OFICINA DA PESQUISA ÉTICA PARA ENGENHARIAS Prof. Msc. Carlos José Giudice dos Santos [email protected] www.oficinadapesquisa.com.br Belo Horizonte 2015 Introdução à Ética e a Moral [1] Não é raro que muitas pessoas interpretem o significado da palavra “moral” e da palavra “ética” de uma forma totalmente equivocada. É comum que muitas pessoas pensem que a moral e a ética estão relacionadas com uma espécie de “limitação da liberdade”. Enxergam a moral como um impeditivo daquilo que queremos fazer ou desejaríamos fazer. A moral é vista como um obstáculo ao nosso prazer, algo que impede que a gente consiga satisfazer os nossos desejos. O uso deste conceito com este significado é, como já estava sinalizado na primeira frase, totalmente errado – um equívoco comum do conhecimento popular. Introdução à Ética e a Moral [2] Assim, o uso da palavra “moral” como o significado de “obstáculo aos nossos desejos”, ou “algo que nos impede de fazer o que gostaríamos” é equivocado porque confere um significado totalmente contrário ao real significado da palavra “moral”. A moral é “[...] o esforço que fazemos o tempo inteiro para escolher o melhor caminho para a nossa vida, justamente quando temos liberdade para isso” (BARROS FILHO, 2013). É interessante notar que quando não existe a liberdade de escolha, a moral também não existe. A moral exige liberdade de escolha, de decisão, de deliberação. Sem esta liberdade, não existe moral. Introdução à Ética e a Moral [3] Barros Filho (2013) nos ensina: • A condição primordial para a moral exista é a liberdade de escolha. • A moral é o pensamento livre sobre a vida. • A moral é o esforço intelectual que fazemos sempre para escolher o melhor caminho, jogando no lixo outros caminhos que não nos interessam. • A moral refere-se às nossas escolhas individuais; já a ética refere-se ao esforço coletivo de escolher o melhor caminho para a convivência. Introdução à Ética e a Moral [4] Assim, enquanto a moral é algo pessoal, individual, fruto de uma deliberação do “eu”, a ética é fruto de uma deliberação coletiva. Entretanto, nos dois casos, a liberdade de escolha é a condição fundamental para a existência tanto da moral quanto da ética. Por exemplo, em uma cidade em que as vias públicas (ruas e avenidas) estão cheias de radares e de câmeras que registram avanço de sinal, alguém poderia dizer que esta cidade tem um trânsito moralizado. Na verdade é o contrário, pois a partir do momento em que temos um poder coercitivo, perdemos a liberdade de escolha, e sem liberdade de escolha, não há moral. O que é uma sociedade moralizada? [1] Recentemente houve uma discussão sobre a decisão de se colocar câmeras de vigilância dentro das salas de aula, sobretudo em escolas públicas. Esta proposta não vingou, pelo menos por enquanto! Apesar desta medida tranquilizar os pais e favorecer um pouco mais a disciplina em sala de aula, caso ela fosse implantada, poderíamos dizer, sem medo de errar, que esta seria a prova definitiva da falência moral de nossa sociedade. Se deixarmos de acreditar no papel moralizador na escola, só nos resta segurar os ânimos por meio de polícia, cassetete, bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio. Uma sociedade militarizada! O que é uma sociedade moralizada? [2] Uma sociedade moralizada seria aquela em que a força de coerção do poder público não fosse necessária. Neste sentido, Barros Filho (2013) nos ensina que a moral e a força são como os dois lados de uma gangorra – se uma está em cima, significa que aquela que está em baixo não é necessária. Em uma sociedade desmoralizada (como a nossa atualmente), o princípio que nos rege é o da desconfiança – não basta a sua palavra – todos os seus passos devem ser vigiados todo o tempo. Um sociedade moralizada é aquela em que a confiança é a característica principal de convivência entre as pessoas. Conceito de Ética nas Organizações [1] Na visão de Maximiniano (2012, p. 397), a responsabilidade social das organizações e o comportamento ético dos administradores estão entre as tendências mais importantes que vão influenciar a teoria e a prática da administração a partir do Terceiro Milênio. A discussão sobre ética e responsabilidade social é antiga, mas faz pouco tempo que passou a nortear o comportamento dos gestores. Isto aconteceu a partir do momento