1 A GUERRA ASSIMÉTRICA: resistência a luta do mais fraco contra um oponente com poder de combate incontestavelmente superior Cláudio Tavares CASALI - Cel 1. INTRODUÇÃO A mídia, nos últimos dez anos, tem abordado a respeito da resistência oferecida à ocupação militar norte-americana no Iraque, o qual nomeiam de “insurgência”. Tal atitude não é uma novidade em termos de opção de estratégia militar. Normalmente não é prioritária nos Exércitos e alguns países tampouco a consideram para suas nações, mas a história mostra sua incidência em diversos episódios. Doutrinadores, como Sun Tzu, Clausewitz e Beaufre, fizeram anotações a respeito do assunto. Até pouco tempo, a expressão resistência era empregada para caracterizar uma possível postura belicista do oponente com o poder relativo de combate muito menor. Hoje, depois de vários estudos militares, adotou-se a expressão assimétrica, uma vez que a análise entre os beligerantes pode ser realizada por diversos vetores. Pretende-se apresentar ocorrências bélicas e movimentos civis onde tal atitude foi demonstrada. 2. DESENVOLVIMENTO a. II Guerra Púnica Após o insucesso das forças romanas na batalha do Lago Trasimeno, em 217 a C, o cônsul Fábio adotou novas formas de combate ao invasor, homiziando suas forças nas montanhas, onde os cartagineses não podiam impor sua superioridade militar. Fábio passou a realizar incursões contra o invasor, atacando de surpresa seus acampamentos, destacamentos isolados e seus aliados. Durante dois anos, anulou a possibilidade de Aníbal firmar-se na Península Itálica, minando sua confiança numa vitória rápida. Quatorze anos mais tarde, utilizando-se da estratégia fabiana, Roma alcançou vitória com Cipião, o Africano. 2 b. África Oriental Alemã na 1ª GM Dos anais da 1ª GM, tem-se o registro da vitoriosa resistência do exército colonial alemão na África Oriental perante o oponente britânico, durante os quatro anos do conflito. Um pequeno efetivo, onde noventa por cento desse era de nativos africanos, impôs ao oponente manter um verdadeiro exército na região, com muitas dificuldades logísticas e de coordenação e controle. O teatro de operações, com características diversas do continente europeu, pode ter dado vantagem para a resistência, mas a obstinação da tropa, a adoção de técnicas de guerrilha e a liderança do General Paul Von Lettow Vorbek é que foram as chaves do sucesso alemão. c. Resistência de Mao Tse Tung Para enfrentar o exército japonês que invadiu a China, Mao preconizava a adoção de uma defensiva estratégica de longo prazo e a ofensiva tática num quadro de guerra de guerrilha, uma vez que os japoneses eram militarmente muito mais poderosos do que os divididos nacionalistas e comunistas chineses. Dessa forma, entre 1937 e 1945, Mao ficou em defensiva e entre 1947 e 1949 desencadeou sua ofensiva vitoriosa. d. França na 2ª GM O movimento de resistência francês diante da ocupação alemã foi organizado, onde as manifestações estavam coordenadas pelo General De Gaulle, utilizando-se muito de emissões radiofônicas. Como a direção do movimento estava em Londres, houve necessidade de fazer funcionar um sistema eficiente de comunicações entre os dois territórios. A classe estudantil e população de maneira geral foram utilizadas em diversas manifestações públicas, chegando a realizar greve geral, simplesmente sem sair de suas casas. Os integrantes da resistência participaram de ações de eliminação de militares alemães e de cobertura da evasão de lideranças francesas, mantendo o movimento da França Livre. Com apoio da Grã-Bretanha, um verdadeiro exército foi articulado, contando com apoio das colônias francesas e integrando mais de 100.000 homens, inclusive com força aérea, chegando a participar de ações ofensivas em prol da resistência. No andamento do conflito, com essas, a resistência passou a se intitular França Combatente. 