UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DISTÚRBIOS DA COMUNICAÇÃO HUMANA ANÁLISE MICROSCÓPICA DAS CÉLULAS CILIADAS EXTERNAS NO USO DA GENTAMICINA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Carla Luiza Baggio Santa Maria, RS, Brasil 2007 ANÁLISE MICROSCÓPICA DAS CÉLULAS CILIADAS EXTERNAS NO USO DA GENTAMICINA por Carla Luiza Baggio Dissertação (Modelo Alternativo) apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Área de Concentração em Audiologia Clínica, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana Orientador: Prof. Dr. Aron Ferreira da Silveira (UFSM) Co-orientador: Prof. Dr. Miguel Ângelo Hyppolito (USP – Ribeirão Preto) Santa Maria, RS, Brasil 2007 Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências da Saúde Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação de Mestrado ANÁLISE MICROSCÓPICA DAS CÉLULAS CILIADAS EXTERNAS NO USO DA GENTAMICINA elaborada por Carla Luiza Baggio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana COMISSÃO EXAMINADORA: _____________________________ Aron Ferreira da Silveira, Dr. (UFSM) (Presidente/Orientador) __________________________________ Lilian Seligman Graciolli, Dra. (UFSM) ___________________________________ Sonia Maria Fighera Bortholuzzi , Dra. Santa Maria, 20 de dezembro de 2007. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho a minha família, que em todos os momentos da minha vida, me apoiou e ajudou. A eles que acreditaram nos meus sonhos e apoiaram cada iniciativa e conquista, investiram nos meus estudos e contribuíram para que minhas conquistas pessoais e profissionais fossem realizadas. Aos que estiveram sempre ao meu lado, amigos, colegas, pela contribuição e apoio nesses anos de estudo. AGRADECIMENTOS A PRFª DRª MÁRCIA KESKE-SOARES, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana pelo exemplo de confiança, dedicação e ética, não medindo esforços para o sucesso da profissão de fonoaudióloga. AO PROF. DR. ARON FERREIRA DA SILVEIRA, pela atenção, orientação e disponibilidade, apoiando todas as etapas desta pesquisa. AO PROF. DR. MIGUEL ANGELO HYPPOLITO, por ser uma pessoa sempre disposta a ajudar. Pequenas oportunidades são geralmente o início de grandes conquistas. Muito Obrigada. A DRª LILIAN SELIGMAN GRACIOLLI, pela amizade, colaboração, participação e cuidado na correção deste trabalho. A DRª SONIA MARIA FIGHERA BORTHOLUZZI, pela amizade, confiança, atenção e carinho na correção deste trabalho, e em tantos outros momentos importantes da minha profissão. A FLÁVIA SALATA e MARIA ROSSATO, pelo carinho, apoio e dedicação, contribuindo para que esta pesquisa se realizasse. AO PROF. DR. LUIS FELIPE DIAS LOPES, pelo tratamento estatístico dos dados, pelo cuidado, atenção, paciência e competência. MUITO OBRIGADA!!!!!! “Aquele que conhece os outros é sábio Aquele que conhece a si mesmo é iluminado Aquele que vence os outros é forte Aquele que vence a si próprio é poderoso Aquele que conhece a alegria é rico Aquele que conserva o seu caminho tem vontade”. “O sábio não se exibe, e por isso brilha Ele não se faz notar, e por isso é notado Ele não se elogia, e por isso tem mérito E, por que não está competindo, ninguém no mundo pode competir com ele”. LAO TSE LISTA DE FIGURAS Figura 1: Fotografia da tela do programa ILO 92, mostrando emissões otoacústicas por produto de distorção de uma das cobaias tratadas com gentamicina 4 mg/kg/dia por 10 dias – pré (A) e pós (B) tratamento (no dia do sacrifício). ................................................................. 25 Figura 2: Fotografia da tela do programa ILO 92, onde verificou-se a presença de respostas as emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo 3 (gentamicina 4 mg/Kg/dia por 14 dias) – pré (A) e pós (B) tratamento – no dia do sacrifício. ..................................................... 26 Figura 3: Foto da tela do programa ILO 92, evidenciando as respostas das emissões otoacústicas por produto de distorção do grupo 4 (gentamicina 5 mg/Kg/dia por 10 dias) pré (A) e pós tratamento (B) - no dia do sacrifício. ....................................................................... 27 Figura 4: Foto da tela do programa ILO 92 que mostra as emissões otoacústicas por produto de distorção pré (A) e pós (B) tratamento com gentamicina 5mg/Kg/dia por 14 dias. ............ 28 Figura 5: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 2 (4mg / 10dias).................................. 29 Figura 6: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 3 (4mg / 14dias).................................. 29 Figura 7: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 4 (5mg / 10dias).................................. 30 Figura 8: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 5 (5mg / 14dias).................................. 30 Figura 9: Foto de Microscopia Eletrônica de Varredura com aumento de (500X) da espira basal da cóclea de uma das cobaias tratadas com Gentamicina 4 mg/Kg/dia por 10 dias – pós tratamento (no dia do sacrifico) ................................................................................................ 46 Figura 10: Fotografia da tela do programa ILO 92, mostrando as emissões otoacústicas por produto de distorção de uma das cobaias tratadas com gentamicina 4 mg/Kg/dia por 10 dias, pré (A) e pós (B) tratamento (no dia do sacrifício). ................................................................. 47 Figura 11: Foto de Microscopia Eletrônica de Varredura da espira basal da cóclea de cobaia tratada com 4 mg/Kg/dia por 14 dias de gentamicina, com presença de células ciliadas externas em todas as fileiras (aumento de 350 X). ................................................................... 48 Figura 12: Foto da tela do programa ILO 92 onde verificamos a presença de resposta ás emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo tratado com gentamicina 4 mg/Kg/dia por 14 dias, pré (A) e pós (B) tratamento (no dia do sacrifício). ........................... 49 Figura 13: Microscopia Eletrônica de Varredura da cóclea de uma das cobaias tratadas com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas por 10 dias consecutivos. ............................... 50 Figura 14: Foto da tela do programa ILO 92 onde se verificou a presença de respostas as emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo tratado com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia por 10 dias, pré (A) e pós) tratamento (no dia do sacrifício). ................................ 51 Figura 15: Foto de Microscopia Eletrônica de Varredura da espira basal da cóclea do grupo tratado com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas por 14 dias. ............................... 52 Figura 16: Foto da tela do programa ILO 92 indicando a presença das emissões otoacústicas por produto de distorção pré (A) e pós (B) tratamento com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas por 14 dias. ........................................................................................................... 53 LISTA DE ANEXOS Tabela 1 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pré tratamento com gentamicina 4 mg/Kg/dia ................................................. 62 Tabela 2 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pós tratamento com gentamicina 4 mg/Kg/dia ................................................. 62 Tabela 3 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pré tratamento com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas ................ 63 Tabela 4 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pós tratamento com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas................ 63 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10 2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................................. 13 Referências Bibliográficas........................................................................................................ 16 Bibliografia Consultada ............................................................................................................ 19 3 ARTIGO DE PESQUISA – COCLEOTOXICIDADE DA GENTAMICINA POR DOSES HABITUAIS PARA NEONATOS – ESTUDO FUNCIONAL............................................... 20 Resumo ..................................................................................................................................... 20 Abstract..................................................................................................................................... 21 Introdução ................................................................................................................................. 22 Metodologia .............................................................................................................................. 24 Resultados................................................................................................................................. 25 Discussão .................................................................................................................................. 31 Conclusão ................................................................................................................................. 33 Referências Bibliográficas........................................................................................................ 33 4 ARTIGO DE PESQUISA – ESTUDO ANATOMICO DA COCLEOTOXICIDADE DA GENTAMICINA A DOSES HABITUAIS UTILIZADOS EM RECÉN-NASCIDOS........... 