do PDF - Sociedade Brasileira de Reumatologia

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OUT / NOV / DEZ 2015 • No 4 • ANO XXXIX
Editorial
Raciocínio clínico é habilidade, talento, dom?
S
er médico na essência envolve estar ao lado e ouvir
o paciente. Examiná-lo com sensibilidade e, através
dos cinco sentidos e com o toque das mãos, percorrer o imaginário das hipóteses diagnósticas, passando
pelo raciocínio clínico e oferecendo com maestria o que há
de melhor a quem nos procura. Dentre as especialidades
médicas, talvez a reumatologia seja aquela que mais exija
o desenvolvimento desta habilidade. Habilidade de ouvir,
tocar, sentir, elaborar e conduzir.
Como identificar e adquirir habilidades? Afinal, nascemos
com dons ou desenvolvemos talentos? A palavra dom deriva
do latim donu e significa dádiva, presente, capacidade especial inata para determinada tarefa. Entretanto, não basta
tê-lo, faz-se necessário desenvolvê-lo. Por sua vez, o talento
é uma habilidade que pode ser desenvolvida através de conhecimento, treinamento, disciplina e perseverança. Afinal,
seria o sucesso de um talento 1% de inspiração e 99% de
transpiração? Em texto peculiar, dr. José Tupinambá, reumatologista e professor de muitas gerações, discorre sobre
o raciocínio clínico como um talento inato ou adquirido.
Ainda de suma importância nesta edição do Boletim,
a SBR divulga relatório contábil após um ano da gestão
2014/16, prestando contas para os seus associados. Além
disso, discorre sobre as normas para solicitar auxílio financeiro ao Fundo de Apoio à Pesquisa da Sociedade Brasileira
de Reumatologia (FAP-SBR), benefício ao associado da
SBR com papel fundamental no desenvolvimento e na
disseminação da pesquisa em reumatologia no nosso país.
Que tal ainda passear pela Escócia sem sair de casa? Em
Por onde andei, dr. Renê Oliveira nos leva a conhecer o cotidiano e os pontos turísticos deste enigmático país do Reino
Unido, inclusive com direito a dose de uísque! Passando
pelas colunas dos doutores Fernando Neubarth e Hilton
Seda, encontraremos o trabalho desenvolvido pela ONG
Acredite (Amigos da Criança com Reumatismo) contado
pelo reumatologista pediátrico dr. Cláudio Len.
Completa-se um ciclo, inicia-se outro. Que o novo ano
seja repleto de paz, conquistas e muitos sonhos a todos!
Edgard Reis
SOCIEDADE
BRASILEIRA DE
REUMATOLOGIA
Diretoria Executiva da SBR – Biênio 2014-2016
Presidente
César Emile Baaklini – SP
Tesoureiro
José Roberto Provenza – SP
Secretário-geral
José Eduardo Martinez –SP
Vice-Tesoureiro
Luiz Carlos Latorre – SP
1º Secretário
Silvio Figueira Antonio – SP
Diretor científico
Paulo Louzada Jr. –SP
Representante junto à Panlar
Adil Muhib Samara – SP
Antonio Carlos Ximenes – GO
Fernando Neubarth – RS
Maria Amazile Ferreira Toscano – SC
Representante junto ao Ministério da Saúde
Ana Patrícia de Paula – DF
Mário Soares Ferreira – DF
2º Secretário
Washington Alves Bianchi – RJ
Representante junto à AMB
Eduardo de Souza Meirelles – SP
Gustavo de Paiva Costa – DF
Ivone Minhoto Meinão - SP
ÍNDICE
Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia
Av. Brig. Luís Antônio, 2.466, conjuntos 93 e 94
01402-000 – São Paulo - SP – Tel.: (11) 3289-7165 / 3266-3986
www.reumatologia.com.br
@ [email protected]
Coordenação editorial
Edgard Torres dos Reis Neto
Jornalista responsável
Maria Teresa Marques
Editores
Tania Caroline Monteiro de Castro
Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira
Sandra Hiroko Watanabe
Layout
Sergio Brito
Colaborador
Plinio José do Amaral
4
Impressão
Sistema Gráfico SJS
Tiragem: 2.000 exemplares
5
8
10
12
14
16
18
19
20
22
23
Notas
SBR.doc
Profissão Reumato
Espaço do residente
Rheuma & Ethos
Por onde andei
Foco em / A charge do Plínio
Coluna Neubarth
Coluna Seda
Além da Reumatologia
O melhor do Brasil
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
N ota s
Congresso brasileiro recebeu
mais de 2 mil pessoas em Curitiba
Nos dias 7 a 10 de outubro de 2015,
realizou-se em Curitiba o XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia, o
SBR 2015, tendo como presidente o
prof. Eduardo S. Paiva e como presidente de honra o prof. Sebastião C.
Radominski.
Cerca de 2.100 pessoas participaram
do evento, que primou pela organização e pela excelência da programação
científica, com 15 convidados internacionais e 250 nacionais. Nos cursos
pré-congresso, foram muito solicitados
o de dor e o de ultrassonografia músculoesquelética, sendo que este ano, no
congresso, foi realizado o primeiro curso
de Ultrassonografia Músculo-esquelética
Pediátrica da América Latina.
Foi ainda novamente ministrado no
Brasil, no dia 7, o curso de Revisão do
ACR, com espetaculares aulas dos professores Daniel Furst, Carol Langford,
Richard Furie e James Rosenbaum. Também se destacou a grande repercussão
na imprensa do curso para pacientes
reumáticos.
Durante o congresso, foram discutidos
os mais diversos temas dentro da especialidade, com várias sessões lotadas, e
o destaque foram as manifestações reumáticas do vírus chikungunya, o lúpus
e a gravidez, gota e uveíte. Mais de 570
trabalhos foram apresentados na forma
de temas livres ou pôsteres, com amplo
tempo para discussão de casos difíceis,
novos achados e pesquisas de ponta.
Momentos interativos foram destaque
no SBR 2015, com duas discussões de
casos clínicos sendo coordenadas pelo
dr. Paulo Louzada, e o divertido quiz,
Entre os temas discutidos, destaque
para manifestações reumáticas do vírus
chikungunya, lúpus e gravidez, gota e uveíte.
uma competição de perguntas e respostas entre residentes de diversos serviços.
Os momentos de congraçamento entre
os colegas foram vários, culminando
com uma grande festa com o tema gastronômico “Etnias do Paraná”, animada
pela banda Heyah do prof. Valderílio
Azevedo. Festa extremamente animada,
provando que os reumatologistas gostam
de estudar, mas também sabem muito
bem dançar e se divertir!
Rede universitária integra centros de
referência em reumatologia pediátrica
O uso da telemedicina fortalece a agregação de pessoas em
diversos espaços físicos distantes e com baixo custo. Nesse
contexto, uma iniciativa inovadora foi realizada por centros de
referência em reumatologia pediátrica distribuídos em diversas
regiões do país, com o apoio da equipe da Rede Universitária
de Telemedicina (Rute).
O objetivo principal deste projeto é a integração de alguns
serviços de referência em reumatologia pediátrica do nosso
país. Além disto, procurou-se somar forças e conhecimentos
específicos nas áreas assistencial e educacional, com a participação dos residentes e pós-graduandos.
A experiência do recurso de teleconferência foi iniciada
em 2014 e tem atividades mensais, sendo que a cada mês um
serviço de reumatologia pediátrica é responsável pela apresentação de um caso clínico inédito. Na sequência, os serviços
participantes opinam. Em uma segunda fase, o serviço que
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
apresentou o caso faz uma rápida revisão e atualização sobre
o tema abordado no caso clínico exposto.
Desde o final de 2014 até o presente momento foram realizadas oito conferências com média de 27 participantes por
atividade entre especialistas, pós-graduandos e residentes de
reumatologia pediátrica.
Acreditamos que, através desse modelo pedagógico, os
principais serviços de reumatologia pediátrica vêm encontrando uma forma dinâmica e rápida de integração nas áreas
da assistência e da educação.
Os serviços envolvidos são: Universidade Federal de São
Paulo; Universidade de Campinas; Universidade de São PauloRibeirão Preto; Universidade Estadual Paulista – Botucatu;
Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal
de Pernambuco; Universidade Federal da Bahia; e Universidade Estadual de Londrina.
5
N ota s
Estudo sobre artrite reumatoide
ganha prêmio do Ministério da Saúde
Estudo desenvolvido em laboratórios ligados ao Centro
de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid) da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP acaba de
ganhar o XIV Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia
para o Sistema Único de Saúde (SUS) – 2015, oferecido
pelo Ministério da Saúde, com objetivo de incentivar a
produção de trabalhos na área de ciência e tecnologia e
de interesse do SUS. A cerimônia de entrega ocorreu em
Brasília, no dia 12 de novembro de 2015.
