Capítulo 40 O paradigma de equivalência e suas implicações para a compreensão e emergência de repertórios complexos Maria Martha Costa Hübner Universidade Mackenzie A proposta do Paradigma de Relações de EquvaJência não surgiu abrupta-mente. Como na maioria dos movimentos científicos, a proposta teve antecedentes que gradualmente a prepararam. Assim, quando em 1982 Sidman e Tailby (1982) propuseram o emprego do paradigma para se analisar os desempenhos aprendidos e obtidas comas procedimentos de “matching to sample” (emparelhamento de acordo com o modelo), pelo menos três artigos de Sidman e colaboradores (Sidman 1971; Sidman e Cresson,1973 e Sidman, Cresson e WilísonMorris,1974) já vinham apresentando a tinha mestra do raciocinio que culminaria na proposta do paradigma em questão. O que estava acontecendo na época desses artigos era, a meu ver, uma certa insatisfação, por parte de Sidman, com o tipo de conclusão a que chegavam os experimentadores da área de controle de estímulos, quanto às relações de controje existentes nas contingêncías estudadas com o procedimento de matching-to-sampíe” ou emparelhamento de acordo com o modelo, onde discriminações de condicionais eram ensinadas. Sobre Compo,Iamento e Coçao 413 Nesse tipo de procedimento, o sujeito é ensinado a, diante de um modeloX (que pode ser uma cor, palavra ou uma forma, por exemplo), escolher, dentre dois estímulos, aquele que seja determinado pelo experimentador como o “correto”. Nas variações existentes nesse modelo, têm-se, por exemplo, “matching de identidade’, onde o estímulo modelo e o estimulo de escolha sãofisicamente iguais e o “matching arbitrário, ou simbólico, onde o estímulo modelo e ode escolha não são fisicamente iguais. A relação entre eles é “arbitrária’; é estabelecida pelo experimentador. Para Sidman, as conclusões dos pesquisadores, quanto ao tipo de relação que os sujeitos haviam aprendido, vinham de uma análise insuficiente quanto ao que exatamente controlava as respostas dos sujeitos. Denominar as relações condicionais aprendidas com os procedimentos de “matching” de igualdade, como o próprio nome sugeria, era, para Sidman, uma conclusão que mais caracterizava os objetivos, as intenções do experimentador, do que propriamente o que os sujeitos demonstravam. Na realidade, argumentava Sidman, as relações condicionais aprendidas com o procedimento de “matching” indicam uma relação do tipo ‘Se A, então B”, ou seja, “Se o modelo é X, eu respondo X”, e isto não quer dizer, necessariamente, que, ambos os estímulos, se tornam iguais para o sujeito, isto é, que sejam equivalentes. E, no entanto, apesar dessa possível diferença, os experimentadores continuavam a analisar os resultados como se fossem indicadores de uma igualdade” estabelecida entre os estímulos. Se ensinavam um sujeito a selecionar a figura de um ‘GATO” diante da palavra oral ‘GATO”, não quer dizer, necessariamente, que o sujeito “entendia” a palavra, que a figura fosse, para o sujeito, a representação da palavra, que fossem, figura e palavra, equivalentes para o sujeito. Analisando-se as pesquisas de Sidman e co’aboradores, já de 1971 e 1973 (anteriores, portanto, à proposta do paradigma de equivalência), já se percebe tentativas dos autores em realizar testes adicionais para verificar se relações condicionais ensinadas em “matching” revelariam, mesmo, uma “igualdade” ou ‘equivalência”. Após o ensino de relações puramente condicionais (que, no caso do experimento de 1971, eram relações entre palavras ditadas e figuras relações AB e relações entre palavras ditadas e palavras impressas relações AC), os autores acrescentavam testes em que as figuras (B) e as palavras impressas (C) deveriam ser pareadas pelos sujeitos, sem qualquertreino adicional. Nesse momento, os autores, aparentemente, só estavam querendo averiguar se o aprendizado de relações mais “simples”(as relações AB e AC, ou “leitura receptiva de figuras e palavras”) poderiam tornar possível a ocorrência de outras relações mais “complexas”, do tipo BC e CB, ou “leitura com compreensão”, sem a necessidade de treinos adicionais. Entretanto, já davam um passo, a meu ver, na direção de uma análise mais específica sobre o que as relações treinadas “significavam”: só condicionalidade ou algo mais. Se elas pudessem permitir transferências para outras habilidades (por exemplo, da leitura receptiva para a leitura com compreensão), era provavelmente porque não se tratava só de uma relação condicional, de uma cadeia de estímulo e resposta. Outras relações poderiam estar ocorrendo. Se fossem só cadeias S-R, os sujeitos só saberiam responder para um determinado estímulo, numa e apenas numa re’ação específica. 