36 Resumo ..................................................................................................................................... 36 Abstract..................................................................................................................................... 37 Introdução ................................................................................................................................. 38 Referencial Literário ................................................................................................................. 40 Metodologia .............................................................................................................................. 43 Resultados................................................................................................................................. 46 Discussão .................................................................................................................................. 53 Conclusão ................................................................................................................................. 56 Referências Bibliográficas........................................................................................................ 57 1 INTRODUÇÃO O diagnóstico precoce da deficiência auditiva tem sido uma preocupação constante dos profissionais da saúde, pois estudos já relataram importantes prejuízos causados à criança devido à perda da audição, muitas vezes irreversíveis, afetando não apenas a linguagem, mas também o desenvolvimento global da mesma (Uchôa et al, 2003). A deficiência auditiva pode ser causada por dosagens inadequadas de medicamentos ototóxicos em recém nascidos internados na UTI neonatal. Neste sentido, faz-se necessário realizar estudos que possam contribuir com um conhecimento mais aprofundado deste tema, possibilitando a adoção de procedimentos que busquem a manutenção da integridade auditiva para uma melhor qualidade de vida. Tendo em vista alterações auditivas causadas pela utilização de medicamentos como a gentamicina, é importante a monitorização da audição em pacientes usuários de drogas ototóxicas, para determinar a progressão da ototoxicidade e quando ela se inicia (Dishtchekenian et al, 2000). Este trabalho apresenta um estudo teórico sobre as possíveis lesões causadas às células ciliadas externas pela ação da gentamicina em dosagens habituais utilizadas na UTI neonatal, bem como uma pesquisa experimental sobre a funcionalidade das células ciliadas externas através das emissões otoacústicas por produto de distorção e do estudo anatômico das mesmas, a partir da análise microscópica. Conforme HYPPOLITO e OLIVEIRA (2005), medicamentos como a gentamicina provocam danos como o comprometimento das células ciliadas externas, lesando inicialmente as células da espira basal da cóclea. Sendo as alterações cocleares irreversíveis e tendo como seqüelas as perdas auditivas neurossensorias, a forma de impedi-las seria a prevenção. A incidência de ototoxicidade causada pela gentamicina varia de 6% a 16%. A toxicidade da gentamicina depende de alguns fatores, tais como: dosagem, intolerância individual, potenciação de efeitos de outras drogas, idade, alterações renais e indivíduos que já apresentam problemas auditivos anteriores (Ganança et al, 1997). A gentamicina é um antibiótico de ação bactericida que atua principalmente nas infecções causadas por bacilos Gram-negativos. É o primeiro aminoglicosídeo de escolha por causa do baixo custo e por ser ativo na maioria dos bacilos Gram-negativos resistentes aeróbicos (Chambers e Sande, 1995). O efeito colateral mais importante e sério é a ototoxicidade, que ocorre em 2% das pessoas que recebem gentamicina e pode ser muito grave. Os pacientes em tratamento com 11 gentamicina devem ter as funções auditivas e vestibulares controladas em intervalos freqüentes (Trabulsi e Soares, 1998). As ototoxicoses são afecções iatrogênicas provocadas por fármacos que alteram a orelha interna (labirinto). Essas substâncias podem afetar o sistema coclear, o sistema vestibular ou ambos, alterando duas funções importantes do organismo: a audição e o equilíbrio. Ocorre ototoxicose quando há perda auditiva neurossensorial de mais de 25 dB em uma ou mais freqüências de 250 a 8000 Hz e/ou quando ocorrem manifestações vestibulares como vertigem ou desequilíbrio. Dos grupos de fármacos ototóxicos, os antibióticos aminoglicosídeos são os mais estudados (Hyppolito e Oliveira, 2005; Oliveira e Bernal, 2006). Dentre os aminoglicosídeos, a gentamicina é considerada um dos antibióticos mais potentes do grupo. Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves na UTI neonatal (Oliveira e Bernal, 2006). A perda auditiva bilateral apresenta elevada incidência, ocorrendo em cerca de três para cada 1.000 nascidos vivos, e de dois a quatro para cada 100 recém-nascidos egressos de unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal (Lima et al., 2006). Nesse sentido é importante a realização de testes que verifiquem a integridade da audição. O monitoramento auditivo deve ser realizado porque providencia evidências precoces do limite da dose para perdas auditivas, levando à possibilidade de prevenção ou redução da severidade da ototoxicidade e, quando instalada a perda auditiva, há possibilidade de reabilitação auditiva com a adaptação do aparelho de amplificação sonora (Jacob et al., 2006). As emissões otoacústicas, detectadas por Kemp (1978) no conduto auditivo externo de humanos, medem o “feedback” da energia biomecânica na contração das células ciliadas externas, que amplifica o pico da “onda viajante” na membrana basilar e têm aplicação clínica na avaliação da integridade auditiva refletindo a funcionalidade das células ciliadas externas, sendo o único meio não-invasivo de investigação coclear objetiva (Hyppolito, 2003). Fundamentado na literatura e procurando conhecer os resultados do uso da gentamicina em dosagens terapêuticas praticadas na UTI neonatal, este estudo teve como objetivo verificar as células ciliadas externas quanto a ototoxicidade da gentamicina, avaliando o esquema de dose única de 4 mg/Kg/dia como recomendada por YOUNG e MANGUM (2006) na NEOFAX (manual de neonatologia usado como referência), comparando esse esquema com o tradicional de 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas (Agarwal et 12 al, 2002), por meio de um estudo funcional através das emissões otoacústicas por produto de distorção e um estudo anatômico por microscopia eletrônica de varredura. 13 2 REVISÃO DE LITERATURA A necessidade do emprego dos antibióticos aminoglicosídeos por períodos prolongados de tempo para o adequado tratamento da tuberculose propiciou o aparecimento de efeitos colaterais principalmente relacionados com a nefro e ototoxicidade. A incidência e intensidade dos fenômenos ototóxicos dependem da via de administração, da dose e da duração do tratamento (Grellet et al., 1974). Os antibióticos aminoglicosídeos demonstraram ser altamente eficaz, e seriam mais utilizados não fosse a sua peculiar capacidade de danificar o rim e o VIII par craniano. Esta predileção ototóxica dos aminoglicosídeos está relacionada com o modo particular de concentração e excreção destas substâncias nos líquidos do ouvido interno. Estes antibióticos permanecem por muito mais tempo em concentração elevada na endolinfa e sua eliminação ocorre independente da sua excreção em nível plasmático (Cruz et al, 1985). Segundo SCHWEITZER (1993), o monitoramento audiológico deve fazer parte do protocolo de atendimento aos indivíduos expostos a agentes ototóxicos, o que poderá possibilitar uma prevenção ou redução da severidade da ototoxicidade. Outro motivo é que, quando o tratamento por meio de uma droga ototóxica for indispensável, o paciente, a partir do monitoramento e detecção precoce de alguma alteração auditiva, poderá fazer o uso de algum método de reabilitação. BRICKS et al. (1994) mencionaram que na última década, a sobrevivência de crianças muito prematuras, com peso de nascimento inferior a 1000 g, tem despertado um maior interesse sobre o uso terapêutico e a ação de drogas e agentes físicos no período neonatal. Os fármacos causam diversos graus de dano coclear, mas a lesão típica das células ciliadas cocleares é comum a todos os agentes ototóxicos. O maior dano ocorre sobre as células cocleares responsáveis pelos sons de alta freqüência. Sabe-se que para estabelecer um tratamento adequado, há necessidade de um conhecimento preciso sobre a ação fisiológica e fisiopatológica das drogas, mas os estudos em seres humanos, especialmente em recémnascidos prematuros de muito baixo peso (RNPT-MBP), são difíceis de se obter e sua interpretação é extremamente complexa. MARTINS et al. (2005) referiram que os aminoglicosídeos são antimicrobianos usados regularmente no tratamento da septicemia neonatal precoce (observada até 72 horas de vida) e tardia (observada após 72 horas de vida). 