3 e. Polônia na 2ª GM O movimento de resistência Polonês iniciou-se no mesmo dia da ocupação alemã e sua manifestação maior se deu pela imprensa clandestina onde mais de uma centena de jornais passaram a circular, com informações oriundas de radiodifusão das nações unidas além de outras emissoras clandestinas. A repressão se deu com a apreensão de receptores, e com intenso castigo àqueles que improvisavam meios de escuta. Além da mídia clandestina, ações de sabotagem e assalto foram largamente utilizados pelo movimento de resistência. f. Holanda na 2ª GM Sendo a Holanda ocupada pelos Alemães, surge o movimento de resistência, alicerçado, principalmente, pelo espírito de independência pré-existente. A rainha e a família real, mesmo no exílio, continuaram a ser o símbolo desse espírito nos mais de três anos de ocupação. Poucas vezes na história se terá registrado tão perfeita sintonia entre o governo e povo. g. Bélgica na 2ª GM As organizações políticas nacionais e os sindicatos se negaram a colaborar com a ocupação alemã, e partiram destes os mais importantes atos de sabotagem do período. No entanto, a apatia e a incompreensão da população de um modo geral tornam a maior preocupação das autoridades, que realizam um amplo e difícil trabalho de operações psicológicas, pois na realidade o governo passou a funcionar em Londres. h. Iugoslávia na 2ª GM Depois da derrota militar inicial, muitos soldados iugoslavos retiraram-se para as florestas para continuar a luta contra as forças de ocupação italianas, mas as velhas rivalidades raciais, de religião e de cultura, acabaram por dividir o movimento de resistência. A tradição guerreira secular facilitou o início das operações, que paulatinamente foi envolvendo os habitantes locais, porque quanto mais a resistência atuava, maior eram as represálias das forças de ocupação. Em 1942, o movimento de resistência era o maior entrave para a ocupação. Nesse contexto, surge Tito, pseudônimo de um croata que liderou a resistência. Como o parque industrial era incipiente, os principais objetivos eram o corte da linha de suprimento. 4 i. Grécia na 2ª GM O movimento de resistência contra ocupação italiana foi organizado e coordenado por um governo instalado em Londres. Ele demorou a ter resultados promissores, mas tão logo unificou o povo dividido pelo regime e pelas lutas políticas anteriores, passou a ter resultados expressivos. Atuou, principalmente, com atos de sabotagem a aquartelamentos e vias de comunicação, pela divulgação de uma imprensa clandestina ativa, por manifestações públicas nas grandes cidades e finalmente por uma organização efetiva de guerrilha. j. Finlândia na 2ª GM A grande resistência dos finlandeses contra o russo invasor, na 2ª GM, ficou marcada pela utilização de tropas regulares em ações não convencionais, pela preparação dessa resistência e pelo emprego de elementos locais, coesos e resignados. A característica do povo foi relevante para operação, pois eram hábeis no tiro de caça, plenamente adaptados às rígidas condições climáticas, valiam-se do conhecimento e do aproveitamento do terreno, assim como da utilização de esquis para rápidos deslocamentos, ao passo que os russos usavam apenas as estradas. O insucesso nessa ofensiva russa devido à resistência fez com que se alocassem grandes quantidades de meios para esse TO e, também, incitou Hitler a abrir a frente oriental européia da grande guerra. l. Os Partisans Alguns estudiosos dos movimentos de resistência costumam mencionar os Partisans. Sem tradução literal, trata-se das muitas atividades de esconder judeus e interromper deportações para os campos de concentração. Aproximadamente 100.000 vidas foram salvas com a cooperação entre judeus e não-judeus. Os nazistas agiam isolando à força as comunidades judaicas e separando-as das comunidades não judaicas quase que imediatamente. Como conseqüência, a resistência judaica nos guetos floresceu com pouca ou nenhuma ajuda externa. Ela consistia em ataques armados e revoltas contra os SS, na organização de fugas em massa dos campos e os combates Aproximadamente 20.000 judeus pertenceram aos grupos Partisans. dos Partisans. 5 m. Movimentos de Libertação Nacional pós 2ª GM Valendo-se dos ensinamentos de Mao Tse Tung e de ações de resistência que obtiveram êxito na 2ª GM, diversas guerrilhas para libertação do colonizador, mas com tendência comunista foram implantadas em colônias francesas, entre elas na Indochina e na Argélia. As forças locais de resistência ao colonizador adotaram ações terroristas, de mobilização de massas e de propaganda para levar a população à situação de total insegurança, dando total descrédito às forças dominadoras, que não estavam preparadas para esse tipo de combate. n. Vietnã No sucesso da resistência vietnamita contra dominação estrangeira, destaca-se a liderança de Ho Chi Minh e a condução militar das operações por parte do General Vo