O trabalho premiado, desenvolvido pelo doutorando
Raphael Sanches Peres e publicado na revista Proceedings
of the National Academy of Sciences of the United States of
America (PNAS), traz a identificação de possível marcador
de resposta ao tratamento com metotrexato em pacientes
com artrite reumatoide, por meio da análise de molécula
de superfície (CD39) em células T regulatórias. Raphael foi
orientado pelos professores Fernando de Queiroz Cunha
e Paulo Louzada-Junior, respectivamente coordenador e
vice-coordenador do Crid, e contou com o auxílio dos
professores José Carlos Farias Alves-Filho, Thiago Mattar
Cunha e Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira, que também
atuam como pesquisadores no Crid.
Raphael Peres
e um de seus
professores, o
dr. José Carlos
Faria Alves-Filho,
na ocasião da
entrega do
prêmio
Congresso brasileiro de Curitiba conquista premiação
O dr. Eduardo de Santos, presidente do
XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia,
recebeu o prêmio em nome da SBR
O XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia recebeu prêmio em Curitiba
como um dos 12 eventos realizados na
cidade. Oferecido pelo Curitiba, Região
e Litoral Convention & Visitors Bureau
(CCVB), o prêmio, denominado Embaixadores de Curitiba, em sua primeira edição, é uma iniciativa de reconhecimento
às entidades responsáveis pela realização
de eventos que movimentaram a capital
paranaense em 2015.
Ao todo 12 nomes foram homenageados em quatro categorias definidas de
acordo com o número de participantes
dos eventos. Uma comissão formada
pela equipe técnica do CCVB, Centro
de Convenções Curitiba, Expo Unimed
Curitiba e Expotrade Convention Center
definiu os premiados seguindo critérios
como legado à cidade, propagação de
conhecimento, envolvimento da comunidade e aumento do fluxo turístico.
O dr. Eduardo dos Santos Paiva, presidente do congresso de 2015, recebeu
a homenagem em cerimônia realizada
em novembro.
Entidade de apoio a pacientes com lúpus ganha suplência no CNS
A Associação Brasileira Superando o Lúpus quer divulgar uma
importante conquista. Após candidatar-se a uma vaga no Conselho
Nacional
Saúde,
a entidade
conseguiu
ser eleita
Nacional dedeSaúde,
a entidade
conseguiu
ser eleita
como como
como
primeira suplente da Fenafal (Anemia Falciforme) e segunda suplente a FBH (Hemofilia). Muitos se esforçaram para chegar a esse
importante resultado que pode dar à entidade a oportunidade de
participar ainda mais ativamente das discussões e decisões do órgão.
6
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
Gruparj realizou encontro médico-social
sobre doenças reumáticas
(esq. p/dir.) Dr. José
Verztman, presidente
da SRRJ; André
Pombo, secretário de
Saúde de Petrópolis;
e dr. Cesar Baakline,
presidente da SBR
Dra. Wanda Heloisa
Ferreira, presidente
do Gruparj Petrópolis,
e dr. José Verztman,
presidente da SRRJ
O XIV Encontro Médico Social, organizado pelo Grupo de Pacientes Artríticos do Rio de Janeiro em Petrópolis, em
parceria com a SBR, a SRRJ, Sociedade
Médica de Petrópolis e a Anapar, aconteceu nos dias 16 e 17 de julho e reuniu
em torno de 250 pessoas entre profissionais da saúde, estudantes, pacientes
e a sociedade em geral. O objetivo foi
dialogar sobre os desafios enfrentados
pelas pessoas com doenças reumáticas,
novidades no tratamento e qualidade
de vida. O tema central do encontro foi
“Meu corpo, minha responsabilidade”.
A necessidade de intensificar trabalho
em parceria entre governo, profissionais
de saúde e pacientes, trocando informações e compartilhando a responsabilização para o sucesso do tratamento nas do-
Encontro reuniu cerca de 250 pessoas, entre profissionais da saúde, estudantes e pacientes
enças reumáticas, foi destacado pela dra.
Wanda Heloisa durante a abertura oficial
do evento. Discurso que foi consolidado
pelas palavras do presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, dr. Cesar
Baakline e pelo secretário de Saúde de
Petrópolis, dr. André Luiz Pombo que
ressaltaram a importância da parceria
com o Gruparj para a continuidade do
desenvolvimento do trabalho realizado
em prol dos pacientes reumáticos em
Petrópolis e no Brasil.
Análise de dados do Epifibro
(esq. p/dir.) Dr. Milton Helfenstein Jr., prof. Frederick Wolfe,
dr. José Eduardo Martinez (autor principal do trabalho),
dr. Eduardo S. Paiva, dr. Roberto Heymann e dr. Marcelo Rezende.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
No congresso do Colégio Americano de
Reumatologia, ACR 2015, a comissão de Dor,
Fibromialgia e Partes Moles da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) apresentou um
pôster sobre a análise dos dados de 2014 do
Estudo Epidemiológico sobre a Fibromialgia
no Brasil (Epifibro). O pôster foi bastante
visitado e elogiado, sendo considerado pela
dra. Mary-Ann Fitzcharles, de Montreal, como
a maior coorte registrada de pacientes com
FM no mundo.
7
sB r . d o c
Assembleia geral da SBR aprova
demonstrações contábeis de um ano de gestão
O Secretário-geral da Sociedade Brasileira de Reumatologia, dr. José Eduardo Martinez, comunica que a Assembleia Geral Ordinária realizada nas dependências do XXXII
Congresso Brasileiro de Reumatologia, na cidade de Curitiba (PR), em 09/10/2015,
aprovou a reforma geral do estatuto e do regimento interno, assim como acolheu a
demonstração do relatório contábil após um ano da gestão 2014/16.
Além das contas, o relatório contemplou informações quanto à prestação de contas dos eventos XXXI Congresso da Sociedade Brasileira de Reumatologia – realizado
em Belo Horizonte, de 01 a 04 de outubro/2014; o XXI Encontro Rio-São Paulo de
Reumatologia – realizado em São Paulo, de 6 a 08 de março/2015; e a XX Jornada
Centro-Oeste de Reumatologia – realizada em Goiânia, de 23 a 25 de abril/2015,
todos, com relatórios apreciados e aprovados pelo respectivo Conselho Fiscal. E, por
fim, foi escolhida Florianópolis como a cidade sede do XXXIV Congresso da Sociedade
Brasileira de Reumatologia em 2017.
Divulgação
de Balancete
Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)
Balanço Patrimonial – Primeiros 12 meses de gestão
Gestão 2014-16
A Sociedade Brasileira de
Reumatologia divulga balancete
- Gestão 2014/2016 - em
31/08/2015 - e Demonstrativo
do Resultado do Exercício Gestão 2014/2016.
(Valores em reais - R$)
Demonstrativo do Resultado
Gestão 2014-16
RECEITAS
Anuidades
798.762,08
Financeiras
1.414.712,63
Patrocínios
1.146.833,77
Eventos oficiais
8
4.133.681,12
773.188,20
DESPESAS
2.498.823,02
Administrativas
1.179.678,50
Atividades
699.666,50
Publicações
619.478,28
SUPERAVIT
1.634.858,10
ATIVO
DISPONÍVEL
Caixa
Bancos - Conta movimento
Investimentos - ADM
Investimentos - FAP
CRÉDITOS
Anuidades
Adiantamentos - Regionais
Resultados - Eventos
Patrocínios
Adiantamentos - Salariais
IMOBILIZADO
Imóveis - Sede SP
31/08/2015
16.278.839,83
13.755.959,08
2.913,20
767,53
8.765.729,22
4.986.549,13
1.679.659,47
626.450,00
392.082,03
51.127,44
610.000,00
0,00
843.221,28
843.221,28
31/08/2014
14.662.904,43
12.856.067,26
1.413,16
3.700,22
8.368.655,14
4.482.298,74
963.615,89
366.996,00
104.120,00
134.173,16
357.784,00
542,73
843.221,28
843.221,28
PASSIVO
FORNECEDORES
Prestadores de serviços
TRABALHISTA
Saldo de salários
Contribuição previdenciária
Fundo de Garantia
PIS - Folha de pagamento
TRIBUTOS
Retidos na fonte
PATRIMÔNIO LÍQUIDO
Patrimônio social acumulado
Superavit
16.278.839,83
0,00
0,00
18.704,50
11.607,38
5.651,82
1.284,71
160,59
1.689,50
1.689,50
16.258.445,83
14.623.587,73
1.634.858,10
14.662.904,93
20.457,82
20.457,82
17.763,38
11.335,40
5.094,67
1.185,17
148,14
1.096,00
1.096,00
14.623.587,73
14.623.587,73
–
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
SBR divulga normas para
solicitar auxílio a fundo de pesquisa
O sócio interessado em solicitar auxílio do
Fundo de Apoio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Reumatologia (FAP-SBR)
deve ficar atento às normas divulgadas que devem ser cumpridas na solicitação.
