – Astroturfing..............................................................................................53 Figura 12 – Anti-Astroturfing.......................................................................................54 Figura 13 – Performance............................................................................................55 Figura 14 – Performance............................................................................................56 Figura 15 – Clientes evangelizados da Apple............................................................58 Figura 16 – Lambe-Lambe da Nokia..........................................................................58 Figura 17 – Invisível...................................................................................................60 Figura 18 – Arte Urbana.............................................................................................61 Figura 19 – Ossário....................................................................................................63 Figura 20 – Symbolyx.................................................................................................64 Figura 21 – Joey Chemo............................................................................................70 Figura 22 – Clubbing..................................................................................................72 Figura 23 – Free Hugs................................................................................................73 7 Figura 24 – Coca-Cola Flash Mob..............................................................................74 Figura 25 – Adesivos Fluorescentes..........................................................................76 Figura 26 – Flores de papel celofane.........................................................................76 Figura 27 – Por uma cidade sustentável....................................................................77 Figura 28 – Folhas de ouro........................................................................................77 Figura 29 – Siga sem pensar.....................................................................................78 Figura 30– Imagine.....................................................................................................78 Figura 31 – Rua Imagem Espaço...............................................................................79 Figura 32 – Interruptores para poste de luz...............................................................79 Figura 33 – Enxurrada de letras.................................................................................80 Figura 34 – Desenhando no vento.............................................................................80 Figura 35 – Fome e Miséria Internacional..................................................................81 Figura 36 – Vida x Propriedade..................................................................................82 Figura 37 – Odeio muito tudo isso..............................................................................83 Figura 38 - Propaganda Abusiva................................................................................84 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................9 2 A ARENA DE BATALHA........................................................................................16 2.1 O ESPAÇO URBANO..........................................................................................16 2.2 MODO DE VIDA URBANO...................................................................................23 2.3 USOS E ABUSOS DO ESPAÇO URBANO.........................................................30 2.4 UM ESPAÇO DE LUTAS?...................................................................................38 3 MAREKTING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA...............................41 3.1 MARKETING TRADICIONAL ..............................................................................41 3.2 PRINCÍPIO DO MARKETING DE GUERRILHA..................................................45 3.3 FERRAMENTAS GUERRILHEIRAS....................................................................49 3.3.1 PR-Stunt...........................................................................................................49 3.3.2 Ambush ou Emboscada.................................................................................51 3.3.3 Astroturfing.....................................................................................................53 3.3.4 Performance....................................................................................................54 3.3.5 Buzz..................................................................................................................56 3.3.6 Invisível............................................................................................................59 3.3.7 Arte urbana......................................................................................................60 3.4 CONCEITO DE INTERVENÇÃO URBANA..........................................................61 3.5 TÁTICAS INTERVENCIONISTAS........................................................................69 3.5.1 Culture Jamming/Adbusters.........................................................................69 3.5.2 Flash Mob........................................................................................................71 3.6 COLETIVOS DE ARTE........................................................................................75 3.6.1 Grupo Poro – interferências em arte............................................................75 3.6.2 Coletivo Esqueleto.........................................................................................82 3.7 A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO.................................................................84 4 CONSIDRAÇÕES FINAIS......................................................................................87 5 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS.......................................................................89 9 1 INTRODUÇÃO Em uma sociedade moderna, onde existe uma imposição de escolhas préestabelecidas e onde as metrópoles representam um rico campo para comunicação pela variedade de espaços disponíveis, grandes centros urbanos tornam-se saturados de publicidade que atacam por todos os lados na tentativa de vender uma marca, idéia, produto ou serviço e ganhar mais um cliente. Dentro deste cenário surgem duas conseqüências opostas em sua essência: o marketing de guerrilha e a intervenção urbana. Este primeiro, como uma tentativa de mudar o quadro atual da saturação publicitária que não afeta mais da mesma forma inicial seu público alvo, como exemplo, as mídias convencionais televisão, rádio, outdoor entre outras. A saída do marketing de guerrilha é a surpresa, o ataque de maneira espontânea, sorrateira, sem que o seu alvo perceba sua aproximação. Utiliza-se de táticas guerrilheiras como agilidade, espreita e impacto, e geralmente atua na rua, numa tentativa de quebrar o cotidiano e rotina do seu “target”. Já a intervenção urbana segue por outro viés. Grupos denominados “coletivos de arte” também tentam vender, mas neste caso não um produto, e sim uma idéia, um conceito, um novo olhar para o cenário urbano opressivo. As ações de intervenção urbana podem ser políticas, estéticas, culturais ou sociais dependendo do conceito que leva cada grupo. O objetivo sempre será trazer um novo olhar, criar outras maneiras de percepção do meio urbano, e a reflexão sobre um sistema opressivo e alternativas de saída do mesmo. Alguns grupos de coletivos de arte utilizam-se de meios mais agressivos como, por exemplo, a aplicação do chamado “adbusting” onde subvertem anúncios e peças publicitárias com objetivo de criar uma interferência entre o emissor e o receptor, causando confusão na informação final. Esta ação é mais comum em grandes centros urbanos e geralmente tem um grande impacto sobre o observador. Pode ser evidente ou às vezes sutil como quando o observador não percebe ao primeiro olhar que algo não faz parte de determinada peça publicitária e somente dá-se conta que algo não está certo num segundo momento quando analisa mais minuciosamente o anúncio. 10 Figura 1: Anúncio original da Motorola Figura 2: Anúncio da Motorola subvertido Exemplo de intervenção aplicado no jornal the london paper onde a ação foi feita por uma pessoa que se identifica apenas como The Decapitator que corta a cabeça de pessoas ou personagens de maneira artística em diversos anúncios publicitários. A figura 1 mostra o anúncio original da Motorola onde o produto é o celular Razor que em inglês significa navalha, e o garoto propaganda é o jogador de futebol David Beckhan. 11 O texto cut through the noise também faz uma referência a cortar, onde “cut through” é uma expressão que significa ir além, mas no inglês remete também a corte. A figura 2 mostra o anúncio já subvertido no seu impresso final nas mãos do leitor, no qual o garoto propaganda - David Beckhan – tem a sua cabeça cortada, perdendo totalmente sua identidade. Ambos, o marketing de guerrilha e a intervenção urbana são semelhantes nos seus mecanismos de atingir o público: tentam de alguma forma surpreender rompendo com rotinas sociais e utilizam o impacto que causa estranhamento, que por sua vez gera curiosidade e ainda, mudam a experiência sensorial do observador. Apesar de suas semelhanças, os seus objetivos finais são completamente adversos. O marketing de guerrilha tenta dar continuidade ao processo de consumo. A intervenção urbana visa interromper este processo tentando dar uma possibilidade de reflexão para as pessoas, gerando uma contracorrente ao pensamento padronizado capitalista. Portanto, dentro deste cenário, que coloca a cidade como arena simbólica de uma batalha ideológica, ambos - marketing de guerrilha e intervenção urbana – acabariam por disputar a valiosa atenção de um público tão diversificado quanto o próprio espaço urbano pelo qual transitam? Se existe uma batalha ideológica sendo travada nas próprias ruas que passamos diariamente, onde um lado chama você para comprar e o outro chama você para pensar, então estamos inseridos nela. Podemos criticar e opinar, pois fazemos parte. Assim este trabalho visa “abrir as portas da percepção” para esta realidade tão difundida nos grandes centros urbanos de todo o país. No dia-a-dia de todos nós que vivemos dentro de uma sociedade urbanizada, há situações em que nos questionamos e que talvez até possamos mudar. Dentro de todo ser humano existe um “grito” de crítica, assim como este trabalho, que tenta realizar uma crítica construtiva que diz respeito a nós mesmos, como indivíduos e como sociedade, para que possamos refletir na tentativa de mudar algo em nós e nos outros ao nosso redor. Dentro deste contexto de luta e batalha, serão utilizados – metaforicamente conceitos militares para definição de algumas poucas partes de capítulos, de uma maneira crítica, com o objetivo de gerar um melhor entendimento de cada tópico aqui contido. Como exemplos: “a arena de batalha” para definir o cenário urbano e 12 “o alvo” para definir os públicos que o marketing de guerrilha e a intervenção urbana querem atingir. Esta monografia tem como objetivo geral analisar a possível busca do marketing de guerrilha e intervenção urbana pela atenção do público ocorrendo dentro do espaço urbano, e como objetivos específicos entender como se dá a comunicação dentro do espaço urbano onde informações de diversos tipos são compartilhadas, avaliar as estratégias e táticas utilizadas pelo marketing de guerrilha e da intervenção urbana para conquistar seu público e Identificar o público “alvo” das duas partes em questão. Para que se possa fazer uma análise futura, este trabalho partirá com as seguintes hipóteses auto-excludentes: • Há de fato uma luta simbólica ocorrendo dentro dos espaços urbanos por parte do marketing de guerrilha e da intervenção urbana em busca de atenção, gerando grande influência nas escolhas das pessoas. • Não há uma luta simbólica, mas apenas alternativas de escolhas onde a pessoa é livre para filtrar as informações e gerar uma opinião própria, independente de outras influências. • Há uma luta simbólica por atenção do público que ocorre raras vezes quando a idéia da intervenção é totalmente oposta à do marketing de guerrilha, gerando assim intervenções anti-propagandistas. Como metodologia que venha a incrementar as informações contidas no texto e acrescentar diferentes idéias, serão utilizados livros de diferentes autores sobre o tema escolhido, sites e blogs da internet especializados no assunto, artigos e monografias já realizadas sobre temas semelhantes. Também, para facilitar o entendimento de determinadas idéias e melhor exemplificação das ações que serão mostradas posteriormente, serão utilizadas imagens como apoio visual. A presente monografia se divide em quatro capítulos. O primeiro capítulo dará uma introdução geral sobre o espaço urbano, marketing de guerrilha e intervenção urbana. O segundo capitulo chamado “a arena de batalha” é subdividido em quatro subgrupos. O primeiro subgrupo chamado “o espaço urbano” falará como funciona este espaço, suas regras e normatizações e imposições sociais. 13 O segundo subgrupo “modo de vida urbano” irá abordar os diversos comportamentos dos habitantes do espaço urbano e analisar o seu tempo, agilidade, pressa, e obrigações. O terceiro subgrupo deste segundo capítulo chamado “usos e abusos do espaço urbano” mostrará como pode ser utilizado o espaço urbano pelos seus habitantes, as maneiras aceitas e não aceitas de seu uso, e os abusos cometidos no mesmo. E no quarto e último subgrupo chamado “um espaço de lutas” haverá a introdução para capítulos posteriores, do que poderia ser uma luta simbólica pela atenção dos habitantes deste espaço urbanizado. Serão utilizadas as seguintes bibliografias para o segundo capítulo, entre outras: O artigo de Rachel Fontes Sondré chamado A comunicação na cidade: polifonia e produção de subjetividade no espaço urbano, que faz um cruzamento entre a já descrita polifonia e a subjetividade dentro de cenário urbano, tratando a polifonia não no seu sentido musical ou sonoro e sim como uma diversidade de símbolos e características da cidade. Ainda dentro deste mesmo contexto há o livro de Ana Fani Carlos chamado A cidade onde a autora explica como se constrói fisicamente e no imaginário coletivo a noção de espaço urbano, o que realmente é um centro urbano, suas possibilidades e defeitos, entre outras. A obra de Certeau A invenção do cotidiano 1: artes de fazer, que entra como referência dentro deste tópico pois traz diversos estudos sobre as maneiras de morar na cidade e sobre a antropologia do cotidiano. O livro de Eni P. Orlandi chamado Cidade atravessada: os sentidos públicos no espaço urbano, que traz diversos artigos de vários estudiosos e professores que abordam temas como conflitos das cidades, grupos urbanos, controle, entre outros temas. O terceiro capítulo chamado “marketing de guerrilha e intervenção urbana” vem subdividido em sete subgrupos. No primeiro subgrupo, chamado “marketing tradicional” será abordada a função do marketing como um todo, na sua essência. O segundo subgrupo deste capítulo chamado “princípio do marketing de guerrilha” mostrará a funcionalidade desta modalidade de marketing, seu surgimento no mundo e no Brasil. No terceiro subgrupo chamado “ferramentas guerrilheiras” serão apresentadas as ferramentas do marketing de guerrilha e suas funcionalidades e aplicações. 14 O quarto subgrupo denominado “conceitos de intervenção urbana” fará uma abordagem aos conceitos de intervenção, quais as ideologias existentes, os motivos e o porquê de se fazer a intervenção urbana. No quinto subgrupo, “táticas intervencionistas” serão mostradas as táticas de intervenção, como se dão efetivamente as ações em si, e mais especificamente algumas ferramentas de intervenção urbana como culture jamming, adbusters e flash mob, explicando suas funcionalidades e resultados. O sexto subgrupo chamado de “coletivos de arte” abordará os grupos de intervenção urbana de algumas partes do Brasil, como agem? o que fazem? e os conceitos que cada grupo leva. No sétimo subgrupo, “A luta simbólica por atenção” será feita uma critica sobre o desenvolvimento do trabalho como um todo. Para embasar o terceiro capítulo sobre o marketing de guerrilha e intervenção urbana, serão utilizadas as bibliografias descritas a seguir, entre outras: Marketing de Guerrilha: táticas e armas para obter grandes lucros com pequenas empresas, de Jay Conrad Levinson o precursor do marketing de guerrilha, o livro Marketing de guerrilha com armas online também de Jay Conrad Levinson onde aborda o cyber espaço como campo para ações do marketing de guerrilha e também o livro Marketing de Guerra 2 de Al Ries e Jack Trout, dois publicitários visionários que abordam o futuro do marketing. Não há muitas opções e variedades de bibliografias sobre o tema de intervenção urbana, e isto dificulta no estudo do mesmo, portanto serão abordados vários web sites especializados no assunto, e também alguns artigos. São alguns deles: o artigo de Henrique Moreira Mazetti chamado Intervenção urbana: representação e subjetivação na cidade, que faz uma análise das práticas intervencionistas de grupos contestatórios surgidos principalmente na Europa e Estados Unidos a partir da década de 90, que se distanciaram da política institucional para travarem sua luta no campo da cultura. Ainda para explanar sobre o mesmo tema será utilizado o site www.intervencaourbana.org que possui uma gama de informações sobre o assunto, o site www.adbusters.org, que se dedica a mostrar algumas ferramentas da intervenção urbana como o culture jamming e adbusting, ainda o texto Manifesto Internacional Situacionista, de Juan Fonseca, que faz uma crítica sobre as grandes instituições de poder, e o texto de Peter Pàl Pelpart chamado Biopolítica e biopotência no coração do império, que aborda a 15 alienação em que vivem as pessoas e também sobre instituições de poder como o Império. E finalmente no quarto e último capítulo serão expostas as considerações finais de todo o trabalho. Dentro de todo este contexto de lutas simbólicas, e batalhas ideológicas cabe a seguir iniciar o segundo capítulo deste trabalho situando e ambientando os locais de atuação das ações aqui citadas, neste caso, “a arena de batalha”. 