em que casos de poluição, corrupção, desemprego e direitos do consumidor começaram a ganhar mais destaque na mídia. Sob o ponto de vista estritamente filosófico, a ética pode ser definida como a interpretação da moral. Conceito de Ética nas Organizações [2] A palavra ética tem a sua origem na palavra latina ethos, que significa comportamento, hábitos, costumes. A palavra moral tem a sua origem na palavra latina mores, que também significa hábitos e costumes. Muitas pessoas confundem ou acham que ética e moral são palavras sinônimas, uma vez que possuem raízes etimológicas semelhantes. Entretanto, alguns autores fazem distinção, considerando a ética como uma reflexão crítica acerca da moral – o que nos leva de volta ao sentido filosófico da ética. Assim, existem hábitos e costumes que são considerados modelos perante a sociedade ou a um grupo específico. A ética tenta refletir o quanto determinado comportamento está alinhado ou não em relação a um comportamento ideal. Conceito de Ética nas Organizações [3] A partir destas reflexões éticas, surgem normas de conduta, que são expressas como um código: por exemplo, o código de ética dos médicos, dos militares, dos jornalistas, da propaganda, dos políticos, de um grupo social ou religioso, de uma organização, entre outros. Assim, o código de ética contém um sistema de valores que devem nortear o comportamento de pessoas, grupos, profissões e organizações. Por exemplo, uma pessoa está em uma cama de hospital como um vegetal, mantida viva apenas pelos aparelhos. Sob o ponto de vista moral, que está ligado à opinião individual (liberdade de escolha), desligar os aparelhos poderia ser uma opção moralmente aceitável. Entretanto, sob o ponto de vista ético (expressão de uma vontade coletiva colocada muitas vezes sob a forma de normas, leis, estatutos, códigos), não seria uma atitude correta, pois existe uma lei que não permite isso. A ética não admite desvios: não existe uma “meia ética”. Exemplos de Ética O código de ética da propaganda condena empresas que comparam seus produtos. Também condena a participação de mulheres menores de 25 anos em propagandas de bebidas alcoólicas. A utilização de imagens de “bichinhos” criados por computação gráfica em propagandas deste tipo também passou a ser controlada por este código de ética. A utilização de recursos de forte apelo popular por programas de TV (por exemplo, pessoas com deformidades físicas ou em situações constrangedoras) é considerado como atitude condenável por muitas emissoras, mas em nome da audiência, algumas ainda continuam a utilizar. Um político que acumula dois cargos, recebe pelos dois cargos trabalhando em apenas um deles, pode muitas vezes fazer isso porque a lei permite. Algumas pessoas falam que isso “é legal mas não é moral”. O correto seria dizer “é legal mas não é ético”. A moral é individual e depende apenas dele. A Ética nas Empresas [1] De acordo com os pesquisadores Stoner et al (1995, apud MAXIMINIANO, 2012, p. 399), a ética nas empresas pode ser abordada em quatro níveis, a saber: 1) Nível Social: Expressa a maneira como as pessoas questionam a presença, o papel e os efeitos das organizações perante a sociedade. Por exemplo: • É justo que um executivo ganhe cinquenta vezes mais do que um trabalhador do nível operacional?; • É aceitável o fato de empresas bancarem campanhas políticas de candidatos com o intuito de obterem vantagens?; • É correto que algumas empresas formem cartéis como forma de controlar o preço de produtos?; • Podemos aceitar que algumas empresas subornem funcionários para pagar menos impostos ou para vencerem uma determinada concorrência ou licitação? A Ética nas Empresas [2] 2) Nível do Stakeholder: Os stakeholders (parte interessada – ou seja, funcionários, colaboradores, comunidade, clientes, fornecedores, distribuidores) são pessoas que sofrem, direta ou indiretamente, influência das decisões administrativas de uma organização, representada aqui pelos shareholders (acionistas, gestores e o conselho de administração). Por exemplo: • Qual é a obrigação de uma empresa em informar para os seus consumidores os riscos que seus produtos podem trazer para a saúde (por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas)?; • Qual é o impacto da instalação ou operação de uma organização para uma comunidade ou para o meio ambiente?; • Que impacto os clientes, fornecedores, distribuidores e funcionários podem sofrer em caso de desativação de uma unidade ou filial de uma organização? A Ética nas Empresas [3] 3) Nível da política interna da empresa: Os questionamentos éticos neste nível abrangem principalmente a relação das organizações com os seus funcionários. Por exemplo: • Quais são as obrigações das organizações (além das legais) para com seus funcionários?; • Que tipos de compromissos uma empresa pode exigir de seus funcionários?; • Até que ponto os funcionários devem ser ouvidos em relação às decisões que as organizações tomam? 