OUT / NOV / DEZ 2015 • No 4 • ANO XXXIX Editorial Raciocínio clínico é habilidade, talento, dom? S er médico na essência envolve estar ao lado e ouvir o paciente. Examiná-lo com sensibilidade e, através dos cinco sentidos e com o toque das mãos, percorrer o imaginário das hipóteses diagnósticas, passando pelo raciocínio clínico e oferecendo com maestria o que há de melhor a quem nos procura. Dentre as especialidades médicas, talvez a reumatologia seja aquela que mais exija o desenvolvimento desta habilidade. Habilidade de ouvir, tocar, sentir, elaborar e conduzir. Como identificar e adquirir habilidades? Afinal, nascemos com dons ou desenvolvemos talentos? A palavra dom deriva do latim donu e significa dádiva, presente, capacidade especial inata para determinada tarefa. Entretanto, não basta tê-lo, faz-se necessário desenvolvê-lo. Por sua vez, o talento é uma habilidade que pode ser desenvolvida através de conhecimento, treinamento, disciplina e perseverança. Afinal, seria o sucesso de um talento 1% de inspiração e 99% de transpiração? Em texto peculiar, dr. José Tupinambá, reumatologista e professor de muitas gerações, discorre sobre o raciocínio clínico como um talento inato ou adquirido. Ainda de suma importância nesta edição do Boletim, a SBR divulga relatório contábil após um ano da gestão 2014/16, prestando contas para os seus associados. Além disso, discorre sobre as normas para solicitar auxílio financeiro ao Fundo de Apoio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Reumatologia (FAP-SBR), benefício ao associado da SBR com papel fundamental no desenvolvimento e na disseminação da pesquisa em reumatologia no nosso país. Que tal ainda passear pela Escócia sem sair de casa? Em Por onde andei, dr. Renê Oliveira nos leva a conhecer o cotidiano e os pontos turísticos deste enigmático país do Reino Unido, inclusive com direito a dose de uísque! Passando pelas colunas dos doutores Fernando Neubarth e Hilton Seda, encontraremos o trabalho desenvolvido pela ONG Acredite (Amigos da Criança com Reumatismo) contado pelo reumatologista pediátrico dr. Cláudio Len. Completa-se um ciclo, inicia-se outro. Que o novo ano seja repleto de paz, conquistas e muitos sonhos a todos! Edgard Reis SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA Diretoria Executiva da SBR – Biênio 2014-2016 Presidente César Emile Baaklini – SP Tesoureiro José Roberto Provenza – SP Secretário-geral José Eduardo Martinez –SP Vice-Tesoureiro Luiz Carlos Latorre – SP 1º Secretário Silvio Figueira Antonio – SP Diretor científico Paulo Louzada Jr. –SP Representante junto à Panlar Adil Muhib Samara – SP Antonio Carlos Ximenes – GO Fernando Neubarth – RS Maria Amazile Ferreira Toscano – SC Representante junto ao Ministério da Saúde Ana Patrícia de Paula – DF Mário Soares Ferreira – DF 2º Secretário Washington Alves Bianchi – RJ Representante junto à AMB Eduardo de Souza Meirelles – SP Gustavo de Paiva Costa – DF Ivone Minhoto Meinão - SP ÍNDICE Boletim da Sociedade Brasileira de Reumatologia Av. Brig. Luís Antônio, 2.466, conjuntos 93 e 94 01402-000 – São Paulo - SP – Tel.: (11) 3289-7165 / 3266-3986 www.reumatologia.com.br @ [email protected] Coordenação editorial Edgard Torres dos Reis Neto Jornalista responsável Maria Teresa Marques Editores Tania Caroline Monteiro de Castro Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira Sandra Hiroko Watanabe Layout Sergio Brito Colaborador Plinio José do Amaral 4 Impressão Sistema Gráfico SJS Tiragem: 2.000 exemplares 5 8 10 12 14 16 18 19 20 22 23 Notas SBR.doc Profissão Reumato Espaço do residente Rheuma & Ethos Por onde andei Foco em / A charge do Plínio Coluna Neubarth Coluna Seda Além da Reumatologia O melhor do Brasil BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 N ota s Congresso brasileiro recebeu mais de 2 mil pessoas em Curitiba Nos dias 7 a 10 de outubro de 2015, realizou-se em Curitiba o XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia, o SBR 2015, tendo como presidente o prof. Eduardo S. Paiva e como presidente de honra o prof. Sebastião C. Radominski. Cerca de 2.100 pessoas participaram do evento, que primou pela organização e pela excelência da programação científica, com 15 convidados internacionais e 250 nacionais. Nos cursos pré-congresso, foram muito solicitados o de dor e o de ultrassonografia músculoesquelética, sendo que este ano, no congresso, foi realizado o primeiro curso de Ultrassonografia Músculo-esquelética Pediátrica da América Latina. Foi ainda novamente ministrado no Brasil, no dia 7, o curso de Revisão do ACR, com espetaculares aulas dos professores Daniel Furst, Carol Langford, Richard Furie e James Rosenbaum. Também se destacou a grande repercussão na imprensa do curso para pacientes reumáticos. Durante o congresso, foram discutidos os mais diversos temas dentro da especialidade, com várias sessões lotadas, e o destaque foram as manifestações reumáticas do vírus chikungunya, o lúpus e a gravidez, gota e uveíte. Mais de 570 trabalhos foram apresentados na forma de temas livres ou pôsteres, com amplo tempo para discussão de casos difíceis, novos achados e pesquisas de ponta. Momentos interativos foram destaque no SBR 2015, com duas discussões de casos clínicos sendo coordenadas pelo dr. Paulo Louzada, e o divertido quiz, Entre os temas discutidos, destaque para manifestações reumáticas do vírus chikungunya, lúpus e gravidez, gota e uveíte. uma competição de perguntas e respostas entre residentes de diversos serviços. Os momentos de congraçamento entre os colegas foram vários, culminando com uma grande festa com o tema gastronômico “Etnias do Paraná”, animada pela banda Heyah do prof. Valderílio Azevedo. Festa extremamente animada, provando que os reumatologistas gostam de estudar, mas também sabem muito bem dançar e se divertir! Rede universitária integra centros de referência em reumatologia pediátrica O uso da telemedicina fortalece a agregação de pessoas em diversos espaços físicos distantes e com baixo custo. Nesse contexto, uma iniciativa inovadora foi realizada por centros de referência em reumatologia pediátrica distribuídos em diversas regiões do país, com o apoio da equipe da Rede Universitária de Telemedicina (Rute). O objetivo principal deste projeto é a integração de alguns serviços de referência em reumatologia pediátrica do nosso país. Além disto, procurou-se somar forças e conhecimentos específicos nas áreas assistencial e educacional, com a participação dos residentes e pós-graduandos. A experiência do recurso de teleconferência foi iniciada em 2014 e tem atividades mensais, sendo que a cada mês um serviço de reumatologia pediátrica é responsável pela apresentação de um caso clínico inédito. Na sequência, os serviços participantes opinam. Em uma segunda fase, o serviço que BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 apresentou o caso faz uma rápida revisão e atualização sobre o tema abordado no caso clínico exposto. Desde o final de 2014 até o presente momento foram realizadas oito conferências com média de 27 participantes por atividade entre especialistas, pós-graduandos e residentes de reumatologia pediátrica. Acreditamos que, através desse modelo pedagógico, os principais serviços de reumatologia pediátrica vêm encontrando uma forma dinâmica e rápida de integração nas áreas da assistência e da educação. Os serviços envolvidos são: Universidade Federal de São Paulo; Universidade de Campinas; Universidade de São PauloRibeirão Preto; Universidade Estadual Paulista – Botucatu; Universidade Federal do Rio de Janeiro; Universidade Federal de Pernambuco; Universidade Federal da Bahia; e Universidade Estadual de Londrina. 