Entre outras, a normatização estabelece que o projeto deve ser enviado anonimamente,
apenas com pseudônimo na autoria. Além disso, deverá ter no máximo dez páginas.
Veja, a seguir, a íntegra da normatização divulgada pela SBR.
Normatização para solicitação de
Auxílio ao Fundo de Apoio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Reumatologia (FAP-SBR)
O projeto deve ser enviado de forma anônima, apenas com um
pseudônimo do autor (ou autores), sem dados que possam identificar o serviço onde o estudo será realizado.
O chefe do serviço onde o estudo será realizado deverá enviar
uma carta concordando e apoiando o estudo.
O projeto deverá ter no máximo dez páginas (em fonte Arial ou
Times e espaço 1,5) e conter os seguintes dados:
• Título
• Autores (pseudônimo)
• Introdução (dados da literatura para caracterizar o problema a
ser abordado)
• Objetivos (claramente informados)
• Material e métodos (com estimativa do número de pacientes e
de exames a serem realizados
• Análise estatística à qual os dados serão submetidos
• Resultados esperados (descrever o impacto que se espera do
estudo)
• Avaliação do custo do estudo com pelo menos dois orçamentos
para a compra do material necessário. Caso o material tenha um
vendedor exclusivo, será necessário apresentar carta de exclusividade. Se o trabalho contar com apoio financeiro de outra fonte,
deve ser informado o montante do auxílio recebido ou a receber.
• Cronograma do estudo
• Referência bibliográfica atualizada
• Folha rosto contendo:
• Título do projeto
• Pseudônimo
• Resumo do projeto com:
• Objetivo
• Material e método
• Resultados esperados e
• Custo previstos
O autor do projeto, que deverá ser sócio quite com a SBR, ao receber o auxílio deverá assinar uma declaração comprometendo-se a:
• Enviar à SBR, a intervalos semestrais, os comprovantes dos
gastos realizados;
• Agradecer o apoio da FAP-SBR no artigo que vier a ser publicado.
Um relatório sobre o estudo deve ser enviado a cada 12 meses à
Comissão de Avaliação da SBR. Atraso na execução do estudo em
relação ao cronograma previsto deve ser devidamente justificado.
O não-cumprimento destas orientações após o recebimento do
auxílio impossibilitará o serviço de solicitar novos auxílios por um
período de cinco anos.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
Auxílio para estágio somente será concedido a sócio quite com
a SBR, no valor de até U$ 2,000; na solicitação deverá constar:
• Justificativa para o estágio e descrição das atividades previstas.
• Aceite do serviço
• Após o estágio, o solicitante deverá apresentar relatório das
atividades
• Disponibilidade para dar uma aula, quando solicitado pela SBR
ou pela sociedade regional, sobre o tema abordado no estágio.
Critérios e trâmites para solicitar apoio a novos projetos
Com o objetivo de organizar a solicitação de novos projetos com
o apoio da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a diretoria executiva vem esclarecer os critérios e trâmites adotados para
trabalhos que tenham origem entre seus membros ou a chancela de
nossa sociedade.
Seguem os critérios e trâmites relativos:
• Os projetos de pesquisa, educação continuada ou de ação comunitária podem ter origem na própria diretoria executiva, nas comissões
da SBR, por sócios da SBR ou por instituições ou empresas parceiras
que queiram a chancela da sociedade. Necessitam aprovação de
mérito pela diretoria executiva.
• Todos os projetos que não partirem das comissões deverão ser submetidos a elas, por meio de seus presidentes, e receber uma avaliação
inicial, para subsequente encaminhamento à diretoria executiva;
• Os projetos de pesquisa ou educação continuada deverão ter um
relatório ou, no caso de um projeto de uma respectiva comissão,
ser avaliado pela diretoria científica, que emitirá um parecer consubstanciado;
• Esses pareceres, bem como os projetos de ação social, devem ser
enviados para a diretoria executiva para ciência, homologação e
aprovação final;
• Em relação aos aspectos financeiros:
• Os projetos que não foram previstos no orçamento estabelecido
no início da gestão devem buscar apoio financeiro no Fundo
de Apoio à Pesquisa (FAP) ou com empresas patrocinadoras
parceiras, após aprovação de mérito pela diretoria executiva.
• Os projetos que pleiteiam apoio financeiro do FAP devem ser
enviados ao Conselho Consultivo para deliberação na próxima
reunião agendada;
• Os projetos que pleiteiam patrocínio devem ter as negociações
conduzidas e acompanhadas pela diretoria executiva, que ao final
estabelecerá um contrato com a patrocinadora.
9
P r o f i s s ã o r E u m ato
O papel do médico na indústria
Priscila Magalhães Reis Nakasato*
F
iquei muito honrada ao receber o convite para escrever para o Boletim da SBR sobre as possibilidades de
atuação do reumatologista na indústria farmacêutica, onde
o trabalho do médico é essencial e vem sendo cada vez mais
valorizado.
Mas o que exatamente faz um médico na indústria? Qual
é seu papel nesse tipo de ambiente corporativo? Essas são
perguntas frequentes, para as quais não existe uma resposta
única, já que diferentes cargos requerem atividades distintas.
No entanto, aderência a políticas internas rígidas e avaliação anual da qualidade do trabalho prestado são premissas
comuns a todos os cargos.
São muitas as possibilidades de carreira para o reumatologista dentro da indústria farmacêutica, em decorrência
da aprovação de diversos medicamentos na última década,
além de inúmeros outros que estão hoje em fase de pesquisa.
Minha primeira posição foi de consultora médica científica ou Medical Science Liaison (MSL). O cargo de MSL é
bem estabelecido em inúmeros países, exigindo-se sólida
formação científica e credenciais acadêmicas. Dentre outras
funções, MSLs são responsáveis por:
• Identificar centros de pesquisa clínica no país que estejam
capacitados e que desejem participar de estudos multicêntricos patrocinados pela indústria farmacêutica;
• Exercer o elo entre médicos pesquisadores e a empresa
no que se refere a projetos científicos conhecidos como
Estudos de Iniciativa do Investigador. Nestes, a propriedade intelectual, o desenvolvimento conceitual e a condução
do estudo são de inteira responsabilidade do investigador,
sendo o apoio da indústria limitado a aspectos pontuais do
protocolo.
• Estabelecer parceria exclusivamente científica com a
comunidade médica por meio de visitas ou condução de
projetos específicos.
* Reumatologista, com residência médica pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro e especialista pela SBR. Atuou no
meio acadêmico e em consultório particular até ingressar na
indústria farmacêutica em 2011. Atualmente, é diretora médica
associada em uma empresa multinacional.
10
Outro cargo que exerci no Brasil foi o de gerente médica,
em duas empresas multinacionais, sendo responsável por biológicos com indicações em reumatologia e reumatopediatria.
Nesse papel, há uma cooperação constante com diferentes
setores dentro da empresa (Pesquisa Clínica, Farmacovigilância, Marketing, Jurídico, Acesso, Comunicação, etc), e
também fora dela, com médicos, seguradoras de saúde e
autoridades regulatórias.
Objetivamente, descrevo abaixo algumas atividades que
fazem parte da rotina de um gerente médico:
• Elaboração de dossiê, baseado nos estudos pivotais das
drogas, para pedido de aprovação no país;
• Revisão médica de bulas, para que sejam submetidas aos
órgãos competentes, respeitando as recomendações locais;
• Desenvolvimento de materiais e promoção de eventos
médicos que contribuam para a atualização sobre condições
clínicas específicas e seu tratamento;
• Esclarecimento de dúvidas relacionadas ao uso de
determinadas medicações; treinamento de representantes,
para que entendam em detalhes as doenças e os produtos
que representam, visando a uma prestação de serviço ética,
informativa e atualizada.
Também um gestor
Outras posições requerem competências que vão além do
conhecimento médico, como gestão de pessoas. Por exemplo,
um diretor médico geralmente é responsável por uma equipe
de dezenas de pessoas, composta por médicos, farmacêuticos, biomédicos, dentre outros profissionais. Diretores
médicos regionais ou globais são outros cargos disponíveis
nos quais há uma forte parceria com diferentes países, com
foco na excelência das atividades médicas e respeitando as
regulamentações locais. Esses não são cargos de entrada na
indústria farmacêutica uma vez que, via de regra, exigem
experiência prévia.
“
Existe um enorme investimento em pesquisa por
parte das diferentes empresas, tendo o médico
uma grande responsabilidade sobre as análises de
segurança e eficácia dos estudos.”
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
farmacêutica
Existe um enorme investimento em pesquisa por parte
das diferentes empresas, tendo o médico uma grande
responsabilidade sobre as análises de segurança e eficácia
dos estudos. Atualmente trabalho nos Estados Unidos, na
fase de desenvolvimento clínico de um anticorpo monoclonal, em um estudo global de Fase III, sobre inflamação
e doenças cardiovasculares. Apesar de, pela primeira vez,
não estar trabalhando diretamente com reumatologia, tem
sido uma experiência incrível, de muitos desafios e intenso
aprendizado.