14 Segundo CHAMBERS e SANDE (1995), o sulfato de gentamicina é disponível em várias formas: frascos e seringas, injeção intratecal, pomada e creme, pomada oftálmica. A dose intramuscular ou intravenosa para adultos é de 2 mg/Kg aumentando a dose para 3 a 5 mg/Kg por dia, sendo 1/3 administrado a cada oito horas. Inúmeras doses foram sugeridas para lactentes, mas a dosagem de 2 a 2,5 mg/Kg a cada oito horas tem se mostrado segura para crianças acima de 2 anos; a dose de 5 mg/Kg fracionadas em duas doses em intervalos iguais tem sido recomendada para neonatos com infecções graves. Uma única dose diária administrada sozinha em infusão de 30 a 60 minutos também tem sido utilizada. Conforme MARTINS et al. (2005) a literatura tem sugerido que uma dose única ao dia entre 3,5 e 5mg/kg parece ser igualmente efetiva, quando comparada à dose convencional de 2,5 mg/kg em intervalos menores . A descoberta da gentamicina em 1963, por Weinstein, foi um grande marco na história dos aminoglicosídeos porque, além de sua tolerabilidade razoável, é ativa contra muitas espécies bacterianas. Todos os aminoglicosídeos são potencialmente tóxicos para os dois ramos do 8º par craniano. A disfunção auditiva pode manifestar-se gradualmente, com zumbidos discretos e perda da audição para sons de alta freqüência, mas se tais sintomas forem negligenciados, poderá instalar-se surdez eventualmente completa. Os efeitos ototóxicos dos aminoglicosídeos dependem do tamanho da dose, duração da terapêutica, estado do paciente (função renal, idade, suscetibilidade individual) e características da droga. (Trabulsi e Soares, 1998). De acordo com DISHTCHEKENIAN et al. (2000), a deficiência auditiva tem sido considerada uma doença severamente incapacitante, em virtude do papel da audição na comunicação humana. Esta pode ser causada por diversos fatores etiológicos, congênitos ou adquiridos, além de apresentar graus e tipos variados. Uma das causas da deficiência auditiva adquirida é o uso de drogas ototóxicas. Essas drogas lesam as estruturas sensoriais da orelha interna, podendo afetar tanto o sistema auditivo quanto o vestibular. HOPMAN et al. (2002) relataram que a ototoxicidade refere-se ao prejuízo quimicamente induzido às porções da orelha interna, lesando as células ciliadas do órgão de Corti e das máculas e cristas do sistema vestibular, resultando em diversos graus de perda auditiva neurossensorial, vertigem e náusea. Segundo ZOCOLI et al. (2003), a ototoxicidade é definida como a perda parcial ou total da função vestibular e/ou coclear em decorrência do uso de drogas, geralmente com finalidades terapêuticas ou por exposição a substâncias tóxicas e o grau de severidade depende da predisposição individual, dose, duração do tratamento, via de administração, 15 idade, tendência familiar e/ou de eventual dano prévio à orelha interna. Este estudo corrobora com Kós e Kós (1998) que referem que a ototoxicidade depende de alguns fatores como a predisposição individual, e a presença de insuficiência renal, que pode permitir o acúmulo do medicamento na corrente circulatória. De acordo com PERÉZ et al. (1998) a ototoxicidade geralmente é irreversível já que ocorre uma destruição das células vestibulares, ou cocleares, que são altamente sensíveis aos danos provocados pelos aminoglicosídeos. ROCHA et al, (2003), referiram que os recém-nascidos internados na unidade de cuidados intensivos são majoritariamente prematuros (idade gestacional inferior a 31 semanas). As técnicas utilizadas no tratamento destes doentes e os riscos obstétricos inerentes parecem estar associados com o aumento do risco infeccioso. A gentamicina é freqüentemente usada no tratamento e prevenção de sépsis destes recém-nascidos. FAÇANHA et al. (2005) mencionaram que crianças de alto risco para perda auditiva (nascidas pré-termo) têm intercorrências clínicas pela exposição a drogas ototóxicas, como aminoglicosídeos e estão mais susceptíveis a episódios de hipóxia, podendo afetar o núcleo dorsal do nervo acústico, provocando surdez seletiva para sons agudos. Nossa audição assume papel importante na comunicação humana. A deterioração da sensibilidade auditiva pode acarretar uma série de alterações psicossociais no indivíduo, uma vez que a perda da compreensão da fala significa romper uma forma de contato com o mundo e com as pessoas (Jacob et al., 2005). Segundo HYPPOLITO et al. (2003), as cobaias albinas são escolhidas pelo fácil manejo, pela facilidade de dissecção coclear e manipulação, facilidade para vias de infusão para as drogas anestésicas e drogas em experimentação, pela via intraperitoneal ou intramuscular, e por serem mais sensíveis à droga estudada. Conforme OLIVEIRA e BERNAL (2006), dos grupos de fármacos ototóxicos, os antibióticos aminoglicosídeos são os mais estudados. Na fase aguda, essas substâncias, combinam-se com os receptores das membranas das células ciliadas externas do órgão de Corti, da cóclea ou das máculas sacular e utricular e cristas do sistema vestibular. Quando ocorre lesão coclear, há destruição das células ciliadas do órgão de Corti e a perda auditiva é irreversível, não havendo tratamento. Nesses casos, dependendo do grau de hipoacusia, o paciente deverá ser submetido à reabilitação da audição e da linguagem. Sendo assim, a única possibilidade de defesa contra a seqüela da ototoxicidade por aminoglicosídeos é a prevenção. De acordo com ALBUQUERQUE (2006), estudos em animais têm papel essencial no desenvolvimento da ciência. Pesquisas experimentais com animais têm sido importantes para 16 o desenvolvimento de novas drogas, no aprimoramento do conhecimento acerca dos mecanismos fisiopatológicos de doenças, para empreender ensaios terapêuticos com novos fármacos, estudar marcadores biológicos e avaliar técnicas com perspectivas de aplicabilidade na espécie humana. Existem diferentes métodos experimentais para avaliar a audição em animais. O primeiro método utilizando o reflexo de Preyer foi descrito em 1882, como uma técnica de avaliação da audição em cobaias. Esta técnica simples envolve a administração de um estímulo sonoro alto como bater as palmas ou apresentação de um som metálico, seguida da observação da reação reflexa do animal, movimentação do pavilhão auricular e piscar dos olhos. A medida do reflexo de Preyer é um teste de confiança para uma avaliação quantitativa da audição, desde que seja excluído o alto grau de reverberação que existe na maioria das salas comuns. Esta observação do reflexo de Preyer é utilizada principalmente para determinar se a cobaia tem uma resposta auditiva ou não (Jero et al., 2001; Denes e Kocker, 1961 apud Oliveira et al., 1977). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGARWAL, G.; RASTOGI, A.; PYATI, S.; WILKS, A.; PILDES, R. S. Comparison of Once-Daily Versus Twice-Daily Genatmicin Dosing Regimens in Infants >_ 2500 g. Journal of Perinatology 2002; 22: 268-274. ALBUQUERQUE, A. S. 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Têm sido relatadas percentagens variáveis de casos de ototoxicidade em crianças com vários antibióticos aminoglicosídeos. Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves na UTI neonatal. Objetivos: verificar o aspecto funcional das células ciliadas externas da cóclea sob esquemas terapêuticos utilizados para o tratamento de infecções no período neonatal. Forma de Estudo: Experimental. Material e Método: Foram estudadas 26 cobaias albinas, através das emissões otoacústicas por produto de distorção, prévia e posteriormente a aplicação de gentamicina. Resultados: Em todas as avaliações, o estado funcional das células ciliadas externas, estudadas pelas emissões otoacústicas por produto de distorção, mostraramse preservadas. Conclusão: Neste experimento não foram observadas alterações no funcionamento das células ciliadas externas de cobaias albinas sob tratamento com gentamicina nas doses de 4 mg/Kg/dia e 2,5 mg/Kg/dia a cada 12 horas, por 10 e 14 dias. PALAVRAS-CHAVE: audição, toxicidade, gentamicina, neonatos 21 ABSTRACT The anticipated identification of auditory disturbances makes possible the intervention in the “risk period” and also ideal to stimulate language and audition. Infant ototoxicity is a very controversial subject. Several cases of ototoxicity in children using aminoglicosides antibiotics have been reported. The main pediatric groups that receive aminoglicosides antibiotics are neonates with serious infections in the neonates’ intensive care unit (UTI). Goals: to verify the functional alterations to the external ciliary cells of the cochlea to therapeutical schemas used for the treatment of infections in the neonatal period. Way of Study: Experimental. Material and Method: 26 albino guinea pigs have been studied through otoacustic emissions per product of distortion, which are previous and posterior to the application of gentamicin. Results: The functional condition of all external ciliary cells, which have been studied by otoacustic emissions per product of distortion were preserved in all the assessments. Conclusion: In this experiment no changes were observed in the functions of external ciliary cells of albino guinea-pigs being treated with gentamicin in doses of 4 mg / kg / day and 2.5 mg / kg / day for every 12 hours in 10 and 14 days. KEY WORDS: hearing, drug toxicity, gentamicin, newborn INTRODUÇÃO Nossa audição assume um papel muito importante na comunicação humana. A deterioração da sensibilidade auditiva pode acarretar alterações psicossociais no indivíduo, uma vez que a perda da compreensão da fala significa romper uma forma de contato com o mundo e com as pessoas (Jacob et al., 2005). A identificação precoce das alterações auditivas possibilita a intervenção ainda no “período crítico” e ideal de estimulação da linguagem e da audição. O processo de maturação do sistema auditivo central ocorre durante os