Universidade Federal do Rio de Janeiro — Instituto de Fı́sica Fı́sica III — 2014/2 Cap. 5 - Corrente, Resistência e Força Eletromotriz Prof. Elvis Soares Nesse capı́tulo, estudaremos a definição de corrente, com descrição microscópica, as definições de resistência elétrica e introduzimos o resistor, como uma força eletromotriz possibilita o fluxo de corrente em um circuito, e por fim, como obter as energia e potência em circuitos. 1 Corrente Elétrica O que acontece ao ligarmos por um fio metálico às placas de um capacitor carregado? Como não pode haver equilı́brio eletrostático, pois as extremidades do fio condutor estão em potenciais diferentes, há movimento de cargas, ou seja, uma corrente elétrica passa através do fio quando a conexão é feita. A intensidade da corrente elétrica i que atravessa uma dada seção de um fio condutor é definida como a quantidade de carga dq que atravessa esta seção num dado intervalo de tempo dt, de modo que podemos escrever i≡ dq . dt (1) A unidade de corrente elétrica no SI é o Ampère, que passa a definir a unidade de Coulomb. Assim, numa corrente de 1A, a secção do fio é atravessada a cada segundo por 1C de carga, equivalente a 6.2 × 1018 C. Por motivos históricos, é convencional definir a corrente tendo a mesma direção do fluxo de cargas positivas. Em condutores elétrico, tais como cobre e alumı́nio, a corrente é devido ao movimento de elétrons. Portanto, num metal, a direção da corrente num condutor é oposta ao fluxo de elétrons. Numa lâmpada fluorescente, os portadores de cargas são tanto elétrons como ı́ons positivos do gás, que se deslocam em sentidos opostos sob a ação do campo de descarga. Prof. Elvis Soares 1.1 1 Corrente Elétrica Modelo Microscópico para Corrente Podemos relacionar a corrente elétrica com o movimento de cargas através de um modelo microscópico de condução num metal. Num condutor isolado, isto é, a diferença de potencial é zero nele, os elétrons se movem num movimento aleatório que é análogo ao movimento das moléculas num gás. Quando uma diferença de potencial é aplicada nesse condutor, um campo elétrico aparece nesse condutor exercendo uma força nos elétrons, produzindo uma corrente. Contudo, os elétrons não se movem em linhas retas através do condutor, pois colidem repeditademnte com os átomos do metal, e seu movimento resultante é complicado em zig-zag. Apesar das colisões, os elétrons se movem va~ com a velocidade de arrasto ~ garosamente através do condutor (na direção oposta de E) vD , conforme figura (a). – Agora, consideremos um comprimento ∆x de um condutor de seção transversal A, de modo que o volume dessa região é A∆x, conforme figura (b). Se n é o número de portadores de carga por unidade de volume, o número de portadores nessa região é nA∆x. Assim, a carga total ∆Q nessa região é ∆Q = (nA∆x)q onde Q é a carga de cada portador. Se os portadores se movem com velocidade de arrasto vD , devido à influência do campo elétrico externo, o intervalo de tempo que leva para atravessarem essa região é dado pela relação ∆x = vD ∆t. Esse intervalo de tempo é aquele necessário para todas as cargas no cilindro passarem de uma extremidade a outra. Com isso, podemos escrever ∆Q = (nAvD ∆t)q Se dividirmos ambos os lados da equação por ∆t, a corrente elétrica média nesse condutor é imed = ∆Q = nqAvD ∆t E com isso, temos uma densidade de corrente elétrica ~j percorrendo o fio que é dada por j= ou 2 i = nqvd A 2 Lei de Ohm e Condutância Prof. Elvis Soares ~j = nq~ vd (2) Exemplo: Velocidade de Arrasto no Fio de Cobre Consideremos um fio de cobre de área de seção transversal A = 3 × 10−6 m2 , cuja densidade é de 8.95 g/cm3 e massa molar igual a 63.5 g/mol, por onde passa uma corrente de 10 A. A densidade de portadores de carga (para o cobre, elétrons) é dada por n= (8.95 g/cm3 ) ρ NA = (6.22 × 1023 ) = 8.8 × 1028 e− /m−3 . µ (63.5 g/mol) Assim, a velocidade de arrasto no fio é determinada pela corrente através de vd = i (10 A) = = 0.2 mm/s. 28 − −3 nqA (8.8 × 10 e /m )(1.6 × 10−19 C)(3 × 10−6 m2 ) Desta forma, um elétron demoraria aproximadamente 1.5 horas para percorre um trecho de 1 m nesse fio. O fato é que não é necessário que o elétron chegue até o equipamento para acioná-lo, basta que o campo elétrico se propague pelo fio e faça com que todos os elétrons se movimentem na mesma direção. O campo elétrico se propaga com a velocidade da luz no meio material! 2 Lei de Ohm e Condutância Anteriormente vimos que o campo elétrico no interior em equilı́brio eletrostático é nulo, porém quando as cargas no condutor não estão em equilı́brio é possı́vel que haja um campo elétrico em seu interior. Em alguns materiais, a densidade de corrente elétrica é proporcional ao campo elétrico ~j = σ E ~ (3) onde a constante de proporcionalidade sigma é denominada condutividade do material. Materiais que obedecem essa relação são conhecidos como materiais ôhmicos, em homenagem a Georg Simon Ohm que descobriu essa relação empı́rica válida somente para certos materiais. Consideremos agora um pequeno trecho de um fio de comprimento L e seção transversal uniforme de área A, conforme figura. Uma diferença de potencial ∆V = Vb − Va é mantida ao longo do fio, criando no interior do fio um campo elétrico e portanto uma corrente. Se o campo puder ser considerado uniforme, a diferença de potencial está