A familiaridade dos reumatologistas com biológicos, além
de um amplo conhecimento de medicina interna, nos torna
especialistas interessantes para os cargos médicos oferecidos
pela indústria farmacêutica. Não existe um perfil específico
procurado pelas empresas, entretanto alguns pré-requisitos
são essenciais: boa formação científica, fluência em inglês,
habilidade de comunicação e bom relacionamento interpessoal.
O plano de carreira na indústria farmacêutica costuma
ser discutido em detalhes, com a intenção de promover o
desenvolvimento de competências necessárias para que, no
futuro, o profissional esteja apto para assumir outros cargos.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
Conciliação com o consultório
Sempre me perguntam se é possível conciliar consultório,
ou mesmo uma atividade acadêmica, com o trabalho na
indústria. Sim, é possível. E, sim, é difícil. Há de se levar
em conta também o volume de viagens (muitas vezes internacionais), que são mais ou menos frequentes dependendo
da posição ocupada. Conheço algumas pessoas que conseguem conciliar, mas eu diria que elas não correspondem à
maioria dos casos.
E quais seriam as vantagens e desvantagens de trabalhar
na indústria farmacêutica? Difícil responder, pois entendo
que esses são valores muito individuais. O que é vantagem
para uns pode ser clara desvantagem para outros e vice-versa. Particularmente, eu não tive maiores dificuldades de
adaptação. Acredito que o fato de ter permanecido atuando
dentro da reumatologia me fez sentir confortável o suficiente
para percorrer esse novo caminho. No entanto, é preciso
estar aberto a uma forma menos tradicional de exercício da
medicina, em que o contato direto com o paciente não faz
parte do dia a dia. Apesar de estar fora do ambiente típico
de um hospital ou consultório, o comprometimento com a
segurança do paciente continua guiando todas as atividades
do médico que atua na indústria. Como reumatologistas,
podemos percorrer trilhas diferentes, mas almejamos chegar
a um mesmo ponto de encontro, onde o aumento da qualidade de vida, a melhora das funções física e emocional e,
em alguns casos, a remissão da doença são metas a serem
alcançadas, quando a cura não for possível.
Por fim, o relacionamento ético e transparente entre os
médicos que atuam no meio acadêmico, em hospitais e consultórios, e aqueles que trabalham na indústria farmacêutica
é fundamental para o progresso do conhecimento científico,
bem como para o desenvolvimento e a implementação de
tratamentos seguros, eficazes e acessíveis aos pacientes.
“
Apesar de estar fora do ambiente típico de um
hospital ou consultório, o comprometimento com
a segurança do paciente continua guiando todas
as atividades do médico que atua na indústria.”
11
E s Pa ç o
do rEsidENtE
Raciocínio clínico: talento
“Dizem que o talento cria suas próprias oportunidades. Mas às vezes parece que a
vontade intensa cria não apenas suas próprias oportunidades, mas seus próprios talentos.”
Eric Hoffer
*José Tupinambá Sousa Vasconcelos
*Professor das Disciplinas de Propedêutica Médica, Reumatologia e Internato em
Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí
A
companhando a trajetória de estudantes de Medicina desde a disciplina de
Semiologia até ao Internato por mais de 20
anos, uma indagação sempre me veio à mente:
o raciocínio clínico é uma habilidade inata,
atávica, que o estudante traz na mochila no
primeiro dia de aula do curso de Medicina ou
é uma capacidade adquirida, obtida pelo treino
e pela perseverança?
O raciocínio clínico é uma função essencial
da atividade médica e se refere à habilidade de
análise e síntese adequada de dados clínicos e
da qualidade das decisões envolvendo riscos
e benefícios dos testes diagnósticos e do tratamento. Resumidamente, o raciocínio clínico
compreende o processo de decisão diagnóstica
e terapêutica. O resultado final e a eficiência
do atendimento médico são altamente dependentes da qualidade do raciocínio clínico e
não poderá ser bom se este for deficiente. A
obtenção de um diagnóstico correto e da escolha de um tratamento efetivo é uma tarefa
complexa e sofisticada e envolve etapas que
começam a ser percorridas quando o paciente
se apresenta ao médico. O raciocínio clínico,
em sua essência, é o exercício de um método
hipotético-dedutivo que inclui estações como
a geração de múltiplas hipóteses diagnósticas,
a avaliação e regeneração destas hipóteses, a
escolha das hipóteses sobreviventes e, por fim,
a decisão diagnóstica e a tomada da atitude
terapêutica.
“
12
Faculdade nativa
O que observo na experiência pedagógica com os estudantes de Medicina é que alguns parecem trazer uma faculdade nativa de separar o essencial do acessório, identificar
o sintoma-guia, capturar a noção do que é urgente e do
que pode esperar e hierarquizar o que é primário e o que
é secundário nos eventos clínicos. Todos nós concordamos
que há quem tenha “mais jeito” para umas coisas do que
outros. Muitos tentam desenhar e só conseguem produzir
rabiscos. A outros, basta um simples lápis para a criação
de uma imagem extremamente agradável de contemplar.
Este fato tão peculiar às artes, ao esporte e à música,
parece também se manifestar nas habilidades cognitivas
complexas do fazer médico. Mas também percebo que este
“dom natural” não é garantia de um desempenho satisfatório ao final do curso. É muito comum que estudantes de
Medicina com evidências de desembaraço para o raciocínio
clínico já na disciplina de Semiologia acabem por exibir
uma performance inferior à de outros de menor habilidade específica para essa tarefa, mas portadores de enorme
motivação para o treino, a repetição e a perseverança.
Estudos com jogadores de xadrez, uma atividade com alto
grau de exigência cognitiva, mostraram que a formação de
um repertório de informação e desempenho em nível de
excelência leva milhares de horas de treino para formar-se.
O mesmo parece ser verdade para o alto desempenho em
outros domínios como o esporte, a música e matemática.
Seria assim também para a obtenção de um bom nível de
raciocínio clínico de um estudante de Medicina?
Dentro desta perspectiva, a nossa percepção é que o comportamento habilidoso no exercício do raciocínio clínico é
uma consequência de um processo de especialização, que
O raciocínio clínico é uma função essencial da atividade médica e se refere à
habilidade de análise e síntese adequada de dados clínicos e da qualidade das
decisões envolvendo riscos e benefícios dos testes diagnósticos e do tratamento.”
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
inato ou adquirido?
pode ser mais célere quando o estudante já porta um gift natural, um pendor nativo. Mas a quantidade e a qualidade de prática estão diretamente relacionadas com o desempenho. Não
existem casos comprovados, em nenhuma área, de indivíduos
que tenham alcançado os mais altos níveis de desempenho,
sem antes ter dedicado milhares de horas ao treinamento. A
trajetória luminosa de indivíduos como Ayrton Senna, Tom
Jobim, Oscar Schmidt e Gauss estão aí para inspirar e lançar
luzes sobre a nossa prática pedagógica.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
“
O que observo na experiência
pedagógica com os estudantes
de Medicina é que alguns
parecem trazer uma faculdade
nativa de separar o essencial
do acessório, identificar o
sintoma-guia, capturar a noção
do que é urgente e do que pode
esperar e hierarquizar o que é
primário e o que é secundário
nos eventos clínicos.”
13
rhEuma & Ethos
Medicina narrativa: contrapo
José Marques Filho
Presidente da Comissão de Ética e Disciplina da SBR
Médico bom é aquele que investe na investigação de doenças e de procedimentos.
Esse raciocínio predominava na prática da médica Rita Charon,
pioneira do movimento da Medicina Narrativa na universidade de Columbia.
“O sofrimento é, tal como o prazer,
o último reduto da singularidade”
Paul Ricoeur
“Eu sou eu e minha circunstância”
“
Tendo como
pano de fundo
a Medicina
Baseada em
Evidência, com
suas fortes e
indiscutíveis
bases
científicas, o
que se tem
observado,
principalmente
em nossos
encontros
de educação
médica
continuada,
são professores
que poderiam
ser rotulados
de “papagaiosde-estudosclínicos”,
repetindo-os
sem parar até
que novos
estudos
substituam os
antigos.”
14
Ortega y Gasset
E
sses aforismos dos filósofos francês e
espanhol, respectivamente, podem definir
toda a base da chamada “Medicina Narrativa”,
movimento médico surgido nos primeiros anos
do século atual. Esta nova abordagem clínica
surgiu como contraponto da chamada Medicina
Baseada em Evidências (MBE).
David Sacket, um dos autores dos primeiros
fundamentos da MBE, pressupôs que a integração da melhor evidência disponível, obtida de
preferência em ensaios clínicos, com a experiência clínica individual do médico assistente criaria
um padrão de excelência nunca alcançado na
prática médica.