primeiros anos de vida. A experiência auditiva neste período de maior plasticidade cerebral, onde novas conexões neurais se estabelecem, é imprescindível para garantir o desenvolvimento da audição e da linguagem (Borges et al., 2006). Do ponto de vista fisiológico, a estrutura receptora auditiva é formada por células de sustentação e células receptoras ciliadas, localizadas no órgão de Corti. As células ciliadas externas não têm capacidade de receber o estímulo sonoro, mas tem a capacidade de contrairse de forma rápida e lenta devido as suas propriedades biomecânicas (Zorzetto, 1999). As células ciliadas externas constituem o amplificador coclear, sendo importante no mecanismo de amplificação do estímulo para determinar o funcionamento das células ciliadas internas, que são as unidades receptoras e codificadoras cocleares com papel importante na seletividade freqüencial da cóclea (Figueiredo, 2003). Quando o estímulo vibratório-mecânico atinge a cóclea estimula as células ciliadas externas. Esse estímulo vai ser amplificado em direção às células ciliadas internas. Assim, cria-se um eco (emissão otoacústica) que pode ser medido (Bento, 1998). As Emissões Otoacústicas (EOA) são energias sonoras de fraca intensidade que são amplificadas pela contração das células ciliadas externas, na cóclea, podendo ser captadas no meato acústico externo. Foram descobertas em 1978 pelo professor de biofísica da Audição da University College, em Londres, Dr. David T Kemp. Podem ser classificadas em: espontâneas – se captadas no meato acústico externo na ausência de estimulação acústica; evocadas – quando há liberação da energia captada no meato acústico externo em resposta a um estímulo acústico. As EOA evocadas classificam-se em transitórias – evocadas por estímulo acústico breve de espectro amplo que abrange uma gama de freqüências – clique ou tune burst; produto de distorção – evocadas por dois tons puros simultâneos (F1 e F2) que por intermodulação produzem como resposta um produto de distorção (2F1-F2); estímulo- 23 freqüência, evocadas por sinal continuo de fraca intensidade na freqüência do estimulo apresentado: são menos usadas clinicamente (Figueiredo, 2003). A perda auditiva pode ser congênita ou adquirida, podendo apresentar-se em diferentes graus e tipos. Dentre as causas adquiridas está o uso de drogas ototóxicas, que são medicamentos que causam reações tóxicas às estruturas da orelha interna afetando o sistema auditivo e/ou vestibular. De acordo com OLIVEIRA e BERNAL (2006) a ototoxicidade infantil é um tema bastante controverso. Têm sido relatados percentagens variáveis de casos de ototoxicidade em crianças com vários antibióticos aminoglicosídeos, como a estreptomicina, a diidrostreptomicina, a canamicina, a amicacina e a gentamicina , sendo esta uma importante droga no tratamento de muitas infecções causadas por bacilos gram-negativos. Como relata CHAMBERS e SANDE (1995), a gentamicina é o primeiro aminoglicosídeo de escolha por causa do seu baixo custo e por ser ativo na maioria dos bacilos gram-negativos aeróbicos resistentes Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves na UTI neonatal (Oliveira e Bernal, 2006). Segundo HYPPOLITO e OLIVEIRA (2005), os aminoglicosídeos provocam danos como o comprometimento das células ciliadas externas, lesando inicialmente as células da espira basal da cóclea. A incidência de ototoxicidade causada pela gentamicina varia de 6% a 16%. Conforme ALBUQUERQUE (2006), estudos em animais têm papel essencial no desenvolvimento da ciência. Pesquisas experimentais com animais têm sido importantes para o desenvolvimento de novas drogas, no aprimoramento do conhecimento acerca dos mecanismos fisiopatológicos de doenças, para empreender ensaios terapêuticos com novos fármacos, estudar marcadores biológicos e avaliar técnicas com perspectivas de aplicabilidade na espécie humana. A realização deste trabalho justifica-se pela importância de pesquisas que contribuam para um conhecimento mais aprofundado deste tema, possibilitando aos profissionais da saúde a adoção de procedimentos que busquem a manutenção da integridade auditiva para uma melhor qualidade de vida Fundamentado na literatura e procurando conhecer os resultados do uso da gentamicina em dosagens utilizadas na UTI neonatal, este estudo teve como objetivo verificar o aspecto funcional das células ciliadas externas da cóclea a esquemas terapêuticos utilizados para o tratamento de infecções no período neonatal. METODOLOGIA Neste experimento foram utilizadas 26 cobaias fêmeas, albinas, pesando em torno de 400 a 550 gramas, com reflexo de Preyer normal. No decorrer deste experimento as cobaias permaneceram no Laboratório de Técnica Cirúrgica Experimental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP). Os animais foram usados de acordo com as diretrizes desta instituição que está baseado no guia para o cuidado de animais de laboratório do Institute of Laboratory Animal Resources, Comission on Life Sciences, National Research council, National Academy Press, Washington, D. C., 1996. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em experimentação Animal (CETEA) da FMRP-USP sob o protocolo 073/2007. A droga utilizada nesta pesquisa foi o antibiótico aminoglicosídeo gentamicina (geramicin, 60 mg/ml, Laboratório Schering) administrado por via intramuscular. Os animais foram pesados a cada dois dias para controle da dosagem da droga. As cobaias foram submetidas à avaliação por emissões otoacústicas por produto de distorção em cabine com isolamento acústico e sob anestesia com cloridrato de cetamina (Ketamin 50mg/ml, Laboratório Cristália,) 40 mg/kg e xilazina (Dopaser 20 mg/ml, Laboratório Calier do Brasil,) 10 mg/kg, pré e pós-aplicação da gentamicina. O equipamento utilizado foi o ILO 92 CAE System Otodynamics LTD. As cobaias foram divididas em 5 grupos: grupo 1 – grupo controle (placebo) – constituído de duas cobaias (quatro cócleas) que receberam soro fisiológico na dosagem de 2,5 mg/kg/dia de 12 em 12 horas, por via intramuscular, pelo período de 14 dias; grupo 2: constituído de 6 cobaias (12 cócleas) que receberam gentamicina na dosagem de 4 mg/kg/dia pelo período de 10 dias; grupo 3: constituído de 6 cobaias (12 cócleas) que receberam gentamicina na dosagem de 4 mg/kg/dia pelo período de 14 dias; grupo 4: constituído de 6 cobaias (12 cócleas) que receberam gentamicina na dosagem de 2,5 mg/kg/dia de 12 em 12 horas, pelo período de 10 dias; grupo 5: constituído de 6 cobaias (12 cócleas) que receberam gentamicina na dosagem de 2,5 mg/kg/dia de 12 em 12 horas pelo período de 14 dias. Neste estudo foram consideradas para análise às emissões otoacústicas nas freqüências a partir de 1500 Hz que avaliam o estado funcional das células ciliadas externas na espira basal da cóclea, verificando a relação sinal/ruído das emissões. Para análise estatística foi 25 utilizado em primeira instância o teste de normalidade (Shapiro Wilk). Com a não normalidade dos dados optou-se pelos testes não paramétricos: variáveis dependentes (Wilcoxon) e independentes (Kruskal Wallis). O nível de significância utilizado foi de 5%. RESULTADOS Com relação à dose de Gentamicina utilizada, de 4 mg/Kg/dia, por 10 dias de tratamento consecutivo (grupo 2), não foram observadas alterações nas emissões otoacústicas por produto de distorção pré e pós tratamento (Figura 1) Figura 1: Fotografia da tela do programa ILO 92, mostrando emissões otoacústicas por produto de distorção de uma das cobaias tratadas com gentamicina 4 mg/kg/dia por 10 dias – pré (A) e pós (B) tratamento (no dia do sacrifício). 26 Quanto as emissões otoacústicas no grupo 3, tratados com Gentamicina, 4 mg/Kg/dia, por 14 dias os resultados pré e pós tratamento estão representados na Figura 2. Figura 2: Fotografia da tela do programa ILO 92, onde verificou-se a presença de respostas as emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo 3 (gentamicina 4 mg/Kg/dia por 14 dias) – pré (A) e pós (B) tratamento – no dia do sacrifício. Consideraram-se as emissões otoacústicas a partir de 1,5 kHz, pois as dimensões do conduto auditivo externo da cobaia fazem com que haja uma dificuldade de detecção das emissões otoacústicas abaixo desta freqüência, obtendo respostas que coincidem com as respostas do ruído. 27 A Figura 3 evidencia os resultados as emissões otoacústicas no grupo 4, tratado com Gentamicina 5 mg/Kg/dia, por 10 dias – pré e pós tratamento. Figura 3: Foto da tela do programa ILO 92, evidenciando as respostas das emissões otoacústicas por produto de distorção do grupo 4 (gentamicina 5 mg/Kg/dia por 10 dias) pré (A) e pós tratamento (B) - no dia do sacrifício. A foto da tela do programa ILO-92 onde se verificou a presença de respostas as emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo 5 (gentamicina, 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 hs, via intraperitoneal) por 14 dias pré e pós tratamento, está representada na figura 4. 28 Figura 4: Foto da tela do programa ILO 92 que mostra as emissões otoacústicas por produto de distorção pré (A) e pós (B) tratamento com gentamicina 5mg/Kg/dia por 14 dias. Em todas as avaliações, o estado funcional das células ciliadas externas, estudadas pelas emissões otoacústicas por produto de distorção, mostraram-se preservadas. Os gráficos abaixo mostram a relação sinal/ruído x freqüências entre os grupos em questão. 