5 N ota s Estudo sobre artrite reumatoide ganha prêmio do Ministério da Saúde Estudo desenvolvido em laboratórios ligados ao Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (Crid) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP acaba de ganhar o XIV Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o Sistema Único de Saúde (SUS) – 2015, oferecido pelo Ministério da Saúde, com objetivo de incentivar a produção de trabalhos na área de ciência e tecnologia e de interesse do SUS. A cerimônia de entrega ocorreu em Brasília, no dia 12 de novembro de 2015. O trabalho premiado, desenvolvido pelo doutorando Raphael Sanches Peres e publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), traz a identificação de possível marcador de resposta ao tratamento com metotrexato em pacientes com artrite reumatoide, por meio da análise de molécula de superfície (CD39) em células T regulatórias. Raphael foi orientado pelos professores Fernando de Queiroz Cunha e Paulo Louzada-Junior, respectivamente coordenador e vice-coordenador do Crid, e contou com o auxílio dos professores José Carlos Farias Alves-Filho, Thiago Mattar Cunha e Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira, que também atuam como pesquisadores no Crid. Raphael Peres e um de seus professores, o dr. José Carlos Faria Alves-Filho, na ocasião da entrega do prêmio Congresso brasileiro de Curitiba conquista premiação O dr. Eduardo de Santos, presidente do XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia, recebeu o prêmio em nome da SBR O XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia recebeu prêmio em Curitiba como um dos 12 eventos realizados na cidade. Oferecido pelo Curitiba, Região e Litoral Convention & Visitors Bureau (CCVB), o prêmio, denominado Embaixadores de Curitiba, em sua primeira edição, é uma iniciativa de reconhecimento às entidades responsáveis pela realização de eventos que movimentaram a capital paranaense em 2015. Ao todo 12 nomes foram homenageados em quatro categorias definidas de acordo com o número de participantes dos eventos. Uma comissão formada pela equipe técnica do CCVB, Centro de Convenções Curitiba, Expo Unimed Curitiba e Expotrade Convention Center definiu os premiados seguindo critérios como legado à cidade, propagação de conhecimento, envolvimento da comunidade e aumento do fluxo turístico. O dr. Eduardo dos Santos Paiva, presidente do congresso de 2015, recebeu a homenagem em cerimônia realizada em novembro. Entidade de apoio a pacientes com lúpus ganha suplência no CNS A Associação Brasileira Superando o Lúpus quer divulgar uma importante conquista. Após candidatar-se a uma vaga no Conselho Nacional Saúde, a entidade conseguiu ser eleita Nacional dedeSaúde, a entidade conseguiu ser eleita como como como primeira suplente da Fenafal (Anemia Falciforme) e segunda suplente a FBH (Hemofilia). Muitos se esforçaram para chegar a esse importante resultado que pode dar à entidade a oportunidade de participar ainda mais ativamente das discussões e decisões do órgão. 6 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 Gruparj realizou encontro médico-social sobre doenças reumáticas (esq. p/dir.) Dr. José Verztman, presidente da SRRJ; André Pombo, secretário de Saúde de Petrópolis; e dr. Cesar Baakline, presidente da SBR Dra. Wanda Heloisa Ferreira, presidente do Gruparj Petrópolis, e dr. José Verztman, presidente da SRRJ O XIV Encontro Médico Social, organizado pelo Grupo de Pacientes Artríticos do Rio de Janeiro em Petrópolis, em parceria com a SBR, a SRRJ, Sociedade Médica de Petrópolis e a Anapar, aconteceu nos dias 16 e 17 de julho e reuniu em torno de 250 pessoas entre profissionais da saúde, estudantes, pacientes e a sociedade em geral. O objetivo foi dialogar sobre os desafios enfrentados pelas pessoas com doenças reumáticas, novidades no tratamento e qualidade de vida. O tema central do encontro foi “Meu corpo, minha responsabilidade”. A necessidade de intensificar trabalho em parceria entre governo, profissionais de saúde e pacientes, trocando informações e compartilhando a responsabilização para o sucesso do tratamento nas do- Encontro reuniu cerca de 250 pessoas, entre profissionais da saúde, estudantes e pacientes enças reumáticas, foi destacado pela dra. Wanda Heloisa durante a abertura oficial do evento. Discurso que foi consolidado pelas palavras do presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia, dr. Cesar Baakline e pelo secretário de Saúde de Petrópolis, dr. André Luiz Pombo que ressaltaram a importância da parceria com o Gruparj para a continuidade do desenvolvimento do trabalho realizado em prol dos pacientes reumáticos em Petrópolis e no Brasil. Análise de dados do Epifibro (esq. p/dir.) Dr. Milton Helfenstein Jr., prof. Frederick Wolfe, dr. José Eduardo Martinez (autor principal do trabalho), dr. Eduardo S. Paiva, dr. Roberto Heymann e dr. Marcelo Rezende. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 No congresso do Colégio Americano de Reumatologia, ACR 2015, a comissão de Dor, Fibromialgia e Partes Moles da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) apresentou um pôster sobre a análise dos dados de 2014 do Estudo Epidemiológico sobre a Fibromialgia no Brasil (Epifibro). O pôster foi bastante visitado e elogiado, sendo considerado pela dra. Mary-Ann Fitzcharles, de Montreal, como a maior coorte registrada de pacientes com FM no mundo. 7 sB r . d o c Assembleia geral da SBR aprova demonstrações contábeis de um ano de gestão O Secretário-geral da Sociedade Brasileira de Reumatologia, dr. José Eduardo Martinez, comunica que a Assembleia Geral Ordinária realizada nas dependências do XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia, na cidade de Curitiba (PR), em 09/10/2015, aprovou a reforma geral do estatuto e do regimento interno, assim como acolheu a demonstração do relatório contábil após um ano da gestão 2014/16. Além das contas, o relatório contemplou informações quanto à prestação de contas dos eventos XXXI Congresso da Sociedade Brasileira de Reumatologia – realizado em Belo Horizonte, de 01 a 04 de outubro/2014; o XXI Encontro Rio-São Paulo de Reumatologia – realizado em São Paulo, de 6 a 08 de março/2015; e a XX Jornada Centro-Oeste de Reumatologia – realizada em Goiânia, de 23 a 25 de abril/2015, todos, com relatórios apreciados e aprovados pelo respectivo Conselho Fiscal. E, por fim, foi escolhida Florianópolis como a cidade sede do XXXIV Congresso da Sociedade Brasileira de Reumatologia em 2017. Divulgação de Balancete Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) Balanço Patrimonial – Primeiros 12 meses de gestão Gestão 2014-16 A Sociedade Brasileira de Reumatologia divulga balancete - Gestão 2014/2016 - em 31/08/2015 - e Demonstrativo do Resultado do Exercício Gestão 2014/2016. (Valores em reais - R$) Demonstrativo do Resultado Gestão 2014-16 RECEITAS Anuidades 798.762,08 Financeiras 1.414.712,63 Patrocínios 1.146.833,77 Eventos oficiais 8 4.133.681,12 773.188,20 DESPESAS 2.498.823,02 Administrativas 1.179.678,50 Atividades 699.666,50 Publicações 619.478,28 SUPERAVIT 1.634.858,10 ATIVO DISPONÍVEL Caixa Bancos - Conta movimento Investimentos - ADM Investimentos - FAP CRÉDITOS Anuidades Adiantamentos - Regionais Resultados - Eventos Patrocínios Adiantamentos - Salariais IMOBILIZADO Imóveis - Sede SP 31/08/2015 16.278.839,83 13.755.959,08 2.913,20 767,53 8.765.729,22 4.986.549,13 1.679.659,47 626.450,00 392.082,03 51.127,44 610.000,00 0,00 843.221,28 843.221,28 31/08/2014 14.662.904,43 12.856.067,26 1.413,16 3.700,22 8.368.655,14 4.482.298,74 963.615,89 366.996,00 104.120,00 134.173,16 357.784,00 542,73 843.221,28 843.221,28 PASSIVO FORNECEDORES Prestadores de serviços TRABALHISTA Saldo de salários Contribuição previdenciária Fundo de Garantia PIS - Folha de pagamento TRIBUTOS Retidos na fonte PATRIMÔNIO LÍQUIDO Patrimônio social acumulado Superavit 16.278.839,83 0,00 0,00 18.704,50 11.607,38 5.651,82 1.284,71 160,59 1.689,50 1.689,50 16.258.445,83 14.623.587,73 1.634.858,10 14.662.904,93 20.457,82 20.457,82 17.763,38 11.335,40 5.094,67 1.185,17 148,14 1.096,00 1.096,00 14.623.587,73 14.623.587,73 – BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 SBR divulga normas para solicitar auxílio a fundo de pesquisa O sócio interessado em solicitar auxílio do Fundo de Apoio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Reumatologia (FAP-SBR) deve ficar atento às normas divulgadas que devem ser cumpridas na solicitação. Entre outras, a normatização estabelece que o projeto deve ser enviado anonimamente, apenas com pseudônimo na autoria. Além disso, deverá ter no máximo dez páginas. Veja, a seguir, a íntegra da normatização divulgada pela SBR. Normatização para solicitação de Auxílio ao Fundo de Apoio à Pesquisa da Sociedade Brasileira de Reumatologia (FAP-SBR) O projeto deve ser enviado de forma anônima, apenas com um pseudônimo do autor (ou autores), sem dados que possam identificar o serviço onde o estudo será realizado. O chefe do