16 2 A ARENA DE BATALHA 2.1 O ESPAÇO URBANO Para Ana Fani Carlos (2005) há praticamente um consenso quando se tenta definir o que realmente é a cidade. A maioria dos próprios habitantes acredita que cidade são ruas, carros, prédios, congestionamento, multidão e poluição. Restringem a cidade a aspectos físicos, materiais e quantificáveis. Mas a cidade é muito mais que simples coisas materiais e visíveis, e o conceito de urbano vai muito além deste pensamento fechado de seus habitantes. Segundo a autora, existe uma preocupação em relação ao pensamento errôneo que em geral as pessoas têm de cidade como sendo “de um simples mapa aberto em uma prancheta”, e ignoram ou praticamente se recusam a tentar outras formas de se pensar e perceber a cidade (CARLOS, 2007, p.19). No trecho abaixo Carlos (2005, p. 27) descreve sobre a representação real da cidade: A cidade representa trabalho materializado; ao mesmo tempo em que representa uma determinada forma do processo de produção e reprodução de um sistema específico, portanto, cidade é também uma forma de apropriação do espaço urbano. As formas visíveis da cidade não são propriamente a cidade em si. Carlos (2005) afirma que prédios, casas, ruas, praças e viadutos são todos trabalhos materializados que foram concretizados em formas diferenciadas. Para que se concretize este trabalho, tal como a construção de casas, por exemplo, é necessário que haja uma base. Para Godóy (2004, p.30), esta base é a natureza e os movimentos de toda sociedade sobre a natureza tornam o espaço uma criação humana. A natureza é separada da sociedade, ela é a “base física sobre a qual o homem atua e produz o espaço geográfico”. Carlos (2005, p.32) afirma que o espaço urbano compreende aquilo que o homem cria e recria dentro da cidade e não é somente a existência real do espaço geográfico. É tudo ao redor, a relação do homem com a natureza, do homem com a 17 cidade, do homem com o homem. É a história que está em cada prédio antigo, em cada rua, em cada esquina. Segundo a autora “o espaço é, pois uma criação humana e sua produção coincide com o próprio modo pelo qual os homens produzem sua existência e a si mesmos”. Como exemplo para espaço urbano, pode-se imaginar um posto de gasolina com uma loja de conveniências que fica aberta 24hs por dia. Ali estacionam seguidamente diversos veículos para abastecer, mas também pode ser um ponto de encontro de jovens prontos para ir a alguma casa noturna. Ou seja, o posto e sua loja fazem parte do espaço urbano geográfico, pois se encontram em um ponto do mapa, são mensuráveis, e têm funções específicas, mas são também um lugar de troca de idéias, de comunicação, expressão e subjetivação. Muitas coisas podem ocorrer neste lugar durante qualquer hora do dia, possibilitando assim a construção do espaço. Abaixo Carlos (2005, p.28) explica como se dá a construção do espaço pelo homem: [...] ao produzir sua existência os homens produzem não só sua história, conhecimento, processo de humanização, mas também o espaço. Um espaço que, em última instância, é uma relação social que se materializa formalmente em algo passível de ser apreendido, entendido e aprofundado. Um produto concreto, a cidade, o campo, o território – nessa perspectiva o espaço, enquanto dimensão real que cabe intuir – colocam-se como elementos visíveis, representação de relações sociais reais que a sociedade é capaz de criar em cada momento do seu processo de desenvolvimento. Orlandi (2001, p.12) segue a mesma idéia que Ana Fani Carlos afirmando que o espaço urbano é como um espaço material, concreto e que funciona como um espaço para significação, mas que exige alguns “gestos de interpretação particulares”. É também um espaço simbólico construído pela história, “um espaço de sujeitos e significantes”. Não existe nada vazio na cidade. Tudo está completo e preenchido com o imaginário urbano. No trecho abaixo o autor revela seu pensamento do espaço urbano preenchido: Não restam espaços vazios na cidade, sua realidade estando toda ela preenchida pelo imaginário urbano. Os sentidos do “público” já estão desde sempre saturados pelo urbano de tal modo que a cidade é impedida de significar-se em seus não-sentidos, os que estariam por vir, as novas formas de relações sociais, em nossos termos, novas relações de sentidos. Sem espaço vazio, não há possível, não há falha, não há equívoco. Tudo se dá previamente, definitivamente projetado. O apagamento do social pelo urbano desfaz o político livrando a cidade à violência. Deixa-se de levar em conta os 18 modos sociais de produção de sentidos próprios à cidade. (ORLANDI, 2001, p.14) A metrópole, em conseqüência do processo de modernização e de progresso, está sempre em processo de reprodução do espaço, que nunca para, pois está sempre procurando o novo. Isso causa a perda de referenciais, “onde novas formas urbanas se constroem sobre outras”, alterando a sua morfologia e tornando assim a paisagem em constante mudança e transformação. A conseqüência disso é a perda de “referenciais individuais e coletivos que produzem a fragmentação do espaço” (CARLOS, 2007, p.13). Para Canclini (2003, p.285), estas transformações causadas pela expansão urbana, geram a chamada “hibridação cultural”, ou seja, onde antes havia concentrações fixas ou bem definidas em partes rurais, sem muita comunicação com demais grupos ou outras nações, agora existe uma mescla de culturas, que segundo ele é “renovada por uma constante interação do local com redes nacionais e transnacionais de comunicação”. Um exemplo claro destas constantes transformações na paisagem urbana é o local onde se encontravam, antes de um atentado terrorista, os dois maiores e mais importantes prédios empresariais da America do Norte, o World Trade Center. Atualmente o local foi reformado e transformado, temporariamente, em um memorial das duas torres e é chamado de marco zero ou ground zero nos Estados Unidos. O marco zero aguarda a construção da chamada torre da liberdade, um arranha céu também empresarial que vai alcançar os 541 metros de altura – 160 vezes maior que o Empire State - ou 1776 pés de altura que faz alusão ao ano da independência dos Estados Unidos. Michel de Certeau (1994, p.169) em sua obra A invenção do cotidiano: Artes de fazer, fala sobre esta efemeridade da cidade moderna, dando como exemplo a cidade de Nova Iorque vista de cima: A gigantesca massa se imobiliza sob o olhar. Ela se modifica em texturologia onde coincidem os extremos da ambição e da degradação, as oposições brutais de raças estilos, os contrastes entre os prédios criados ontem, agora transformados em latas de lixo, e as irrupções urbanas do dia que barram o espaço. Diferente neste ponto de Roma, Nova Iorque nunca soube a arte de envelhecer curtindo todos os passados. Seu presente se inventa, de hora em hora, no ato de lançar o que adquiriu e desafiar o futuro. 19 O centro de toda essa transformação é o próprio centro das cidades. Oliveira (2006, p.1) afirma que para se entender o urbano é necessário analisar a sua centralidade, e todas as diversidades envolvidas. Ali, na centralidade, assimila-se mais facilmente a realidade urbana, pois tudo está aglutinado, reunido “em função das necessidades humanas”. Ainda sobre esta centralidade Lefebvre (1999, p.110 Apud OLIVEIRA, 2006, p. 1) completando a idéia escreve: A centralidade não é indiferente ao que ela reúne, ao contrário, pois ela exige um conteúdo. E, no entanto, não importa qual seja esse conteúdo. Amontoamento de objetos e de produtos nos entrepostos, montes de frutas nas praças de mercado, multidões, pessoas caminhando, pilhas de objetos variados, justapostos, superpostos, acumulados, eis o que constitui o urbano. O centro da cidade é como uma aglomeração e concentração. Para Carlos (2005, p.70) Esta aglomeração é o centro de toda produção do capital que circula, da mão-de-obra, da população e dos “bens de consumo coletivo”. A cidade então, como espaço da reprodução do capital tem de se configurar urbanamente de forma concentrada e aglomerada, pois possibilita “diminuir a distância entre processo de produção da mercadoria e seu processo de consumo” (CARLOS, 2005, p.73). Um bom exemplo disso é o bairro Santa Mônica, em Florianópolis, onde tudo ali é muito concentrado. Lojas de diversos tipos, supermercados, concessionárias, vídeo locadoras entre outras. Possui também um grande shopping-center com um supermercado acoplado. Ali dentro, estão aglutinados, caixas eletrônicos, para não haver motivo de ficar ou estar sem dinheiro, as praças de alimentação, com dezenas de opções de refeições, onde se compra a comida e já se consome ali mesmo e geralmente muito rapidamente, e o supermercado, que produz alguns de seus produtos dentro do próprio estabelecimento como pães, sanduíches e pizzas, e pode-se consumir em mezinhas propositalmente colocadas ali mesmo. Rachel Fontes Sondré (2006, p.3), no seu artigo Comunicação na cidade: polifonia e produção de subjetividade no espaço urbano, afirma que as cidades modernas, por se configurarem aglomeradas, se caracterizam como grandes campos de comunicação, pois nesta centralidade existe uma enorme quantidade de signos, imagens e informações que “são emitidos simultaneamente no espaço urbano” e comunicam algum fato, evento ou coisas do cotidiano de alguma maneira 20 ao passante. Para a autora a cidade é “polifônica”, pois destas comunicações emanam “vozes nem sempre consoantes” por todos os lados da cidade. Os processos de comunicação que atuam dentro do espaço urbano, influenciam a todos os que ali transitam, pois estão todos dividindo o mesmo espaço concentrado – observador e observado - e não há como escapar. São diferentes de outros meios de comunicação de massa, que precisam que o espectador queira interagir com eles, como por exemplo, pegar o controle remoto e ligar a televisão, ligar o rádio, ir ao cinema, acessar a internet. “A comunicação das ruas é quase um imperativo, pois não temos nenhum poder de decisão a respeito dos outdoors, cartazes, pichações e outros signos que nos interpelarão em nossos deslocamentos urbanos.” (SONDRÉ, 2006, p.2) Outro fator comunicacional são os espaços públicos que, ocupados por diversas pessoas, possibilitam o contato humano, gerando uma experiência de alteridade que é a dependência do “outro” para compreender e se relacionar em sociedade, criando subjetividades. A cidade nada mais é que “um rico cenário de abundantes fluxos e trocas simbólicas e comunicacionais” (SONDRÉ, 2006, p.2). A comunicação que se dá dentro da cidade é muito mais visual do que verbal. Segundo Sondré (2006) isto facilita o processo de compreensão das mensagens, adequando-se à velocidade deste meio tão veloz. Esta velocidade de fluxos intensos influencia diretamente as pessoas e sua maneira de viver dentro da urbe, contribuindo assim para o aceleramento do ritmo de vida natural do cidadão. Um exemplo desta comunicação fortemente visual são os painéis eletrônicos que funcionam como uma espécie de televisão gigante em grandes metrópoles como São Paulo. São posicionados geralmente na beira de avenidas de fluxos intensos e de alta velocidade. Nestes painéis a velocidade de informação é surpreendente, como se estivesse tentando passar o maior número de informações para o motorista no menor espaço de tempo. A cidade com seus signos e imagens emite mensagens de ordem para quem vive ali. Segundo Carlos (2007, p.37), existem diversas mensagens ditando regras a todo o momento: como se comportar dentro deste espaço, como se vestir, como comer, como viver e pensar. Estas ordens não seguem a mensagem verbal e sim visual e são “reduzidas a signos” para facilitar o processo de manipulação da consciência das pessoas tornando assim o processo mais cômodo. 21 Sobre este processo de manipulação através de signos, imagens e regras a autora escreve: O signo separando-se do significado torna-se objeto mágico, que penetra no sonho das pessoas manipulando-as, na medida em que fornecem um “outro sentido” à mercadoria. Com esse processo, assistimos à significação de uma nova ordem de troca (social), novas formas de uso dos lugares da cidade, um novo modelo de vida que se impõe pelo efêmero, em que a “imagem pela imagem” aparece enquanto reino do espetáculo e como simulacro. O novo engole as formas nas quais se escreve o passado e com ele seu estilo e, sem referencial, o mundo, na busca incessante do novo, se transforma no instantâneo. (CARLOS, 2007, p.37). Um exemplo que cabe bem aqui é fazer uma analogia desta sociedade real de controle, ou melhor, desta cidade distópica que é descrita por Carlos (2007), com o livro de George Orwell chamado 1984, onde na história existe um sistema totalitário – escondido de democracia - de controle intenso de seus habitantes que não permite que ninguém haja e nem sequer pense de forma diferente de como pensa o grande irmão que é quem dita as regras - de maneira bem visual com telões chamados de teletelas que transmitem e captam voz e imagem – e se faz presente a todo o momento. É através da teletela que o partido dominante controla seus membros. Envia e recebe informação a todo instante ao grande irmão, de todos os vigiados. Pode-se dizer que o mesmo ocorre na sociedade real, principalmente das grandes cidades, onde há um forte controle de seus habitantes, no qual tenta definir a maneira de pensar, agir, vestir, comer e sentir dos cidadãos através de um poder dominante que se utiliza de telas para manipular massas, como as televisões por exemplo. O grande irmão, chamado de Big Brother pode ser considerado o Estado, o centro do controle, o poder maior. Ele, é onipresente, está em todos os lugares, e ao mesmo tempo, nunca ninguém o viu de verdade. É uma liderança invisível. Outro filme que aborda um sistema distópico é o Brazil, o filme. Dirigido por Terry Gilliam, mostra um quadro surreal em que a tecnologia impera e todas as pessoas são monitoradas por um governo secreto totalitário que impede e proíbe que qualquer tipo de amor interfira na eficiência do sistema. A cidade caótica, com muita publicidade ao redor de estradas para encobrir a devastação do meio ambiente, e o lixo tóxico e radiativo que é jogado por ali. Também há canos que conectam toda a cidade e dentro dos próprios apartamentos, e por ali passam todas as informações que mais tarde são anunciados na televisão. 22 Se para a época este quadro é “surreal”, pode-se dizer que praticamente tornou-se real nos tempos de hoje. A manipulação das pessoas através de um poder total e também com o auxílio da tecnologia é um fato. Segundo o professor titular de engenharia de software da Universidade Federal de Pernambuco Silvio Meira em seu artigo Informação, Google e o olho do grande irmão, a empresa Google tem um plano para praticamente “dominar o mundo”. Segundo ele, esta empresa tem informações de todos os tipos armazenadas em seus bancos de dados, e o objetivo é armazenar toda a informação do mundo e ter um perfil de todos os usuários, por motivos ainda desconhecidos. Também a globalização unida à tecnologia, que conecta a tudo e a todos, faz lembrar os canos que transmitem informações a todo instante no filme (Disponível em: http://mesquita.blog.br/o-olho-do-grande-irmao.) Também pode ser enfatizado aqui um filme de 1982 chamado Blade Runner. O longa metragem mostra uma sociedade no ano de 2019 em que se criam andróides ditos perfeitos, fortes, Inteligentes e ágeis que são chamados de replicantes e utilizados como escravos para explorar novos planetas. Um grupo de replicantes então provoca um motim em outro planeta, e são proibidos de voltar pra Terra. Alguns deles acabam voltando e um grupo – esquadrão de elite - chamado Blade Runner é encarregado de “removê-los”. Ao cruzar este filme de ficção com a realidade se vêem muitas semelhanças como, por exemplo, a fotografia do filme onde aparecem enormes cidades e megalópoles de uma enorme verticalização que confunde e (des) situa. Prédios imensos e muita poluição visual é uma forte crítica à sociedade atual real, com muitos pontos em comum. Ali não há uma centralidade, pois a cidade se torna tão complexa e emaranhada que tudo vira centro, assim como nas grandes metrópoles reais de hoje. A própria tecnologia robótica de hoje já se assimila com o filme. A NASA, por exemplo, criou diversos robôs – não andróides – para explorar outros planetas do sistema solar. 23 Figura Figura 4: Brazil o Filme 3: 1984 de Orwell Figura 5: Blade Runner Para uma melhor compreensão de como se dá esta manipulação através de signos comunicacionais dentro do espaço urbano, cabe agora verificar o modo de vida dos habitantes das cidades, como vivem, o que lhes afeta, o que fazem, seus processos de transformação e de re-apropriação do espaço. 