relacionada com o campo através da relação 3 Prof. Elvis Soares 2 Lei de Ohm e Condutância ∆V = EL Assim, podemos expressar a intensidade da densidade de corrente no fio como sendo j = σE = σ ∆V , L como j = i/A, podemos escrever L ∆V = j = σ L σA i = Ri. A quantidade R = L/σA é denominada resistência elétrica do fio, que no SI tem unidades ohm, equivalente a Volt por Ampère, Ω = V /A. Assim, a relação entre a diferença de potencial sobre um fio e a corrente elétrica criada no mesmo é dada pela famosa Lei de Ohm, escrita na forma ∆V = Ri (4) O inverso da condutividade é a resistividade ρ ρ= 1 , σ (5) como R = L/σA, podemos expressar a resistência de um fio condutor de material homogêneo e isotrópico como L R=ρ . A (6) Materiais que são bom condutores de eletricidade apresentam resistividade baixa, como o cobre cuja resistividade é da ordem de 10−8 Ω.m, enquanto que materiais isolantes apresentam alta resistividade, como o quartzo cuja resistividade é da ordem de 1016 Ω.m. Além disso, a resistividade, num certo intervalo de temperatura, varia aproximadamente linearmente com a temperatura de acordo com a expressão ρ = ρ0 [1 + α(T − T0 )] (7) onde ρ é a resistividade em alguma temperatura T , ρ0 é a resistividade em alguma temepratura de referência T0 , e α o coeficiente de temperatura da resistividade. 2.1 Modelo Microscópico para Condutividade Podemos pensar num condutor como sendo uma rede regular de átomos mais um conjunto de elétrons livres, que podemos chamar de elétrons de condução. Não há corrente elétrica no condutor na ausência de um campo elétrico externo pois a velocidade de arrasto dos elétrons é zero, isto é, na média o movimento dos elétrons é zero, conforme figura (a). 4 2 Lei de Ohm e Condutância Prof. Elvis Soares –– – – – – – – Com a presença do campo elétrico externo a situação muda, além do movimento aleatório ~ causa um arrasto dos elétrons numa direção devido à agitação térmica, o campo elétrico E ~ oposta àquele campo E, conforme figura (b). ~ ele sofre Quando um elétron livre de massa m e carga q está sujeito a um campo elétrico E, ~ ~ uma forçca F = q E. Como essa força está relacionada com a aceleração do elétron através da ~ = m~ segunda lei de Newton, F a, concluı́mos que a aceleração do elétron é ~ a= ~ qE m Essa aceleração, que ocorre somente em um curto intervalo de tempo entre colisões, permite ao elétron adquirir uma pequena velocidade de arrasto. Se ~ v i é a velocidade inicial do elétron no instante após a colisão (que ocorre num tempo que definiremos como t = 0), então a velocidade do elétron num tempo t (no qual ocorre a próxima colisão) é ~ vf = ~ vi + ~ at = ~ vi + ~ qE t m Em seguida, tomamos uma média sobre todos os valores possı́veis de ~ vf e ~ v i durante um intervalo de tempo médio entre sucessivas colisões τ . Como a distribuição das velocidades iniciais é aleatória, o valor médio de ~ v i é zero. De modo que, ( ~ v f med) = ~ vd = ~ qE τ m Relacionando essa expressão para a velocidade de arrasto com a corrente num condutor, encontramos que a densidade de corrente é j = nqvd = nq 2 E τ. m Comparando essa expressão com a lei de Ohm, j = σE, obtemos as seguintes relações para condutividade e resistividade do material nq 2 τ m (8) 1 m = 2 σ nq τ (9) σ= ρ= 5 Prof. Elvis Soares 3 Potência Elétrica e Efeito Joule E de acordo com esse modelo clássico, a condutividade e a resistividade do material não depende da intensidade do campo elétrico externo. O tempo médio entre colisões τ está relacionado com a distância média entre colisões l (ou livre caminho médio) e a velocidade média v̄ através da expressão τ = l/v̄. 3 Potência Elétrica e Efeito Joule Agora que sabemos que corrente é efetivamente o movimento das cargas no interior de um condutor, quanta energia deve ser gasta para realizar esse movimento? Para mover uma quantidade de carga dq = idt entre uma diferença de potencial ∆V , a quantidade de energia necessária é igual ao trabalho dW = (idt)∆V de modo que a potência da fonte, ou seja, da bateria deva ser P ot = dW = i∆V dt (10) No caso de um material condutor, podemos usar a lei de Ohm para determinar a potência dissipada pelo condutor em formas alternativas P ot = Ri2 = (∆V )2 R (11) Assim, a energia fornecida pela bateria para o movimento das cargas num condutor acaba sendo dissipada na forma de calor devido a resistência do objeto, tal fenômeno é conhecido como efeito Joule. Efeitos como esse são o que permitem utilizar energia elétrica para gerar calor, como num chuveito elétrico. De fato, podemos pensar nas colisões átomos-elétrons num condutor como uma fricção interna efetiva similar aquela sentidas pelas moléculas de um lı́quido fluindo através de um duto. A energia transferida dos elétrons para os átomos do metal durante as colisões causa aumento da energia de vibração dos átomos e um correspondente aumento na temperatura do condutor. 6 3 Potência Elétrica e Efeito Joule Prof. Elvis Soares Exemplo: Potência de um aquecedor elétrico Um aquecedor elétrico é construı́do aplicando-se uma diferença de potencial de 120 V num fio de nicromo cuja resistência total é de 8.0 Ω. A corrente elétrica que passa pelo fio é dada pela lei de Ohm como 120 V ∆V = = 15.0 A R 8.0 Ω A potência elétrica dissipada na forma de calor é dada por i= P ot = Ri2 = (8.0 Ω)(15.0 A)2 = 1.80 × 103 W = 1.80 kW 7