29 45 40 Diferença (Sinal/Ruído) - 4mg (10 dias) 35 30 25 20 15 10 5 0 -5 Direita PRÉ Direita PÓS Esquerda PRÉ Esquerda PÓS -10 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Freqüência Figura 5: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 2 (4mg / 10dias). 45 Diferença (Sinal/Ruído) - 4mg (14 dias) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 -5 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Direita PRÉ Direita PÓS Esquerda PRÉ Esquerda PÓS Freqüência Figura 6: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 3 (4mg / 14dias). 30 45 Diferença (Sinal/Ruído) - 5mg (10 dias) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 -5 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Direita PRÉ Direita PÓS Esquerda PRÉ Esquerda PÓS Freqüência Figura 7: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 4 (5 mg / 10dias). 45 Diferença (Sinal/Ruído) - 5mg (14 dias) 40 35 30 25 20 15 10 5 0 -5 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Direita PRÉ Direita PÓS Esquerda PRÉ Esquerda PÓS Freqüência Figura 8: Relação sinal/ruído x Freqüências do grupo 5 (5 mg/ 14dias). 31 Com relação à análise estatística dos dados apresentados, para comparar a relação sinal/ruído pré e pós tratamento com gentamicina, entre os grupos 2, 3, 4 e 5, foi utilizado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis. O resultado do teste foi p > 0,05 não mostrando diferença estatisticamente significante entre os grupos. DISCUSSÃO Após realizar um experimento utilizando emissões otoacústicas por produto de distorção em cobaias albinas tratadas com gentamicina, com o objetivo de verificar a funcionalidade das células ciliadas externas, constatamos que os resultados obtidos corroboram com os estudos já realizados sobre este tema. Segundo JACOB et al. (2006), não há dúvidas de que o monitoramento auditivo deve ser utilizado quando há exposição à medicação ototóxica por meio de procedimentos que apresentem elevada sensibilidade e especificidade. De acordo com a autora, para o monitoramento auditivo da população pediátrica, é recomendada a utilização das emissões otoacústicas as quais permitem constatar alterações auditivas antes que as freqüências mais significativas para a percepção da fala sejam afetadas, o que pode prevenir dificuldades no desenvolvimento psicossocial e acadêmico dos indivíduos. As drogas ototóxicas podem potencialmente alterar a biomecânica coclear afetando a audição (Oliveira et al. 2002). O teste de emissões otoacústicas é importante por avaliar a função das células ciliadas externas ao longo do órgão de Corti, possibilitando uma identificação tonotópica da lesão às células ciliadas cocleares. É útil para monitorar os estados de risco para a audição (Munhoz et al., 2000). De acordo com AMATUZZI et al. (2005), a incidência de perda auditiva sensorioneural em recém-nascidos tratados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) é de 2% a 4%, cerca de 13 vezes maior que em recém nascidos normais. Os fatores de risco para perda auditiva, como infecções congênitas, anoxia neonatal, hiperbilirrubinemia e uso de ototóxicos têm sido estudados por autores como Kountakis et al. (2002) e Hoog et al. (2003). McCracken (1986) apud Matz (1993) avaliou o potencial ototóxico dos aminoglicosídeos estreptomicina, kanamicina e gentamicina em sete estudos prospectivos com mais de 1300 recém-nascidos. Os resultados indicaram que o risco dos recém-nascidos desenvolverem clinicamente uma significante alteração auditiva após 3 a 7 dias do uso da gentamicina é muito pequeno. O referido autor concluiu que os aminoglicosídeos têm sido 32 utilizados com um grau elevado de segurança e eficácia em neonatos e crianças por mais de duas décadas, o que está de acordo com os achados nesse experimento. No estudo de AGARWAL et al. (2002), conduzido na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal do Cook Country Children’s Hospital IL, Chicago em 1999, foi comparada a farmacocinética da gentamicina 4 mg/Kg dose diária única com 2,5 mg/Kg a cada 12 horas em crianças com idade menor a 7 dias. Todas as crianças passaram por uma triagem auditiva usando o equipamento ALGO Natus. Os resultados foram distribuídos como Passou/Falhou em cada orelha. A sensibilidade dos resultados é de 98% e a especificidade de 96%. Todas as crianças passaram por um teste de acuidade auditiva antes da alta hospitalar. Neste estudo os autores concluíram que uma dose diária de 4 mg/Kg de Gentamicina apresentou um pico de concentração sérica significativamente maior, seguro e constante em todas as crianças comparada com o esquema de duas doses diárias de 2,5 mg/Kg de 12 em 12 horas. Conforme TRAN Ba HUY (1983), a gentamicina ganha os tecidos da orelha interna após sua administração sistêmica em concentrações que não excedem sua concentração plasmática, portanto não sendo ativamente acumulada na orelha interna. Sua concentração é menor na endolinfa que na perilinfa. Em aproximadamente 12 horas a gentamicina administrada sistemicamente atinge os líquidos da cóclea, levando em torno de 24 dias para a redução de seus níveis significativamente. A polaridade positiva do potencial endococlear parece favorecer a entrada de substâncias catiônicas como a gentamicina na escala média da cóclea. A comunicação entre o sistema vascular e os fluídos cocleares ocorre dos leitos capilares do ligamento espiral e stria vascularis da parede lateral da cóclea. As escalas vestibulares e timpânicas comunicam-se prontamente com os espaços do ligamento espiral, sendo que o espaço endolinfático pode ser atingido pela passagem indireta de drogas catiônicas das escalas vestibulares e timpânica e diretamente pela stria vascularis (Salt et al., 1991). Conforme MARTINS (2005) em seus estudos, quanto a duração do tratamento da septicemia neonatal, é recomendado um período variável de sete a 14 dias para os esquemas terapêuticos clínicos. Com as doses propostas neste experimento, não encontramos alterações significativas na relação sinal/ruído das EOAPD, sem alteração significativa na amplitude das mesmas, o que está em concordância com o que é mostrado na literatura. A literatura ainda é insuficiente para explicar completamente os efeitos ototóxicos de drogas como a gentamicina, principalmente em neonatos. Fatores de risco pré e perinatais associados ao uso de drogas ototóxicas, alterações do “clearance” renal e associação com múltiplas outras drogas aumentam o potencial de toxicidade da gentamicina. 33 A pesquisa otológica freqüentemente exige o uso de modelos experimentais, principalmente cobaias e ratos devido à facilidade de manejo e similaridade com a orelha humana (Albuquerque, 2006). É importante ressaltar que o resultado deste estudo se reserva à amostra estudada (cobaias albinas), pois, conforme SALT (2005), a interpretação de estudos experimentais, muitas vezes é complicada pela diferença entre as dimensões cocleares dos seres humanos e da maioria dos animais experimentais, o que deve ser considerado. Uma diversidade de estudos experimentais têm sido propostos para encontrar terapias menos tóxicas e meios de prevenção eficientes na proteção da cóclea contra agressão por agentes químicos e físicos (Oliveira et al. 2002). De maneira semelhante no presente experimento, foram considerados os aspectos de segurança na utilização de antibióticoterapia. CONCLUSÃO Neste experimento não foram observadas alterações no funcionamento das células ciliadas externas de cobaias albinas sob tratamento com gentamicina nas doses de 4 mg/Kg/dia e 2,5 mg/Kg/dia a cada 12 hs, por 10 e 14 dias. Agradecimentos: Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Laboratório de Microscopia Eletrônica do Departamento de Biologia Celular Molecular e Bioagentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGARWAL, G.; RASTOGI, A.; PYATI, S.; WILKS, A.; PILDES, R. S. Comparison of Once-Daily Versus Twice-Daily Genatmicin Dosing Regimens in Infants ≥ 2500 g. Journal of Perinatology 2002; 22: 268-274. 34 ALBUQUERQUE, A. S. Estudo Comparativo da Estrutura da Orelha Interna de Ratos e Cobaias Através da Microscopia Eletrônica de Varredura. 2006. 59 p. Monografia – Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Universidade de São Paulo, Jaboticabal. AMATUZZI, M. G.; NORTHROP, C.; BENTO, R.; EAVEY, R. Bases Histopatológicas da Perda Auditiva em Recém-nascidos de Alto Risco. Arq. Otorrinolaringol., São Paulo, v.9, n.3, p. 213-219, 2005. BENTO, R. F. 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ZORZETTO, N. L. Órgão vestíbulo-coclear. Marília: [s.n.], 1999. 4 ARTIGO DE PESQUISA ESTUDO ANATÔMICO DA COCLEOTOXICIDADE DA GENTAMICINA A DOSES HABITUIAS UTILIZADAS EM RECÉM-NASCIDOS MORFOLOGIC STUDY OF COCHLEOTOXICITY TO GENTAMICIN IN NEONATES USING HABITUAL DOSES RESUMO A gentamicina é um antibiótico que atua nas infecções causadas por bacilos Gramnegativos. Seu efeito colateral mais importante é a ototoxicidade. As ototoxicoses são afecções iatrogênicas provocadas por fármacos que alteram a orelha interna, podendo afetar o sistema coclear e/ou vestibular, alterando duas funções importantes: a audição e o equilíbrio. Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recémnascidos com infecções graves na UTI neonatal. Objetivos: verificar a ocorrência de lesão às células ciliadas externas (CCE) pela gentamicina com os esquemas de dose única de 4 mg/Kg/dia e de 2,5 mg/Kg/dia a cada 12 horas, por meio de um estudo anatômico por microscopia eletrônica de varredura (MEV) e estudo funcional através das emissões otoacústicas por produto de distorção (OEAPD). Forma de Estudo: Experimental. Material e Métodos: Foram avaliadas 26 cobaias albinas através das EOAPD pré e pós-tratamento com gentamicina. Para a avaliação anatômica por MEV, as cobaias foram sacrificadas em tempo programado após a administração das drogas via intramuscular. Resultados: A avaliação do estado funcional das CCE mostrou preservação das OEAPD em todas as cobaias. Os resultados da MEV, depois de fotografados foram analisados através da contagem do número de CCE da espira basal da cóclea em determinado campo fotográfico. Conclusão: Não foram observadas lesões ou alterações no funcionamento das células ciliadas externas mediante a dosagem aplicada em cobaias albinas, de 4 mg/Kg/dia (dose única) e 2,5 mg/Kg/dia a cada 12 horas, utilizadas por 10 e 14 dias. PALAVRAS-CHAVE: gentamicina, microscopia eletrônica de varredura, toxicidade 37 ABSTRACT Gentamicin is an antibiotic that acts in Gram-negative bacilli infections. Its most important side effect is the ototoxicity. Ototoxicity is an iatrogenic disturb provoked by drugs that modify the internal ear, and they can affect the cochlear and/or vestibular system even changing two important functions: equilibrium and audition. The main pediatric groups that receive aminoglicosides antibiotics are new borns with serious infections in Neonate’s intensive care unit. Goals: to verify the lesion occurrence to the external ciliary cells (CCE) by gentamicin with the one dose schemas 4 mg/kg/day and 2,5 mg/kg/day in each 12 hours, through an anatomic study by electronic microscopy (MEV) and function study through otoacustic emissions distortion product (OEAPD). Way of Study: Experimental. Material and Method: 26 albino guinea pigs have been studied through OEAPD pre and pos treatment with gentamicin. The guinea pigs were sacrificed in the programmed time after the intramuscular administration of the drugs in order to anatomic evaluation by MEV. Results: the evaluation of the functional state of the CCE had shown presence of the OEAPD in all of the guinea pigs. The MEV results, after it has been photographed were analyzed through count of the number of the CCE in cochlear basal turn to a specific photographic field. Conclusion: It has not been observed injuries or changes on the functions of external ciliary cells due to the a dose of 4 mg/Kg/day and 2,5 mg/Kg/day for each 12 hours in 10 and 14 days for albino guinea-pigs. KEY-WORDS: gentamicin, electronic microscopy, drug toxicity INTRODUÇÃO A gentamicina é um antibiótico de ação bactericida que atua principalmente nas infecções causadas por bacilos Gram-negativos. É o primeiro aminoglicosídeo de escolha por causa do baixo custo e por ser ativo na maioria dos bacilos Gram-negativos aeróbicos resistentes (Chambers e Sande, 1995). O efeito colateral mais importante e sério é a ototoxicidade, que ocorre em 2% das pessoas que recebem gentamicina e que pode ser grave. Os pacientes em tratamento com gentamicina devem ter as funções auditivas e vestibulares controladas em intervalos freqüentes (Trabulsi e Soares, 1998). As ototoxicoses são afecções iatrogênicas provocadas por fármacos que alteram a orelha interna (labirinto). Essas substâncias podem afetar o sistema coclear, o sistema vestibular, ou ambos, alterando duas funções importantes do organismo: a audição e o equilíbrio respectivamente. Ocorre ototoxicose quando há perda auditiva neurossensorial de mais de 25 dB em uma ou mais freqüências de 250 a 8000 Hz e, ou quando ocorrem manifestações vestibulares como vertigem, ou desequilíbrio. Dos grupos de fármacos ototóxicos, os antibióticos aminoglicosídeos são os mais estudados (Hyppolito e Oliveira, 2005; Oliveira e Bernal, 2006). Dentre os aminoglicosídeos, a gentamicina é considerada um dos antibióticos mais potentes do grupo. A toxicidade da gentamicina depende de alguns fatores, tais como: dosagem, intolerância individual, potenciação de efeitos de outras drogas, idade, alterações renais e indivíduos que já apresentam problemas auditivos anteriores (Ganança et al., 1997). Os principais grupos pediátricos que recebem antibióticos aminoglicosídeos são recém-nascidos com infecções graves na UTI neonatal (Oliveira e Bernal, 2006). A perda auditiva bilateral apresenta elevada incidência, ocorrendo em cerca de três para cada 1.000 nascidos vivos, e de dois a quatro para cada 100 recém-nascidos egressos de unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal (Lima et al., 2006). Tendo em vista alterações auditivas causadas pela sua utilização, é importante a monitorização da audição em pacientes usuários de drogas ototóxicas, para determinar a progressão da ototoxicidade e quando ela se inicia (Dishtchekenian et al., 2000). O monitoramento deve ser realizado porque providencia evidências precoces do limite da dose para perdas auditivas, levando à possibilidade de prevenção ou redução da severidade da ototoxicidade e, quando instalada a perda auditiva, há possibilidade de reabilitação auditiva com a adaptação do aparelho de amplificação sonora (Jacob et al., 2006). 39 Conforme HYPPOLITO e OLIVEIRA (2005), os aminoglicosídeos provocam danos como o comprometimento das células ciliadas externas, lesando inicialmente as células da espira basal da cóclea. A incidência de ototoxicidade pela gentamicina varia de 6% a 16%. As emissões otoacústicas, detectadas por Kemp (1978) no conduto auditivo externo de humanos, medem o “feedback” da energia biomecânica na contração das células ciliadas externas, que amplifica o pico da “onda viajante” na membrana basilar e têm aplicação clínica na avaliação da integridade auditiva, refletindo a funcionalidade das células ciliadas externas, sendo o único meio não-invasivo de investigação coclear objetivo (Hyppolito, 2003). Sendo as alterações cocleares irreversíveis e tendo como seqüelas as perdas auditivas neurossensorias, a forma de impedí-las seria a prevenção (Hyppolito e Oliveira, 2005). A preocupação com o diagnóstico precoce da deficiência auditiva tem sido uma constante, pois estudos já relataram prejuízos causados por essa deficiência muitas vezes irreversíveis, afetando não apenas a linguagem, mas também o desenvolvimento global da criança. [Uchôa et al., (2003); Hoog (2003); Kountakis (2002); Jacob (2006); Lima (2006)] Neste sentido, a realização deste trabalho justifica-se pela importância de pesquisas que contribuam para um conhecimento mais aprofundado deste tema, possibilitando aos profissionais da saúde a adoção de procedimentos que busquem a manutenção da integridade auditiva para uma melhor qualidade de vida. Fundamentado na literatura e procurando conhecer os resultados do uso da gentamicina em dosagens utilizadas na UTI neonatal, este estudo teve como objetivo verificar a ocorrência de lesão das células ciliadas externas pela gentamicina com os esquemas de dose única de 4 mg/Kg/dia como recomendada por YOUNG E MANGUM (2006) na NEOFAX (um manual de neonatologia usado como referência) comparada ao esquema tradicional de 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas (Agarwal et al., 2002), por meio de estudo funcional através das emissões otoacústicas por produtos de distorção e um estudo anatômico por microscopia eletrônica de varredura. Assume importância efetiva a verificação dos possíveis efeitos ototóxicos realizada no presente estudo, pois esse procedimento tem sido adotado e pesquisado por outros autores, como SHA e SCHACHT (1999), OLIVEIRA et al. (2004) e MAUDONNET (2005). 40 REFERENCIAL LITERÁRIO A necessidade do emprego dos antibióticos aminoglicosídeos por períodos prolongados de tempo para o adequado tratamento da tuberculose propiciou o aparecimento de efeitos colaterais principalmente relacionados com a nefro e ototoxicidade. A incidência e intensidade dos fenômenos ototóxicos dependem da via de administração, da dose e da duração do tratamento (Grellet et al., 1974). Os antibióticos aminoglicosídeos demonstraram ser altamente eficaz, e seriam mais utilizados não fosse a sua peculiar capacidade de danificar o rim e a orelha interna. Esta predileção ototóxica dos aminoglicosídeos está relacionada com o modo particular de concentração e excreção destas substâncias nos líquidos da orelha interna. Estes antibióticos permanecem por muito mais tempo em concentração elevada na endolinfa e sua eliminação ocorre independente da sua excreção em nível plasmático (Cruz et al., 1985). Segundo SCHWEITZER (1993), o monitoramento audiológico deve fazer parte do protocolo de atendimento aos indivíduos expostos a agentes ototóxicos, o que poderá possibilitar uma prevenção ou redução da severidade da ototoxicidade. Outro motivo é que, quando o tratamento por meio de uma droga ototóxica for indispensável, o paciente, a partir do monitoramento e detecção precoce de alguma alteração auditiva, poderá fazer o uso de algum método de reabilitação. BRICKS et al. (1994) mencionaram que na última década, a sobrevivência de crianças muito prematuras, com peso de nascimento inferior a 1000 g, tem despertado um maior interesse sobre o uso terapêutico e a ação de drogas e agentes físicos no período neonatal. Os fármacos causam diversos graus de dano coclear, mas a lesão típica das células ciliadas cocleares é comum a todos os agentes ototóxicos. O maior dano ocorre sobre as células cocleares responsáveis pelos sons de alta freqüência. Sabe-se que para estabelecer um tratamento adequado, há necessidade