2.2 MODO DE VIDA URBANO Dentro da metrópole, mais especificamente no centro da cidade, existe diariamente e ininterruptamente um enorme “vai e vem” de uma multidão de pessoas apressadas, correndo contra o tempo. Carlos (2005, p.20) afirma que “o mundo urbano não é homogêneo; há uma multiplicidade de atos, modos de vida, de relações.” Esta corrida contra o tempo geralmente se dá em função da busca por capital, e acúmulo financeiro, mas também por qualquer outro motivo que leve as pessoas ao deslocamento, seja fazer compras, lazer, visitas a parentes, amigos ou mesmo a trabalho. São milhares de carros, ônibus lotados, motos, passantes e toda uma diversidade de fluxos irrequietos para todos os lados da urbe. (CARLOS, 2005) Em grandes centros urbanos como São Paulo, por exemplo, é praticamente impossível encontrar uma grande avenida que não esteja abarrotada, de veículos, 24 pedestres e vendedores de todos os tipos a qualquer hora e dia da semana. A metrópole funciona 24hs. O tempo na cidade é o que define e “impõe” o ritmo urbano. O homem urbano vive de acordo com o tempo, e ele – o tempo – é quem dita as regras, e a pressa. Um operário só se diferencia de outro operário dentro deste contexto, pelo tempo de trabalho que cada um deles materializou em mercadorias. Aí há uma troca de valores, onde o valor econômico predomina e o mundo passa a ser o mundo das coisas e o homem é melhor se tiver mais coisas. Quem não tem, é visto com maus olhos perante a sociedade (CARLOS, 2005, p. 20 grifo nosso). No trecho a seguir Orlandi (2001, p.10) dá um exemplo desta exclusão de classes sociais dentro do contexto urbano: “Por exemplo, quando a classe média bloqueia ruas para as festinhas de seus filhos é ecologismo, está protegendo o espaço de circulação; quando é pobre, é vandalismo, é coisa de marginal, é desordem, impede o trânsito.” Da mesma forma, Carlos (2005, p.20) complementa a idéia de exclusão de classes sociais dentro deste cenário, mas com outra situação como no exemplo abaixo: Um homem bem vestido, descendo de um carro “do ano” na porta de um restaurante da moda será tratado de “doutor”. Um cidadão mal vestido, descendo do ônibus e parando na porta do mesmo restaurante, sem dúvida alguma, será visto com ressalvas. É quase um ladrão, em potencial. Isso mostra o quão importante se torna o “ter” ao invés do “ser” dentro da urbe. O homem passa a adquirir respeito e reconhecimento perante os demais através de uma “aparência produzida” dentro de valores que são urbanos, impostos pela sociedade urbana. Quanto mais trabalhar, consumir e produzir, mais status terá (CARLOS, 2005, p. 12). Até mesmo o chamado “tempo livre”, que seria o momento de lazer – momento de não trabalho - que o cidadão deveria de ter por direito torna-se uma extensão do trabalho, consumo e lucro. O tempo livre, às vezes, acaba virando motivo para estender o trabalho, como exemplo, os almoços de negócios, um jantar com reunião com colegas de trabalho, uma viagem de negócios, uma palestra, congresso ou simpósio para aumentar o currículo e conseqüentemente o lucro, a televisão que oferece diversos produtos para consumo. O tempo livre de classes menos 25 favorecidas tem ainda menos liberdade, pois tem de se preocupar com outros trabalhos ou mesmo procurar trabalhos (CANCLINI, 2003, p. 288). Segundo Everardo Rocha (2006, p.18) em seu livro Comunicação, cultura e consumo: novas sensibilidades nas culturas jovens, o consumo é inerente ao ser humano. Todos precisam de alguma forma consumir para poder viver, mas não da forma que se transformou na modernidade. Para ele o consumo tornou-se banal e estranho pois começa a haver uma simbiose entre o ser humano e o consumo de tão entranhado que está. Como exemplo, o autor mostra que já existem diversos casos de crianças nos Estados Unidos que ganharam nome de marcas produtos, para que possam receber status dentro da sociedade. Alguns nomes/marcas como Armani, Porsche, L’Oréal, Canon, ESPN, Chanel, Chevys, Cristal, Chivas Regall, Fanta e Pepsi. Quem dita como consumir e o que consumir são as formas de cultura de massa que se impregnam em “filmes, novelas, programas de auditório, shows, colunas sociais, cadernos jornalísticos, matérias de revistas e, sobretudo, a publicidade”. A publicidade é quem sustenta todas as outras formas de consumo e por isso a maior formadora de opinião (ROCHA, 2006, p.15). Para Sondré (2006) o capitalismo domina pelo desejo, e de maneira sutil, a dominação subjetiva se expande por toda sociedade. Este domínio se dá através de todos os meios de comunicação e também da cultura do consumo. A publicidade aqui é a principal ferramenta para dar continuidade e aumentar o processo consumista. Sobre esta dominação, que tem como principal ferramenta a publicidade como meio de emitir informações e mensagens aumentando o desejo, e conseqüentemente o consumo a autora explica: Uma estratégia que tem sido utilizada com eficiência pelo poder para investir no campo do desejo [...] é a publicidade. [...] os discursos, a estética, as imagens e os padrões de vida e beleza proclamados pelos anúncios que proliferam não apenas na paisagem urbana, como também no interior dos lares (via televisão, internet, mídia impressa ou mala direta) reafirmam os valores nos quais se apóia a ordem dominante e legitimam as relações de poder que a sustentam. Não há nada de novo nas mensagens publicitárias que se apossam dos espaços públicos, ao contrário, elas só fazem reproduzir e confirmar os discursos cantados por jingles e repetidos exaustivamente por garotos propaganda. As imagens e idéias que encontramos aí são as mesmas repetidas diariamente durante o intervalo dos telejornais ou pela mocinha da novela. [...] (SONDRÉ, 2006, p.12) 26 Já para Everardo Rocha, o consumo está diretamente ligado à busca por uma identidade dentro da sociedade moderna. Para serem diferentes das demais, as pessoas e principalmente jovens urbanos buscam consumir bens que lhes trarão um diferencial. A publicidade, e os meios de comunicação em geral, sabendo disso, fazem uma espécie de socialização do consumo, criando produtos ou serviços que se liguem a determinados grupos consumistas de maneira humanizada. “Os produtos ou serviços adquirem identidade diante de nossos olhos em razão do trânsito que possuem em inúmeras cenas que reproduzem a vida cotidiana” (EVERARDO, 2006, p.33). Segundo o autor, alguns exemplos destas cenas em que aparecem produtos em situações sociais com seres humanos, são novelas, filmes, e anúncios publicitários diversos. Nas novelas, há uma grande quantidade de cenas onde seres humanos fazem coisas iguais às da vida real, criando assim uma identificação com o espectador. É comum ver, nas novelas, o chamado merchandising, onde produtos são colocados de maneira explicita ou não em determinadas tomadas e cenas, interagindo com os seres humanos. A série de TV Malhação utiliza de forma explicita os produtos com seus personagens, seja um refrigerante ou um shampoo. Em filmes o mais comum é o merchandising colocado de uma maneira mais sutil, onde geralmente aparece apenas uma parte do produto, ou se vê algum anuncio em poucos segundos de vídeo. Nessa corrida contra o tempo por lucro e status, por valor econômico e valor simbólico, o habitante urbano tem de ser, consumir e produzir rápido e adaptar-se ao meio. “O andar apressado, o olhar distante e frio, um único pensamento: chegar depressa em algum lugar. São papéis que assumimos ou nos são impostos pela sociedade urbana de hoje.” (CARLOS, 2005, p. 19). O cidadão assim passa a dar valor somente para si próprio, esquecendo-se dos demais em função desta velocidade. Como exemplo desta distração e desprezo aos demais é comum observar que as pessoas na sua pressa diária, não dão a mínima importância para os moradores de rua, desabrigados e famintos, pedindo alguns centavos na rua para matar a fome ou alguma outra necessidade. O pensamento dos apressados fica focado no destino de sua rota dentro da cidade – futuro -, e o presente passa como imagens desfocadas e sem valor algum. 27 A aceleração do tempo na cidade gera mudanças muito rápidas que podem ser comprovadas pela própria morfologia da cidade e modo de vida dos urbanos. Segundo Carlos (2007, p.13) os resultados são novos padrões de vida e novas formas de apropriação do espaço, tornando estas novas formas “cada vez mais mutantes em um tempo cada vez mais efêmero”. Um exemplo de um fator que influencia diretamente na vida do ser urbano é o surgimento de fast foods. O tempo também determina como comer e as redes de fast foods crescem na mesma velocidade da pressa de quem come. Comidas de alta caloria em pequenas quantidades, onde a moda é comer e ir embora, ou ir embora comendo no caso dos drive-thrus. Se o tempo, como ritmo urbano veloz, influencia até mesmo o que comer, este ritmo pode afetar psicologicamente a vida das pessoas. Sondré (2006, p.8) afirma que a grande velocidade destes fluxos comunicacionais e a “rápida convergência de imagens em mudança” em função do estímulo ao consumo, podem causar uma “intensificação de estímulos nervosos”, criando um fator psicológico próprio do metropolitano. Este fator psicológico é criado por tudo que compõe o espaço urbano, como exemplo cartazes, outdoors, letreiros, avenidas, ruas, casas, prédios, vitrines, lojas, graffites, pichações, e os próprios “contatos humanos”. Estes atuam como processos comunicacionais e podem afetar os cidadãos de infinitas formas gerando qualquer tipo de experiência subjetiva, podendo ou não ser criativa (SONDRÉ, 2006, p.9). Para a autora sair para as ruas e deixar o nosso ambiente familiar é uma experiência de aventura, é “estar sujeito aos fluxos, aos encontros que se dão ao acaso”. É “esbarrar” com pessoas estranhas e aprender e mudar com elas. Isso tudo se chama experiência de alteridade e ela pode ser muito criativa se utilizada de maneira subjetiva. Esta experiência pode ter duas situações, positiva ou negativa. O fator positivo para o indivíduo é que pode transformá-lo em um criador de subjetividades, modificando e recriando o ambiente ao seu redor (SONDRÉ, 2006, p. 8, p.9). Como exemplo o graffiti, que é uma arte feita geralmente nas próprias ruas – nos muros – com o uso do spray de diversas cores, possibilitando que todos os passantes possam vislumbrar a arte sem pagar ingresso para isso. O graffiti não faz distinção de classe social, e pode ser uma experiência transformadora para alguns. 28 O fator negativo da experiência de alteridade ocorre quando estes encontros urbanos com desconhecidos se dão de maneira violenta ou ameaçadora, e a aproximação em excesso não permitiria a experiência de criatividade. Um assalto, por exemplo, ou um estupro, são conseqüências negativas da alteridade. Isso tudo gera desconfiança e medo, e pode mudar a maneira de apropriação do espaço levando o indivíduo a se trancafiar dentro do ambiente familiar, e se distanciar do contato urbano, iniciando assim um contato virtual através da internet por exemplo. (SONDRÉ, 2006) A velocidade dos fluxos de comunicação que ligam as pessoas por uma rede virtual faz com que cada vez mais elas se isolem dos “lugares de realização da vida”, e também umas das outras. Complementando esta idéia Carlos (2007, p.13) descreve: A metrópole cortada por vias de transito rápido, baseada na circulação sobre pontes e viadutos cada vez mais modernos, representa o vazio no cheio, caracterizado pela tendência à impossibilidade do uso dos espaços públicos e, como conseqüência, pelo distanciamento do indivíduo em relação aos lugares de realização da vida. Com o aumento e crescimento das cidades, tornou-se comum e generalizado dizer que as megalópoles geram um anonimato em seus habitantes. Viver em uma grande cidade não geraria o anonimato, mas sim outra forma de sociabilizar como, por exemplo, com a própria família e outras formas de comunicação de maneira mais intima e confiável. Ele explica que os “grupos populares” realmente não saem muito de seus próprios espaços, mas isto não significa o anonimato extremo, apenas um isolamento do próprio espaço. “Para todos o rádio e a televisão, para alguns o computador conectado para serviços básicos, transmitem-lhes a informação e o entretenimento a domicílio.”(CANCLINI, 2003, p.286). Segundo Sondré (2006) outro fator negativo da experiência de alteridade que pode ocorrer é que as pessoas que vivem na metrópole e que enfrentam toda uma gama de estímulos visuais e sensoriais de diversos tipos, no seu cotidiano podem desenvolver “uma atitude blasé”, o que impediria esta pessoa de reagir a emoções novas. É o meio influenciando diretamente no emocional da pessoa, e conseqüentemente em sua saúde. Esta experiência negativa descrita por Sondré, também é abordada por outros autores. Como exemplo, Rolnik (2001, p.25) afirma que há um excesso de tipos de 29 subjetividades ocorrendo no mundo. É a chamada “experiência de desestabilização”. Antigamente esta experiência era considerada uma doença mental e as pessoas tinham medo de não conseguir se enquadrar dentro de uma ordem considerada normal, medo de tornar-se louco. Hoje, no mundo contemporâneo, esta experiência de desestabilização está tão ampla e difundida que não é mais considerada doença e sim uma coisa normal. Ter stress vivendo dentro da metrópole é praticamente um pré-requisito. Tomar remédios para dores de cabeça, stress, fadiga entre outros se torna agora sinônimo de preocupação consigo mesmo, responsabilidade. Mas mesmo com algumas patologias serem consideradas normais ainda assim há fatores sociais e emocionais que podem desencadear problemas psíquicos e mentais. A preocupação demasiada com os fatores do mundo moderno, por exemplo, pode gerar doenças ditas “modernas” como a depressão e a síndrome do pânico onde a pessoa perde total controle sobre si mesma, gerando assim, segundo a autora, “um caos psíquico, moral, social, e antes de tudo orgânico”. Este caos interno seria um reflexo do caos externo que se encontra a sociedade moderna (ROLNIK, 2001, p.26). Ainda, segundo o site www.ocabulosodestino.net existe uma doença chamada “Síndrome de Stendhal” onde a pessoa é afetada de forma violenta pelo excesso de imagens, principalmente se tratando de excesso de obras de arte, que gera perda de referencial, perda de personalidade, amnésia, depressão, síndrome do pânico entre outras. A doença foi diagnosticada pela primeira vez em 1817, no artista chamado Marie Henri Beyle, conhecido como Stendhal, e teve seu ataque em um museu com diversas obras de arte em Florença. Cento e setenta e nove anos depois – em 1996 – o cineasta Dario Argento fez um filme sobre o tema, chamado “La Sindrome Di Stendhal”. 30 Figura 6: Síndrome de Stendhal (http://www.alnitak74.net/posters/S-T/La_Sindrome_Di_Stendhal.jpg - Acesso em 11 jun. 2008) 2.3 USOS E ABUSOS DO ESPAÇO URBANO Para se utilizar o espaço urbano existem regras a serem seguidas e cumpridas, sob pena de prisão, multa ou outras punições ao não se seguir a regra. Isso quer dizer que não há uma liberdade para o cidadão e sim uma aparente liberdade. Os movimentos e trajetórias dos transeuntes são controlados e vigiados por câmeras de segurança, e qualquer desvio de conduta reflete em uma punição. É o controle através do medo (CARLOS, 2007). Carlos (2007, p.30) descreve a seguir o que significa efetivamente usar o espaço urbano: [...] a cidade revela-se concretamente através do uso que dá sentido a vida, revelando o conteúdo da prática sócio-espacial. É pelo uso (como ato e atividade) que a vida se realiza e é também através uso que se constroem os “rastros” que dão sentido a ela, construindo os fundamentos que apóiam a construção da identidade revelada como atividade prática capaz de sustentar a memória. O espaço urbano representa, antes de mais nada, um uso, ou ainda, um valor de uso e desta maneira a vida se transforma, com a transformação dos lugares de realização de sua concretização, que a norma se impõe e que o Estado domina a sociedade, organizando, posto que normatiza os usos através dos interditos e das leis. 31 Ao caminhar dentro da cidade caminha-se de forma controlada. O sistema opressor permite livre acesso a alguns lugares e não a outros. O indivíduo é sujeitado a diversas placas de advertência como, por exemplo, “proibida a entrada”, “não permitida a passagem de estranhos”, pare, siga, entre outros. Para este sistema controlador, não interessa se o passante sabe ou não ler o aviso, mas sim elucidar-lo de que está “diante de uma ordem simbólica que se materializa ali”, colocando-o em seu lugar dentro deste espaço (SOUZA, 2001, p.71). Sobre este controle Canclini (2003, p.288) escreve: Em uma época em que a cidade, a esfera pública, é ocupada por agentes que calculam tecnicamente suas decisões e organizam tecnoburocraticamente o atendimento às demandas, segundo critérios de rentabilidade e eficiência, a subjetividade polêmica, ou simplesmente a subjetividade, recolhe-se ao âmbito privado. O mercado reorganiza o mundo público como palco do consumo e dramatização dos signos de status. As ruas tornam-se saturadas de carros, de pessoas apressadas para cumprir obrigações profissionais ou para desfrutar uma diversão programada, quase sempre conforme a renda econômica. Quando a ordem é dada através de um letreiro, placa, ou cartaz, o transeunte pode simplesmente passar sem ao menos olhar para o sinal, ou mesmo olhar, entender a mensagem de proibição e passar, desobedecendo a ordem, pois mesmo com as regras temos contudo a livre escolha (SOUZA, 2001). Como exemplo, pode-se imaginar uma pessoa no centro de uma cidade qualquer, que se depara – ao atravessar uma determinada avenida – com um semáforo fechado para pedestres. O pedestre pode olhar para os lados, verificar se não há perigo de atropelamento e passar. Neste caso o pedestre cometeu uma infração de acordo com a lei e poderá responder a esta transgressão juridicamente. Mas há os casos de interdição em que o pedestre não tem chance alguma em prosseguir seu andar, como exemplo, grades de ferro. Estas funcionam como uma barreira material, que atua diretamente no corpo do indivíduo impedindo-o de entrar em determinado lugar, tratando-o assim como suposto agressor, ou vítima. “Este é um dos efeitos da limitação do espaço público no percurso da mobilidade em território urbano”. Estas barreiras atuam de forma opressiva, e causa estranhamento no passante e até mesmo uma discriminação pois ele se sente “do lado de fora” ou excluído de alguma maneira. (SOUZA, 2001, p.72). Segundo Souza (2001, p.72): 32 O sujeito só se sabe livre em sua movimentação cotidiana ou dela destituído mediante o pedaço de terreno que lhe sobra para caminhar, ou mediante o tempo que tem de permanecer do lado de fora até que se abram os portões que detêm sua caminhada. Ai se encontra a fronteira do invisível entre o aberto e o fechado Carlos (2005) elucida que além de barreiras materiais, obviamente existem barreiras sociais de cunho econômico. Como exemplo, o fato do homem necessitar naturalmente de um espaço para habitar, dormir, comer, descansar e repor as energias, mas para poder habitar o solo urbano e ter as mínimas condições para as necessidades básicas humanas é preciso que se pague por ele, comprar ou alugar uma casa por exemplo. Do contrário terá de morar na rua ou de baixo de alguma ponte ou viaduto. Abaixo Carlos (2007, p.117) explica a idéia de Lefebvre sobre os direitos à cidade que o cidadão teria de ter: “Para Lefebvre o direito à cidade manifesta-se como a forma superior dos direitos, enquanto direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e à habitação [...]”