4) Nível individual: Este nível diz respeito à maneira como as pessoas devem tratar-se umas às outras. Por exemplo: • Que normas de conduta devem orientar o comportamento das pessoas em seus relacionamentos pessoais nas organizações?; • Como uma empresa (representada pela chefia) pode ajudar seu funcionário em uma questão pessoal?. Sistemas de valores e evolução ética [1] Valores são julgamentos sobre o que é aceitável ou inaceitável, ou desejável ou indesejável sobre certa situação, e fornece uma justificativa para alguma decisão. São os valores que formam a base dos códigos de ética. Por exemplo, o filósofo chinês Confúcio (século V a.C.) pregava como maior valor a norma da reciprocidade, também conhecida como Regra de Ouro em algumas culturas: “A conduta virtuosa em relação aos outros consiste em tratar os outros como cada um gostaria de ser tratado”. Já Aristóteles pregava a virtude (excelência intelectual e moral) e a moderação: “O excesso é uma forma de erro, assim como a falta. Portanto, deve-se buscar o meio termo”. O filósofo Immanuel Kant pregava que, “uma pessoa, ao agir, não deve utilizar outras pessoas como meios para atingir os seus próprios interesses” (imperativo categórico). Sistemas de valores e evolução ética [2] Os sistemas de valores evoluem com o tempo. Isto significa que conceitos como noção de cidadania, virtude coletiva, respeito à pessoa e aos direitos humanos estão ligados à mudança evolutiva dos costumes. Por exemplo, o regime de apartheid na África do Sul era moralmente aceito até o início da década de 90. Entretanto, a partir dos inúmeros conflitos internos entre maioria negra e minoria branca, e por meio da pressão e boicote de outros países a este tipo de segregação, houve uma mudança de costumes. Outro exemplo vem das montadoras de automóvel. A preocupação com a segurança não fazia parte da preocupação dos projetistas de carros, que consideravam acidentes e danos corporais como um risco inerente ao uso do automóvel. Entretanto no dia em que um automóvel da GM foi colocado no banco dos réus pelo advogado Ralph Nader, tudo mudou... Ética absoluta A noção de ética absoluta diz respeito à tipificação de determinados comportamentos como certos ou errados, seja qual for o contexto. Este é o grande problema da ética absoluta: a noção do que é certo ou errado vem da opinião, mas dependendo do contexto, esta ética pode ferir princípios morais – que são individuais. O exemplo que melhor ilustra este fato é a reputação que os bancos suíços construíram em cima do principio ético do sigilo absoluto acerca das contas bancárias secretas. Os bancos suíços conquistaram respeito e admiração por causa deste princípio ético, até o dia em que outros países fizeram pressão ao demonstrar que nem todos os clientes destes bancos eram pessoas respeitáveis, que ganharam dinheiro de forma lícita. Assim, esta ética absoluta do sigilo, antes admirada, teve que ser revista. Ética relativa A noção de ética relativa reconhece que existem determinadas situações que podem influenciar a definição dos valores que a sociedade considera socialmente aceitável. Por exemplo, um funcionário que pede uma nota fiscal em um restaurante com valor superior ao que foi gasto para embolsar a diferença está agindo de modo certo ou errado? Seria aceitável um funcionário fazer isso se uma empresa incentivar esta prática como uma maneira de pagar um adicional sem tributação? E se uma empresa faz um desconto especial caso o cliente concorde em não pedir nota fiscal? Outra situação: a empresa dá um desconto se o pagamento for em dinheiro, à vista, mas não dá nenhum desconto para pagamentos efetuados com cartão de crédito. Isto é