serviço onde o estudo será realizado deverá enviar uma carta concordando e apoiando o estudo. O projeto deverá ter no máximo dez páginas (em fonte Arial ou Times e espaço 1,5) e conter os seguintes dados: • Título • Autores (pseudônimo) • Introdução (dados da literatura para caracterizar o problema a ser abordado) • Objetivos (claramente informados) • Material e métodos (com estimativa do número de pacientes e de exames a serem realizados • Análise estatística à qual os dados serão submetidos • Resultados esperados (descrever o impacto que se espera do estudo) • Avaliação do custo do estudo com pelo menos dois orçamentos para a compra do material necessário. Caso o material tenha um vendedor exclusivo, será necessário apresentar carta de exclusividade. Se o trabalho contar com apoio financeiro de outra fonte, deve ser informado o montante do auxílio recebido ou a receber. • Cronograma do estudo • Referência bibliográfica atualizada • Folha rosto contendo: • Título do projeto • Pseudônimo • Resumo do projeto com: • Objetivo • Material e método • Resultados esperados e • Custo previstos O autor do projeto, que deverá ser sócio quite com a SBR, ao receber o auxílio deverá assinar uma declaração comprometendo-se a: • Enviar à SBR, a intervalos semestrais, os comprovantes dos gastos realizados; • Agradecer o apoio da FAP-SBR no artigo que vier a ser publicado. Um relatório sobre o estudo deve ser enviado a cada 12 meses à Comissão de Avaliação da SBR. Atraso na execução do estudo em relação ao cronograma previsto deve ser devidamente justificado. O não-cumprimento destas orientações após o recebimento do auxílio impossibilitará o serviço de solicitar novos auxílios por um período de cinco anos. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 Auxílio para estágio somente será concedido a sócio quite com a SBR, no valor de até U$ 2,000; na solicitação deverá constar: • Justificativa para o estágio e descrição das atividades previstas. • Aceite do serviço • Após o estágio, o solicitante deverá apresentar relatório das atividades • Disponibilidade para dar uma aula, quando solicitado pela SBR ou pela sociedade regional, sobre o tema abordado no estágio. Critérios e trâmites para solicitar apoio a novos projetos Com o objetivo de organizar a solicitação de novos projetos com o apoio da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a diretoria executiva vem esclarecer os critérios e trâmites adotados para trabalhos que tenham origem entre seus membros ou a chancela de nossa sociedade. Seguem os critérios e trâmites relativos: • Os projetos de pesquisa, educação continuada ou de ação comunitária podem ter origem na própria diretoria executiva, nas comissões da SBR, por sócios da SBR ou por instituições ou empresas parceiras que queiram a chancela da sociedade. Necessitam aprovação de mérito pela diretoria executiva. • Todos os projetos que não partirem das comissões deverão ser submetidos a elas, por meio de seus presidentes, e receber uma avaliação inicial, para subsequente encaminhamento à diretoria executiva; • Os projetos de pesquisa ou educação continuada deverão ter um relatório ou, no caso de um projeto de uma respectiva comissão, ser avaliado pela diretoria científica, que emitirá um parecer consubstanciado; • Esses pareceres, bem como os projetos de ação social, devem ser enviados para a diretoria executiva para ciência, homologação e aprovação final; • Em relação aos aspectos financeiros: • Os projetos que não foram previstos no orçamento estabelecido no início da gestão devem buscar apoio financeiro no Fundo de Apoio à Pesquisa (FAP) ou com empresas patrocinadoras parceiras, após aprovação de mérito pela diretoria executiva. • Os projetos que pleiteiam apoio financeiro do FAP devem ser enviados ao Conselho Consultivo para deliberação na próxima reunião agendada; • Os projetos que pleiteiam patrocínio devem ter as negociações conduzidas e acompanhadas pela diretoria executiva, que ao final estabelecerá um contrato com a patrocinadora. 9 P r o f i s s ã o r E u m ato O papel do médico na indústria Priscila Magalhães Reis Nakasato* F iquei muito honrada ao receber o convite para escrever para o Boletim da SBR sobre as possibilidades de atuação do reumatologista na indústria farmacêutica, onde o trabalho do médico é essencial e vem sendo cada vez mais valorizado. Mas o que exatamente faz um médico na indústria? Qual é seu papel nesse tipo de ambiente corporativo? Essas são perguntas frequentes, para as quais não existe uma resposta única, já que diferentes cargos requerem atividades distintas. No entanto, aderência a políticas internas rígidas e avaliação anual da qualidade do trabalho prestado são premissas comuns a todos os cargos. São muitas as possibilidades de carreira para o reumatologista dentro da indústria farmacêutica, em decorrência da aprovação de diversos medicamentos na última década, além de inúmeros outros que estão hoje em fase de pesquisa. Minha primeira posição foi de consultora médica científica ou Medical Science Liaison (MSL). O cargo de MSL é bem estabelecido em inúmeros países, exigindo-se sólida formação científica e credenciais acadêmicas. Dentre outras funções, MSLs são responsáveis por: • Identificar centros de pesquisa clínica no país que estejam capacitados e que desejem participar de estudos multicêntricos patrocinados pela indústria farmacêutica; • Exercer o elo entre médicos pesquisadores e a empresa no que se refere a projetos científicos conhecidos como Estudos de Iniciativa do Investigador. Nestes, a propriedade intelectual, o desenvolvimento conceitual e a condução do estudo são de inteira responsabilidade do investigador, sendo o apoio da indústria limitado a aspectos pontuais do protocolo. • Estabelecer parceria exclusivamente científica com a comunidade médica por meio de visitas ou condução de projetos específicos. * Reumatologista, com residência médica pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e especialista pela SBR. Atuou no meio acadêmico e em consultório particular até ingressar na indústria farmacêutica em 2011. Atualmente, é diretora médica associada em uma empresa multinacional. 10 Outro cargo que exerci no Brasil foi o de gerente médica, em duas empresas multinacionais, sendo responsável por biológicos com indicações em reumatologia e reumatopediatria. Nesse papel, há uma cooperação constante com diferentes setores dentro da empresa (Pesquisa Clínica, Farmacovigilância, Marketing, Jurídico, Acesso, Comunicação, etc), e também fora dela, com médicos, seguradoras de saúde e autoridades regulatórias. Objetivamente, descrevo abaixo algumas atividades que fazem parte da rotina de um gerente médico: • Elaboração de dossiê, baseado nos estudos pivotais das drogas, para pedido de aprovação no país; • Revisão médica de bulas, para que sejam submetidas aos órgãos competentes, respeitando as recomendações locais; • Desenvolvimento de materiais e promoção de eventos médicos que contribuam para a atualização sobre condições clínicas específicas e seu tratamento; • Esclarecimento de dúvidas relacionadas ao uso de determinadas medicações; treinamento de representantes, para que entendam em detalhes as doenças e os produtos que representam, visando a uma prestação de serviço ética, informativa e atualizada. Também um gestor Outras posições requerem competências que vão além do conhecimento médico, como gestão de pessoas. Por exemplo, um diretor médico geralmente é responsável por uma equipe de dezenas de pessoas, composta por médicos, farmacêuticos, biomédicos, dentre outros profissionais. Diretores médicos regionais ou globais são outros cargos disponíveis nos quais há uma forte parceria com diferentes países, com foco na excelência das atividades médicas e respeitando as regulamentações locais. Esses não são cargos de entrada na indústria farmacêutica uma vez que, via de regra, exigem experiência prévia. “ Existe um enorme investimento em pesquisa por parte das diferentes empresas, tendo o médico uma grande responsabilidade sobre as análises de segurança e eficácia dos estudos.” BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 farmacêutica Existe um enorme investimento em pesquisa por parte das diferentes empresas, tendo o médico uma grande responsabilidade sobre as análises de segurança e eficácia dos estudos. Atualmente trabalho nos Estados Unidos, na fase de desenvolvimento clínico de um anticorpo monoclonal, em um estudo global de Fase III, sobre inflamação e doenças cardiovasculares. Apesar de, pela primeira vez, não estar trabalhando diretamente com reumatologia, tem sido uma experiência incrível, de muitos desafios e intenso aprendizado. A familiaridade dos reumatologistas com biológicos, além de um amplo conhecimento de medicina interna, nos torna especialistas interessantes para os cargos médicos oferecidos pela indústria farmacêutica. Não existe um perfil específico procurado pelas empresas, entretanto alguns pré-requisitos são essenciais: boa formação científica, fluência em inglês, habilidade de comunicação e bom relacionamento interpessoal. O plano de carreira na indústria farmacêutica costuma ser discutido em detalhes, com a intenção de promover o desenvolvimento de competências necessárias para que, no futuro, o profissional esteja apto para assumir outros cargos. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 Conciliação com o consultório Sempre me perguntam se é possível conciliar consultório, ou mesmo uma atividade acadêmica, com o trabalho na indústria. Sim, é possível. E, sim, é difícil. Há de se levar em conta também o volume de viagens (muitas vezes internacionais), que são mais ou menos frequentes dependendo da posição ocupada. Conheço algumas pessoas que conseguem conciliar, mas eu diria que elas não correspondem à maioria dos casos. E quais seriam as vantagens e desvantagens de trabalhar na indústria farmacêutica? Difícil responder, pois entendo que esses são valores muito individuais. O que é vantagem para uns pode ser clara desvantagem para outros e vice-versa. Particularmente, eu não tive maiores dificuldades de adaptação. Acredito que o fato de ter permanecido atuando dentro da reumatologia me fez sentir confortável o suficiente para percorrer esse novo caminho. No entanto, é preciso estar aberto a uma forma menos tradicional de exercício da medicina, em que o contato direto com o paciente não faz parte do dia a dia. Apesar de estar fora do ambiente típico de um hospital ou consultório, o comprometimento com a segurança do paciente continua guiando todas as atividades do médico que atua na indústria. Como reumatologistas, podemos percorrer trilhas diferentes, mas almejamos chegar a um mesmo ponto de encontro, onde o aumento da qualidade de vida, a melhora das funções física e emocional e, em alguns casos, a remissão da doença são metas a serem alcançadas, quando a cura não for possível. Por fim, o relacionamento ético e transparente entre os médicos que atuam no meio acadêmico, em hospitais e consultórios, e aqueles que trabalham na indústria farmacêutica é fundamental para o progresso do conhecimento científico, bem como para o desenvolvimento e a implementação de tratamentos seguros, eficazes e acessíveis aos pacientes. “ Apesar de estar fora do ambiente típico de um hospital ou consultório, o comprometimento com a segurança do paciente continua guiando todas as atividades do médico que atua na indústria.” 11 E s Pa ç o do rEsidENtE Raciocínio clínico: talento “Dizem que o talento cria suas próprias oportunidades. Mas às vezes parece que a vontade intensa cria não apenas suas próprias oportunidades, mas seus próprios talentos.” Eric Hoffer *José Tupinambá Sousa Vasconcelos *Professor das Disciplinas de Propedêutica Médica, Reumatologia e Internato em Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Piauí A companhando a trajetória de estudantes de Medicina desde a disciplina de Semiologia até ao Internato por mais de 20 anos, uma indagação sempre me veio à mente: o raciocínio clínico é uma habilidade inata, atávica, que o estudante traz na mochila no primeiro dia de aula do curso de Medicina ou é uma capacidade adquirida, obtida pelo treino e pela perseverança? O raciocínio clínico é uma função essencial da atividade médica e se refere à habilidade de análise e síntese adequada de dados clínicos e da qualidade das decisões envolvendo riscos e benefícios dos testes diagnósticos e do tratamento. Resumidamente, o raciocínio clínico compreende o processo de decisão diagnóstica e terapêutica. O resultado final e a eficiência do atendimento médico são altamente dependentes da qualidade do raciocínio clínico e não poderá ser bom se este for deficiente. A obtenção de um diagnóstico correto e da escolha de um tratamento efetivo é uma tarefa complexa e sofisticada e envolve etapas que começam a ser percorridas quando o paciente se apresenta ao médico. O raciocínio clínico, em sua essência, é o exercício de um método hipotético-dedutivo que inclui estações como a geração de múltiplas hipóteses diagnósticas, a avaliação e regeneração destas hipóteses, a escolha das hipóteses sobreviventes e, por fim, a decisão diagnóstica e a tomada da atitude terapêutica. “ 12 Faculdade nativa O que observo na experiência pedagógica com os estudantes de Medicina é que alguns parecem trazer uma faculdade nativa de separar o essencial do acessório, identificar o sintoma-guia, capturar a noção do que é urgente e do que pode esperar e hierarquizar o que é primário e o que é secundário nos eventos clínicos. Todos nós concordamos que há quem tenha “mais jeito” para umas coisas do que outros. Muitos tentam desenhar e só conseguem produzir rabiscos. A outros, basta um simples lápis para a criação de uma imagem extremamente agradável de contemplar. Este fato tão peculiar às artes, ao esporte e à música, parece também se manifestar nas habilidades cognitivas complexas do fazer médico. Mas também percebo que este “dom natural” não é garantia de um desempenho satisfatório ao final do curso. É muito comum que estudantes de Medicina com evidências de desembaraço para o raciocínio clínico já na disciplina de Semiologia acabem por exibir uma performance inferior à de outros de menor habilidade específica para essa tarefa, mas portadores de enorme motivação para o treino, a repetição e a perseverança. Estudos com jogadores de xadrez, uma atividade com alto grau de exigência cognitiva, mostraram que a formação de um repertório de informação e desempenho em nível de excelência leva milhares de horas de treino para formar-se. O mesmo parece ser verdade para o alto desempenho em outros domínios como o esporte, a música e matemática. Seria assim também para a obtenção de um bom nível de raciocínio clínico de um estudante de Medicina? Dentro desta perspectiva, a nossa percepção é que o comportamento habilidoso no exercício do raciocínio clínico é uma consequência de um processo de especialização, que O raciocínio clínico é uma função essencial da atividade médica e se refere à habilidade de análise e síntese adequada de dados clínicos e da qualidade das decisões envolvendo riscos e benefícios dos testes diagnósticos e do tratamento.” BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 inato ou adquirido? pode ser mais célere quando o estudante já porta um gift natural, um pendor nativo. Mas a quantidade e a qualidade de prática estão diretamente relacionadas com o desempenho. Não existem casos comprovados, em nenhuma área, de indivíduos que tenham alcançado os mais altos níveis de desempenho, sem antes ter dedicado milhares de horas ao treinamento. A trajetória luminosa de indivíduos como Ayrton Senna, Tom Jobim, Oscar Schmidt e Gauss estão aí para inspirar e lançar luzes sobre a nossa prática pedagógica. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 “ O que observo na experiência pedagógica com os estudantes de Medicina é que alguns parecem trazer uma faculdade nativa de separar o essencial do acessório, identificar o sintoma-guia, capturar a noção do que é urgente e do que pode esperar e hierarquizar o que é primário e o que é secundário nos eventos clínicos.” 13 rhEuma & Ethos Medicina narrativa: contrapo José Marques Filho Presidente da Comissão de Ética e Disciplina da SBR Médico bom é aquele que investe na investigação de doenças e de procedimentos. Esse raciocínio predominava na prática da médica Rita Charon, pioneira do movimento da Medicina Narrativa na universidade de Columbia. “O sofrimento é, tal como o prazer, o último reduto da singularidade” Paul Ricoeur “Eu sou eu e minha circunstância” “ Tendo como pano de fundo a Medicina Baseada em Evidência, com suas fortes e indiscutíveis bases científicas, o que se tem observado, principalmente em nossos encontros de educação médica continuada, são professores que poderiam ser rotulados de “papagaiosde-estudosclínicos”, repetindo-os sem parar até que novos estudos substituam os antigos.” 