414 Maria Mrtha Costa Hübner — — — Assim, esses estudos de Sidmanjá não eram mais típicos da área de controle de estímulos de até então, onde o central era o ensino de relações condicionais. Os testes desses estudos típicos, quando haviam, eram testes de generalização”, em que se verificava se as respostas aprendidas apareciam para outros valores do estimulo experimental, dentro de um determinado continuunf. Aliás, embutida nesta mudança de procedimento, estava uma crítica severa de Sidman aotermo generalização e sua análise decorrente: a de que ela seria umaforma incorreta de medir o processo: as respostas intermediárias do sujeito em um teste de generalização (aquelas para estímulos distantes” do estímulo original) poderiam indicar que algo estava controlando a resposta do sujeito e que não estava sendo identificado e não simplesmente dizer que houve ou não generalização, O processo que está ocorrendo em novas situações, para novos vaiores de estímulos, precisaria ser ponto a ponto analisado. Em outras palavras, se o experimentador quisesse verificar se o que ensinou pode se ampliar, ele deveria elaborar um teste especifico que indicasse, o mais completamente possível, ponto a ponto, todas as relações de controle presentes entre estímulos e respostas estudadas, E era justamente nessa direção que esses primeiros artigos da década de 70 de Sidman e colaboradores estavam. Entretanto, como os experimentadores do grupo de Sidman, até entõo, reforçavam as respostas dos sujeitos nesses testes, eles não poderiam descartara hipótese de que, na verdade, todas as relações estavam sendo, uma a uma, treinadas (por causa do reforçamento), caracterizando-as, assim, apenas como um conjunto de várias relações condicionais e nada maS. Como a preocupação era básica e forte desses autores, a de fazerjus ao nome matching”. ou seja, emparelhamento”, ou seja, equivalência”, revelando, de fato, que as relações revelavam igualdade, equivalência, surge a proposta de testes definitivos e mais limpos”, metodologicamente falando, em 1982, com Sidman e Tailby. Para a elaboração desse conjunto de testes, os autores foram buscar na Matemática as propriedades definidoras de equivalência: a Reflexividade, a Simetria e a Transitividade. Essas propriedades, numa linguagem comporlamental, referem-se a relações específicas entre estímulos e respostas que deverão ser demonstradas quando se quer afirmar que as relações aprendidas e demonstradas pelos sujeitos indicam relações de equivalència e não apenas relações condicionais. Assim, o paradigma de equivalência sempre exige, no mínimo, três conjuntos de estímulos e, no mínimo, doas relações condicionais ensinadas. Vamos a um exemplo: Se diante da palavra BALA (impressa maiúscula) a criança escolher a palavra BALA (impressa maiúscula), dentre outras, sem reforçamento e sem treino para tal, ela terá demonstrado a propriedade de reflexividade que, na linguagem comportamental, éo pareamento de identidade”, A simetria é demonstrada quando a criança é capaz de intercambiar os estímulos modelo e de escolha, da seguinte forma: se ela aprendeu a escolher a palavra BALA, dentre outras, diante do desenho de uma bala, ela demonstrará simetria se diante da palavra BALA como modelo ela escolher o desenho correspondente, dentre outros. Essa Sobre Comportamento e cogniço 415 r relação é denominada, na linguagem comportamental, de “reverslbilidadefuncional”. Trata- sede um “matching”, um pareamento simbólico, onde os estímulos modelo e de escolha se alternavam em suas funções, uma vez adquirida a simetria entre eles. A terceira propriedade é a de transitividade. Necessita, para ser demonstrada, de um terceiro estimulo. Uma vez estabelecidas as relações “Se A, então 5 e ‘se 5, então C’, a transitividade estará desmonstrada na relação ‘Se A, então O”. • Ao ter aprendido a parear, por exemplo, o desenho de bala (A) com a palavra impressa, em maiúscula (B), e a parear essa palavra (B), com a palavra “bala”, em minúscula impressa (O), a transitividade será demonstrada se o sujeito parear o desenho de bala(S) com a palavra em minúscula, impressa (O), sem que tenha sido reforçado em tal pareamento. A transitividade requer, portanto, para sua demonstração pelo menos dois treinos em “matching” simbólico e um teste, em extinção, do pareamento AC. Assim, para afirmarmos que as relações ensinadas e as que emergirarri são relações de equivalência (ou que os estímulos que dela fazem parte são estímulos equivalentes, formando uma classe), é preciso que as três