O tempo mostrou que ele estava equivocado.
E, cá entre nós, todos nos equivocamos.
Os resultados obtidos pelos estudos de vários
autores, entre eles, Beckman e Frankel, sobre a
influência da conduta médica na obtenção de
informações do paciente, demonstram, claramente, que a relação entre o médico e o paciente
deteriorou-se muitos nos últimos 20 anos. Esses
autores demonstraram, por exemplo, que 65%
dos pacientes eram interrompidos pelo médico
depois de 15 segundos de consulta.
Tendo como pano de fundo a Medicina Baseada em Evidência, com suas fortes e indiscutíveis
bases científicas, o que se tem observado, principalmente em nossos encontros de educação médica continuada, são professores que poderiam
ser rotulados de “papagaios-de-estudos-clínicos”,
repetindo-os sem parar até que novos estudos
substituam os antigos.
Resgate da arte médica
A chamada Medicina Baseada em Narrativa
(MBN) pode ser considerada hoje uma realidade
benvinda e com potencial para resgatar a verdadeira arte médica, que tem sido deixada de lado
nestes tempos de predomínio da tecnologia sobre
o comportamento humanitário dos profissionais
da saúde.
Vale aqui ressaltar que, a rigor, não há grandes
novidades neste movimento. Nesta linha de raciocínio basta relermos os ensinamentos de grandes
mestres da medicina, como o maior deles, Sir
William Osler, que exercia e ensinava não só com
o saber científico e prático, mas também filosófico: “Siga cada linha de pensamento, mas não
interrogue apenas o essencial; nunca sugira. Leve
sempre em consideração as palavras do doente.
Se você escutar com cuidado os pacientes, eles
te dirão o diagnóstico”.
Médico bom é aquele que investe na investigação de doenças e de procedimentos. Esse
raciocínio predominava na prática da médica
Rita Charon, recém-formada em Medicina na Faculdade de Medicina de Harvard em 1978. Mas
sua prática médica demonstrou que algo estava
errado. Os cuidados de saúde despersonalizados
geraram forte insatisfação na jovem médica – era
como se nos corpos portadores de uma doença
não habitassem pessoas. Especializou-se em literatura e hoje é conhecida internacionalmente
por ser pioneira do movimento da Medicina
Narrativa na universidade de Columbia.
Charon postula que ensinar estudantes de
Medicina a examinar os elementos de narrativas
literárias prepara-os para leituras disciplinadas
das “caóticas” narrativas médicas – prontuários,
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
nto à baseada em evidências
histórias narradas pelos pacientes, cursos clínicos das doenças
etc. Afirma que registros literários de experiências de doença
podem ensinar lições concretas e
poderosas sobre as vidas dos indivíduos doentes, bem como permitir aos médicos
reconhecer a força e as implicações de seus atos.
Para Grossman e Cardoso existe forte sustentação acadêmica da importância das narrativas
como uma atividade central na prática e ensino
da Medicina e consideram de fundamental importância a sua inserção no ensino médico. Para
essas autoras, a abordagem narrativa de questões
éticas revela os eventos individuais da experiência de adoecer em todas as suas contradições e
todos os seus significados, para a interpretação
e o entendimento. Os dilemas morais são postos
na moldura da biografia e da cultura do paciente.
Paul Ricoeur (1913-2005), embora lidando
mais com narrativa ligada à história no sentido
cultural e antropológico, abordou, em diversos
ensaios, a relação médico-paciente. A obra
“Tempo e narrativa” traz como objeto da reflexão
filosófica precisamente a relação entre o “tempo
vivido” e a “narração”, ou seja, com outro olhar
– entre a “experiência” e a “consciência”.
O autorrelato do paciente, parte importantíssima da consulta médica – a anamnese –, pode ser
tomado como um locus privilegiado do encontro
entre a vida íntima do indivíduo e sua inscrição
numa história social e cultural. A autobiografia,
ao tornar-se discurso narrado pelo sujeito – autor
e protagonista –, instaura sempre um campo de
renegociação e reinvenção identitária.
Diversos métodos terapêuticos operam neste
jogo de privacidade de um sujeito e o espaço
socioeconômico de sua existência. Neste espaço,
seus valores são, espontânea e inevitavelmente,
relatados. Nesta linha de raciocínio, vale lembrar
Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância”, da obra Meditações do Quixote, na qual
sustenta que o homem não pode ser separado do
espaço-tempo em que vive. Assim, para conhecer
o “ser” do homem, sugere que comecemos pela
realidade mesma que o governa. E, convenhamos, ninguém conhece ou relata seu entorno
como o próprio sujeito, no caso, o paciente.
Em suma, mesmo diante de uma postura mais
pessimista de alguns autores relativos à deterioração da qualidade da assistência médica e da
complexa relação médico-paciente, insistimos
que há diversos caminhos sendo apontados,
com potencial de resgate da qualidade da relação
médico-paciente. Podemos citar como exemplo a
bioética em situações clínicas (bioética clínica) e
o desenvolvimento do conceito de medicina com
decisões compartilhadas, com a ativa participação dos atores dessa díade, tornando essa relação
forte o suficiente para lidar com os inúmeros
fatores que nela interferem.
Concordamos plenamente com Paul Ricoeur
quando afirma – definindo “singularidade” – que
cada relação deve ser compatível com as pessoas
envolvidas e, portanto, não pode haver uma resposta única para descrever uma correta relação.
Esperamos que no futuro esta complexa relação volte a se tornar um verdadeiro ato de cuidar,
com o devido respeito à autonomia de ambos
os atores e aos seus valores mais íntimos, com
aplicação do paternalismo benevolente e envolvimento emocional dos médicos, adequados aos
novos tempos, resgatando a verdadeira natureza
da relação médico-paciente – um ato puro e
simples –, como define Ricoeur: “Um pacto de
cuidados assente na confiança”.
“
A chamada
Medicina Baseada
em Narrativa
(MBN) pode ser
considerada hoje
uma realidade
benvinda e
com potencial
para resgatar
a verdadeira
arte médica,
que tem sido
deixada de lado
nestes tempos de
predomínio da
tecnologia sobre
o comportamento
humanitário dos
profissionais da
saúde.”
Referências
Beckman HB, Frankel RM. The effect of physician behavior on the colection of data.
Annnal Intern Medicine 1984;101:692-696.
Grossman E, Cardoso HCA. As narrativas em medicina: contribuições à prática clínica e ao
ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica 2006;30:6-14.
Marques Filho J. Bioética clínica – cuidando de pessoas. Revista Brasileira de Reumatologia
2008;48:31-33.
Charon R. Narrative Medicine: honoring the stories of illness. Oxford & New York: Oxford
University Press 2006.
Ricoeur P. Tempo e Narrativa. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Ortega y Gasset J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
15
Por
oNdE aNdEi
Um conto escocês
Renê D. R. de Oliveira
Pós-doutor pela Universidade de Glasgow; médico assistente do Hospital
das Clínicas de Ribeirão Preto – USP e um dos editores do Boletim SBR
C
hegamos por volta de 5 horas,
céu já negro, retocado por densas
nuvens cinzentas. Um primeiro habitante aproximou-se, sorriso fino nos
lábios ressecados pelo vento frio. Com
dificuldade mostrei-lhe o endereço, ao
qual conduziu-nos por via antiga, cheia
de histórias que ouvíamos sem entender.
A casa onde viveríamos por pouco
mais de um ano ficava num elevado,
Partick, área próspera de Glasgow. Era
fácil comprar comida, depositar nosso
dinheiro, tomar metrô, até mesmo trem,
com partidas para todos os pontos da
imensa ilha. E a poucas quadras, a universidade, fundada em 1451, motivo
de termos deixado a América do Sul.
Nossa acomodação não seria senão modesta, mas com vantagem inesperada: da
cozinha podíamos ver toda a cidade: a
algumas centenas de metros o rio Clyde,
à esquerda o Parque Kelvingrove, bem
ao fundo e à direita o Parque Verde, ao
fundo e à esquerda o Parque Pollok.
Isso tudo só foi possível distinguir
após cinco meses. Chegamos no final
do outono e o que vimos na primeira
manhã variava entre o cinza e o preto,
com retalhos marrons e, para além, um
branco infindável.
Garranchos de até dez metros ornamentavam a fachada no meu caminho
até o trabalho, paisagem interrompida
pelo maior museu que vira até então, a
Galeria de Arte e Museu Kelvingrove.
Fui recebido por um senhor, crescido
uma milha a nordeste da universidade,
na parte afastada do Jardim Botânico e
à beira do rio Kelvin. Charles McSharry
dizia que as casas eram poucas na sua
infância, o rio limpo e o museu em
construção. Orgulhava-se de ter visto a
16
chegada da primeira múmia, da Coleção
de Sir William Burrell.