14 Ortega y Gasset E sses aforismos dos filósofos francês e espanhol, respectivamente, podem definir toda a base da chamada “Medicina Narrativa”, movimento médico surgido nos primeiros anos do século atual. Esta nova abordagem clínica surgiu como contraponto da chamada Medicina Baseada em Evidências (MBE). David Sacket, um dos autores dos primeiros fundamentos da MBE, pressupôs que a integração da melhor evidência disponível, obtida de preferência em ensaios clínicos, com a experiência clínica individual do médico assistente criaria um padrão de excelência nunca alcançado na prática médica. O tempo mostrou que ele estava equivocado. E, cá entre nós, todos nos equivocamos. Os resultados obtidos pelos estudos de vários autores, entre eles, Beckman e Frankel, sobre a influência da conduta médica na obtenção de informações do paciente, demonstram, claramente, que a relação entre o médico e o paciente deteriorou-se muitos nos últimos 20 anos. Esses autores demonstraram, por exemplo, que 65% dos pacientes eram interrompidos pelo médico depois de 15 segundos de consulta. Tendo como pano de fundo a Medicina Baseada em Evidência, com suas fortes e indiscutíveis bases científicas, o que se tem observado, principalmente em nossos encontros de educação médica continuada, são professores que poderiam ser rotulados de “papagaios-de-estudos-clínicos”, repetindo-os sem parar até que novos estudos substituam os antigos. Resgate da arte médica A chamada Medicina Baseada em Narrativa (MBN) pode ser considerada hoje uma realidade benvinda e com potencial para resgatar a verdadeira arte médica, que tem sido deixada de lado nestes tempos de predomínio da tecnologia sobre o comportamento humanitário dos profissionais da saúde. Vale aqui ressaltar que, a rigor, não há grandes novidades neste movimento. Nesta linha de raciocínio basta relermos os ensinamentos de grandes mestres da medicina, como o maior deles, Sir William Osler, que exercia e ensinava não só com o saber científico e prático, mas também filosófico: “Siga cada linha de pensamento, mas não interrogue apenas o essencial; nunca sugira. Leve sempre em consideração as palavras do doente. Se você escutar com cuidado os pacientes, eles te dirão o diagnóstico”. Médico bom é aquele que investe na investigação de doenças e de procedimentos. Esse raciocínio predominava na prática da médica Rita Charon, recém-formada em Medicina na Faculdade de Medicina de Harvard em 1978. Mas sua prática médica demonstrou que algo estava errado. Os cuidados de saúde despersonalizados geraram forte insatisfação na jovem médica – era como se nos corpos portadores de uma doença não habitassem pessoas. Especializou-se em literatura e hoje é conhecida internacionalmente por ser pioneira do movimento da Medicina Narrativa na universidade de Columbia. Charon postula que ensinar estudantes de Medicina a examinar os elementos de narrativas literárias prepara-os para leituras disciplinadas das “caóticas” narrativas médicas – prontuários, BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 nto à baseada em evidências histórias narradas pelos pacientes, cursos clínicos das doenças etc. Afirma que registros literários de experiências de doença podem ensinar lições concretas e poderosas sobre as vidas dos indivíduos doentes, bem como permitir aos médicos reconhecer a força e as implicações de seus atos. Para Grossman e Cardoso existe forte sustentação acadêmica da importância das narrativas como uma atividade central na prática e ensino da Medicina e consideram de fundamental importância a sua inserção no ensino médico. Para essas autoras, a abordagem narrativa de questões éticas revela os eventos individuais da experiência de adoecer em todas as suas contradições e todos os seus significados, para a interpretação e o entendimento. Os dilemas morais são postos na moldura da biografia e da cultura do paciente. Paul Ricoeur (1913-2005), embora lidando mais com narrativa ligada à história no sentido cultural e antropológico, abordou, em diversos ensaios, a relação médico-paciente. A obra “Tempo e narrativa” traz como objeto da reflexão filosófica precisamente a relação entre o “tempo vivido” e a “narração”, ou seja, com outro olhar – entre a “experiência” e a “consciência”. O autorrelato do paciente, parte importantíssima da consulta médica – a anamnese –, pode ser tomado como um locus privilegiado do encontro entre a vida íntima do indivíduo e sua inscrição numa história social e cultural. A autobiografia, ao tornar-se discurso narrado pelo sujeito – autor e protagonista –, instaura sempre um campo de renegociação e reinvenção identitária. Diversos métodos terapêuticos operam neste jogo de privacidade de um sujeito e o espaço socioeconômico de sua existência. Neste espaço, seus valores são, espontânea e inevitavelmente, relatados. Nesta linha de raciocínio, vale lembrar Ortega y Gasset: “Eu sou eu e minha circunstância”, da obra Meditações do Quixote, na qual sustenta que o homem não pode ser separado do espaço-tempo em que vive. Assim, para conhecer o “ser” do homem, sugere que comecemos pela realidade mesma que o governa. E, convenhamos, ninguém conhece ou relata seu entorno como o próprio sujeito, no caso, o paciente. Em suma, mesmo diante de uma postura mais pessimista de alguns autores relativos à deterioração da qualidade da assistência médica e da complexa relação médico-paciente, insistimos que há diversos caminhos sendo apontados, com potencial de resgate da qualidade da relação médico-paciente. Podemos citar como exemplo a bioética em situações clínicas (bioética clínica) e o desenvolvimento do conceito de medicina com decisões compartilhadas, com a ativa participação dos atores dessa díade, tornando essa relação forte o suficiente para lidar com os inúmeros fatores que nela interferem. Concordamos plenamente com Paul Ricoeur quando afirma – definindo “singularidade” – que cada relação deve ser compatível com as pessoas envolvidas e, portanto, não pode haver uma resposta única para descrever uma correta relação. Esperamos que no futuro esta complexa relação volte a se tornar um verdadeiro ato de cuidar, com o devido respeito à autonomia de ambos os atores e aos seus valores mais íntimos, com aplicação do paternalismo benevolente e envolvimento emocional dos médicos, adequados aos novos tempos, resgatando a verdadeira natureza da relação médico-paciente – um ato puro e simples –, como define Ricoeur: “Um pacto de cuidados assente na confiança”. “ A chamada Medicina Baseada em Narrativa (MBN) pode ser considerada hoje uma realidade benvinda e com potencial para resgatar a verdadeira arte médica, que tem sido deixada de lado nestes tempos de predomínio da tecnologia sobre o comportamento humanitário dos profissionais da saúde.” Referências Beckman HB, Frankel RM. The effect of physician behavior on the colection of data. Annnal Intern Medicine 1984;101:692-696. Grossman E, Cardoso HCA. As narrativas em medicina: contribuições à prática clínica e ao ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica 2006;30:6-14. Marques Filho J. Bioética clínica – cuidando de pessoas. Revista Brasileira de Reumatologia 2008;48:31-33. Charon R. Narrative Medicine: honoring the stories of illness. Oxford & New York: Oxford University Press 2006. Ricoeur P. Tempo e Narrativa. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Ortega y Gasset J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 15 Por oNdE aNdEi Um conto escocês Renê D. R. de Oliveira Pós-doutor pela Universidade de Glasgow; médico assistente do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto – USP e um dos editores do Boletim SBR C hegamos por volta de 5 horas, céu já negro, retocado por densas nuvens cinzentas. Um primeiro habitante aproximou-se, sorriso fino nos lábios ressecados pelo vento frio. Com dificuldade mostrei-lhe o endereço, ao qual conduziu-nos por via antiga, cheia de histórias que ouvíamos sem entender. A casa onde viveríamos por pouco mais de um ano ficava num elevado, Partick, área próspera de Glasgow. Era fácil comprar comida, depositar nosso dinheiro, tomar metrô, até mesmo trem, com partidas para todos os pontos da imensa ilha. E a poucas quadras, a universidade, fundada em 1451, motivo de termos deixado a América do Sul. Nossa acomodação não seria senão modesta, mas com vantagem inesperada: da cozinha podíamos ver toda a cidade: a algumas centenas de metros o rio Clyde, à esquerda o Parque Kelvingrove, bem ao fundo e à direita o Parque Verde, ao fundo e à esquerda o Parque Pollok. Isso tudo só foi possível distinguir após cinco meses. Chegamos no final do outono e o que vimos na primeira manhã variava entre o cinza e o preto, com retalhos marrons e, para além, um branco infindável. Garranchos de até dez metros ornamentavam a fachada no meu caminho até o trabalho, paisagem interrompida pelo maior museu que vira até então, a Galeria de Arte e Museu Kelvingrove. Fui recebido por um senhor, crescido uma milha a nordeste da universidade, na parte afastada do Jardim Botânico e à beira do rio Kelvin. Charles McSharry dizia que as casas eram poucas na sua infância, o rio limpo e o museu em construção. Orgulhava-se de ter visto a 16 chegada da primeira múmia, da Coleção de Sir William Burrell. A dependência de sua ajuda nas primeiras semanas fez-nos amigos. Mostrou-me as instalações da universidade, parando sempre que sua própria história exigia, como na sala que pertencera a William Thomson, ou Lord Kelvin, do qual seu pai fora assistente de laboratório – “Aqui surgiu a ideia do zero absoluto”. O sol apareceu duas vezes nas primeiras semanas, sofrimento maior para minha mulher, que quase não saía de casa. Perto do Natal, fomos ao Teatro Real ver “O quebra-nozes”. Na ceia de Ano Novo, Charlie mostrou-nos a gaita de foles, aguda e melodiosa. O uísque já conhecia, mas descobri meu rigor ao indagar, incrédulo: “Vocês colocam água no uísque”? Passei a beber uísque com água. No primeiro dia do ano fomos surpreendidos pela iguaria escocesa, o Haggis, feito com miúdos de carneiro e temperos, cozidos no estômago do próprio animal. Margem do lago do Castelo de Linlithgow. Em fevereiro, trabalhamos por uma semana em Edimburgo, onde não teria ido não fosse obrigado. Ouvira relatos do sobrenatural nos becos, nas estalagens do século passado, na rede de esgoto e nas catedrais góticas. Charlie sorriu e disse que enquanto fosse dia, nada aconteceria comigo. Fora da Estação Waverley, o olhar perdido de Sir Walter Scott, para sempre sentado numa pedra. – Vê aquele morro a leste? – Sim. – É o Calton. As colunas são o Monumento Nacional da Escócia, homenagem aos mortos nas guerras napoleônicas. Espero nunca mais um escocês ir para guerra... Aproveitamos a manhã na Galeria Nacional Escocesa, que guarda, entre outros, um Cézanne e um Rafael. Ao sul, a Milha Real, ligando o Castelo de Edimburgo ao palácio Hollyrood, Botanic Garden, Glasgow. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 Saguão principal do Kelvingrove Art Gallery and Museum. ambos inacessíveis na época, à espera do rei George. Charlie foi à Catedral de Santo Egídio, onde não me arriscaria, enquanto fui ao Museu Nacional da Escócia. O que vi impressionou-me mais que qualquer sobrenatural – o Relógio do Milênio, trazido de Leningrado, doação de Eduard Bersudsky e Tatiana Jakovskaya – geringonça de 10 metros e um espetáculo secular de vícios e paixões humanas. Semana monótona, exceto quando subimos o Assento de Artur, maior morro da cidade, para recolher amostras nos escombros de uma igreja. – Segundo a lenda, Camelot ficava aqui. – Você acredita? – Não, mas acredito que esse era o melhor ponto de observação para o Mar do Norte. Escandinavos invadiram por aqui. Sorte não termos mais guerra... Em abril ocorreu algo incrível para Universidade de Glasgow, final do inverno. Highlands. quem vive nos trópicos: cinza, marrom e preto foram encobertos por vibrante aquarela. No calor de 25 °C, conhecemos os bares escoceses: anchovas secas temperadas e alguns (ou muitos) half-half - uma dose de uísque e meia pinta de cerveja, nessa ordem. Em julho, nos dias de descanso, visitamos outras cidades. Em Falkirk, almoçamos na mansão do Parque do Calendário e, adiante, chegamos ao que restou do Muralha de Antônio, última fronteira do Império Romano. Fora da cidade, vimos o que sobrou da Roda de Falkirk, maravilha da engenharia que unia, por água, Glasgow e Edimburgo. Na manhã seguinte, em Linlithgow, pescaria próximo às ruínas do palácio onde nasceu Maria Stuart, Rainha da Escócia. À noroeste, em Stirling, o imponente castelo que serviu de casa dos reis escoceses por mais de mil anos, e o Monumento a William Wallace, herói na guerra contra os ingleses. Noutra viagem, com Charlie e sua família, para noroeste, rumo às Terras Altas, chegamos ao litoral e tomamos balsa para a Ilha de Skye, a mais bela da Escócia. No dia seguinte, retomamos as Terras Altas – morros, pontes e riachos, muito mais belos que os que víamos em preto e branco nos filmes- e BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 nosso destino final, Inverness, onde há grande lago, nada mais. – Sabe por que estamos aqui? Há algumas décadas, pessoas dizem ver um monstro nesse lago, como um dinossauro. Quem sabe não o vemos hoje? Não vimos. No outono, trabalhei no Museu Hunterian, catalogando peças anatômicas de William Hunter e o espólio de Lord Kelvin, Joseph Lister e James Watt. A uma semana do Natal, nos despedimos de Charlie e da Escócia. Trocamos cartas. Numa delas, um Charlie desesperado escrevia sobre o recrutamento do filho para lutar contra tropas alemãs. Seria a última. Um ano após o fim da guerra, retornei a Glasgow. Feliz ao ver as torres da universidade, o museu e nossa antiga casa, andava à beira do Kelvin, tentando reconhecer, no fundo do Botânico, a casa de outrora. Relutava aproximar-me dos escombros, quando detrás de uma parede apareceu figura conhecida. – Charlie? Nota: Este é um texto ficcional. Todos os personagens e locais são reais. Charlie, Eduard e Tatiana estão deslocados no tempo – nasceram após o início da Segunda Guerra Mundial – e estão vivos. Hoje há uma ponte para ir à Ilha de Skye, a Falkirk Wheel foi recuperada e continua sendo obra-prima da engenharia. O Reino Unido se envolveu em outras guerras. Cada vez mais pessoas dizem ter visto o monstro do lago Ness. 17 foco Em Reumatologia na PUCSP tornou-se disciplina em 1997 A disciplina de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (FCMS-PUCSP) foi criada a partir de professores reumatologistas que integravam a Disciplina de Clínica Médica da então Faculdade de Medicina de Sorocaba (PUC-SP). A Reumatologia e seus docentes pertencem ao Departamento de Medicina da FCMS-PUCSP e foi constituída como disciplina em 1997. Desde o seu início, tem sido coordenada pelo prof. dr. Gilberto Santos Novaes. Atualmente conta também com a participação do prof. dr. José Eduardo Martinez (titular), prof. ms. Adriano Chiereghin, profa. ms. Valéria Cristina Santucci Ramos (reumatologia pediátrica) e a colaboração da profa. ms. Maria Fernanda Molledo Secco (fisiatria). O serviço atua na graduação nas seguintes atividades: tutoria, habilidades clínicas e internato, recebendo em rodízio alunos do quinto ano do curso médico. e interconsultas. Atualmente o serviço de reumatologia conta com os seguintes ambulatórios: Geral, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Artrite Reumatoide, Espondiloartrites, Reumatologia Pediátrica, Reabilitação em Reumatologia e Fibromialgia e Dor. A internação não tem leitos específicos, mas acompanha os casos de reumatologia internados na enfermaria de Clínica Médica localizada em uma das unidades do CHS, o Hospital Leonor Mendes de Barros. No internato, na residência e especialização, são realizadas três atividades teóricas semanais que envolvem discussão de casos, revisão de diretrizes, revisão de imunologia e do exame físico osteoarticular. Os residentes e os internos ainda participam de uma atividade conjunta com as demais áreas da clínica médica para discussão de casos. As avaliações dos residentes e especialização têm sido realizadas a cada trimestre. Em relação à pesquisa, há dois grupos certificados no diretório de pesquisa do CNPq: Inflamação e Doenças do Tecido Conectivo (liderado pelo prof. dr. Gilberto Santos Novaes) e Dor Crônica (liderado pelo prof. dr. José Eduardo Martinez). O