propriedades sejam demonstradas pelos sujeitos e não treinadas pelo experimentador O fenômeno de equivalência requer, ou melhor, é produto de contingência mais complexa do que aquela que conhecemos, (a de três termos): a contigência de quatro termos. Vejamos; Num freino AS, onde é ensinado o pareamento de uma pabvra oral como desenlt, a seguinte contingência está em vigor: Se o estimulo—Modelo—Si é a palavra oral BOLO, escolhero desenho de bolo (53), através de uma resposta de apontar para a figura de bolo (R3) é seguida de reforçamento. Apontar para outros estímulos (S4, 55 e S6) não tem o reforçamento como conseqüência. Esquematizando-se: S (palavra oral BOLO”) S3 (figura de BOLO) Sr S4 (figura de LOBO) R4-+Sr S5(figura de BOCA) R5-+Sr S6(figura deCABO)—R—’Sr Num treino AO (pareamento de uma palavra oral com a palavra impressa): 2 (palavra oral ‘BOLO”) 53 (palavra impressa BOLO) R3—øSr 54 (palavra impressa LOBO) R4—*Sr S5(palavra impressa BOCA) R5-.Sr S6(palavra impressa CABO) R—øSr — — — — - - - 416 Maria Monha Costa Hübner Numa primeiraanálise da importância do surgimentodo paradigma de equivalência, concluo que ela foi, sobretudo, de uma importância metodológica: encontrou um modo de verificar mais precisamente que relações de controle estão presentes nas relações ensinadas, tornando mais precisas e parcimoniosas as análises dos resultados, compreendendo melhor o fenômeno estudado. Entretanto, suas contribuições e implicações foram muito mais longe! talvez longe demais para seu objetivo inicial mais simples e mais instrumental (mas o ir longe demais” é tema para outro texto). Uma segunda contribuição do paradigma de equivalência foi a possibilidade concreta que ele trouxe de se estudarfenômenos Iingüísticos dentro dos rigores científicos. Tendo em vista que a formação de equivalência requer sempre uma contingência de quatro termos, em “matching simbólico”, em que os estímulos são topograficamente diferentes, um sendo uma possível representação do outro (como a palavra BALA e sua figura), os processos estudados no paradigma sempre mantiveram uma estreita ligação com o universo simbólico, ou seja, a linguagem, fenômeno complexo, característica essencialmente humana. Então, uma implicação do paradigma foi seu pronto emprego em pesquisa sobre leitura, formando, especialmente no Brasil, três ativos centros de pesquisadores em equivalência e leitura o da UFSCAR, da UnB e USP todos os três representados aqui hoje, nesta mesa redonda. Uma outra implicação importante do paradigma foi, em minha opinião, a mudança rio perfil da pesquisa básica em Análise do Comportamento. Como o paradigma surgiu no contexto da pesquisa básica, aquele que sempre primou pelos rigores científicos e, por outro lado, por um certo distanciamento, muito criticado, com prob[emas e questões interessantes e mais humanas, a partir dele os analistas não puderam mais ser criticados por só analisarem fenômenos simples e desinteressantes em seu laboratório. A partir do paradigma de equivalência, os analistas de comportamento passaram, maisfreqüentemente, a estudarem suas pesquisas básicas principalmente o ser humano (até então a pesquisa básica era exclusividade de outros animais). Havia, ainda, uma grande novidade trazida com o paradigma de equivalência: a de estudar fenômenos que emergiam sem reforçamento, aparentemente, e que não poderiam ser explicados pelo reforçamento imediato. A conhecida “Teoria do Reforço” de Skinnerse vê agora às voltas com a “Teoria de Equivalência” (teoria entre aspas, é claro) de Sidman. Por isso, ao mesmo tempo que o paradigma trouxe mais parcimônia e mais cuidado na análise dos resultados (em seu papel metodológico), trouxe mais ousadia e coragem para ‘conseguir” explicar “de onde vem a equivalência”? Teve, portanto, além de uma importância metodológica, uma importãncia teórico-conceitual. Felizmente, essa ‘ousadia’, mais do que gerardiscussões teóricas sem fim, gerou pesquisas: a emergência de novos comportamentos sem reforçamento, persi, chamou a atenção dos pesquisadores, gerando um vasto número de pesquisas em que se testava o número de relações que era possível gerar, expandir, a partir de um número mínimo de relações ensinadas. — Sobre Comportamento e Cognição 417 — O experimento de Sidman, Kirk e Willson Morris (1995) dá uma pequena mostra da imensa capacidade de gerar novos comportamentos a partir do aprendizado de um pequeno número de relações ensinadas. Assim, uma das contribuições mais cabais do paradigma foi a de gerar repertórios novos, complexos, com um mínimo de aprendizagem, e isso levar à coordenação de repertórios