A dependência de sua ajuda nas
primeiras semanas fez-nos amigos.
Mostrou-me as instalações da universidade, parando sempre que sua própria
história exigia, como na sala que pertencera a William Thomson, ou Lord
Kelvin, do qual seu pai fora assistente
de laboratório – “Aqui surgiu a ideia do
zero absoluto”.
O sol apareceu duas vezes nas primeiras semanas, sofrimento maior para
minha mulher, que quase não saía de
casa. Perto do Natal, fomos ao Teatro
Real ver “O quebra-nozes”. Na ceia de
Ano Novo, Charlie mostrou-nos a gaita
de foles, aguda e melodiosa. O uísque
já conhecia, mas descobri meu rigor ao
indagar, incrédulo: “Vocês colocam água
no uísque”? Passei a beber uísque com
água. No primeiro dia do ano fomos
surpreendidos pela iguaria escocesa, o
Haggis, feito com miúdos de carneiro
e temperos, cozidos no estômago do
próprio animal.
Margem do lago do Castelo de Linlithgow.
Em fevereiro, trabalhamos por uma
semana em Edimburgo, onde não teria
ido não fosse obrigado. Ouvira relatos
do sobrenatural nos becos, nas estalagens do século passado, na rede de
esgoto e nas catedrais góticas. Charlie
sorriu e disse que enquanto fosse dia,
nada aconteceria comigo.
Fora da Estação Waverley, o olhar
perdido de Sir Walter Scott, para sempre
sentado numa pedra.
– Vê aquele morro a leste?
– Sim.
– É o Calton. As colunas são o Monumento Nacional da Escócia, homenagem
aos mortos nas guerras napoleônicas.
Espero nunca mais um escocês ir para
guerra...
Aproveitamos a manhã na Galeria
Nacional Escocesa, que guarda, entre
outros, um Cézanne e um Rafael. Ao
sul, a Milha Real, ligando o Castelo
de Edimburgo ao palácio Hollyrood,
Botanic Garden, Glasgow.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
Saguão principal do Kelvingrove Art Gallery and Museum.
ambos inacessíveis na época, à espera
do rei George.
Charlie foi à Catedral de Santo Egídio,
onde não me arriscaria, enquanto fui
ao Museu Nacional da Escócia. O que
vi impressionou-me mais que qualquer
sobrenatural – o Relógio do Milênio, trazido de Leningrado, doação de Eduard
Bersudsky e Tatiana Jakovskaya – geringonça de 10 metros e um espetáculo
secular de vícios e paixões humanas.
Semana monótona, exceto quando subimos o Assento de Artur, maior morro
da cidade, para recolher amostras nos
escombros de uma igreja.
– Segundo a lenda, Camelot ficava
aqui.
– Você acredita?
– Não, mas acredito que esse era o
melhor ponto de observação para o Mar
do Norte. Escandinavos invadiram por
aqui. Sorte não termos mais guerra...
Em abril ocorreu algo incrível para
Universidade de Glasgow, final do inverno.
Highlands.
quem vive nos trópicos: cinza, marrom
e preto foram encobertos por vibrante
aquarela. No calor de 25 °C, conhecemos os bares escoceses: anchovas secas
temperadas e alguns (ou muitos) half-half - uma dose de uísque e meia pinta
de cerveja, nessa ordem.
Em julho, nos dias de descanso,
visitamos outras cidades. Em Falkirk,
almoçamos na mansão do Parque do
Calendário e, adiante, chegamos ao que
restou do Muralha de Antônio, última
fronteira do Império Romano. Fora da
cidade, vimos o que sobrou da Roda de
Falkirk, maravilha da engenharia que
unia, por água, Glasgow e Edimburgo.
Na manhã seguinte, em Linlithgow,
pescaria próximo às ruínas do palácio
onde nasceu Maria Stuart, Rainha da
Escócia. À noroeste, em Stirling, o imponente castelo que serviu de casa dos
reis escoceses por mais de mil anos, e o
Monumento a William Wallace, herói
na guerra contra os
ingleses.
Noutra viagem, com
Charlie e sua família,
para noroeste, rumo às
Terras Altas, chegamos
ao litoral e tomamos
balsa para a Ilha de
Skye, a mais bela da
Escócia. No dia seguinte, retomamos as
Terras Altas – morros,
pontes e riachos, muito mais belos que os
que víamos em preto
e branco nos filmes- e
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
nosso destino final, Inverness, onde há
grande lago, nada mais.
– Sabe por que estamos aqui? Há
algumas décadas, pessoas dizem ver um
monstro nesse lago, como um dinossauro. Quem sabe não o vemos hoje?
Não vimos.
No outono, trabalhei no Museu Hunterian, catalogando peças anatômicas
de William Hunter e o espólio de Lord
Kelvin, Joseph Lister e James Watt.
A uma semana do Natal, nos despedimos de Charlie e da Escócia. Trocamos
cartas. Numa delas, um Charlie desesperado escrevia sobre o recrutamento
do filho para lutar contra tropas alemãs.
Seria a última.
Um ano após o fim da guerra, retornei a Glasgow. Feliz ao ver as torres da
universidade, o museu e nossa antiga
casa, andava à beira do Kelvin, tentando
reconhecer, no fundo do Botânico, a
casa de outrora. Relutava aproximar-me
dos escombros, quando detrás de uma
parede apareceu figura conhecida.
– Charlie?
Nota: Este é um texto ficcional. Todos os
personagens e locais são reais. Charlie,
Eduard e Tatiana estão deslocados no
tempo – nasceram após o início da Segunda Guerra Mundial – e estão vivos.
Hoje há uma ponte para ir à Ilha de
Skye, a Falkirk Wheel foi recuperada
e continua sendo obra-prima da engenharia. O Reino Unido se envolveu em
outras guerras. Cada vez mais pessoas
dizem ter visto o monstro do lago Ness.
17
foco
Em
Reumatologia na PUCSP
tornou-se disciplina em 1997
A
disciplina de Reumatologia da
Faculdade de Ciências Médicas
e da Saúde da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (FCMS-PUCSP)
foi criada a partir de professores reumatologistas que integravam a Disciplina
de Clínica Médica da então Faculdade
de Medicina de Sorocaba (PUC-SP).
A Reumatologia e seus docentes pertencem ao Departamento de Medicina da
FCMS-PUCSP e foi constituída como
disciplina em 1997. Desde o seu início,
tem sido coordenada pelo prof. dr. Gilberto Santos Novaes.
Atualmente conta também com a
participação do prof. dr. José Eduardo
Martinez (titular), prof. ms. Adriano
Chiereghin, profa. ms. Valéria Cristina
Santucci Ramos (reumatologia pediátrica) e a colaboração da profa. ms. Maria
Fernanda Molledo Secco (fisiatria). O
serviço atua na graduação nas seguintes
atividades: tutoria, habilidades clínicas
e internato, recebendo em rodízio alunos
do quinto ano do curso médico.
e interconsultas. Atualmente o
serviço de reumatologia conta
com os seguintes ambulatórios:
Geral, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Artrite Reumatoide,
Espondiloartrites, Reumatologia
Pediátrica, Reabilitação em Reumatologia e Fibromialgia e Dor.
A internação não tem leitos específicos,
mas acompanha os casos de reumatologia internados na enfermaria de Clínica
Médica localizada em uma das unidades
do CHS, o Hospital Leonor Mendes de
Barros.
No internato, na residência e especialização, são realizadas três atividades teóricas semanais que envolvem discussão
de casos, revisão de diretrizes, revisão de
imunologia e do exame físico osteoarticular. Os residentes e os internos ainda
participam de uma atividade
conjunta com as demais áreas
da clínica médica para discussão de casos. As avaliações dos
residentes e especialização têm
sido realizadas a cada trimestre.
Em relação à pesquisa, há dois
grupos certificados no diretório
de pesquisa do CNPq: Inflamação e
Doenças do Tecido Conectivo (liderado
pelo prof. dr. Gilberto Santos Novaes) e
Dor Crônica (liderado pelo prof. dr. José
Eduardo Martinez).
O serviço ainda participa do programa
de mestrado profissional “Educação
para as Profissões da Saúde” da PUC-SP
através do prof. dr. José Eduardo Martinez, que coordena a disciplina optativa
“Qualidade de Vida em Saúde” e orienta
dissertações de mestrado.
A CHARGE DO PLÍNIO
Programa de residência
Na pós-graduação lato senso, é desenvolvido um programa de residência
médica, credenciado pela Comissão
Nacional de Residência Médica (CNRM)
– credenciamento provisório em 2011 e
definitivo em 2013 – e um programa de
especialização médica com carga horária
e programa idêntico ao da residência
médica reconhecida pela Sociedade
Brasileira de Reumatologia. Atualmente
conta com quatro especializandos, sendo
uma do primeiro ano e três do segundo
ano, número esse que indica a intenção
de crescimento do serviço.