. Há dentro do espaço urbano duas formas básicas de ocupação e uso, que são de lugares públicos e lugares privados. Os lugares públicos como o nome já diz são espaços destinados pelo governo para uso coletivo, de todos que queiram usufruir deste espaço. Os lugares privados são de uso particular, ou que nem todos podem ter acesso. Ambos os espaços têm regras a serem cumpridas definidas pela lei, mas há vezes em que ocorre uma flexibilidade de regras para com os espaços. Por exemplo, há alguns bares que possibilitam que o cliente sente-se na própria calçada, o que funciona como uma extensão do bar (MAGNANI, 2006). Magnani (2006, p.136) no trecho abaixo explica esta situação: Trata-se de uma prática que joga com a separação dentro e fora, público e privado: permite uma particular forma de desfrute que combina segurança e proximidade com os demais freqüentadores, intimidade do espaço fechado e a imprevisibilidade proporcionada pela movimentação da rua e da calçada. O freqüentador tem à sua disposição, portanto, três domínios: situado em um plano intermediário entre o dentro e o fora – ele está na calçada -, sente-se protegido pela ambiência do bar e pode apreciar o fluxo de passantes e da vida rotineira, que se desenrola na rua. 33 Esta situação acima seria uma exceção da regra, que impede que se avance para além de uma área demarcada pelo poder público, que determina o que é e o que não é área privada e área pública (MAGNANI, 2006). Esta separação de público e privado está diretamente associada com a história da língua portuguesa e também a história da cidade. Para exemplificar faz uma analogia com a definição de rua que está no dicionário Aurélio. A definição deste dicionário para rua é: “via pública para circulação urbana, total ou parcialmente ladeada de casas”. Aí, a palavra circulação remete à circulação de veículos, e movimentação contínua sem que se possa parar. Metafóricamente remete ao termo imperativo “circulando!” que é utilizado para dissolver alguma aglomeração de pessoas dentro do espaço público. Ainda, rua conforme a definição faz “oposição entre público e privado, entre casa e rua”, e metaforicamente o termo “ruão” remete a “ruaceiro”, “arruaça” que remete a desordens dentro deste espaço. Ou seja, na raiz da língua portuguesa já existe uma separação clara colocando o cidadão no seu lugar, explicando o que pode e o que não se pode utilizar do espaço público (NUNES, 2001, p.108). Esta exclusão que a própria cidade causa em seus habitantes, deixando-os do lado de fora de logradouros particulares, reprimindo sua caminhada cotidiana e controlando seus movimentos, gera uma fragmentação de grupos com ideais, ideologias, códigos de comunicação, indumentária, valores e costumes singulares. Estes grupos são denominados metaforicamente de tribos urbanas (MAGNANI, 1992). Há uma conotação de marginalização neste termo, por parte de um senso comum, onde as tribos urbanas significam problema. Para as pessoas, quem faz parte de uma tribo urbana, representa perigo, pois sai de um contexto de cidadão comum, um ser honesto e íntegro. Muitas vezes são ditos “selvagens”, quando denotam algum tipo de comportamento “agressivo, contestatário ou anti-social” como grupos de gangues, pichadores ou torcidas organizadas (MAGNANI, 1992). Mas mesmo que a pessoa não veja problema no termo, é comum generalizar as tribos urbanas como qualquer grupo de “patricinhas em um shopping, ou turma de manos em alguma estação de metrô”. (MAGNANI, 2006, p.131). Michel Maffesoli em seu artigo chamado A comunicação sem fim: Teoria pósmoderna da comunicação, explica que para que se possa compreender o fenômeno da comunicação é necessário se entender o aspecto tribal dos seres humanos. 34 Segundo ele, para que existam estas tribos faz-se necessário que elas “comunguem em torno de um totem”, ou seja, que tenham um gosto por algum elemento em comum, algo que agrade os integrantes da tribo. Estas tribos partilham das mesmas emoções e imagens, e tornam-se um grupo seleto e distinto dos demais grupos (MAFFESOLI, 2003, p.17). Ainda, o mesmo autor, em sua outra obra chamada A transfiguração do político: a tribalização do mundo, diz que o individualismo não faz mais sentido na modernidade. Para ele, a tribo é como um “estar-junto grupal que privilegia o todo em relação ao seus diversos componentes. [...] a cultura dos sentimentos, [...] torna essa grupalidade especialmente pertinente” (MAFFESOLI, 1997, p. 195). MAGNANI (1992, p.2) define no trecho abaixo o que são em primeira instância as tribos urbanas, de maneira básica: “[...] pequenos grupos bem delimitados, com regras e costumes particulares em contraste com o caráter homogêneo e massificado que comumente se atribui ao estilo de vida das grandes cidades.” Segundo o site spiner.com.br todos os movimentos de contracultura existentes são considerados tribos urbanas, mas nem todas as tribos urbanas são movimentos de contracultura. Alguns grupos que se caracterizam como essas tribos são: baladeiros, emos, headbangers/metaleiros, hippies, nerds, geeks, trekkers, otakus, patricinhas, punks, rockeiros e skinheads. Para Magnani (1992, p.3) as tribos urbanas são compostas de jovens que seguem o oposto das grandes instituições do estado, vão contra o sistema, e criam seus próprios códigos de comunicação, totalmente diferente dos códigos impostos pela sociedade. O termo “tribo” soa como “primitivo” que designa pequenos grupos que se utilizam de diversos signos para se diferenciar dos ditos “normais”, como por exemplo, tatuagens, cortes de cabelos não convencionais e coloridos, roupas coloridas ou pretas como os “darks”. 35 Figura 7: Jovens punks londrinos. Foto de Fernando Gabeira. (http://www.aguaforte.com/antropologia/magnani1.html - Acesso em 20 Abr. 2008) Há, no entanto, pessoas que vivem na dualidade de realidades. Por exemplo, pessoas que necessitam trabalhar em empregos ditos normais, como Office-boy durante o dia e a noite reúne-se com grupos góticos. Estas pessoas não se encaixam nas chamadas tribos urbanas (MAGNANI, 1992). Para que se possa definir como estes grupos utilizam o espaço urbano é preciso considerar primeiro, que os habitantes da cidade são “nômades” por assim dizer, ou seja, há uma grande mobilidade em seus atos e maneira de viver. (MAGNANI, 2006, p.132). Muitas vezes os jovens pertencentes às tribos urbanas seguem um circuito prédefinido dentro da cidade. Para melhor exemplificar este circuito será restringida neste momento, apenas a tribo dos straight edges. Este grupo tem características semelhantes ao grupo dos punks, tal qual sua maneira de se vestir – visual – e estilo musical, mas difere completamente em comportamentos alimentares, sexualidade e uso de drogas. São vegans – não se come qualquer tipo de carnes ou derivados -, não consomem nenhum tipo de droga e não toleram a promiscuidade sexual. Costumam dar festas chamadas “verduradas” que faz uma contraposição as festas denominadas “cervejadas” ou “churrascadas”. Nestas festas é comum que contratem alguns hare krishnas para a preparação da comida. 36 Mantese (2003, p.5, apud MAGNANI, 2006, p.138) explica no trecho a seguir sobre o circuito realizado pela tribo urbana dos straight edges: [...] a existência de um circuito freqüentado por straight edges, formado por restaurantes, sorveterias, lojas de disco [...], lojas de produtos vegetarianos, ‘vegans’, naturais e orgânicos, casas de show e centros de cultura e discussões anarquistas. Através da observação deste circuito foi possível notar que os straight edges acabam entrando em contato com outros grupos diversos: [...] hare krishnas, com ‘naturebas, com roqueiros em geral, com militantes anarquistas de diferentes gerações e orientações, entre outros. Assim como os straight edges tem seu próprio circuito de interação com outras tribos urbanas, de sociabilidade e trocas simbólicas, e seus próprios pontos de encontro como definido anteriormente, outros grupos detém outros circuitos, totalmente diferenciados destes, em outras localidades, fazendo trocas com outro tipo de tribos e gerando assim outros tipos de subjetividade. A tribo urbana dos pixadores se diferencia muito dos straight edges, por exemplo. Têm como objetivo se comunicar com grupos fechados ou gangues que “compartilham o mesmo código”, e não com a cidade inteira. Para isso utilizam assinaturas, riscos, e códigos praticamente indecifráveis para quem não faz parte do circuito destes grupos. Agem normalmente durante a noite quando há pouco movimento, pois suas ações são consideradas marginalizadas perante a sociedade, sob pena de resposta da lei, e atuam nas ruas utilizando diversos elementos para pichar como muros, postes, escadarias, chão, casas, prédios, bustos, entre outros (SONDRÉ, 2006, p.8). Magnani (2006, p.139) afirma que o circuito dos pichadores abrange um enorme espaço da cidade, e o grupo também conta com pontos de encontro – chamados de points - para uma espécie de reunião, trocando idéias antes de agir. Seus points, diferentemente dos straight edges, são escolhidos de maneira mais estratégica, para facilitar uma possível fuga da polícia. Estão diretamente relacionados com outras tribos urbanas como a dos skatistas e rappers. Mais uma vez é fácil observar a grande mobilidade que estes grupos necessitam, ou seja, comprovando seu nomadismo. Em Florianópolis, por exemplo, é fácil identificar diversas tribos urbanas e seus circuitos dentro da capital. Alguns exemplos: A tribo de emos – jovens que tem a música (hardcore emocional), as vestes, maquiagem, e cortes de cabelo como referencial em comum - que faz seu ponto de encontro inicial em frente ao BoB’s no 37 calçadão da rua Trajano. A tribo dos skatistas que se dividem no grupo que prefere a modalidade free style, ou street fazendo do seu circuito as próprias ruas, e os skatistas que preferem as pistas próprias para skate como é o caso em frente ao shopping Iguatemi no bairro Santa Mônica. Dentro do próprio shopping Iguatemi não é difícil encontrar tribos diferentes, como as denominadas patricinhas, ou simplesmente patys, no caso das meninas geralmente de classe média alta que fazem das compras no shopping center o seu principal lazer e relaxamento. E a tribo dos playboys, antigamente denominados mauricinhos, também na mesma faixa de idade e classe social das patys, e com os mesmos objetivos, acrescido geralmente de ostentação e status. Diferentemente dos grupos denominados tribos urbanas que fazem uso do espaço urbano de maneira singular e as vezes marginalizada, há outro tipo de grupo que de maneira legal ou oficial atua a céu aberto. Este grupo se denomina publicidade. Sondré (2006) diz que pode ou não ser nômade, pois depende de cada mídia exterior utilizada Busdoors, backbus, flyers, panfletos, folders, cartões e garotos propaganda, são alguns exemplos de mídias móveis, nômades, que circulam e abrangem uma grande parte do espaço urbano. Há no caso dos busdoors e backbus, uma estratégia em vigor onde a agência de propaganda seleciona um circuito préestabelecido escolhendo quais ônibus colocar o determinado anúncio, pois dependendo dos bairros onde este ônibus passa, vai influenciar determinados grupos de pessoas de interesse ou não da agência. Para (SONDRÉ, 2006, p.5) a publicidade ao ar livre conflita com o cidadão, e ainda polui o espaço urbano como descreve no trecho abaixo: Com suas cores, imagens e mensagens os diferentes tipos de mídia exterior gritam nas cidades suas marcas e produtos. Sua função é vender objetos, serviços, status e estilos de vida. Tarefa que cumprem ao estimular ou criar necessidades, seduzindo o cidadão e convidando-o ao consumo. Não gritam em uníssono, cada um anuncia seu reclame. Entretanto, a mensagem final, o grande refrão, diz a mesma coisa “Compre, tenha, seja”. Existe, portanto, uma enorme gama de estímulos variados dentro da cidade criados por grupos de diferentes segmentos – publicitários, ativistas, ideais - que podem estimular as pessoas que ali vivem a criar subjetividades e sociabilidades e transformam a paisagem urbana de maneira radical. O excesso, porém, destas 38 informações que ali são emitidas pode causar um conflito de informações, - a polifonia urbana - afetando as experiências sensoriais dos cidadãos e suas sensibilidades (SONDRÉ, 2006). 2.4 UM ESPAÇO DE LUTAS? Segundo Carlos (2005, p. 82) a construção do espaço já nasce contraditória, pois expressa-se em contrapontos como “riqueza e pobreza”, belo e feio. Isso quem cria é o próprio ser humano, que através da história faz modificações e recria o mundo. Este processo todo é contraditório porque o homem produz e reproduz “um mundo com o qual parece não se identificar”. Vive em função de acumulação e aumento do capital, tornando-se praticamente uma máquina de força de trabalho. Devido a estas contradições que aparecem dentro do espaço, é que se iniciam as lutas. Dentro da cidade há um enorme jogo de interesses que reduz o cidadão a um “usuário de serviços” – consumidor – inserido num espaço onde a vida comum é programada para que se torne controlada em todos os sentidos, principalmente no sentido de consumir (CARLOS, 2007, p.30). Sondré (2006, p.2) amplia a seguir a idéia da existência de lutas dentro do espaço urbano: É possível ir mais além e constatar a coexistência de vozes contraditórias dentro de um mesmo espaço urbano. Tendo em vista a convivência de tão variados elementos de comunicação na cidade é possível entender o fenômeno da comunicação urbana no contexto de uma luta simbólica não só pelo território da cidade como também na disputa de idéias e posições subjetivas que nela se geram. Estas vozes que estão por toda parte na urbe partem de diversas fontes, e não se caracterizam somente como sonora, mas todo tipo de informação volátil que paira ou atravessa a cidade. Como exemplo pode-se citar a arquitetura - prédios, casas, monumentos históricos, ruas, avenidas, shoppings, museus, praças etc. - a publicidade ao ar livre – outdoors, busdoors, backbus, placas, totens, garotospropaganda, etc. – e a própria comunicação dos habitantes. (SONDRÉ, 2006). 39 Para o professor e Doutor Alberto Klein em seu artigo chamado A publicidade para além das imagens: O retorno ao paleolítico, as paisagens urbanas metropolitanas transformaram-se em “lugares de excesso”, onde todos os espaços urbanos estão ocupados por imagens e anúncios, que apelativamente buscam o olhar do passante com recursos que denomina de “titanismo midiático” como banners, outdoors, letreiros, painéis eletrônicos e “edifícios convertidos em anúncios”. As cidades tornam-se enormes “florestas publicitárias que, pelo gigantismo de suas imagens, não deixam pontos de fuga aos olhos humanos”, ou seja, não há como fugir (KLEIN, 2006, p.1). Todo este excesso de imagens e informação está causando uma crise comunicacional real onde os fatores se invertem. O excesso torna-se ausência, ou seja, de tanta imagem, de tanta informação, a pessoa acaba se saturando e não prestando atenção em nada, não vedo nada (KLEIN, 2006). O excesso não tem um bom retorno para quem recebe as informações, segundo o autor: “[...] o excesso de imagens midiáticas causa uma espécie de indiferenciação, uma vez que tudo quer se dar a ver, gerando, paradoxalmente, invisibilidade.” (KLEIN, 2006, p.2) Baudrillard (2001, p.72, apud KLEIN, 2006, p.1) afirma que a causa desta invisibilidade é o excesso de realidade. Abaixo ele complementa esta idéia: Se o real está desaparecendo, não é por causa de sua ausência – ao contrário, é porque existe realidade demais. Este excesso de realidade provoca o fim da realidade, da mesma forma que o excesso de informação põe um fim na comunicação. Com esta crise comunicacional - onde a saturação de imagens e informações cega os olhos dos cidadãos anestesiando seus olhares - a publicidade se percebe encurralada e começa a buscar uma renovação na elaboração e composição de suas imagens com finalidade de fugir da invisibilidade. Surge então o marketing de guerrilha com a finalidade gerar um “reencantamento do olhar” que se perdeu pelo excesso, através de táticas envolventes e muitas vezes lúdicas para persuadir o transeunte a olhar para determinado anuncio (KLEIN, 2006, p.5). Klein (2006, p.5) resume abaixo com que objetivo começa o marketing de guerrilha: 40 Assim, o marketing de guerrilha é uma tentativa de resposta a uma crise do olhar [...], advinda do excesso e fragmentação das imagens no espaço urbano. Crise que põe em xeque [...] a própria visibilidade das imagens, mesmo com todo seu gigantismo, dado que a sedação do olhar provoca cegueira. Da mesma forma, a intervenção urbana, segundo Henrique Moreira Mazzeti (2006), dentro deste exagero visual e deste contexto de lutas busca inovar, criando situações que possam vir a transformar estruturas já cristalizadas dentro do sistema, e atrair a atenção do público, mas de maneira artística e singular, se diferenciando das imagens convencionais trazidas pela mídia e culturas de massa. Segundo o autor: As intervenções urbanas se dão no dia-a-dia, em uma politização do cotidiano, do espaço público, que marca um distanciamento da política institucional para enfatizar a cultura e a reprodução social como terreno de combate. Além disso, as intervenções urbanas destacam a ação direta em contraposição à fomentação de visões utópicas, na busca por produzir novas maneiras de ver, sentir, perceber, ser e estar no mundo (MAZETTI, 2006, p. 3). Assim, será iniciado o capítulo seguinte para aprofundar estes dois objetos estudados – marketing de guerrilha e intervenção urbana - e analisar as principais características de ambos, principalmente seus métodos de abordagem e de diferenciação do convencional que tenta vencer a crise comunicacional visual através do novo. 41 3 MAREKTING DE GUERRILHA E INTERVENÇÃO URBANA 3.1 MARKETING TRADICIONAL Primeiramente, para que se possa compreender o que é o marketing de guerrilha é necessário que se compreenda antes o marketing básico, ou o marketing tradicional. O termo marketing vem de uma expressão derivada do latin mercari, que significa comercializar, mercar. No Brasil a palavra mais próxima de marketing é a palavra mercadologia. Esta surgiu quando a oferta começou a aumentar e ultrapassou a procura depois da revolução industrial, pois antes disso havia pouquíssima procura e o que era produzido já era vendido. Depois da Segunda Guerra Mundial começou a concorrência entre empresas e o consumidor passou a ter o poder de escolha. Iniciou-se aí a necessidade de se estudar o mercado e os consumidores, maneiras de atraí-los e ganhar-los da concorrência. Eis então que surge o marketing (POSSAMAI, 2007, p.10). Pode-se dizer que marketing é a utilização de um conjunto de ferramentas para se alcançar determinados objetivos específicos. O objetivo maior do marketing não é vender algo a alguém e sim uma amplificação neste sentido, é a comunicação com o cliente, a garantia de satisfação, a pós-venda, o atendimento às necessidades, a fidelização com o mercado alvo e o retorno e lucratividade para a empresa (KOTLER, 1998). Segundo Kotler (2000, p.30) a definição mais básica para marketing é: “[...] um processo social por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com outros”. Kotler (2000) ainda explica que para o marketing funcionar corretamente é necessário que se observe e se aplique corretamente onze fatores muito importantes neste processo. São eles: Necessidades, desejos, demandas, produtos, valor, satisfação, qualidade, troca, transações, relacionamentos e mercados. 