comportamentais, tornando-os uma rede complexa. Os pesquisadores em equivalência e leitura, porexemplo, têm demonstrado que, de um modo geral, o ar envoive um conjunto de múltiplas relações, coordenadas entre &, nas quais o ensino de algumas relações leva ao aparemento de muitas outras relações (De Rose e colaboradores, 1992). Em nossos estudos, no laboratório de Psicolo9ia Experimental da USP e na Pré-Escola do Colégio Mackenzie, temos descoberto que relações de equivalência entre palavras e figuras podem gerar um novo comportamento: a leitura controlada pelas unidades menores do queapalavra (Hübner-D’Oleira, 1990). Temostambém verificado que a oralização de palavras e a construção delas por anagrama leva a um controle mais pre±o na identificação das unidades menoresque a palavra (Hübnere Matos, 1991). Fica claro, portanto a importância do paradigma no desenvolvimento de repertórios complexos. Quanto à compreensão desses repertórios gerados, ou seja, das fontes controladoras, muito ainda está por ser discutido. O emprego de matrizes de resposta, em que se analisa tentalivas por tentativas, que resposta foi dada para cada estímulo (ou seja, o que o sujeito fez quando acertou e quando errou), tem fornecido elementos preciosos para se concluir o que controlou o sujeito em cada resposta que emitiu. Mas como a equivalência não pode ser observada em cada única relação, mas sim num conjunto de relações, as matrizes de respostas não respondem ao problema teórico mais geral sobre as origens da equivalência. Mas elas continuam inestimáveis para continuarmos a anaiisar o comportamento. Os caminhos para a discussão sobre a origem da equivalência têm apontado, como possíveis respostas, a história de treinamentos dos sujeitos, ou seja, as relações pr&requsitos que foram aprendidas, sem as quais as relações de equivalência não teriam emergido. Outro caminho para explicação, ou melhor, caracterização de equivalência, tem sido a de vê-la como umafunção fundamental (Green, 1994), produto de contingência de quatro termos. Assim, no exemplo do aprendizado do pareamento da palavra “GATO’ com sua figura, a contingência de quatro termos seria assim esquematizada: S4 (palavra impressa GATO) S1 (figura gato) R—*Sr 2 (figura bola) R -Sr S3 (figura casa) R -‘Sr O salto qualitativo e quantitatWo, respectivamente, na natureza e no ritmo da pesquisa básica de Análise do Comportamento, é evidente. - - - 11 418 Milid Mddha CGstd Hübncr Os vínculos e ligações com a apUcação desses conhecimentos também ficaram mais estreitos. Mas ainda não completamos a tarefa e temos que levar esses achados à sala de aula e a outras situações do dia-a-dia.(Stromer, Mackay e Stoddard, 1992.) Temos ainda que lidar com o desafio e o limite de que até agora as pesquisas em equivalência têm lidado com estímulos relativamente simples (palavras e letras), quando comparados ao comportamento verbal produzido no dia-a-dia. Mas o método e os achados continuam trazendo complementações ao ensino e sendo um modo sistemático e preciso de anahsar comportamento, no sentido de identificar asvariãveis controladoras para constatarmos o que, de fato, estamos ensinando: se a resposta do sujeito está apenas sob o controle imediato de um único estimulo e reforçamento direto dessa resposta, ouse ele é capaz de demonstrar múltiplas relações entre aqu&e estímulo e outros, através de resposta que não se extin9ue facilmente na ausência de reforçamento. E finalmente temos que cuidar para não cedermos aos “moderrisrnos’ e estudarmos “equivalência pela equivalência’. Não podemos esquecer que seu objetivo primeirofoi nos dar entes de aumento e com outros ângulos e graus para enxergarmos o comportamento que estávamos estudando. Ela é instrumento e não fim em si mesma. Bibliografia De Rose, J. C, O., Souza, D. G., Rossito, A L. Pereira, A. 8. Gomos, L. 5., Fonseca, M. L., Duarte, O. PÁ., Fontes, N., Cesaretti, R. E. & Zanotto, M. A. (1992). Interdependência entre repertórios de leitura e escrita atravõs de redes de relações de equivalência. Comunicações científicas em Psicologia, Z, 200. Hübner-D’Oliveira, M. M. (1990). Estudos em relações de equivalência: uma contribuição à identificação da leitura sob controle de unidades mínimas na aprendizagem de leitura com pré-escolares. Tese de doutorado apresentada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Pau(o. Hübner-D’Qliveira, M. M. & Matos, M. A.(1991). Investigação de variáveis na obtenção de controle por unidades minimas. Comunicações Científlcas em Psicologia, p. 68. Sidman, M. (1971). 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