Do ponto de vista de atendimento
médico, há atuação no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS) onde estão as
atividades ambulatoriais, de internação
18
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
coluNa NEuBarth
Sucrilhos, fé demais
e acorda
cordabamba
bamba
Fernando Neubarth *
S
an Francisco, 2015. Congresso
Americano de Reumatologia. No
programa: perspectivas para o tratamento de enfermidades reumáticas pela
modificação do microbioma. Primeira
palestra, fatores dietéticos e componentes nutricionais, a responsabilidade
de alimentarmo-nos por 2 trilhões de
micróbios residentes em nossos intestinos; a seguir uma variante da popular
vitamina S (de sujeira) que deixaria
crianças mais imunocompetentes, o
uso de nematoides, sim, vermes, como
tratamento (também em nosso meio,
objeto de pesquisa do brilhante colega
cearense Francisco Airton da Rocha); e,
por último, o mais inusitado, transplante
fecal em doenças humanas, proposta
de suplemento de bactérias quando
condições adversas e/ou antibióticos
acabam com a “população local”.
Enfezado, o palestrante anuncia: “Em
breve, nos supermercados, o balcão de
iogurtes oferecerá mais do que potinhos
enriquecidos com polpas de frutas e
lactobacilos” (sendo esses últimos um
prenúncio do proposto).
Perversão e pseudociência
A figura lembrou-me a história de
outro médico norte-americano, John
Harvey Kellogg (1852-1943), diretor de
um sanatório em Battle Creek, Michigan,
que utilizava métodos holísticos, com
foco principal em nutrição, exercícios
e enemas. Os pacientes submetiam-se
a lavagens intestinais de rotina, uma
prática que ainda hoje tem seus adeptos
e que retorna em ondas de modismo na
contramão do que ora
se apresenta. Por falar
em “contramão”, o dr.
Kellogg também preconizava uma cruzada
contra a masturbação,
por ele denominada “o
vício solitário”, causa,
ainda segundo ele, de
males variados, câncer,
impotência, epilepsia,
insanidade e outras
debilidades mentais e
físicas. Propunha punições, homens e meninos
deveriam ser “tratados”
mediante a costura de
seus prepúcios com fio de prata; não
dando resultado, circuncisão sem anestesia; às mulheres e meninas, clitóris
queimados com ácido carbólico. De
cabo a rabo, perversão travestida em
pseudociência. Flocos de cereais, hoje
sinônimos de seu nome, criados também
na convicção de que seriam eficazes
no combate ao onanismo, deram-lhe
fama e fortuna. No ato 2, cena 2, de
Hamlet, o príncipe afirma: “Eu poderia
viver recluso numa casca de noz e me
considerar rei do espaço infinito...”. Se
Shakespeare tivesse conhecido esse inventivo dr. Kellog, talvez substituísse a
casca de noz por uma caixa de sucrilhos.
Santa imaginação!
Cabe reflexão e serve de paralelismo.
Bom senso versus dogmas. Pretendemos
o domínio e a verdade absoluta, sem
medir consequências. Nós, ínfima porção de uma cadeia que depende de har-
monia e equilíbrio. Míopes dessa visão
ecológica, tão simples de compreender.
Não toleramos a diferença; dizimam-se
países, povos e culturas em nome da
ganância. A vingança é fortemente destrutiva, fanatismo e sua propriedade de
excessos. Da mesma forma, o que deveria ser apenas natureza e fisiologia, pelo
abuso, descaso e pela negligência, torna-se barro impuro, lama tóxica. Há muito
mais entre os atos terroristas de Paris e o
rompimento das barragens de Minas do
que coincidências de calendário.
Continua atual o aforisma de Hipócrates (460-370 a.C): “Somos o que
comemos”. Contudo, ponderação.
Reféns do equilíbrio e do valor que
damos aos nossos universos externos e
internos, conscientes de que tudo cabe
numa casca de noz. Viajantes do tempo,
mágicos reis do infinito, seguiremos na
corda bamba.
* Médico e escritor. Presidente da SBR, gestão 2006-2008
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
19
coluNa sEda
Florbela Espanca e a dor
em cem anos de poesia
Dedicado ao professor dr. Washington Bianchi
Hilton Seda
O
Livro das Mágoas de 1919 teve
edição de 200 exemplares e logo
se esgotou.
Sonetos Completos foi obra reunida
por Guido Battelli que, posteriormente,
também publicou Juvenili. Trocando
Olhares, uma edição preparada por
Maria Lúcia Dal Farra que reuniu, na
ordem original, os 88 poemas que se
encontram no manuscrito autógrafo
de igual título arquivado na Biblioteca
Nacional de Lisboa. Em 1996, Maria
Lúcia Dal Farra publicou “Poemas
de Florbela Espanca”(1) que incluiu as
composições feitas entre 1915 e 1917
(Trocando Olhares), Livro das Mágoas
(1919), Livro de Sóror Saudade (1923),
Charneca em Flor (1931), Reliquiae
(1931) e Esparsa Seleta (1917-1930).
Esparsa Seleta, como o nome o diz, é
uma seleção de peças dispersas.
Na poesia de Florbela Espanca há,
ocasionalmente, referências a doidos,
febre, cegueira etc., mas em sentido
vago, não médico. Só encontrei seis poemas, em toda a sua ampla obra poética,
que merecem citação como tendo certo
sentido clínico.
No livro “Trocando Olhares”
encontra-se
A Doida
A Noite passa, noivando./ Caem ondas de luar./
Lá passa a doida cantando/ Num suspiro doce e
brando/ Que mais parece
chorar!
Dizem que foi pela morte/
D’alguém, que muito lhe quis,/ Que
20
endoideceu. Triste sorte!/ Que dor tão
triste e tão forte!/ Como um doido é
infeliz!
Desde que ela endoideceu,/ (Que
triste vida, que mágoa!) Pobrezinha
olhando o céu,/ Chama o noivo que
morreu,/ Com os olhos rasos d’água
E a noite, passa noivando./ Passa
noivando o luar:/ “Num suspiro doce
e brando,/ Podre doida vai cantando/
Que esse teu canto, é chorar!”
Ainda no livro “Trocando Olhares”
encontra-se o soneto
Parte II
Gorjeia a sua voz ternos queixumes,/
Como no bosque à noite o rouxinol.
É delicada e triste. O seu corpito/
Tem o perfume casto da verbena./
Não são mais brancas as magnólias
brancas/ Que a sua boca tão branca
e tão pequena!
Oiço dizer: Seu rosto faz sonhar!/
Serão pétalas de rosa ou de luar?/
Talvez a neve que chorou o inverno...
Mas vendo-a assim tão branca,
penso eu/ É um astro cansado, que
do céu/ Veio repoisar nas trevas dum
inferno!
Mais uma vez em “Trocando Olhares”
No hospital
Na vasta enfermaria ela repoisa/
Tão branca como a orla do lençol./
Visões da febre
Doente. Sinto-me com febre e
com delírio/ Enche-se o quarto de
fantasmas. ‘Ma visão/ Desenha-se ante mim tão branca como um
lírio/ Debruça-se de leve... Estranha
aparição.
É uma mulher de sonho e suavidade/ Como a doce magnólia florindo
ao sol poente/ E disse-me baixinho:
“Eu chamo-me Saudade/ E venho pra
levar-te o coração doente!
Não sofrerás mais; serás fria como
o gelo;/ Neste mundo de infâmia o
que é que importa sê-lo/ Nunca tu
chorarás por tudo mais que vejas!”
E abriu-me o meu seio; tirou-me
o coração,/ Despedaçado já sem
‘ma palpitação,/ Beijou-me e disse
“adeus!” E eu: “bendita sejas!”
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
No livro “Trocando Olhares” ainda
se encontra
Em “Charneca em Flor” há a poesia
A um moribundo
Cegueira bendita
Ando perdida nestes Sonhos verdes/ De ter nascido e não saber
quem sou,/ Ando ceguinha a tactear
paredes/ E nem ao menos sei quem
me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e
vago.../ E a minha alma cega, ao
abandono/ Faz-me lembrar o nenúfar
dum lago/ ‘Stendendo as asas brancas cor do sono...
Ter dentro d’alma a luz de todo o
mundo/ E não ver nada neste mar
fundo,/ Poetas meus Irmãos, que
triste sorte!
E chamam-nos a nós iluminados!/
Pobres cegos sem culpas, sem pecados/ A sofrer pelos outros ‘té à morte!
Não tenhas medo, não! Tranquilamente,/ Como adormece a noite
pelo Outono,/ Fecha os teus olhos,
simples, docemente,/ Como, à tarde,
uma pomba que tem sono...
A cabeça reclina levemente/ E os
braços deixa-os ir ao abandono,/
Como tombam, arfando, ao sol poente,/ As asas de uma pomba que
tem sono...