42 As necessidades são as “exigências humanas básicas”, como comer, beber, morar, entre outras. Quando essas necessidades se dirigem a objetos específicos que se tornam capazes de satisfazê-la surge o desejo (KOTLER, 2000, p.33). Um bom exemplo disso é a necessidade de se usar um calçado. A pessoa tem necessidade de calçar os pés para poder andar, caminhar, correr, sem ferir os pés. Mas se para a pessoa o calçado tem que ser um tênis da Nike, isto já se tornou desejo. As demandas são os desejos que as pessoas têm por alguns produtos específicos, desde que se possa pagar por eles e não o desejo somente. Por exemplo, se a pessoa tem um desejo de ter um iate luxuoso, mas não tem como pagar por ele, ai há só o desejo e não a demanda. Para Kotler (2000) as empresas têm que conhecer todo mercado que deseja seu produto, mas saber também separar os que nunca vão poder comprar. O produto é a forma final do desejo do consumidor. É o material e palpável, mas deve satisfazer as necessidades do comprador. Segundo Kotler (1998, p.3) produto “é qualquer coisa que possa ser oferecida ao mercado para satisfazer uma necessidade ou desejo”. Marcos Cobra (2000) afirma que o produto tem de ter características mágicas para encantar os compradores, e ser em sua essência um objeto de desejo. O valor, ao contrário do que muitos pensam não é o preço do produto, e sim um valor agregado ao mesmo. Quando o produto é muito bom em termos de qualidade, preço, entre outros fatores o produto passa a adquirir mais valor. É um valor simbólico que está associado com a marca. Se o comprador adquire um produto de R$20,00, por exemplo, e este mesmo produto quebra em dois dias de uso, ele pode ser considerado caro em seu preço. Mas se este mesmo produto durar muitos anos, for de qualidade superior do que o comprador esperava, ou seja, impressionar o comprador, este produto terá muito mais valor agregado. Para Kotler (2000, p.33) “o produto ou oferta alcançará êxito se proporcionar valor e satisfação ao comprador-alvo.” A satisfação é um fator muito importante para a imagem e crescimento da empresa. Se o cliente está satisfeito, este pode trazer outros clientes para a empresa gerando o chamado boca a boca e ajudar numa divulgação sem custo efetivo. Possamai (2007) diz que a empresa deve sempre estar lançando varias 43 vantagens para manter o cliente e Cobra (2000) afirma que os clientes são o bem mais valioso de uma empresa. Segundo Possamai (2007,p.12): Os clientes altamente satisfeitos trazem diversos benefícios à empresa, pois são menos suscetíveis a preços, permanecem fiéis durante mais tempo, compram produtos adicionais e falam positivamente sobre a empresa para as outras pessoas. O boca a boca positivo é responsável por um grande número de vendas e de captação de novos clientes. As empresas inteligentes devem encantar os clientes, prometendo aquilo que podem oferecer e depois oferecendo mais do que prometeram. O objetivo do esforço do marketing é a troca. Esta acontece quando duas partes trocam algo, uma parte recebe e outra dá. Para Kotler (2000, p.34) “A troca é um processo de criação de valor, porque normalmente deixa ambas as partes em melhor situação.” Quando se chega a um acordo entre ambas as partes, ai existe a transação, que nada mais é que a troca de valores que geralmente não são palpáveis e não necessariamente exija dinheiro envolvido. O cliente como dito anteriormente é uma peça fundamental no marketing, e para que se possa dar continuidade neste processo é necessário fidelizar o cliente, fazê-lo voltar a comprar, tornar-lo assíduo. Cobra (2000) afirma que fidelização é uma má tradução do inglês para o termo loyalty que em português significa lealdade. O marketing de relacionamento utiliza esta fidelização para manter a clientela, “pois custa mais caro conquistar um novo cliente, do que manter um cliente já existente.” Como nenhuma empresa consegue atingir todas as pessoas do mercado, ou melhor, não consegue vender um determinado produto ou serviço para todos dentro do mercado - pois cada pessoa tem um determinado gosto particular – é necessário que se defina antes um mercado alvo. Kotler (2000) afirma que para isso, deve-se dividir o mercado em partes, de possíveis compradores, possíveis clientes, e também os que não têm chance de se tornar cliente, pois com isso se direcionam campanhas, estratégias, táticas e promoções somente para o mercado que interessa, economizando tempo e dinheiro. Isto se chama segmentação do mercado. Para se conseguir atingir o mercado alvo, existem diversas ferramentas, ou melhor, um conjunto delas que podem ser executadas em conjunto ou separadamente dependendo de cada caso (KOTLER, 2000). Este conjunto de ferramentas é chamado de mix de marketing – ou composto de marketing – e foi dividido por Jerome McCarthy em quatro grupos denominados os 4P’s. Estes 4P’s – produto, preço, praça e promoção - “são um conjunto de variáveis controláveis de 44 marketing que a empresa utiliza para alcançar seus objetivos” (POSSAMAI, 2007, p. 14). Figura 8: Os 4P’s Marcos Cobra (2000) em seu livro Marketing: Magia e sedução, estrutura os 4P’s da seguinte forma: • Produto – Deve ser revisto quanto ao seu design e embalagem para respeitar o que o cliente espera dele em termos de desempenho e realização de expectativas. O produto precisa ser mágico para encantar as pessoas, sendo portanto um objeto de desejo. • Promoção – O merchandising e a promoção de vendas devem ser sempre atraentes e sedutoras e se isso não está acontecendo é bom ir revendo suas ações táticas. • Praça – A estrutura de distribuição, em termos de pontos de vendas existentes, estoques disponíveis e a logística de entrega quase sempre devem ser revistas. O local de compra deve ser mágico, para preservar um certo misticismo. • Preço – Rever o preço é sempre uma estratégia interessante, sobretudo se a empresa deseja manter ou ampliar suas vendas. Qual é o preço que efetivamente seduz o comprador? Esse é o preço a ser praticado. 45 Pode-se então dizer que o marketing é a aplicação de um mix de diversas ferramentas específicas em suas funções para se alcançar os objetivos anteriormente citados. Segundo Kotler (2000, p.30) o teórico em administração Peter Drucker define marketing da seguinte forma: “Pode-se presumir que sempre haverá necessidade de algum esforço de vendas, mas o objetivo do marketing é tornar a venda supérflua. A meta é conhecer e compreender tão bem o cliente que o produto ou o serviço se adapte a ele e se venda por si. O ideal é que o marketing deixe o cliente pronto para comprar. A partir daí, basta tornar o produto ou o serviço disponível". 3.2 PRINCÍPIO DO MARKETING DE GUERRILHA Segundo Meisen (2007) a palavra guerrilha surgiu pela primeira vez na guerra de independência espanhola contra as tropas de Napoleão no ano de 1808 e foi do próprio contexto de guerra que surgiu pela primeira vez o termo marketing de guerrilha. Segundo Possamai (2007) foi feita esta associação, pois na guerra é sabido que mesmo que se tenha pouco armamento, mas com um bom conhecimento de terreno, melhores estratégias e táticas que o adversário, pode-se vencer uma guerra. Jay Conrad Levinson, um publicitário americano, foi o pioneiro neste tema abordando novas formas de se fazer marketing de uma maneira nada convencional e pouco habitual. Ele abandonou os velhos conceitos de marketing e tornou-se referência em marketing de guerrilha até hoje. Lançou a primeira obra chamada Marketing de Guerrilha em 1982 que abordava um marketing diferente do já conhecido, afirmando que o antigo marketing deveria ser reformulado para adaptarse ao novo cenário mercadológico. Baseando-se em técnicas guerrilheiras como a espreita, ataque surpresa, armadilhas e mobilidade, associou tudo a estratégias de marketing, para que as empresas pudessem inovar no mercado saturado (POSSAMAI, 2007). Esta saturação, já abordada anteriormente por Klein (2006) é fruto do excesso de imagens e anúncios dentro do espaço urbano, responsável pela crise comunicacional que as empresas vêm enfrentando. 46 A agência “espalhe”, especializada em fazer marketing de guerrilha confirma em seu site www.blogdeguerrilha.com.br/espalhe/ que esta saturação está prejudicando até mesmo as empresas que querem anunciar. Segundo a agência o marketing de guerrilha vem para mudar este cenário: Em uma sociedade saturada de informação, o maior risco é ser ignorado. As empresas precisam fugir do conforto e buscar vantagens competitivas em soluções novas e não-convencionais. Essa é a nossa proposta: fazer um barulho diferente. Furar o congestionamento do mercado, onde milhares de produtos gritam por atenção e posicionar a sua marca ali, na rua, lado a lado com o seu consumidor. Para vencer esta guerra, nós utilizamos as armas de guerrilha: agilidade, ousadia e surpresa. (BLOG DE GUERRILHA. Disponível em: www.blogdeguerrilha.com.br/espalhe/. Acesso em 30 mai. 2008 grifo nosso). Possamai (2007) seguindo a mesma linha de pensamento de Klein (2006) afirma que a propaganda está com problemas, pois as pessoas não conseguem mais absorver as mensagens publicitárias de maneira integral devido ao excesso. Para Levinson (1989, p.145) o excesso também é problema, e satiriza: “Outro grande erro no uso de mídia é utilizar muitos veículos. Essa utilização exagerada é uma coisa maravilhosa, desde que você seja o McDonald’s.” Por conta desta saturação a propaganda começa a se remodelar e criar a cada dia novos conceitos e novas idéias. O marketing de guerrilha entra justamente ai, reinventa e renova o antigo, abandona as mídias convencionais e cria mídias que antes nunca se pensou em utilizar, as chamadas mídias alternativas, acompanhando as constantes transformações do espaço urbano e de seus habitantes. Segundo Levinson (1989) o marketing de guerrilha diferencia-se do marketing tradicional em vários aspectos, mas o principal é que ao invés de se investir mais capital para se conseguir que uma ação de marketing seja de sucesso, é investido mais tempo, energia e imaginação do que o outro. Ainda, segundo Possamai (2007) o marketing de guerrilha trabalha com a integração de diversos tipos de profissionais, como relações públicas, jornalistas, publicitários entre outros, ampliando assim a comunicação e não se fechando para as possibilidades comunicacionais. Além disso, é direcionado para pequenas e médias empresas e não multinacionais – embora também possam utilizar -, nem grandes corporações, pois estas – as pequenas empresas – geralmente não têm verba para anunciar em grandes veículos de massa, ou para utilizar técnicas do marketing tradicional e se destacar no mercado competitivo, por isso optam por este 47 tipo de marketing tão inovador e barato investindo muita dedicação, energia, persistência e criatividade. A criatividade é um pré-requisito para um guerrilheiro – segundo Levinson (1989) assim são chamados os profissionais de marketing de guerrilha – pois tudo que se planeja e se aplica tem de ser inovador para poder capturar o cliente, sua atenção e seu bolso. Levinson (1994, p.69) em seu livro Propaganda de guerrilha: criatividade e competência para gerar o máximo de lucros com o mínimo de custos, afirma que quando um guerrilheiro utiliza a palavra “criatividade”, estão se referindo ao que pode ser medido em “lucratividade”. O sentido de criativo é fazer uma publicidade que gere capital. Além disso, o marketing de guerrilha mede seus resultados em lucro e não em aumento de vendas como o marketing tradicional. Quanto menos se gastar e mais ganhar, melhor. Para Levinson (1994) o mercado é um campo de batalha, e os profissionais de marketing de guerrilha são guerrilheiros. Este campo de batalha é desequilibrado, e para saber movimentar-se dentro dele da melhor maneira possível, ou seja, com agilidade, velocidade, determinação e criatividade, têm de ser um guerrilheiro. Levinson afirma que o mercado é –metafóricamente - um campo de batalha por conta da competitividade que há em se conseguir a atenção de um público, como descreve a seguir: “Milhões de outras empresas, agora de todas as partes do mundo, estão competindo com esses guerrilheiros pela atenção e pelo dinheiro de um número de consumidores cada vez maior.” (LEVINSON, 1994, p.335, grifo nosso). Os guerrilheiros então, segundo estas características citadinas, teriam mais chance de sair na frente do mercado e mais sucesso que os profissionais de marketing tradicional, pois teriam mais comprometimento que outros profissionais. De acordo com o autor muitos marketeiros desistem das ações no meio do caminho, diferente do guerrilheiro. Este comprometimento segundo Levinson (1994) é a vantagem do guerrilheiro sobre os demais, pois é através dele que todas as ferramentas que serão utilizadas para o sucesso de uma campanha, não serão abandonadas pela metade. Sendo assim o comprometimento está associado com a persistência. Além do comprometimento como uma vantagem para o guerrilheiro, Levinson (1994) ainda afirma que existem sete vantagens principais que o guerrilheiro tem sobre os demais marketeiros. São elas: 48 • 1º - Tem o conhecimento profundo de um guerrilheiro, ou seja, sabe mais informações sobre definir, atingir, planejar e criar que os concorrentes. • 2º - Faz a publicidade sob medida para o público através do estudo detalhado das necessidades e desejos dos consumidores selecionando assim o tipo de mídia utilizada para cada tipo de clientes, fazendo com que o público-alvo sinta que estão falando diretamente com eles. • 3º - O ritmo do guerrilheiro assegura qualidade e economia, pois o planejamento que se desenvolve juntamente com o comprometimento significa que não haverá muitas emergências a serem enfrentadas. • 4º - A publicidade tem mais flexibilidade para adaptar-se às mudanças. • 5º - A publicidade melhora com o tempo, com esforço, ajustando-se as engrenagens através de testes, transforma ela em uma publicidade em constante aprimoramento. • 6º - A publicidade dá saltos à medida que se aprende sobre mais publicidade e marketing. É obrigação do guerrilheiro aprender sempre. Essa vantagem garante que não se fique na “lanterna”, ou melhor, atrás dos concorrentes. • 7º - O guerrilheiro sabe que a publicidade por si só não funciona, e que existe o marketing com centenas de armas e ferramentas e que a publicidade é apenas uma delas. Cabe observar que algumas “vantagens” citadas acima na verdade não são diferenciais de um ou outro marketing, pois os dois aplicam, como é o caso do item numero dois. O marketing de guerrilha como já dito anteriormente direciona suas aplicações a pequenas e médias empresas que conseqüentemente atuam em pequenos mercados. Segundo Kotler (1998, p.7) “o tamanho de um mercado depende do número de pessoas que apresentam necessidades, têm recursos para fazer trocas, e estão dispostas a oferecer esses recursos em troca do que desejam.” Para se ter uma grande potência nos resultados, deve-se segmentar o mercado, isto é, reduzir o “campo de batalha” e com isso aumentar as chances de sucesso. Para segmentar um mercado de maneira correta é necessário que se mantenha um foco e uma análise do cliente para saber o método a se utilizar. Estreitar o foco é necessário, pois assim concentram-se as energias em um só objetivo. Um exemplo 49 disso é o caso de um bombeiro dado por Al Ries e Jack Trout (1989, p.42) no livro marketing de guerra 2 no trecho abaixo: Um comandante de campo está sob pressão para apagar vários focos de incêndio. Assim ele envia um esquadrão aqui, uma companhia ali. Quando chega o momento da verdade ele não tem mais as condições de forças necessárias para uma vitória. Assim é também o marketing. Todas as empresas que analisamos não estão lutando em uma guerra. Estão lutando contra centenas de pequenas fogueiras, diluindo suas forças e dessa maneira garantindo um possível insucesso quando se apresenta a grande oportunidade. Com o foco bem delimitado, o problema identificado, o planejamento concluído, e as estratégias elaboradas pode-se então iniciar a aplicação das ferramentas táticas de guerrilha. 3.3 FERRAMENTAS GUERRILHEIRAS As ferramentas, - ou armas como são chamadas pelos guerrilheiros – do marketing de guerrilha são diversas, e podem ser utilizadas juntas ou separadamente de acordo com cada caso. Ao juntar as ferramentas amplifica-se o poder de ataque podendo finalizar em um grande impacto em seus alvos. Não são nada parecidas com outras ferramentas conhecidas, pois criam e inovam sempre justamente para criar o boca-a-boca entre os alvos e também mídia espontânea (MEISEN, 2007). A seguir serão citadas algumas das principais ferramentas guerrilheiras. 