de um conhecimento preciso sobre a ação fisiológica e fisiopatológica das drogas, mas os estudos em seres humanos, especialmente em recémnascidos prematuros de muito baixo peso (RNPT-MBP), são difíceis de se obter e sua interpretação é extremamente complexa. Segundo CHAMBERS e SANDE (1995), o sulfato de gentamicina é disponível em várias formas: frascos e seringas, injeção intratecal, pomada e creme, pomada oftálmica. A dose intramuscular ou intravenosa para adultos é de 2 mg/Kg aumentando a dose para 3 a 5 mg/Kg por dia, sendo 1/3 administrado a cada oito horas. Inúmeras doses foram sugeridas para lactentes, mas a dosagem de 2 a 2,5 mg/Kg a cada oito horas tem se mostrado segura 41 para crianças acima de 2 anos; a dose de 5 mg/Kg fracionadas em duas doses em intervalos iguais tem sido recomendada para neonatos com infecções graves. Uma única dose diária administrada sozinha em infusão de 30 a 60 minutos também tem sido utilizada. A descoberta da gentamicina em 1963, por Weinstein, foi um grande marco na história dos aminoglicosídeos porque, além de sua tolerabilidade razoável, é ativa contra muitas espécies bacterianas. Todos os aminoglicosídeos são potencialmente tóxicos para o labirinto anterior e posterior. A disfunção auditiva pode manifestar-se gradualmente, com zumbidos discretos e perda da audição para sons de alta freqüência, mas se tais sintomas forem negligenciados, poderá instalar-se surdez eventualmente completa. Os efeitos ototóxicos dos aminoglicosídeos dependem da dose, duração da terapêutica, estado do paciente (função renal, idade, suscetibilidade individual) e características da droga. (Trabulsi e Soares, 1998). De acordo com DISHTCHEKENIAN et al. (2000), a deficiência auditiva tem sido considerada uma doença severamente incapacitante, em virtude do papel da audição na comunicação humana. Esta pode ser causada por diversos fatores etiológicos, congênitos ou adquiridos, além de apresentar graus e tipos variados. Uma das causas da deficiência auditiva adquirida é o uso de drogas ototóxicas. Essas drogas lesam as estruturas sensoriais da orelha interna, podendo afetar tanto o sistema auditivo quanto o vestibular. Existem diferentes métodos para avaliar a audição em animais experimentais. O primeiro método, utilizando o reflexo de Preyer, foi descrito em 1882 com uma técnica de avaliação da audição em cobaias. Esta técnica simples envolve a administração de um estímulo sonoro alto como bater as palmas ou apresentação de um som metálico, seguida da observação da reação reflexa do animal, movimentação do pavilhão auricular e piscar dos olhos. A observação do reflexo de Preyer é usada principalmente para determinar se a cobaia tem uma resposta auditiva ou não (Jero et al., 2001). Denes e Kocker em 1961 apud OLIVEIRA et al. (1977), concluíram em seus estudos que a medida do reflexo de Preyer era um teste de confiança para uma avaliação quantitativa da audição, desde que fosse excluído o alto grau de reverberação que existe na maioria das salas comuns. HOPMAN et al. (2002), relataram que a ototoxicidade refere-se ao prejuízo quimicamente induzido às porções da orelha interna, lesando as células ciliadas do órgão de Corti e das máculas e cristas do sistema vestibular, resultando em diversos graus de perda auditiva neurossensorial e vertigem. Segundo ZOCOLI et al. (2003), a ototoxicidade é definida como a perda parcial ou total da função vestibular e/ou coclear em decorrência do uso de drogas, geralmente com finalidades terapêuticas ou por exposição a substâncias tóxicas e o grau de severidade 42 depende da predisposição individual, dose, duração do tratamento, via de administração, idade, tendência familiar e/ou de eventual dano prévio à orelha interna. Este estudo corrobora com KÓS e KÓS (1998) que referem que ototoxicidade depende de alguns fatores como a predisposição individual, e a presença de insuficiência renal, que pode permitir o acúmulo do medicamento na corrente circulatória. ROCHA et al. (2003), referiram que os recém-nascidos internados na unidade de cuidados intensivos são majoritariamente prematuros (idade gestacional inferior a 31 semanas). As técnicas utilizadas no tratamento destes pacientes e os riscos obstétricos inerentes parecem estar associados com o aumento do risco infeccioso. A gentamicina é freqüentemente usada no tratamento e prevenção de sépsis neste grupo de recém-nascidos. Nossa audição assume papel importante na comunicação humana. A deterioração da sensibilidade auditiva pode acarretar uma série de alterações psicossociais no indivíduo, uma vez que a perda da compreensão da fala significa romper uma forma de contato com o mundo e com as pessoas (Jacob et al. 2005). A ototoxicidade de algumas drogas pode ser estudada em cobaias Segundo HYPPOLITO et al. (2003), as cobaias albinas foram escolhidas pelo fácil manejo, pela facilidade de dissecção coclear e manipulação, facilidade para vias de infusão para as drogas anestésicas e drogas em experimentação, pela via intraperitoneal ou intramuscular, e por serem mais sensíveis à droga estudada. Conforme OLIVEIRA e BERNAL (2006), dos grupos de fármacos ototóxicos, os antibióticos aminoglicosídeos são os mais estudados. Na fase aguda, essas substâncias, combinam-se com os receptores das membranas das células ciliadas externas do órgão de Corti, ou das máculas sacular e utricular e cristas do sistema vestibular. Quando ocorre lesão coclear, há destruição das células ciliadas do órgão de Corti e a perda auditiva é irreversível, não havendo tratamento. Nesses casos, dependendo do grau de hipoacusia, o paciente deverá ser submetido à reabilitação da audição e da linguagem. Sendo assim, a única possibilidade de defesa contra a seqüela da ototoxicidade por aminoglicosídeos é a prevenção. De acordo com ALBUQUERQUE (2006), estudos em animais têm papel essencial no desenvolvimento da ciência. Pesquisas experimentais com animais têm sido importantes para o desenvolvimento de novas drogas, no aprimoramento do conhecimento acerca dos mecanismos fisiopatológicos de doenças, para empreender ensaios terapêuticos com novos fármacos, estudar marcadores biológicos e avaliar técnicas com perspectivas de aplicabilidade na espécie humana. 43 METODOLOGIA Neste estudo, foi escolhido como animal experimental cobaias albinas, pelo fácil manejo, pela facilidade de dissecção coclear e manipulação, facilidade para vias de infusão para as drogas anestésicas e da droga em experimentação pela via intramuscular. Com a cobaia pode-se manter adequados cuidados, seguindo as diretrizes baseadas no guia para os cuidados e uso de animais de laboratório do Institute of Laboratory Animal Resources, comission on life sciences, National Research Council, National Academy Press, Washington, DC. (1996). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Experimentação Animal (CETEA) da FMRP-USP sob o protocolo 073/2007. Os animais foram mantidos no biotério da Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Para este estudo foram utilizadas 26 cobaias albinas (Cavia porcellus – linhagem Inglesa) pesando entre 400 e 500 gramas. Os animais foram selecionados do biotério central da Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto, através da pesquisa do reflexo de Preyer (Jero et al., 2001). As cobaias foram submetidas a uma triagem auditiva por emissões otoacústicas por produto de distorção em cabine com isolamento acústico e sob anestesia com Ketamina (65 mg/Kg). Aquelas que apresentaram emissões otoacústicas por produto de distorção presentes foram consideradas para o experimento. As cobaias foram divididas em cinco grupos de estudo: Grupo 1: controle - 2 animais – 4 cócleas - soro fisiológico 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas (via intramuscular) por 14 dias. Grupo 2: 6 animais – 12 cócleas – gentamicina 4 mg/Kg/dia em dose única (via intramuscular) por 10 dias. Grupo 3: 6 animais – 12 cócleas – gentamicina 4 mg/kg/dia em dose única (via intramuscular) por 14 dias. Grupo 4: 6 animais – 12 cócleas – gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12/12 horas (via intramuscular) por 10 dias. Grupo 5: 6 animais – 12 cócleas – gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12/12 horas (via intramuscular) por 14 dias. As emissões otoacústicas foram realizadas no início do tratamento e antes dos animais serem sacrificados para os estudos em Microscopia Eletrônica. 