O que há depois? Depois?... O
azul dos céus?/ Um outro mundo?
O eterno nada? Deus?/ Um abismo?
Um castigo? Uma guarida?
Que importa? Que te importa, ó
moribundo?/ – Seja o que for, será
melhor que o mundo!/ Tudo será
melhor do que esta vida!...
Passa em tropel febril a cavalgada/
Das paixões e loucuras triunfantes!/
Rasgam-se as sedas, quebram-se os
diamantes!/ Não tenho nada, Deus,
não tenho nada!...
Pesadelos de insônia, ébrios de
anseios!/ Loucura a esboçar-se, a
enegrecer/ Cada vez mais as trevas
do meu seio!
Ó pavoroso mal de ser sozinha!/
Ó pavoroso e atroz mal de trazer/
Tantas almas a rir dentro da minha!
O pessimismo de Florbela Espanca,
que se expressa no final de “A um Moribundo”, pode ser resumido em uma de
suas célebres frases:
“A vida é sempre a mesma para
todos: rede de ilusões e desenganos.
O quadro é único, a moldura é que
é diferente.”
O último poema de interesse
médico está em “Reliquiae” e
se chama
Referências
Loucura
Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada/ Pavorosa! Não sei onde
era dantes./ Meu solar, meus
palácios, meus mirantes!/ Não
sei nada, Deus não sei nada!..
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
1
Espanca F: Poemas. Edição preparada
por Maria Lúcia Dal Farra, Martins Fontes,
São Paulo, 1996.
2
Florbela Espanca, Wikipédia, a
enciclopédia livre.
3
Espanca F: Sonetos completos,
Livraria Gonçalves, Coimbra, 1950.
21
além
da
r E u m ato lo g i a
Reumatologista pediátrico tira
prazer no cotidiano de ação social
Claudio Len fundou há quase
15 anos a ONG Acredite, que
tem como missão melhorar a
qualidade de vida de crianças
e adolescentes com doenças
reumáticas, viabilizando e
facilitando o seu tratamento.
D
iferentemente dos muitos profissionais que já enfocamos nesta
seção, o dr. Claudio Len, reumatologista
pediátrico, não tem um hobby. Mas, sim,
tem uma atividade que escolheu para
compor e estender seu cotidiano profissional. É a ONG Acredite (o nome é
abreviação da frase “Amigos da Criança
Com Reumatismo”), fundada por ele e
por sua companheira de trabalho até
hoje, a reumatologista pediátrica Maria
Teresa Terreri.
Formado em Medicina desde 1987,
Claudio tem doutorado e mestrado em
reumatologia pediátrica. Portanto, desde sua graduação está profundamente
envolvido com crianças e doenças reumáticas. E foi esse envolvimento que o
levou a criar a Acredite, em 2001. “Trabalhando no Departamento de Pediatria
da EPM-Universidade Federal de São
Paulo, no atendimento a pacientes do
SUS no Hospital São Paulo, notei que
as crianças não tomavam os remédios
adequadamente. E isso, simplesmente,
porque seus pais não tinham condições
financeiras para comprar”, lembra Claudio. Sua intenção, então, com a Acredite, foi mobilizar forças e profissionais
no âmbito do Setor de Reumatologia
Pediátrica da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), onde atua, para
conseguir fornecer a medicação receitada e também aquelas que não fazem
parte da lista do SUS. Ele faz questão
de dizer que a criação da ONG contou
com total apoio da chefe do serviço de
22
Claudio Len: ONG que criou atende
cerca de 1.200 crianças.
reumatologia da Unifesp na época, a
dra. Maria Odete Hilário. O caminho
no início foi básico: procurar ajuda de
amigos e parentes, que fizeram doações
constantes a cada pedido de Claudio.
“Começamos numa salinha no nosso
ambulatório onde ficavam voluntários
que ministravam os remédios”, conta
Claudio. Com o passar dos anos, a
Acredite só cresceu. Em espaço físico e
em doações, pois passou a contar também com apoio empresarial. Da equipe
contratada, atualmente fazem parte uma
assistente social, uma psicóloga, uma fisioterapeuta, duas médicas e três funcionários, além de gerência administrativa.
Tudo para oferecer um tratamento mais
humanizado, que se estende também
às famílias. “Nós ainda garantimos
“Ajudar a quem
precisa está na
formação que
recebi, vinda até de
meu avô, que era
líder comunitário”
atendimento no Hospital São
Paulo, com equipe formalmente
contratada pela instituição, mas
com salários pagos pela Acredite”,
explica. Atualmente, a ONG dá
atendimento e apoio a cerca de
1.200 crianças. E importante: não
há fila de espera e as consultas são
com hora marcada.
Todos os dias Claudio, no período da manhã, está na Unifesp onde
é professor e já aproveita para
lidar com assuntos da Acredite.
À tarde está em seu consultório.
“Mas na verdade eu cuido dos
assuntos da ONG onde estiver,
porque sempre é preciso resolver
questões e tomar decisões”, diz
ele. A disposição em abraçar essa
causa social intensa, Claudio tirou de
sua origem judaica, segundo explica.
Ele menciona a palavra “tsetaká” – que,
segundo os judeus, não se refere meramente a um ato de caridade, mas está
presente toda vez que alguém proporciona satisfação a outro, em qualquer
condição. “Ajudar a quem precisa está
na formação que recebi, vinda até de
meu avô, que era líder comunitário”,
conta Claudio. E, para ele, a Acredite
é uma forma de retribuir o que de bom
a vida lhe deu, tanto profissionalmente
quanto pessoalmente. “E está no meu
sangue atender quem precisa e merece.
Faço isso com muito prazer e sei que
minhas ações são exemplos para meus
três filhos, o que para mim também é
importante.”
http://www.acredite.org.br
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
o
mElhor do
Brasil
Notícias das regionais
PARANÁ
Sociedade Paranaense de Reumatologia divulga
atividades de 2015 e planos para o próximo ano
Com o intuito de aperfeiçoar cada vez mais as
técnicas de diagnóstico e tratamento das diversas
doenças deste grupo, no ano de 2015, a Sociedade
Paranaense de Reumatologia (SPR) realizou diversas
atividades e eventos de temas científicos variados
voltados a médicos e acadêmicos da área de saúde.
Dentre eles, alguns de grande destaque:
• A 6ª Jornada Paranaense de Reumatologia, quando foram enfocados a artrite reumatoide, o Lúpus
Eritematoso Sistêmico (LES) e a reumato/orto. O
evento foi realizado no mês de junho na capital do
Estado e contou com a participação de convidados especialistas do Paraná, de São Paulo e Santa Catarina.
• No mês de agosto, foi apresentado o 4º Simpósio
do Interior da SPR, em Maringá. O evento, além de
discutir assuntos importantes para o setor, serviu
como um momento de confraternização entre os
profissionais e trouxe médicos renomados que discutiram casos clínicos das universidades estaduais
de Maringá (UEM) e Londrina (UEL); a utilização
de órteses, além dos novos tratamentos para a artrite
reumatoide, a evolução dos medicamentos e a utilização de ultrassonografia.
• Em outubro, diversos membros ativos da SPR estiveram presentes no XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia, em Curitiba. O
maior encontro da classe médica que trabalha com os males da dor
no organismo foi presidido pelo sócio da SPR, Eduardo dos Santos
Paiva. Palestrantes nacionais e internacionais expuseram durante
os dias do evento trabalhos clínicos, pesquisas e estudos sobre a
especialidade, além de ministrarem oficinas e cursos.
• Para 2015 – No ano que vem, a Sociedade Paranaense de
Reumatologia já tem programados dois grandes acontecimentos na
agenda: os 45 anos que marcam a história da entidade e também a
XX Jornada Cone Sul de Reumatologia.
ESPÍRITO SANTO
IX Jornada Capixaba foi
evento de destaque em 2015
Entre as realizações da Sociedade de Reumatologia do
Espírito Santo (Sores) no ano de 2015, a de maior destaque
foi sem dúvida a IX Jornada Capixaba de Reumatologia. Além
disso, a Sores participou da ação Bem Estar Global, levando
ao evento 11 reumatologistas voluntários para atender à
população
E é muito importante citar a conquista do Serviço de
Reumatologia do Hospital Universitário Cassiano Antônio
Moraes (Hucam/Ufes), premiado durante o 32º Congresso
Brasileiro de Reumatologia, realizado no mês de outubro, em
Curitiba. O Hucam ficou com o segundo lugar na categoria
que destacou imagens envolvendo casos clínicos e exames.
BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015
PARAÍBA
Em 2016, João Pessoa
vai receber a jornada
Norte Nordeste
A capital da Paraíba, João Pessoa, foi a escolhida
para sediar a XXIII Jornada Norte Nordeste de Reumatologia no ano que vem. O período de realização
do evento é de 21 a 23 de abril de 2016. O local
será o Centro de Convenções do Hotel Tambaú.
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