3.3.1 PR-Stunt Ao contrário do marketing tradicional, que geralmente se utiliza da veiculação da mídia paga para divulgação, o marketing de guerrilha tenta gerar a mídia espontânea. Esta, não tem custo algum, e o seu resultado pode ser surpreendentemente eficaz. Segundo Possamai (2007, p.29) a mensagem comercial 50 é “unilateral, tendenciosa” e os clientes já não acreditam tanto em propagandas de TV, mas por outro lado tomam como verdade as notícias de jornais e revistas “pois percebem que são informações de terceiros e não da própria empresa”. Para se conseguir que ocorra uma mídia espontânea é necessário criar uma ação muito inusitada, com excesso de novidade, que despertará o interesse de todos ao redor e também da imprensa local. O problema é que não se tem controle se a ação dará certo, e até que ponto esta informação irá chegar. Pode não surtir efeito algum, ou surtir efeito em pessoas próximas, como pode também alcançar proporções mundiais – se espalhar pela internet, por exemplo –. Outra forma de se potencializar estas mesmas ações inusitadas e extremamente criativas é o uso do PR-Stunt. Segundo Possamai (2007, p.39) “PR vêm de relações públicas, e stunt significa golpe, truque, façanha, proeza.” Para o site Blog de Guerrilha o PR-Stunt significa utilizar profissionais de relações públicas para que façam a ponte entre agência de propaganda e a acessória de imprensa na tentativa de divulgar estas ações com potencial de grande repercussão. Os RP’s como são chamados os profissionais em relações públicas enviam os chamados press releases para os meios de comunicação de massa, mas não se tem certeza que o material será publicado. Se for, poderá ser aceito com grande credibilidade do público (POSSAMAI, 2007). Abaixo os objetivos do PR-Stunt segundo o site Blog de guerrilha: O objetivo do PR Stunt é a criação de situações inusitadas e surpreendentes que gerem mídia espontânea. Esses Stunts são potencializados por meio de um trabalho de relacionamento com a imprensa - ou como é conhecido no Brasil assessoria de imprensa. Para que isto aconteça de forma efetiva, é necessário realizar um trabalho em conjunto entre a agência de guerrilha e a agência de RP. A agência de guerrilha criará um conceito forte e, junto com a agência de relacionamento com a imprensa, construirá a ação de forma que gere mídia espontânea, além do boca a boca. Na operação, a agência de RP terá o objetivo de fazer sair no máximo de veículos possíveis, respeitando, é claro, o público-alvo da ação. (BLOG DE GUERRILHA. Disponível em: http:// www.blogdeguerrilha. com.br/wiki/index.php5?title=PR_Stunt. Acesso em 01 jun. 2008). Um exemplo de PR-Stunt é mostrado na figura abaixo, onde o guerrilheiro Eduardo Stur faz uma junção entre ação ambiente e PR-Stunt, colocando uma garrafa pet gigante na beira dos rios Tietê e Pinheiros em São Paulo, dois rios super poluídos. O pet ficava aceso durante a noite para chamar atenção também neste período. O stunt foi feito para divulgar mais tarde uma exposição de arte com outras 51 garrafas do mesmo tipo em uma galeria em São Paulo deste artista. A ação ganhou visibilidade e atenção e foi veiculada no Diário de São Paulo. Segundo o site Blog de Guerrilha, é uma estratégia comum das ações de PR-Stunt envolverem coisas grandes, que batam recordes, como o maior, o melhor, o menor, mais gente, mais comprido, mais pesado, etc. Figura 9: PR-Stunt (http://www.blogdeguerrilha.com.br/2008/01/24/protesto-nas-marginais-dos-rios-tiete-e-pinheiros/ - Acesso em 01 jun. 2008) 3.3.2 Ambush ou Emboscada O uso desta ferramenta do marketing de guerrilha chamada emboscada ocorre quando uma determinada empresa infiltra-se em algum evento patrocinado por outra empresa, para mostrar sua marca ou seu produto, criando ações inusitadas e 52 diferentes, sem pagar nada por isso. Segundo Possamai (2007) o patrocinador oficial geralmente investe uma verba alta no evento e quando se dá conta, outra marca, às vezes a própria concorrente está lá, sendo vista pelas mesmas pessoas e talvez até abafando o patrocinador oficial. O site Blog de Guerrilha afirma que muitas vezes esta ação confunde os participantes do evento, que não sabem quem realmente está patrocinando, levando-os a acreditar que o verdadeiro patrocinador foi a marca que teve mais visibilidade, que é geralmente a que aplicou a ambush. Segundo Meisen (2007, p.60) há “dois fatores que podem levar uma empresa a optar pela emboscada: o aumento do custo das cotas de patrocínios de eventos e a eventual impossibilidade de participar como patrocinadora de um evento.” Um exemplo de ambush ocorreu no evento chamado Red Bull Flugtag. Este evento reúne normalmente cerca de 50 mil pessoas e ocorre na Europa. Segundo o site www.360graus.terra.com.br/esportesaereos flugtag é uma palavra derivada do alemão floog-toog que significa dia de voar. Neste dia muitas pessoas se reúnem para assistir as invenções dos participantes que são máquinas de voar. É comum os espectadores neste evento torcer por suas máquinas preferidas, e gritarem como incentivo aos participantes. Segundo o Blog Invisible Red o canal FOX se aproveitou deste evento e realizou uma ação de emboscada, distribuindo milhares de megafones feitos de cartão, de cor laranja - a cor do canal - com a marca FOX estampada, dando para público para que pudessem gritar e torcer pelos seus preferidos. Figura 10: Ambush (http://invisiblered.blogspot.com/2006/09/marketing-de-emboscadaambush-marketing.html - 01 jun. 2008) 53 3.3.3 Astroturfing Astroturf em inglês, segundo Meisen (2007, p.49) é uma marca de grama sintética americana. No marketing de guerrilha, utilizar a ferramenta astroturfing significa desenvolver uma ação que pareça ser popular para que as outras pessoas sejam influenciadas a comprarem a idéia, mas na verdade a ação é de uma empresa que se mascara por trás. Uma ação sem “raízes” e que parece real, mas não é. Daí a grama artificial. Segundo o site Blog de Guerrilha a ação de maior relevância que ocorreu no Brasil foi o caso da empresa de telefonia celular OI. A empresa lançou celulares desbloqueados – até então a única – em conjunto com uma campanha/movimento chamado “bloqueio não” onde incentivava as pessoas a assinarem um documento – on-line e off-line - para serem contra o bloqueio de celulares no Brasil. Cada vez mais pessoas foram comprando a idéia, participando de um abaixo assinado contra o bloqueio de celulares, e no final o governo federal decretou a proibição do bloqueio de celulares por qualquer operadora no Brasil. Apesar de ter utilizado a mídia paga como suporte – e não ferramentas de guerrilha para isso -, contratou blogs e pessoas famosas como o Ronaldinho gaúcho para dar um peso para a campanha. Figura 11: Astroturfing (http://www.blogdeguerrilha.com.br/wiki/index.php5?title=Astroturfing – Acesso dia 02 jun. 2008) 54 Nos Estados Unidos, porém o uso do astroturfing por parte de empresas é proibido pelo código de ética da Public Relations Society of America -, e existe o movimento anti-astroturfing onde incentivam novas agências a não utilizar a ferramenta, incentivam a blogs especializados usarem a logomarca do movimento e colocam cases americanos e informações do código de ética no site. Figura 12: Anti-Astroturfing 3.3.4 Performance Segundo Possamai (2007, p.40, grifo nosso) performance é uma ferramenta do marketing de guerrilha onde ações criativas são efetuadas dentro do espaço público, geralmente repleto de gente, com objetivo de chamar a atenção destas pessoas que passam pelo local. Segundo a autora: “São criados shows relâmpagos, instalações, passeatas e qualquer outro tipo de atuação que atraia os olhares do público”. Um exemplo de performance é o caso do resultado de uma campanha da cocacola chamada “quem é o melhor?” que coloca o ex jogador de futebol da seleção Argentina Maradona contra o ex jogador Biro Biro, do Brasil. As pessoas devem votar e para isso juntar tampinhas de coca cola, ir até um bar e votar no seu favorito. Para incentivar as pessoas a darem continuidade na ação, a empresa contratou agências especializadas em Marketing de Guerrilha para utilizar a performance. O próprio jogador Biro-Biro anda pelas ruas pedindo votos e alguns grupos andam 55 pelas ruas vestidos de torcedores argentinos comprando tampinhas de coca-cola causando muita visibilidade, como mostra nas imagens abaixo. Figura 13: Performance (http://www.blogdeguerrilha.com.br/archives/performance - Acesso em 02 jun. 2008) Outra ação impactante de performance que ocorreu recentemente (05/06/2008) em São Paulo foi a ação da agência Santa Clara para divulgar a nova série da FOX chamada ”9mm São Paulo” que tem como foco mostrar a vida dura de ser um policial numa megalópole como São Paulo. Segundo o site SimViral é a primeira produção original da FOX realizada em português. O Flickr – site de fotos estilo blog – do Blog de Guerrilha sobre a ação dizia: “9MM: São Paulo” é inspirada livremente em casos policiais e no resultado de vários meses de pesquisa, que incluíram entrevistas e depoimentos de policiais verdadeiros. Isto deu origem à primeira minissérie dramática da Fox, uma produção que revela as complexidades enfrentadas pela força policial para o cumprimento da lei em uma cidade tão intensa como São Paulo. (FLICKR.Disponível:http://www.flickr.com/photos/marketingdeguerrilha/25530 71163/in/set-72157605451502487/ - Acesso em 06 jun. 2008) A idéia da agência foi inovar, utilizando performance utilizou mais de 200 pessoas algemadas em postes, corrimões, grades, árvores e em várias partes da Avenida Paulista, e vestiam a mesma camiseta que dizia: “Para cada criminoso 56 preso, 13 estão soltos. 9mm São Paulo, a verdade sobre a polícia. Estreia dia 10/06 na FOX”. Figura 14: Performance (http://www.flickr.com/photos/marketingdeguerrilha/sets/72157605451502487/ - Acesso em 06 jun. 2008) 3.3.5 Buzz Segundo Possamai (2007) a tradução ao pé da letra para buzz é zumbido, bochico ou murmúrio. O buzz marketing é uma ferramenta do marketing de guerrilha e também é conhecido como o boca-a-boca, que visa estimular as pessoas a transmitir uma mensagem que receberam para outras pessoas, tornando o emissor 57 um influenciador. Além disso, Machado (2007) afirma que o buzz marketing é uma modalidade do marketing de permissão onde o cliente é tratado com cautela, sem pressão, deixando que escolha quando quer receber informações sobre produtos e também se sente à-vontade com o vendedor, como se estivesse com um amigo, assim facilita o processo de venda. Mesmo assim estas outras características do buzz não são muito exploradas, pois a sua principal função é de fato o boca-a-boca. Possamai (2007) diz que o buzz pode ocorrer de maneira espontânea ou pode ser programado para ocorrer, pode ser on-line ou off-line. Como já dito anteriormente as pessoas acreditam mais em amigos e familiares do que em propaganda televisiva, por exemplo, e este fator influencia diretamente na compra, por isso a importância do buzz marketing. Sobre esta escolha dos consumidores Meisen (2007, p.45) escreve: [...] à medida que o volume de propaganda tradicional aumenta, os consumidores voltam-se para fontes independentes, de terceiros, atrás de recomendações e conselhos sobre determinados produtos ou serviços. Amigos, parentes e vizinhos, raramente verificam anúncios. Antes de prosseguir com esta ferramenta é interessante observar que alguns autores tratam o buzz como uma ferramenta super inovadora, onde um conta pro outro e ocorre um boca-a-boca, mas isso é milenar, é a publicidade mais antiga do mundo. Abaixo um trecho onde o buzz é tratado como inovação: Trata-se de uma das novas estratégias de marketing que encoraja indivíduos da sociedade a repassar uma mensagem de marketing para outros, criando potencial para o crescimento exponencial tanto na exposição como na influência da mensagem. Como os vírus reais, tais estratégias aproveitam o fenômeno da rápida multiplicação para levar uma mensagem a milhares e até milhões de pessoas. (LITTLE 2007, Apud MEISEN, 2007, p.45). Um exemplo de buzz foi feito pela empresa de celulares Nokia que aproveitou um buzz negativo que estava ocorrendo nas ruas em função da empresa Apple estar querendo monopolizar seus aparelhos como o iphone e o macboock. No caso do iphone, ele poderia funcionar apenas para a operadora At&t dos EUA e nenhuma outra operadora poderia ter os direitos sobre o telefone. Ao conseguirem desbloquear o aparelho, as pessoas começaram a comprar em diversas partes do mundo, e a Apple então criou um software de atualização que bloqueava novamente os iphones já comprados, que não estivessem sob direito da At&t. O resultado foi um 58 buzz negativo onde as pessoas ficaram falando mal da empresa. A Nokia então se aproveitou desta situação e colou diversos lambe-lambes com a mensagem “telefones devem ser desbloqueados para qualquer um” fazendo uma crítica a Apple, e trazendo clientes frustrados para o outro lado. Figura 15: Clientes evangelizados da Apple (http://www.blogdeguerrilha.com.br/category/buzz/ - Acesso em 07 jun. 2008) Figura 16: Lambe-Lambe da Nokia(http://www.blogdeguerrilha.com.br/blog_03_10_Nseries.jpg - Acesso em 07 jun. 2008) 59 3.3.6 Invisível Meisen (2007) afirma que a sociedade está cansada de receber milhares de informações, e por conta disso surgiu o Marketing Invisível, mais uma ferramenta para sondar como anda a atenção do público para determinado produto/serviço de maneira sorrateira. Apesar de parecer outro tipo de marketing, este é apenas mais uma ferramenta do marketing de guerrilha. Esta arma testa um público antes de lançar um produto no mercado, o chamado pré-lançamento. Tenta analisar este público, observar suas reações a respeito de produtos ou serviços, mas sem que saibam que é algo de propaganda. Segundo a autora o consumidor não percebe este envolvimento, ficando assim receptivo, não criando barreiras contra estes produtos/serviços. Segundo Possamai (2007) ao utilizar esta ferramenta de guerrilha deve-se ter muito cuidado e muito planejamento para que o consumidor estudado não perceba que há algo pré-determinado por traz. Do contrário a ação pode causar rejeição e desaprovação do público testado. Um bom exemplo de aplicação desta ferramenta é um case da agência “espalhe” – especializada em marketing de guerrilha – onde se trabalha o marketing invisível de maneira off-line para promover um programa/documentário do navegador Amyr Klink. Segundo o site Espalhe: O navegador brasileiro fez um documentário de 4 capítulos sobre sua última aventura que foi televisionado pelo canal National Geographic. Duas semanas antes do lançamento do programa, a Espalhe criou uma ação para divulgar o lançamento. Em um envelope de revelação de fotografia, colocou 5 fotos feitas por Amyr Klink na viagem com anotações a mão e, do lado externo deste envelope, escreveu-se também o nome do aventureiro e um número de telefone. Foram feitos um total de 5 mil envelopes que foram “esquecidos” em diferentes pontos da cidade de São Paulo, como cafeterias, universidades, táxis, shopping centers etc. Quem achava o telefone não resistia e ligava para o número com a intenção de devolver as fotos esquecidas de Amyr Klink, que, no Brasil, é uma espécie de herói. A ligação caia na caixa postal com a mensagem – na voz de Amyr – dizendo que ele não estava em casa por que finalizava o documentário da National Geographic que estrearia no dia 7 de março. (ESPALHE. Disponível em: http://www.espalhe.inf.br/marketinginvisivel.htm - Acesso em 04 jun. 2008). 60 Figura 17: Invisível (http://www.espalhe.inf.br/marketinginvisivel.htm - Acesso em 04 jun. 2008) 3.3.7 Arte urbana O marketing de guerrilha não criou esta ferramenta, e sim apropriou-se de algo já conhecido por intervencionistas, a arte urbana, que utiliza formas simples de comunicação, como graffitis, adesivos, stencils, desenhos, entre outros. Por ser barato de se aplicar virou também ferramenta de guerrilha (POASSAMAI, 2007). Um exemplo de ação de arte urbana como arma guerrilheira ocorreu em São Paulo. O empreendimento chamado Reserva Jardim queria divulgar seu condomínio de luxo e seu diferencial era possuir quadras de tênis, pois não havia nenhuma na região. A idéia foi espalhar pela cidade centenas de bolas de tênis com imãs e adesivos que simulavam um vidro quebrado, ou somente as bolinhas em postes, paredes etc. Nas bolinhas estava o site www.prepareseusaque.com.br com todas as 61 informações do condomínio, e o telefone para contato. Também foi criado um espaço que simulava uma quadra de tênis real e as pessoas interessadas tentavam um saque. Se acertassem ganhavam uma TV de LCD na hora. Figura 18: Arte Urbana (http://www.blogdeguerrilha.com.br/category/arte-urbana/ - Acesso em 06 jun. 2008) 3.4 CONCEITO DE INTERVENÇÃO URBANA É interessante observar que o marketing de guerrilha vem se apropriando de ações de intervenção urbana que não têm intenções de acúmulo de capital, vendas ou promoção de algo de cunho capitalista, mas que tem um resultado sensorial grande e consegue captar o olhar, a atenção e a imaginação das pessoas por ser efetuada dentro do espaço urbano repleto de transeuntes. O marketing de guerrilha então copia estas mesmas técnicas, como a arte urbana, mídia ambiente e performance para incrementar o arsenal em busca da atenção do público. Segundo o Blog de Guerrilha, as ações de intervenção urbana por conseguirem também a atenção do disputado público viram ferramenta do marketing de guerrilha como descreve abaixo: Não tem assunto mais quente na blogosfera publicitária atualmente [...] que as intervenções, performances e flashmobs. Num lugar onde a música alta 62 dos fones de ouvido e os barulhos inerentes da metrópole brigam entre si, realmente fica muito difícil chamar a atenção do público e trazê-lo perto para dialogar. Se não for diferente, se não for ousado, você é escurraçado como uma “promoter” que entrega folhetos numa avenida qualquer[...]. E nesse tipo de ação não basta só arrancar um suspiro. Além de puxar os olhos de quem passa, é preciso fazer com que elas comentem sobre o que viram com seus colegas de trabalho, escrevam nos seus Twitters quando sentarem na frente do computador e divulguem nos seus blogs sobre a experiência. Na rua, não são poucas as pessoas que param para interagir com os atores questionando, brincando… sendo impactadas[...]. Tudo numa solução ridiculamente simples e que dá resultado. (BLOG DE GUERRILHA.Disponível:http://www.blogdeguerrilha.com.br/category/performa nce/ - Acesso em 06 jun. 2008, grifo nosso). Antes de contextualizar a intervenção urbana, cabe aqui exemplificar esta apropriação dita anteriormente por parte do marketing de guerrilha à intervenção. O artista Alexandre Órion natural de São Paulo criou um novo conceito de graffiti denominado graffiti-inverso. Este tipo de arte é feita somente com a habilidade do artista e um paninho com produto de limpeza. Tem uma característica extremamente efêmera, pois não é permanente, diferente de outros tipos de graffiti. Órion procura os lugares mais sujos de São Paulo, como um túnel repleto de fuligem de carros nas paredes, e ali faz a sua arte, limpando a sujeira e revelando a parte limpa da parede com desenhos. Pode-se dizer que esta crosta negra, a fuligem, a sujeira que se encontra emaranhada e incrustada nos muros, paredes, no chão das ruas, avenidas e túneis é “pele da cidade”, que denota um problema. uma doença, uma necrose causada por seus próprios habitantes. O ato de limpar esta sujeira, revelando de maneira artística a verdadeira “pele saudável” da urbe é uma ação que ele denomina em seu site www.alexandreorion.com de “arte menos poluição”, uma crítica aos carros, à cidade, aos maus costumes e aos excessos. 63 Figura 19: “Ossário” de Alexandre Órion (http://www.alexandreorion.com/ossario/imagens.html - Acesso em 06 jun. 2008) Este tipo de intervenção urbana causa um grande impacto, pois é diferente do comum, é inovadora e as pessoas tendem a parar para ver. O marketing de guerrilha também “parou para ver”, e gostou. Surgiu então uma agência de guerrilha com o foco no graffiti-inverso, chamada “Symboliix”. Segundo o site da agência www.symboliix.com, eles são pioneiros no assunto, mas na verdade começaram a praticar as ações em 2003. Alexandre Órion começou antes, em 1998. Abaixo a descrição da agência sobre o serviço prestado: Symbolix é pioneira em formas inovadoras de propaganda. Nós fazemos nossas imagens criando um contraste através de limpeza ou reforma de superfícies e também pavimentos. Nossas imagens são fortes e claras, além do mais, elas não são permanentes, portanto ambientalmente corretas. Nós operamos em áreas não utilizadas, e a flexibilidade do processo permite-nos trabalhar em quase todos os lugares do mundo. (SYMBOLIIX. Disponível em: http://symbollix.com/main.html. Acesso em 30 mai. 2008). 