Nguyen Giap. Também foram de extrema importância o desejo de unificação do país, a vontade de expulsar os estrangeiros e o conhecimento e adaptação ao teatro de operações. o. Batalha dos Guararapes Diante do poderio das forças holandesas que dominavam Pernambuco, Matias de Albuquerque, governador local, retirou-se para o interior, onde organizou os remanescentes, fundou um povoado de onde sua posição estratégica limitava o acesso ao interior. A partir desse povoado, que se confundia com uma base de operações, passou a empregar táticas de guerrilha para impedir que os invasores consolidassem ou ampliassem suas conquistas, aguardando oportunidade para retomar as vilas. Tal feito se deu depois de anos de ocupação, a 19 de abril de 1645, na triunfal Batalha dos Guararapes. p. Revolução Constitucionalista de 1932 Para um sem número de historiadores, tal movimento não chega a ser considerado como de resistência, mas tem sua importância para o estudo da estratégia da resistência, não só pela contribuição financeira da população paulista, mas também pela participação em combate de representantes de diversas classes sociais, pela possibilidade de mobilização industrial e pelo sucesso das operações psicológicas depreendidas. 6 q. Afeganistão Os Estados Unidos decidiram ocupar o Afeganistão - em represália aos atos perpetrados por terroristas Talibãs do grupo Al-Qaeda, nas cidades de Nova York e Washington, em 11 de setembro de 2001. Tal atitude parecia desprezar os malogros dos russos, britânicos, e muito antes de Alexandre Magno. A ex-União Soviética chegou a colocar ali um contingente militar de aproximadamente cem mil soldados e em fevereiro de 1989, ao cabo de dez anos de ocupação, retirou-se do território afegão sem conseguir atingir os objetivos, pois o terreno montanhoso e a tenacidade da tropa entrincheirada dificulta o controle das vias de comunicação e transporte do país. r. Iraque A resistência iraquiana foi planejada. Tal assertiva e defendida por mais de uma dezena de estrategistas militares, tamanha foi a negligência na ação defensiva de Bagdá assim como, em oposição, foi a eficiência na descaracterização e ocultação dos meios de combate do exército iraquiano. Tal movimento, surpreendentemente, não foi identificado pelos norte-americanos. Por mais profundo que tenha sido o estudo da área operacional pelos invasores, não foi notada a desejável divisão religiosa de sunitas e chiitas. A unidade das massas, mesmo sendo fator primordial para o sucesso do intento de resistência, não foi um fator determinante na operação. Existe uma ruptura política, mas não de propósitos no Iraque. Pode-se inferir nessa guerra, que mesmo com um grande aparato tecnológico favorecendo a inteligência de sinais, a inteligência de fontes humanas, ainda hoje, exerce forte importância nas frentes de combate para integração das fontes. 7 3. CONCLUSÃO Não se pretendia elaborar um trabalho conclusivo, mas vemos que se trata de uma estratégia factível e com inúmeras possibilidades em seu desenvolvimento, pois essas variam de acordo com a organização, a ideologia, a cultura predominante, o teatro de operações, o conhecimento do terreno por parte dos contendores, a relatividade do poder de combate, entre outros aspectos. Não esperamos que haja outro conflito mundial, mas a insurgência só está na visão dos opressores. A Resistência está na luta constante para o mais fraco surpreender e vencer o opressor. Referências - Abreu, Gustavo de Souza. A Brigada de Infantaria de Selva na Execução da Estratégia da Resistência, ECEME, 1998. - Cambeses Júnior, Manuel. Artigos em www.militar.com.br. - Condon, Richard W. Guerra da Finlândia: inverno de sangue. Coleção da História Ilustrada da 2ª Guerra Mundial. Editora Renes, 1972. - Donato, Hernani. Dicionário das Batalhas Brasileiras, Bibliex, 1996. - Estado-Maior do Exército. C 20-1, Glossário de Termos e Expressões, EGCCF, 1996. - Estado-Maior do Exército. C 124-1, Estratégia, EGCCF, 1996. - Estado-Maior do Exército. IP 72-1, Guerra de Resistência, EGCCF, 1996. - Fernandes, Francisco Ronald da Rocha, A Brigada de Infantaria de Selva na Execução da Estratégia da Resistência, ECEME, 1999. - Ferrão, Carlos. História da Guerra. Editora Século, Lisboa, 1947?. - Magnoli, Demétrio. Atlas Geopolítico, editora Sicipione, 2000. - Pereira, Marcos Aurélio. 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