serviço ainda participa do programa de mestrado profissional “Educação para as Profissões da Saúde” da PUC-SP através do prof. dr. José Eduardo Martinez, que coordena a disciplina optativa “Qualidade de Vida em Saúde” e orienta dissertações de mestrado. A CHARGE DO PLÍNIO Programa de residência Na pós-graduação lato senso, é desenvolvido um programa de residência médica, credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) – credenciamento provisório em 2011 e definitivo em 2013 – e um programa de especialização médica com carga horária e programa idêntico ao da residência médica reconhecida pela Sociedade Brasileira de Reumatologia. Atualmente conta com quatro especializandos, sendo uma do primeiro ano e três do segundo ano, número esse que indica a intenção de crescimento do serviço. Do ponto de vista de atendimento médico, há atuação no Conjunto Hospitalar de Sorocaba (CHS) onde estão as atividades ambulatoriais, de internação 18 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 coluNa NEuBarth Sucrilhos, fé demais e acorda cordabamba bamba Fernando Neubarth * S an Francisco, 2015. Congresso Americano de Reumatologia. No programa: perspectivas para o tratamento de enfermidades reumáticas pela modificação do microbioma. Primeira palestra, fatores dietéticos e componentes nutricionais, a responsabilidade de alimentarmo-nos por 2 trilhões de micróbios residentes em nossos intestinos; a seguir uma variante da popular vitamina S (de sujeira) que deixaria crianças mais imunocompetentes, o uso de nematoides, sim, vermes, como tratamento (também em nosso meio, objeto de pesquisa do brilhante colega cearense Francisco Airton da Rocha); e, por último, o mais inusitado, transplante fecal em doenças humanas, proposta de suplemento de bactérias quando condições adversas e/ou antibióticos acabam com a “população local”. Enfezado, o palestrante anuncia: “Em breve, nos supermercados, o balcão de iogurtes oferecerá mais do que potinhos enriquecidos com polpas de frutas e lactobacilos” (sendo esses últimos um prenúncio do proposto). Perversão e pseudociência A figura lembrou-me a história de outro médico norte-americano, John Harvey Kellogg (1852-1943), diretor de um sanatório em Battle Creek, Michigan, que utilizava métodos holísticos, com foco principal em nutrição, exercícios e enemas. Os pacientes submetiam-se a lavagens intestinais de rotina, uma prática que ainda hoje tem seus adeptos e que retorna em ondas de modismo na contramão do que ora se apresenta. Por falar em “contramão”, o dr. Kellogg também preconizava uma cruzada contra a masturbação, por ele denominada “o vício solitário”, causa, ainda segundo ele, de males variados, câncer, impotência, epilepsia, insanidade e outras debilidades mentais e físicas. Propunha punições, homens e meninos deveriam ser “tratados” mediante a costura de seus prepúcios com fio de prata; não dando resultado, circuncisão sem anestesia; às mulheres e meninas, clitóris queimados com ácido carbólico. De cabo a rabo, perversão travestida em pseudociência. Flocos de cereais, hoje sinônimos de seu nome, criados também na convicção de que seriam eficazes no combate ao onanismo, deram-lhe fama e fortuna. No ato 2, cena 2, de Hamlet, o príncipe afirma: “Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito...”. Se Shakespeare tivesse conhecido esse inventivo dr. Kellog, talvez substituísse a casca de noz por uma caixa de sucrilhos. Santa imaginação! Cabe reflexão e serve de paralelismo. Bom senso versus dogmas. Pretendemos o domínio e a verdade absoluta, sem medir consequências. Nós, ínfima porção de uma cadeia que depende de har- monia e equilíbrio. Míopes dessa visão ecológica, tão simples de compreender. Não toleramos a diferença; dizimam-se países, povos e culturas em nome da ganância. A vingança é fortemente destrutiva, fanatismo e sua propriedade de excessos. Da mesma forma, o que deveria ser apenas natureza e fisiologia, pelo abuso, descaso e pela negligência, torna-se barro impuro, lama tóxica. Há muito mais entre os atos terroristas de Paris e o rompimento das barragens de Minas do que coincidências de calendário. Continua atual o aforisma de Hipócrates (460-370 a.C): “Somos o que comemos”. Contudo, ponderação. Reféns do equilíbrio e do valor que damos aos nossos universos externos e internos, conscientes de que tudo cabe numa casca de noz. Viajantes do tempo, mágicos reis do infinito, seguiremos na corda bamba. * Médico e escritor. Presidente da SBR, gestão 2006-2008 BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 19 coluNa sEda Florbela Espanca e a dor em cem anos de poesia Dedicado ao professor dr. Washington Bianchi Hilton Seda O Livro das Mágoas de 1919 teve edição de 200 exemplares e logo se esgotou. Sonetos Completos foi obra reunida por Guido Battelli que, posteriormente, também publicou Juvenili. Trocando Olhares, uma edição preparada por Maria Lúcia Dal Farra que reuniu, na ordem original, os 88 poemas que se encontram no manuscrito autógrafo de igual título arquivado na Biblioteca Nacional de Lisboa. Em 1996, Maria Lúcia Dal Farra publicou “Poemas de Florbela Espanca”(1) que incluiu as composições feitas entre 1915 e 1917 (Trocando Olhares), Livro das Mágoas (1919), Livro de Sóror Saudade (1923), Charneca em Flor (1931), Reliquiae (1931) e Esparsa Seleta (1917-1930). Esparsa Seleta, como o nome o diz, é uma seleção de peças dispersas. Na poesia de Florbela Espanca há, ocasionalmente, referências a doidos, febre, cegueira etc., mas em sentido vago, não médico. Só encontrei seis poemas, em toda a sua ampla obra poética, que merecem citação como tendo certo sentido clínico. No livro “Trocando Olhares” encontra-se A Doida A Noite passa, noivando./ Caem ondas de luar./ Lá passa a doida cantando/ Num suspiro doce e brando/ Que mais parece chorar! Dizem que foi pela morte/ D’alguém, que muito lhe quis,/ Que 20 endoideceu. Triste sorte!/ Que dor tão triste e tão forte!/ Como um doido é infeliz! Desde que ela endoideceu,/ (Que triste vida, que mágoa!) Pobrezinha olhando o céu,/ Chama o noivo que morreu,/ Com os olhos rasos d’água E a noite, passa noivando./ Passa noivando o luar:/ “Num suspiro doce e brando,/ Podre doida vai cantando/ Que esse teu canto, é chorar!” Ainda no livro “Trocando Olhares” encontra-se o soneto Parte II Gorjeia a sua voz ternos queixumes,/ Como no bosque à noite o rouxinol. É delicada e triste. O seu corpito/ Tem o perfume casto da verbena./ Não são mais brancas as magnólias brancas/ Que a sua boca tão branca e tão pequena! Oiço dizer: Seu rosto faz sonhar!/ Serão pétalas de rosa ou de luar?/ Talvez a neve que chorou o inverno... Mas vendo-a assim tão branca, penso eu/ É um astro cansado, que do céu/ Veio repoisar nas trevas dum inferno! Mais uma vez em “Trocando Olhares” No hospital Na vasta enfermaria ela repoisa/ Tão branca como a orla do lençol./ Visões da febre Doente. Sinto-me com febre e com delírio/ Enche-se o quarto de fantasmas. ‘Ma visão/ Desenha-se ante mim tão branca como um lírio/ Debruça-se de leve... Estranha aparição. É uma mulher de sonho e suavidade/ Como a doce magnólia florindo ao sol poente/ E disse-me baixinho: “Eu chamo-me Saudade/ E venho pra levar-te o coração doente! Não sofrerás mais; serás fria como o gelo;/ Neste mundo de infâmia o que é que importa sê-lo/ Nunca tu chorarás por tudo mais que vejas!” E abriu-me o meu seio; tirou-me o coração,/ Despedaçado já sem ‘ma palpitação,/ Beijou-me e disse “adeus!” E eu: “bendita sejas!” BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 No livro “Trocando Olhares” ainda se encontra Em “Charneca em Flor” há a poesia A um moribundo Cegueira bendita Ando perdida nestes Sonhos verdes/ De ter nascido e não saber quem sou,/ Ando ceguinha a tactear paredes/ E nem ao menos sei quem me cegou! Não vejo nada, tudo é morto e vago.../ E a minha alma cega, ao abandono/ Faz-me lembrar o nenúfar dum lago/ ‘Stendendo as asas brancas cor do sono... Ter dentro d’alma a luz de todo o mundo/ E não ver nada neste mar fundo,/ Poetas meus Irmãos, que triste sorte! E chamam-nos a nós iluminados!/ Pobres cegos sem culpas, sem pecados/ A sofrer pelos outros ‘té à morte! Não tenhas medo, não! Tranquilamente,/ Como adormece a noite pelo Outono,/ Fecha os teus olhos, simples, docemente,/ Como, à tarde, uma pomba que tem sono... A cabeça reclina levemente/ E os braços deixa-os ir ao abandono,/ Como tombam, arfando, ao sol poente,/ As asas de uma pomba que tem sono... O que há depois? Depois?... O azul dos céus?