64 Figura 20: Symbolyx (http://symbollix.com/main.html - Acesso: 30 mai. 2008) Como já dito anteriormente as ações intervencionistas são voláteis, rápidas, não duradouras e efêmeras. Isto torna difícil coletar informações e material das ruas onde ficam as intervenções. Por outro lado, na internet, neste espaço virtual, os grupos intervencionistas encontram um local propício para guardar as imagens e idéias ocorridas em suas ações no espaço urbano, é uma fuga da efemeridade. Ali, eles alcançam um público maior e ganham, muitas vezes, até adeptos em outras cidades (MAZETTI, 2006). De acordo com o site www.intervencaourbana.org o termo intervenção urbana foi criado para designar movimentos artísticos que estão diretamente associados com as intervenções visuais de grandes metrópoles. Começou como um movimento underground de ativismo midiático que aos poucos foi ganhando forma e crescendo dentro das cidades. Mazetti (2006) explica que é uma junção de várias épocas e cenários culturais diferentes, como o início do Surrealismo, Dadá-Berlim e os movimentos de contracultura da década de 60. O artista visual Wagner Barja (1997) explica que a intervenção se dá na paisagem ou na natureza. A natureza se cria por si só sem um planejamento prévio. Já a paisagem é criada para ser um lugar ideal, de forma planejada e organizada. Para se elaborar um projeto artístico de intervenção urbana é necessário compreender a cidade como um todo, sua complexidade, lógica, história e 65 paisagem. Barja (1997) afirma que a cidade é o suporte para a arte, como descreve abaixo: [...] um receptor não-fixo e não-passivo, mas variável e de caráter transitório, um multiplicador capaz de trazer ao projeto de intervenção um alto grau de visibilidade e interatividade com seus componentes espaciais e humanos, tendo-se em conta elementos primordiais como: os indivíduos, o fluxo urbano coletivo, o trânsito, a arquitetura, a paisagem, o clima, a cultura e os demais fenômenos ocorrentes nesse espaço público onde tal intervenção se inscreve. (WAGNER BARJA. Disponível em: http://www.polemica.uerj.br/pol15/cimagem/p15_barja.htm. Acesso em 07 jun. 2008). Segundo o site Intervenção Urbana, as ações intervencionistas acompanham a velocidade da cidade, e sua efemeridade, como explica a seguir: “mais do que marcos espaciais, a intervenção urbana estabelece marcas de corte. Particulariza lugares e, por decupagem, recria paisagens.” (INTERVENÇÃO URBANA, Disponível em: http://www.intervencaourbana.org/. Acesso em 07 jun. 2008). A professora de artes visuais do departamento de artes da UFMG Maria Angélica Melendi (2005) afirma que a intervenção urbana que conhecemos hoje é resultado de uma energia comunitária que se expandiu nos “anos de chumbo”. As intervenções de artistas modernos procuram uma “re-ligação afetiva com os espaços degradados ou abandonados na cidade, com o que foi expulso ou esquecido na afirmação dos novos centros.” (INTERVENÇÃO URBANA, Disponível em: http://www.intervencaourbana.org/. Acesso em 07 jun. 2008). As práticas intervencionistas se fundem e se confundem com outros tipos de sinalização dentro da cidade, como placas de trânsito, publicidade, movimentos de massa e coisas comuns do cotidiano. Para Mazzeti (2006, p.6), a pratica da intervenção urbana visa extrapolar todos os tipos de experimentação, unindo a arte com a vida, colocando-se de forma crítica dentro da sociedade para fragmentar ideais totalitários e grandes utopias. A intervenção urbana está diretamente associada aos ideais e propostas do grupo artístico-político Internacional Situacionista que ocorreu nas décadas de 50 e 60, na França e mais tarde se espalhou pelo mundo. Liderado por Guy Debord, grande pensador da época com raízes Marxistas, que definiu o cenário como sociedade do espetáculo, uma forma de sociedade onde a vida real torna-se pobre e fragmentaria e coloca o homem como mero espectador da vida, alienando-o a todos os aspectos do mundo, “da abstração generalizada”, que transforma a sociedade em 66 imagens assistidas passivamente. A mercadorização do capitalismo segundo Guy Debord, é a causa da alienação, pois se instaurou em todos os âmbitos da vida humana. Criou-se então uma técnica chamada détournement - distorção, desvio, alteração – que utiliza diversos elementos, de linguagem, estéticos, arquitetônicos e coloca-os em um novo contexto, trazendo para estes elementos um novo significado, de cunho subversivo (MAZZETI, 2006, p.6). Em um texto chamado Um guia pratico para o Détournement de Guy Debord e Gil Wolman, Debord explica que a arte se se tornou menosprezada e sem valor, e da um exemplo satirizando no qual o bigode que o artista Duchamp pintou na Mona Lisa “não é mais interessante do que a própria Mona Lisa sem bigode“. Segundo Debord (1956) sobre o détournement: Quaisquer elementos, não importa de onde forem tirados, podem ser usados para fazer novas combinações. As descobertas da poesia moderna a respeito da estrutura analógica das imagens demonstra que quando dois objetos são unidos, não importa quão distantes os seus contextos originais, uma relação é sempre formada. Se restringir a um arranjo pessoal de palavras é mera convenção. A interferência mútua de dois mundos sensíveis, ou a união de duas expressões independentes, supera os elementos originais e produz uma organização sintética de grande eficácia. Qualquer coisa pode ser usada. (PROJETO PERIFERÍA. Disponível em: http://www.geocities.com/projetoperiferia4/detour.htm. Acesso em 12 jun. 2008) Segundo Érico Gonçalves de Assis em seu trabalho de conclusão de curso chamado Bagunçando a Cultura: Interferência e criatividade como tática de protesto, o termo détournement significa criar micro-atos de distúrbio usando elementos do espetáculo para promover uma maior reflexão sobre estes. O autor cita dois exemplos de détournement no trecho abaixo: No exemplo mais conhecido, os situacionistas produziam e faziam circular histórias em quadrinhos nas quais o diálogo nos balões era substituído por textos anarquistas. [..] outro exemplo, como o de um ativista que, em 1950, subiu ao altar da catedral de Notre Dame (Paris) vestido como monge dominicano e proferiu um sermão para os fiéis presentes sobre como a Igreja Católica sugava suas vidas “em favor de um Paraíso vazio”, logo depois proclamando que Deus estava morto (ASSIS, 2004, p.3, p.4). Ainda, o grupo criou o Manifesto Internacional Situacionista, uma espécie de guia ou um modelo a ser seguido para a liberdade do ser humano na sociedade capitalística moderna, onde defende a liberdade de expressão, a resistência ao Império, à alienação, à opressão, através da arte e da participação de todos dentro 67 da sociedade. O manifesto trata a “situação” como um jogo a ser vencido, e convoca interessados como é visto no trecho a seguir: Que é isso, de fato, mais que a situação? Se trata da realização de um jogo superior, que mais exatamente é provocada pela presença humana. os jogadores revolucionários de todos os países podem reunir-se na Internacional Situacionista para começar a sair da pré-história da vida quotidiana. (Disponível em: http://netart.incubadora.fapesp.br/portal/midias/ ManifestodaInternacionalSituacionista.pdf. Acesso em 12 jun. 2008) A partir deste contexto de détournement e dos ideais do Manifesto Internacional Situacionista surge a intervenção urbana, um modelo de détournement pós-moderno e atualizado que brinca, desfaz, re-faz, desarranja, copia e re-cria de maneira artística novas combinações em um cenário completamente estranho e impermanente. O objetivo da Intervenção urbana, então, é transformar o cenário atual onde as pessoas estão vivendo em função do capital e descartando um sentido mais profundo da vida, apenas como receptoras e espectadoras passivas de todos os símbolos dentro da cidade, e criar um diálogo simbólico onde o espectador passa a interagir com determinada arte que o cerca e às vezes invade o seu espaço à força, muitas vezes de maneira ilícita. A intervenção quer atenção, foco e sensibilidades voltados pra ela. “A cidade, com seus cartazes, placas de trânsito, fachadas de lojas e outdoors, transforma-se e renova-se, então como lugar de troca simbólica.” (MAZETTI, 2006, p.5). Peter Pàl Pelpart (2002) em seu texto Biopolítica e Biopotência no coração do Império, explica que esta passividade e alienação é imposta pelo império em forma de desejo, e promessas por estilos de vida, segurança e felicidade para poder controlar a todos e os manter trabalhando, continuando assim com o maquinário capitalístico. O dinheiro aqui é o fator impulsionador da sociedade. O império não atua sobre as pessoas trancando-as em seus lugares, pelo contrario, o Império acompanha a mobilidade nômade das pessoas e domina-as pelo desejo. Pelpart compara o Império com o “esquizo” pela sua semelhança com o nomadismo. “O esquizo está presente e ausente simultaneamente, ele está na tua frente e ao mesmo tempo te escapa, sempre está dentro e fora, da conversa, da família, da cidade, da economia, da cultura, da linguagem.” (PELPART, 2002, p.2). O próprio termo “Biopolítica” segundo o autor foi criado por Foucault como sinônimo do 68 controle do poder sobre a vida de toda a população de massa. Segundo Pelpart (2002, p.2), criou-se um novo tipo subjetividade em função do capital, como descreve abaixo: Através dos fluxos de imagem, de informação, de conhecimento e de serviços que acessamos constantemente, absorvemos maneiras de viver e sentidos de vida, consumimos toneladas de subjetividade. [...] o fato é que vemos instalar-se nas últimas décadas um novo modo de relação entre o capital e a subjetividade. Mas Michel de Certeau (1994) traz uma idéia diferente desta passividade e alienação a que estão supostamente submetidas as pessoas. O autor explica no seu livro A invenção do Cotidiano: artes de fazer, que os consumidores com determinadas táticas, conseguem fugir desta passividade de comportamentos. São táticas populares que não se conformam com a disciplina imposta pelo sistema e tentam alterá-las de alguma forma. Mazzeti (2006, p.6) apresenta as diferenças entre estratégia e tática segundo Certeau: [...] Certeau apresenta uma dicotomia entre tática, o conjunto de características das práticas que propiciam aos consumidores a possibilidade de burlar a “vigilância”, e a estratégia, características daqueles que tentam perpetuar o exercício de poder. Por se tratar de ações táticas, as intervenções urbanas não se enquadram na pratica do ativismo midiático onde se utilizam de mídias alternativas. As pessoas entendem intervenção urbana como criação de novas mídias, mas aí há um engano. Ao contrário, as intervenções buscam os espaços que já existem dentro da cidade e utilizam-no da maneira que querem. Isto não significa que a intervenção urbana visa interromper ou quebrar “os canais dominantes de comunicação”, mas procura subverter a informação destes canais, desviando sua informação original (MAZZETI, 2006, p.6). 3.5 TÁTICAS INTERVENCIONISTAS 69 Dentro das ações de ativismo midiático contemporâneo e de intervenção urbana, existem algumas táticas que diferem entre si e cada coletivo de arte – grupos intervencionistas - aplica estas táticas de uma maneira diferente de acordo com seus objetivos finais. Segundo Mazetti (2006), são três as mais importantes: 3.5.1 Culture Jamming/Adbusters Para Assis (2004), o termo Culture Jamming surgiu pela primeira vez através da banda norte-americana Negativland em 1984 quando nomeou varias formas de sabotagem de mídias, como ataques a outdoors, colagens musicais e paródias que a própria banda fazia, com este termo. Assis (2004, p.1, p,2, p.3) traduz o Culture Jamming como uma “bagunça criativa” e “um distúrbio de percepção”, pois considera o termo cultura mal empregado visto que carrega consigo uma conotação de “signos e significados compartilhados”. Abaixo a explicação de “bagunça criativa” do autor: [...] a bagunça criativa como uma apropriação (indevida) de elementos do universo midiático, incluindo a reorganização de suas mensagens e conseqüente sabotagem de seus propósitos, pode-se somar exemplos como paródias de anúncios publicitários; a criação, redação e circulação de notícias falsas; o redesenho de logotipos corporativos, mantendo seus elementos gráficos identificáveis mas construindo uma nova representação; as brincadeiras com serviços de atendimento ao cliente; e tudo que envolva introduzir uma combinação de elementos de estranhamento e crítica em determinado contexto (ASSIS, 2004, p.2). Mazetti (2006) diz que Mark Dery, um crítico de mídia americano foi o primeiro a conceituar Culture Jamming na década de 90, que denominou como confusão da cultura ou bagunça. Este mesmo autor explica que os jammers – aquele que aplica o Culture Jamming – visam introduzir ruído na comunicação entre o emissor e o receptor para justamente causar uma alteração no significado final. Já Assis (2004) afirma que o termo jamming é uma gíria da língua inglesa que significa a interferência em transmissões de rádio com sobreposições sonoras ou ruídos. 70 Segundo Mazetti (2006) existem quatro maneiras de se fazer Culture Jamming: “subverter anúncios publicitários, criar notícias falsas, alterar outdoors e o áudio agitprop que é uma técnica de subversão sonora que re-trabalha jingles adicionando novo significado a estas peças publicitárias. Naomi Klein (2002) em seu livro Sem Logo: A tirania das marcas em um planeta vendido, afirma ao colocarem anúncios publicitários dentro dos banheiros de uma universidade em Toronto no Canadá gerou uma aversão nos alunos que ao sentirem-se invadidos, abriram o compartimento onde estavam as propagandas e colocaram diversas mensagens anti-corporativas no lugar, iniciando o movimento chamado Adbusters – caçadores de propagandas -, que tem o mesmo sentido do Culture Jamming. Ainda no Canadá, segundo Assis (2004), surgiu uma ONG chamada Adbusters Media Fundation que se dedica a criticar a maneira do consumismo contemporâneo, com sátiras, intervenções em anúncios publicitários, paródias e também campanhas de conscientização em seu site e em sua revista chamada também de Adbusters. No site da ONG www.adbusters.org são exibidas diversas imagens de sátiras subversivas – chamadas Spoof Ads - a marcas conhecidas, como por exemplo, a sátira ao personagem de cigarros Joe Camel, chamado pela ONG de Joe Chemo, que vem do inglês “chemotetaphy” que significa quimioterapia, um tratamento para pacientes com câncer terminal. Figura 21: Joey Chemo (http://www.adbusters.org/node/666 - Acesso dia 08 jun. 2008) 71 A ONG ainda criou diversas campanhas com cunho anticonsumo com data certa, para chamarem a atenção e fazerem adeptos pelo mundo todo. Entre elas, a Buy Nothing Cristmas – natal sem compras -, Buy Nothing Day – dia sem compras – e TV Turn-Off Week – semana da TV desligada. Vale ressaltar que a ONG Adbusters é contra o consumo moderno, por isso criou tantas campanhas para não se comprar em datas especiais. Mesmo assim a ONG criou uma marca de calçados parecidos com os famosos tênis Allstar de propriedade da Nike, alegando atacar diretamente a empresa. Os tênis são vendidos no próprio site com preços em torno de 90 a 110 dólares com características como sendo 100% pura fibra de cannabis, feito por profissionais na Europa – criticando a mão de obra barata quase escrava que a Nike compra, segundo Klein (2002) – e sem marca alguma. Outro fator que causa estranhamento, é que em uma entrevista à revista brasileira TRIP, o responsável pela estratégia de comunicação da Adbusters, Allan MacDonald, foi questionado pela revista TRIP da seguinte maneira: TRIP - Como uma revista, que é um produto feito para ser comprado, pode combater a sociedade de consumo? ALLAN - É um paradoxo, uma contradição. Mas nós admitimos isso, desde o primeiro dia. O que defendemos é a idéia de “consumo sustentável”, porque o planeta não consegue mais suportar esse “compre, compre, compre” que a mídia incentiva. Claro que queremos vender revistas, permanecer vivos e com saúde, além de continuar reunindo artistas e escritores de primeira. Mas não estamos aqui para fazer dinheiro. A Adbusters usa a mídia com uma mensagem anti-mídia (FCRAFT. Disponível em: http://www.fcraft.com.br/cafe/?cat=4. Acesso em 08 jun. 2008) 3.5.2 Flash Mob A mais efêmera das ferramentas da intervenção urbana é a chamada flash mob que na tradução literal para o português significa “multidão espontânea”. Estas ações são consideradas modernas, pois mesclam dois espaços distintos entre si, o espaço virtual e o espaço urbano. Todo flash mob inicia por e-mail em massa, onde um líder convida, os interessados a se juntarem sempre em grupo, em um determinado local do espaço urbano e em prol de um só objetivo. O objetivo é em 72 sua essência aparecer, ser visto, causar impacto pelo totalmente diferente – e muitas vezes bizarro - e quebrar as monotonias do cotidiano. Caracteriza-se por uma performance em grupo, com movimentos pré-coreografados, e depois do tempo previamente estabelecido, geralmente alguns poucos minutos, as vezes até mesmo segundos, todos se dissipam ao sinal do líder. Todas as ações seguem um plano, ou melhor um roteiro com etapas a serem concretizadas por todos (RIOFM. 