certo ou errado? Estágios de Desenvolvimento Moral [1] Como vimos anteriormente, os princípios éticos podem variar de acordo com o contexto temporal, cultural e religioso. Isto significa que em qualquer estágio de desenvolvimento da sociedade, vão existir diferentes princípios éticos. Assim, as pessoas podem optar em adotar valores mais atrasados ou modernos de acordo com as suas convicções, e isto vai influenciar em sua interpretação, resultando em diferentes princípios éticos. Por exemplo, uma pessoa muito conservadora pode ter problemas em trabalhar em equipe com pessoas que possuem uma orientação sexual ou religiosa diferente daquela que ele considera como certa ou moralmente aceitável. A partir destas diferenças de princípios éticos, convencionouse que existem três estágios de desenvolvimento moral: o préconvencional, o convencional e o pós-convencional. Estágios de Desenvolvimento Moral [2] Estágio pré-convencional de desenvolvimento moral: Neste estágio, a ética é individualista ou egoísta. Alguns autores consideram que nesse estágio, praticamente não existe ética, pois as pessoas ou grupos agem de acordo com a sua própria moral, com o prazer pessoal ou com os interesses do grupo. Este estágio é também conhecido como estágio de Darwinismo Social, porque estimula a uma competição entre pessoas ou grupos em que somente os mais fortes vão sobreviver (seleção natural). Alguns autores consideram que muitas empresas que praticam concorrência desleal, conseguiram crescer a partir dos seguintes princípios de conduta, típicos deste estágio: 1) Cada um por si; 2) O negócio é levar vantagem em tudo; 3) Os outros que se danem; e 4) O mundo é dos espertos. As empresas aéreas que vivem à custa da detestável prática do overbook também se enquadram nesta categoria. A prática de extorsão por parte de fiscais também está inclusa aqui. Estágios de Desenvolvimento Moral [3] Estágio convencional de desenvolvimento moral: Neste estágio, a ética continua sendo individualista ou egoísta. Entretanto, existem regras de conduta estabelecidas que punem aqueles que se desviam delas. Assim, existe um respeito às regras por conveniência (medo da punição por um comportamento errado) – submissão a uma dominação legítima (poder de coerção). No campo da administração, este estágio corresponde às estratégias que as empresas adotam em virtude da regulamentação ou para atingir determinados segmentos de mercado. Este é o caso, por exemplo, das empresas “verdes”, que querem associar o respeito ao meio ambiente à sua marca com o objetivo de conseguir entrar em determinados mercados. Também é o caso de montadoras de automóveis, que exportam automóveis que se adequam às normas europeias ou americanas, muito mais rígidas que as normas brasileiras. Estágios de Desenvolvimento Moral [4] Estágio pós convencional de desenvolvimento moral: Neste estágio, a ética atinge o nível mais alto, por que a conduta individual ou de grupos passa a não depender mais de regras escritas. É o estágio de idealismo moral, em que as regras são respeitadas por convicção e não mais por obrigação ou medo de punições. São princípios norteadores deste estágio, a saber: • Minha liberdade termina onde começa a liberdade do vizinho; • Não concordo com nada do que dizes, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las (Voltaire); • Não há o que me obrigue a fazer algo que eu considere moralmente errado; • Não importa a opinião da maioria, mas sim valores como justiça, direito, igualdade, liberdade, fraternidade, retidão de caráter; • Mulheres e crianças em primeiro lugar; • O comandante é o último a abandonar o navio. Bibliografia Consultada • ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. • BARROS FILHO, Clóvis. Ética para empresas. In: Espaço Ética. Disponível em: <https://espacoetica.com.br>. Acesso em: 10 abr. 2015. • CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. • CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral administração. 7. ed. São Paulo: Rio de Janeiro: Elsevier, 2003. da • MAXIMIANO, Antônio César Amaru. Teoria geral da administração: da revolução urbana à revolução digital. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2012. • PENA, Roberto Patrus; CASTRO, Paula Pessoa de. Ética nos negócios: condições, desafios e riscos. São Paulo: Atlas, 2010.