/ Um outro mundo? O eterno nada? Deus?/ Um abismo? Um castigo? Uma guarida? Que importa? Que te importa, ó moribundo?/ – Seja o que for, será melhor que o mundo!/ Tudo será melhor do que esta vida!... Passa em tropel febril a cavalgada/ Das paixões e loucuras triunfantes!/ Rasgam-se as sedas, quebram-se os diamantes!/ Não tenho nada, Deus, não tenho nada!... Pesadelos de insônia, ébrios de anseios!/ Loucura a esboçar-se, a enegrecer/ Cada vez mais as trevas do meu seio! Ó pavoroso mal de ser sozinha!/ Ó pavoroso e atroz mal de trazer/ Tantas almas a rir dentro da minha! O pessimismo de Florbela Espanca, que se expressa no final de “A um Moribundo”, pode ser resumido em uma de suas célebres frases: “A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente.” O último poema de interesse médico está em “Reliquiae” e se chama Referências Loucura Tudo cai! Tudo tomba! Derrocada/ Pavorosa! Não sei onde era dantes./ Meu solar, meus palácios, meus mirantes!/ Não sei nada, Deus não sei nada!.. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 1 Espanca F: Poemas. Edição preparada por Maria Lúcia Dal Farra, Martins Fontes, São Paulo, 1996. 2 Florbela Espanca, Wikipédia, a enciclopédia livre. 3 Espanca F: Sonetos completos, Livraria Gonçalves, Coimbra, 1950. 21 além da r E u m ato lo g i a Reumatologista pediátrico tira prazer no cotidiano de ação social Claudio Len fundou há quase 15 anos a ONG Acredite, que tem como missão melhorar a qualidade de vida de crianças e adolescentes com doenças reumáticas, viabilizando e facilitando o seu tratamento. D iferentemente dos muitos profissionais que já enfocamos nesta seção, o dr. Claudio Len, reumatologista pediátrico, não tem um hobby. Mas, sim, tem uma atividade que escolheu para compor e estender seu cotidiano profissional. É a ONG Acredite (o nome é abreviação da frase “Amigos da Criança Com Reumatismo”), fundada por ele e por sua companheira de trabalho até hoje, a reumatologista pediátrica Maria Teresa Terreri. Formado em Medicina desde 1987, Claudio tem doutorado e mestrado em reumatologia pediátrica. Portanto, desde sua graduação está profundamente envolvido com crianças e doenças reumáticas. E foi esse envolvimento que o levou a criar a Acredite, em 2001. “Trabalhando no Departamento de Pediatria da EPM-Universidade Federal de São Paulo, no atendimento a pacientes do SUS no Hospital São Paulo, notei que as crianças não tomavam os remédios adequadamente. E isso, simplesmente, porque seus pais não tinham condições financeiras para comprar”, lembra Claudio. Sua intenção, então, com a Acredite, foi mobilizar forças e profissionais no âmbito do Setor de Reumatologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde atua, para conseguir fornecer a medicação receitada e também aquelas que não fazem parte da lista do SUS. Ele faz questão de dizer que a criação da ONG contou com total apoio da chefe do serviço de 22 Claudio Len: ONG que criou atende cerca de 1.200 crianças. reumatologia da Unifesp na época, a dra. Maria Odete Hilário. O caminho no início foi básico: procurar ajuda de amigos e parentes, que fizeram doações constantes a cada pedido de Claudio. “Começamos numa salinha no nosso ambulatório onde ficavam voluntários que ministravam os remédios”, conta Claudio. Com o passar dos anos, a Acredite só cresceu. Em espaço físico e em doações, pois passou a contar também com apoio empresarial. Da equipe contratada, atualmente fazem parte uma assistente social, uma psicóloga, uma fisioterapeuta, duas médicas e três funcionários, além de gerência administrativa. Tudo para oferecer um tratamento mais humanizado, que se estende também às famílias. “Nós ainda garantimos “Ajudar a quem precisa está na formação que recebi, vinda até de meu avô, que era líder comunitário” atendimento no Hospital São Paulo, com equipe formalmente contratada pela instituição, mas com salários pagos pela Acredite”, explica. Atualmente, a ONG dá atendimento e apoio a cerca de 1.200 crianças. E importante: não há fila de espera e as consultas são com hora marcada. Todos os dias Claudio, no período da manhã, está na Unifesp onde é professor e já aproveita para lidar com assuntos da Acredite. À tarde está em seu consultório. “Mas na verdade eu cuido dos assuntos da ONG onde estiver, porque sempre é preciso resolver questões e tomar decisões”, diz ele. A disposição em abraçar essa causa social intensa, Claudio tirou de sua origem judaica, segundo explica. Ele menciona a palavra “tsetaká” – que, segundo os judeus, não se refere meramente a um ato de caridade, mas está presente toda vez que alguém proporciona satisfação a outro, em qualquer condição. “Ajudar a quem precisa está na formação que recebi, vinda até de meu avô, que era líder comunitário”, conta Claudio. E, para ele, a Acredite é uma forma de retribuir o que de bom a vida lhe deu, tanto profissionalmente quanto pessoalmente. “E está no meu sangue atender quem precisa e merece. Faço isso com muito prazer e sei que minhas ações são exemplos para meus três filhos, o que para mim também é importante.” http://www.acredite.org.br BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 o mElhor do Brasil Notícias das regionais PARANÁ Sociedade Paranaense de Reumatologia divulga atividades de 2015 e planos para o próximo ano Com o intuito de aperfeiçoar cada vez mais as técnicas de diagnóstico e tratamento das diversas doenças deste grupo, no ano de 2015, a Sociedade Paranaense de Reumatologia (SPR) realizou diversas atividades e eventos de temas científicos variados voltados a médicos e acadêmicos da área de saúde. Dentre eles, alguns de grande destaque: • A 6ª Jornada Paranaense de Reumatologia, quando foram enfocados a artrite reumatoide, o Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e a reumato/orto. O evento foi realizado no mês de junho na capital do Estado e contou com a participação de convidados especialistas do Paraná, de São Paulo e Santa Catarina. • No mês de agosto, foi apresentado o 4º Simpósio do Interior da SPR, em Maringá. O evento, além de discutir assuntos importantes para o setor, serviu como um momento de confraternização entre os profissionais e trouxe médicos renomados que discutiram casos clínicos das universidades estaduais de Maringá (UEM) e Londrina (UEL); a utilização de órteses, além dos novos tratamentos para a artrite reumatoide, a evolução dos medicamentos e a utilização de ultrassonografia. • Em outubro, diversos membros ativos da SPR estiveram presentes no XXXII Congresso Brasileiro de Reumatologia, em Curitiba. O maior encontro da classe médica que trabalha com os males da dor no organismo foi presidido pelo sócio da SPR, Eduardo dos Santos Paiva. Palestrantes nacionais e internacionais expuseram durante os dias do evento trabalhos clínicos, pesquisas e estudos sobre a especialidade, além de ministrarem oficinas e cursos. • Para 2015 – No ano que vem, a Sociedade Paranaense de Reumatologia já tem programados dois grandes acontecimentos na agenda: os 45 anos que marcam a história da entidade e também a XX Jornada Cone Sul de Reumatologia. ESPÍRITO SANTO IX Jornada Capixaba foi evento de destaque em 2015 Entre as realizações da Sociedade de Reumatologia do Espírito Santo (Sores) no ano de 2015, a de maior destaque foi sem dúvida a IX Jornada Capixaba de Reumatologia. Além disso, a Sores participou da ação Bem Estar Global, levando ao evento 11 reumatologistas voluntários para atender à população E é muito importante citar a conquista do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam/Ufes), premiado durante o 32º Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado no mês de outubro, em Curitiba. O Hucam ficou com o segundo lugar na categoria que destacou imagens envolvendo casos clínicos e exames. BOLETIM DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE REUMATOLOGIA • out/nov/dez/2015 PARAÍBA Em 2016, João Pessoa vai receber a jornada Norte Nordeste A capital da Paraíba, João Pessoa, foi a escolhida para sediar a XXIII Jornada Norte Nordeste de Reumatologia no ano que vem. O período de realização do evento é de 21 a 23 de abril de 2016. O local será o Centro de Convenções do Hotel Tambaú. 23