12.06.08). Segundo o site www.rense.com, tudo começou em maio de 2003 na cidade de Manhattan, nos Estados Unidos, quando um homem conhecido somente como Bill criou o chamado mob project, e convocou por e-mail 50 amigos para comparecerem a uma loja no centro da cidade. Esta primeira tentativa não teria dado certo e então foi adiada. Na data marcada para a segunda tentativa cerca de 100 pessoas apareceram “de repente” em uma famosa loja americana de tapetes, se agruparam ao redor de um tapete específico e se dispersaram tão rápido quanto se formaram em grupo. Para a melhor visualização das ações de flash mobs serão apresentados alguns dos principais exemplos desta extensão da intervenção urbana que ocorreram no Brasil e em outras partes do mundo a seguir: Em Londres, mais especificamente na Victoria Station, ocorreu uma ação onde mais de quatro mil pessoas se reuniram para um flash mob com o nome de clubbing onde o objetivo era dançar sem parar ao próprio som de cada um, ou seja cada pessoa deveria levar seu mp3 player e ouvir a musica preferida. Nesta ocasião as pessoas dançaram por duas horas consecutivas até a polícia dispersar a multidão. Figura 22: Clubbing (http://com.limao.com.br/app/wikisites/posts/?id=2BFFC65607 – Acesso em 12 jun. 2008) 73 Uma outra ação de flash mob que se difundiu muito no Brasil pela internet nos últimos dois anos é a chamada “free hugs” ou “abraços grátis”. Criada por Juan Mann, como uma tentativa de reativar o afeto dentro das grandes metrópoles onde as pessoas vivem imersas em um enorme individualismo. Neste tipo de mob uma ou mais pessoas ficam nos grandes centros urbanos com um cartaz escrito abraços grátis, e quem quiser pode abraçar “sem custo” a pessoa que promove (PORTAL CAB. 13 jun. 2008). A comunidade “Abraços grátis – Flash Mob” do site de relacionamentos Orkut explica como promovem e o por que deste tipo de ação no trecho abaixo: Flash Mob é toda e qualquer manifestação que paralize, rápida e momentaneamente, os fluxos diários em um centro urbano; claro que com uma mensagem por trás. Essa comunidade foi feita para facilitar a organização de um flash mob que pretendemos promover. A idéia é juntarmos um bom número de pessoas e começar a abraçar todos os que estiverem passando. Abraçar pessoas desconhecidas e a reação delas é uma experiência que pode ser vista, interpretada e refletida de diversas maneiras. Os que gostaram da idéia se manifestem nos tópicos abaixo. (Disponível em: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=21166977 . Acesso em 13 jun. 2008). Figura 23: Free Hugs (http://pareen.files.wordpress.com/2007/04/freehug.jpg - Acesso em 13 jun. 2008) 74 Mais uma vez, como já abordado anteriormente o marketing de guerrilha se apropria de idéias intervencionistas para incrementar e ampliar seu “armamento bélico” de ataque. Procura sempre por novas ferramentas que possam atrair as pessoas – potenciais consumidores/alvo -, como uma isca atrai um peixe. Dois exemplos claros desta apropriação do flash mob pelo marketing de guerrilha são os da Coca-Cola e do INPES. O INPES é a sigla para Institut National de Prévention Et D’éducation Pour La Santé – Instituto Nacional de Prevenção e Educação pela Saúde - uma entidade de Saúde do governo da França. O instituto criou uma ação de free hugs onde visava conscientizar as pessoas a não discriminarem portadores do vírus HIV, através de abraços nas ruas. A ação foi filmada e tornou-se propaganda de TV, com a assinatura “O HIV não é transmitido dessa maneira. O amor é.” (Disponível em: http://www.brainstorm9.com.br/2007 / 03/27/inpes-free-hugs/. Acesso em 13 jun. 2008). A outra ação é da Coca-Cola, onde realiza um flash mob clássico, onde dezenas de pessoas invadem uma praça pública no centro de uma cidade, vestidas com camisetas marrons, e ao chegarem lá riscam no chão com giz uma garrafa de coca-cola e um copo. Todos se posicionam dentro da garrafa, e a vista de cima filmada por um helicóptero é de uma garrafa cheia de refrigerante. Com um sinal, todos se dirigem correndo para o copo, e algumas delas abrem uma enorme bandeira com a logomarca da empresa. O resultado é a surpresa de todos ao redor que não esperavam a ação. Esta, também tornou-se propaganda de TV. Figura 24: Coca-Cola Flash Mob 75 3.6 COLETIVOS DE ARTE Os coletivos de arte são grupos artísticos que se reúnem em prol de um mesmo ideal. Acreditam nas mesmas coisas e vão para a ação. Praticam as idéias saindo do campo do pensamento e entrando no campo tático. Cada grupo de intervenção urbana leva um propósito, um conceito, um ideal, e objetivos adversos ou semelhantes com outros grupos. Além disso, há artistas intervencionistas que trabalham solitariamente sem um grupo de apoio, e estes não se encaixam na idéia de “coletivo”. Para exemplificar melhor, serão expostos a seguir os principais grupos atuantes no Brasil, seus ideais e ações de intervenção urbana dentro do espaço urbano. 3.6.1 Grupo Poro – interferências em arte Segundo o site www.poro.redezero.org, o grupo Poro foi fundado em 2002, pelos artistas Marcelo Terça-nada e Brígida Campbell em Belo Horizonte e detêm exposições em galerias de arte pelo Brasil e tembém no exterior. Suas atividades passam pelo político e artístico, e tem seu foco nas mídias de comunicação popular, nos espaços públicos e manifestações efêmeras. Segundo o site o grupo Poro atua da seguinte forma: Intervenções são quase sempre efêmeras. Duram o tempo de uma panfletagem no centro da cidade ou o tempo de uma folha de ouro cair de uma árvore. Duram o tempo do deslocamento do ritmo cotidiano para um ritmo poético, questionador. É possível re-sensibilizar o espaço urbano? Uma intervenção pode durar o tempo em que a imagem-provocada ficar na memória de quem a viu. Ou o tempo enquanto as histórias de seus desdobramentos forem contadas. Quantas imagens uma intervenção pode gerar? Decidimos fazer um site para nossos trabalhos para dividir com um número maior de pessoas nossas ações. E fazer com que esse momento tão efêmero, dure mais, se multiplique. Acreditamos numa arte que crie relações entre as pessoas. Seja bem vindo. (GRUPO PORO. Disponível em: http://poro.redezero.org/poro.html. Acesso em 08 jun. 2008) 76 A seguir serão mostrados uma série de exemplos dos trabalhos do grupo Poro, retirados do catálogo online em www.poro.redezero.org/ que visam segundo Mazetti (2006, p.11) produzir novas maneiras de se perceber a cidade através de experiências estéticas, e “criar novas relações afetivas com a cidade que não a da objetividade funcional que aplaca o dia-a-dia: Figura 25: Adesivos fluorescentes são colados em locais cinza, sem cor. Figura 26: Flores de papel celofane vermelho foram plantadas em canteiros abandonados da cidade 77 Figura 27: Por uma cidade sustentável. Série de cartazes lambe-lambe com cinco definições para cidade sustentável. Figura 28: Folhas foram pintadas de dourado para parecerem de ouro e recolocadas de volta nas árvores. 78 Figura 29: Siga sem pensar. Panfleto distribuído em locais de grande circulação. Figura 30: Imagine. Camiseta distribuída no Fórum Social Mundial. Paródia com o slogan da Multinacional Monsanto - detentora da patente das sementes transgênicas. 79 Figura 31: Rua Imagem Espaço. Projeção de slides em muro da cidade. O projetor fica de um lado da rua, projetando do outro lado, fazendo uma ocupação momentânea do espaço público. Os slides projetados são uma seleção de imagens da história da arte que fazem referência à comida, bar, festa e afins. Figura 32: Interruptores para poste de luz. 80 Figura 33: Enxurrada de letras. Letras vinílicas coladas como se tivessem escorrendo de dentro dos canos-escoadouros de muros e calçadas. 81 Figura 34: Desenhando no vento. Tiras de papel arremessadas de partes altas da cidade em dias de vento. Figura 35: FMI - revisitando Cildo Meireles. Carimbar notas com os dizeres: FMI – Fome e Miséria Internacional e devolvê-las à circulação. Melendi (2005, p.1) explica mais sobre esta efemeridade das ações em particular do grupo Poro: A ênfase na ação parece desprezar a criação de uma obra permanente e aponta para a substituição desta por um fato multiplicável ou um acontecimento transmissível. [...] É através dessas ações que os artistas do Poro confrontam-se com o mundo e com sua cidade: interferindo, delicada ou incisivamente, no que eles têm de mais cotidiano, de mais ordinário, de mais rotineiro, de mais vulgar. Sua proposta consiste em tentar abrir, nessa dimensão con- creta e unidimensional, pequenas trilhas que permitam escoar e dissolver o insuportável peso de um presente cada vez mais opaco e cada vez mais complexo. 82 3.6.2 Coletivo Esqueleto Este grupo é similar ao grupo Poro, com ações que giram em torno do político e artístico. Segundo Mazetti, se um grupo intervencionista adota ações deste tipo – arte/política – ganha mais divulgação e notoriedade, mais visibilidade, pois formam grupos que participam de manifestos, divulgam em sites, valorizam o nome do grupo. O coletivo Esqueleto tende mais para o lado anti-consumista e antipublicitários, e utiliza táticas do tipo culture jamming e flash mobs para aumentar a visibilidade. O Esqueleto participou da no ano de 2004 e 2005 do evento chamado EIA, - Experiência Imersiva Ambiental – festival de arte urbana, onde se reúnem vários artistas, coletivos de arte, ativistas midiáticos de todo o Brasil com o objetivo de entender a linguagem urbana, do caos, dos congestionamentos, da rapidez e pressa e também da publicidade e subvertê-la de maneira criativa. São alguns dos exemplos de ações deste grupo que estão disponíveis no site www.esqueletocoletivo.zip.net (Acesso em 08 jun. 2008): 83 Figura 36: Vida x Propriedade. Urubus impressos em papel são colocados em grandes edifícios abandonados com conotação de mostrar uma coisa morta do centro de São Paulo. O grupo esqueleto convocou em seu site www.esqueletocoletivo.zip.net as pessoas interessadas – e não somente integrantes do grupo - para se juntarem a eles no dia 19 e 20 de março de 2005 para uma ação chamada “Pela liberdade do olhar, daremos um recado” onde diziam. Pense na quantidade de informação publicitária que somos obrigados a ver todos os dias. Quem ganha com isso? Você escolheu ver todo esse lixo? Você gosta de ver sua cidade escondida por placas publicitárias? Podemos mudar isso? Se você também não agüenta mais ter seu olhar raptado e torturado, una-se a nós. Junte seus amigos e promova uma ação contra a propaganda abusiva. (ESQUELETO. Disponível em: http://esqueletocoletivo.zip.net/. Acesso em 08 jun. 2008) A ação repercutiu e gerou mídia espontânea alguns dias depois, e foi divulgada no jornal Estado de São Paulo como mostra na figura abaixo: Figura 37: Odeio muito tudo isso. Ação de Culture Jamming onde satirizam o slogan da rede de fast foods McDonnald’s – Amo muito tudo isso - de maneira agressiva, colando as frases diretamente em cima do outdoor da campanha. No site do grupo Esqueleto são oferecidas imagens para serem impressas e utilizada pelos demais em qualquer lugar do mundo. O objetivo é este, disseminar. 84 Um exemplo é uma logomarca criada pelo grupo chamada “propaganda abusiva” e disponibilizada no site e segundo eles “colar na propaganda de sua preferência.” (ESQUELETO. Disponível em: www.esqueletocoletivo.zip.net/ Acesso em 08 jun. 2008). Figura 38: Propaganda Abusiva. Ainda, outra ação do grupo Esqueleto, segundo Mazetti (2006, p.12) que mesclou flash mob com teatro invisível, onde convocaram todas a pessoas interessadas a irem na frende da bolsa de valores de São Paulo, vestidos como os executivos, e satirizaram “o significado desta profissão dentro do sistema econômico vigente”. 3.7 A LUTA SIMBÓLICA POR ATENÇÃO As pessoas do mundo contemporâneo vivem em cidades. Isso por que lá, existe supostamente oportunidade de emprego e de uma vida melhor – promessa básica -, e conseqüentemente o dinheiro circulante. Para se viver de uma maneira justa, e sem passar por muitas privações como fome ou frio, as pessoas precisam de condições básicas de vida, portanto precisam de dinheiro e conseqüentemente do trabalho. Nas cidades, elas – as pessoas que ali vivem - são obrigadas a 85 defrontar-se com milhares de outras pessoas que também vivem ali, a maioria em função do trabalho, ou em busca de um ideal de vida. Isso tudo com a finalidade de fazer algo para si mesma, para sobreviver. O trabalhador, portanto, com o seu salário, sobrevive, e faz sobreviver a máquina que move o trabalhador. Este sistema precisa das pessoas, e em troca lhes fornece uma recompensa, que aqui é financeira. Ou seja, a cidade como um aglomerado de todos os tipos de coisas, como objetos, pessoas, ruas, prédios, avenidas e sons torna-se um circulo. Este círculo acaba por tornar-se de certa forma monótono, e repetitivo pelo fato das pessoas absorverem um estilo de vida rotineiro, pois dia após dia estão sempre em busca dos mesmos objetivos. Talvez um sonho, ou um desejo ideal. O círculo é como uma teia que conecta cada um que ali está, mesmo com objetivos adversos. Esta teia faz com que cada movimento que se desenvolva em alguma parte dela, afete necessariamente o outro que também está na teia, seja em qual parte estiver, gerando, talvez, uma possível teoria do caos. O fato das pessoas afetarem umas às outras, de infinitas maneiras possíveis e por estarem em contato direto com diferentes seres humanos, devido a transitarem no mesmo espaço (urbano), gera comunicação. Não só verbal, mas tudo que se possa extrair deste termo. A comunicação dentro do espaço urbano não se faz linear, ela se expande em todas as direções da teia, e por isso é ali, nas cidades, que os responsáveis por contribuir com o aumento da comunicação atuam. Atuando ali, a comunicação se amplifica indeterminadamente. Isto, para o marketing de guerrilha, por exemplo, é bom. O marketing de guerrilha surgiu, pois entendeu a teia urbana, viu sua complexidade e viu que as pessoas que ali estavam não viam mais graça em todo este excesso comunicacional. Resolveu então, ir até lá, no “corpo-acorpo”, para vibrá-la de várias formas e tentar afetar o máximo de pessoas ali dentro gerando uma vibração inédita, diferente do já conhecido por elas. Esta é a busca por atenção do marketing de guerrilha. É se fazer visível, sacudir com as pessoas, mostrar-se ousadamente, para que com isso transmitam a mesma vibração para as demais, amplificando o processo da comunicação. Assim como o marketing de guerrilha, que vai até os centros urbanos com suas ferramentas e “armas” para capturar e surpreender os transeuntes despercebidos nos seus cotidianos, outras formas de comunicação também fazem o mesmo. A intervenção urbana também vai para a teia para gerar vibrações diferentes. De forma artística tenta criar um novo cenário urbano, um novo visual, lúdico, efêmero, 86 subjetivo, para que os habitantes possam criar outras formas de reflexão sobre o meio em que vivem e as comunicações que os interpelam. É uma tentativa de gerar um novo pensar sobre a vida em si, na sua simplicidade. Graffitis, exposições, atuações teatrais, são formas de expressão das intervenções, em busca de atenção e de compreensão por parte dos cidadãos. Dentro desta perspectiva, onde existem fatores que no meio de toda esta comunicação já existente nas cidades, tentam de todas as formas possíveis conseguir a atenção de um público que ali transita, utilizando para isso mais comunicação, ou seja, aumentando a “polifonia” urbana, é necessário pensar: Isto não estaria contribuindo ainda mais para o aumento de uma crise comunicacional já existente? E ainda, se o ambiente urbano é tão repleto de informação comunicacional que exala de todas partes e de todos os cantos possíveis, não estariam, o marketing de guerrilha e a intervenção urbana se diluindo na própria saturação visual e comunicacional? Talvez o que as pessoas necessitem é de um “ar”, de um tempo para parar e pensar sobre a vida em que estão inseridas, sem intervenções de nenhum tipo, seja ela de guerrilha ou não. Talvez deixá-las por si só, sem intervenção direta nem indireta de qualquer tipo de interferência, seja ela de origem midiática ou outras formas. Talvez, vivendo dentro de um espaço como a cidade, onde existem tantas outras pessoas para trocar experiências e idéias, de maneira saudável como uma conversa, um piquenique no parque ou uma roda de violão, as pessoas possam se libertar, e utilizar esta atenção tão cobiçada nelas mesmas e no mundo ao seu redor. Utopia? Talvez. 87 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Após analisar todos os fatores envolvidos no processo da comunicação dentro das cidades, dos excessos que lá se encontram, das ações do marketing de guerrilha e da intervenção urbana, e suas devidas ferramentas e usos, pode-se constatar que dentro das três hipóteses sugeridas no início deste trabalho, a primeira é a mais próxima da realidade e se encaixa com a conclusão final do tema. Relembrando: “Há de fato uma luta simbólica ocorrendo dentro dos espaços urbanos por parte do marketing de guerrilha e da intervenção urbana em busca de atenção, gerando grande influência nas escolhas das pessoas.” Esta influência é constatada facilmente pelo simples fato que as ações aqui citadas geram um fator que impulsiona a comunicação adiante, seja contando para amigos, parentes, divulgando na internet, entre outros. Ao se espalharem, estas novidades comunicacionais vão afetar de alguma forma o receptor, podendo gerar mudanças em sua forma de pensar, consumir ou perceber o mundo. Para elaborar esta pesquisa foram necessários estudos de diversas ferramentas, táticas, e descrições das mesmas, suas funcionalidades, entre outros, mas o essencial foi a compreensão sobre o ser humano. O mais importante de tudo é compreender o ser humano, em todos os aspectos, seja de comportamento, de pensamento, de grupos, de classes, de idéias e ideais e daí sim seguir a diante e poder estudar suas invenções, muitas vezes “estranhas”. O marketing de guerrilha não deixa de ser uma invenção estranha, pois se utiliza, às vezes, por exemplo, de ações ilegais por lei para ganhar alguma vantagem sobre os demais. Da mesma forma as intervenções urbanas tem seu lado estranho, que pode gerar até mesmo espanto em alguns casos, como exemplo, um flash mob que não foi citado anteriormente onde um grupo de pessoas parou em uma faixa de pedestres quando fechou o sinal em uma grande avenida, tiraram seus calçados e começaram a fingir que matavam “baratas” no meio da rua. Antes mesmo de abrir o sinal, se dissiparam. 88 A busca por bibliografias sobre a Intervenção urbana gera um desconforto, pois é escassa. Quase não existem livros sobre este tema, sendo assim, a internet a única forma de se coletar informações, dados e exemplos. Um trabalho de “garimpo”. O tema marketing de guerrilha possui diversos livros, mas com um problema: todos abordam métodos de como se aumentar o lucro, quase como uma “receita de bolo”, ou melhor, um manual de como se utilizar um conjunto de “armas” para se ganhar dinheiro. É quase um assalto a um banco, e não abordam o mais interessante que é a ação, nas ruas, seu impacto nas pessoas, cases, etc. Para estas informações mais uma vez a internet. A partir desta monografia pode-se ampliar o conhecimento das ferramentas de cada uma das ações citadas anteriormente, pois como estão sempre inovando, sempre haverá novas opções, e com certeza coisas muito interessantes a serem desenvolvidas e estudadas mais a fundo. Mas o mais interessante seria um aprofundamento a partir desta pesquisa em relação aos fatores comunicacionais que aqui foram citados. Esta crise da comunicação em que vivem as grandes metrópoles, qual será o futuro para curto, médio e longo prazo? Estamos fadados a uma crise existencial a partir desta crise comunicacional? Quais seriam as possíveis soluções para este problema mundial enfrentado hoje? São tópicos que merecem mais atenção e um maior aprofundamento, podendo tornar-se um próximo trabalho acadêmico. 89 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXANDRE ORION. Disponível em <http://www.alexandreorion.com>. Acesso em: 06 jun. 2008. ANTI-ASTROTURFING. Disponível em: <http://www.thenewpr.com/wiki/pmwiki.php? pagename=AntiAstroturfing.HomePage> . Acesso em 02 jun. 2008. ANTI-ASTROTURFING. Disponível em: http://gecorp.blogspot.com/2007/12/astroturfing-como-estratgia-de-relaes.html. Acesso em 02 jun. 2008. ANTI-ASTROTURFING. Disponível em: http://www.thenewpr.com/wiki/pmwiki.php? pagename=AntiAstroturfing.HomePage. Acesso em: 02 jun. 2008. ASSIS, Érico Gonçalves. 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