44 O teste de emissões otoacústicas por produto de distorção foi realizado pré-tratamento e pós-tratamento, ou seja, momentos antes dos animais serem sacrificados, seguindo a relação de freqüência 2F1-F2 com relação F1:F2 = 1,22, resolução 2 pontos por oitava. O equipamento utilizado foi: ILO 92 CAE System Otodynamics LTD. Foram consideradas as emissões otoacústicas a partir de 1,5 kHz, pois as dimensões do conduto auditivo externo da cobaia fazem com que haja uma dificuldade de detecção das emissões otoacústicas abaixo desta freqüência, obtendo respostas que coincidem com as respostas do ruído. Assim, foi observado o chamado “DPGRAM”, o audiococleograma, onde se tem um estímulo que é o som e uma resposta que também é um som e que fornece a função das células ciliadas externas cocleares responsáveis pelas freqüências analisadas (Lopes Filho, et al, (1995)). Neste estudo, consideramos como mais importante as emissões otoacústicas nas freqüências mais agudas que avaliam o estado funcional das células ciliadas externas na espira basal da cóclea, no entanto, a avaliação é qualitativa. Foram consideradas as emissões otoacústicas por produto de distorção como presentes e ausentes. Para a avaliação anatômica por Microscopia Eletrônica de Varredura, as cobaias foram sacrificadas em tempo programado após a administração das drogas via intramuscular. As cobaias foram anestesiadas com cloridrato de cetamina (Ketamin 50mg/ml, Laboratório Cristália,) 40 mg/kg e xilazina (Dopaser 20 mg/ml, Laboratório Calier do Brasil,) 10 mg/kg e depois sacrificadas pelo método de decapitação. Seus ossos temporais contendo as bulas timpânicas foram rapidamente removidos e abertos para a exposição da cóclea. Os ossos temporais foram abertos com uma tesoura forte de dissecção, que foi colocada na coluna cervical posteriormente fazendo-se um corte no crânio no sentido longitudinal mediano estendendo-se posteriormente às orelhas. Depois, usando as mãos, tendo o conduto auditivo externo como orientação, a bula foi localizada com os polegares e num movimento de dentro para fora foi separada das outras estruturas e com ela presa entre os dedos foi sendo torcida num movimento suave para que os tecidos se soltassem e a liberassem. A bula foi aberta segurando-a com uma das mãos e com uma pinça hemostática delicada foi realizada uma abertura no sinus aéreo posterior (mastóide) seguindo pela sua saliência até a ponta do rochedo. Em seguida, posicionando a pinça no conduto auditivo 45 externo e sinus aéreo anterior, num só movimento foi quebrada e levantada toda parte óssea da bula expondo a cóclea. O material foi fixado injetando-se lentamente glutaraldeído 3%, através de uma abertura feita no ápice da cóclea e da janela redonda e permaneceram em imersão por 4 horas a 4°C. O material foi lavado várias vezes em solução tampão fosfato 0,1M e submetido à microdissecção para exposição das espiras cocleares. Os passos seguintes foram realizados no Laboratório de Microscopia Eletrônica do Departamento de Morfologia da FMRP-USP. Após a fixação com glutaraldeído 3% e lavagem com solução tampão 0,1M, as cócleas foram refixadas em solução de tetróxido de ósmio a 1% em tampão fosfato 0,1M por 2 horas a 4°C, e depois, lavadas seguidamente em tampão fosfato 0,1M e pH de 7,3. Logo após foi feita a desidratação das estruturas através de banhos de etanol em concentrações crescentes de 50, 70, 90 e 95%, durante cerca de 10 minutos cada. A seguir utilizou-se o etanol 100% em três banhos de 20 minutos cada, deixando-se no último banho as estruturas imersas à temperatura ambiente por 12 horas. A água ainda presente no material após a desidratação foi removida no processo de secagem, realizado pelo método do ponto crítico com dióxido de carbono (CO2) líquido. A amostra contida em um recipiente adequado foi transferida para a câmara de secagem do aparelho de ponto crítico (BAL-TEC-CPD 030 – Critical Point Dryer) onde, através de sucessivos banhos com dióxido de carbono líquido a 4°C, o etanol foi eliminado. Depois de completamente retirado o etanol, o material foi submetido a um aumento da temperatura até 40°C para que o dióxido de carbono passasse do estado líquido para o estado gasoso, o que acontece a 31°C – ponto crítico. Com o material seco foi realizada a montagem das cócleas em porta-espécime cilíndrico (stubs) metálico com pasta condutiva de carbono. Os materiais biológicos são maus condutores de eletricidade e calor, e não podem ser observados à microscopia eletrônica de varredura, a menos que transformados em materiais eletricamente condutivos. Utiliza-se para tal a cobertura destes materiais com uma fina camada de ouro aplicado com o vaporizador (BAL-TEC SCD 050 – Sputter Coater). Foi utilizado o Microscópio Eletrônico JEOL SCANNING MICROSCOPE – JSM 5200 para visualização do material. Os resultados da microscopia eletrônica de varredura, depois de fotografados foram analisados através da contagem do número de células ciliadas externas da espira basal da cóclea em determinado campo fotográfico. 46 RESULTADOS Na análise dos resultados, desconsideramos o ápice para avaliação anatômica por dois motivos: primeiro por se tratar de uma região da cóclea responsável pelos sons graves, sabendo-se que a gentamicina compromete os sons agudos e outro, que foi o fator determinante, é de que o ápice da cóclea mostra um padrão habitual de desarranjo, mesmo em cobaias normais, que não foram submetidas à lesão por ototóxicos ou trauma acústico. A avaliação do estado funcional das células ciliadas externas estudadas pelas emissões otoacústicas por produto de distorção, mostrou preservação da resposta em todas as cobaias de todos os grupos. Com relação à dose de gentamicina utilizada, 4 mg/Kg/dia por 10 dias de tratamento consecutivo (grupo 2), observamos à microscopia eletrônica de superfície a presença de células ciliadas externas na espira basal, espira 2 (E2), espira 3 (E3) da cóclea, sendo estas presentes em todas as fileiras (Figura 9). Não foram observadas alterações nas emissões otoacústicas por produto de distorção pré e pós-tratamento (Figura 10). Figura 9: Foto de Microscopia Eletrônica de Varredura com aumento de (500X) da espira basal da cóclea de uma das cobaias tratadas com Gentamicina 4 mg/Kg/dia por 10 dias – pós tratamento (no dia do sacrifico) 47 Figura 10: Fotografia da tela do programa ILO 92, mostrando as emissões otoacústicas por produto de distorção de uma das cobaias tratadas com gentamicina 4 mg/Kg/dia por 10 dias, pré (A) e pós (B) tratamento (no dia do sacrifício). No grupo tratado com 4 mg/Kg/dia por 14 dias (grupo 3), todas as células ciliadas externas estavam presentes em todas as fileiras e em todas as espiras. (Figura 11). Na avaliação da funcionalidade das células ciliadas externas através das emissões otoacústicas, verifica-se a presença destas pré e pós-tratamento. (Figura 12) 48 Figura 11: Foto de Microscopia Eletrônica de Varredura da espira basal da cóclea de cobaia tratada com 4 mg/Kg/dia por 14 dias de gentamicina, com presença de células ciliadas externas em todas as fileiras (aumento de 350 X). 49 Figura 12: Foto da tela do programa ILO 92 onde verificamos a presença de resposta ás emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo tratado com gentamicina 4 mg/Kg/dia por 14 dias, pré (A) e pós (B) tratamento (no dia do sacrifício). No grupo tratado com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 hs por 10 dias, notouse a presença de todas as células ciliadas externas na espira basal e sem distorção dos cílios tanto nas células ciliadas externas quanto nas internas (figura 13). Quanto às emissões otoacústicas deste grupo, os resultados estão representados na Figura 14. Estas estiveram presentes em todas as orelhas testadas. 50 Figura 13: Microscopia Eletrônica de Varredura da cóclea de uma das cobaias tratadas com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas por 10 dias consecutivos. 51 Figura 14: Foto da tela do programa ILO 92 onde se verificou a presença de respostas as emissões otoacústicas por produto de distorção no grupo tratado com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia por 10 dias, pré (A) e pós) tratamento (no dia do sacrifício). O grupo tratado com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas, não apresentou alteração das células ciliadas externas em nenhuma das espiras após o tratamento por 14 dias (Figura 15). As emissões otoacústicas mostraram-se presentes neste grupo (Figura 16). 52 Figura 15: Foto de Microscopia Eletrônica de Varredura da espira basal da cóclea do grupo tratado com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas por 14 dias. 53 : Figura 16: Foto da tela do programa ILO 92 indicando a presença das emissões otoacústicas por produto de distorção pré (A) e pós (B) tratamento com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas por 14 dias. DISCUSSÃO As emissões otoacústicas por produto de distorção foram utilizadas neste estudo, por ser um método simples e representativo do estado funcional das células ciliadas externas, as quais, segundo a bibliografia consultada, podem sofrer os possíveis efeitos de ototoxicidade da gentamicina. Decidiu-se estudar os efeitos da gentamicina nas células ciliadas externas de cobaias albinas devido a alguns estudos de autores como TRABULSI e SOARES (1998); OLIVEIRA 54 e BERNAL (2006); ROCHA et al. (2003) que afirmaram que entre os antibióticos aminoglicosídeos, por suas ações contra muitas espécies de bactérias, a gentamicina é o mais utilizado em recém nascidos. Autores como GRELLET et al. (1974) e CRUZ et al. (1985), também referiram-se à eficácia dos antibióticos aminoglicosídeos usados no tratamento contra bacilos Gram-negativos. Segundo HARRISON apud OLIVEIRA 2002, a microscopia eletrônica de varredura, método bastante utilizado em estudos da ototoxicidade, permite um estudo minucioso do órgão de Corti normal e alterado, ao nível da cóclea. Na nossa pesquisa foi realizado um estudo experimental com animais para se obter um conhecimento mais abrangente sobre os possíveis efeitos ototóxicos da gentamicina, pesquisando aspectos específicos vistos em microscopia eletrônica de varredura sobre as células envolvidas diretamente com a audição, o que serve de alicerce aos achados clínicos. Concordamos com JACOB et al. (2005), quando a referida autora enfatiza o papel de relevância da audição na comunicação humana, embora tenhamos utilizado uma metodologia diferenciada em nosso trabalho. Autores como HOPMAN et al. (2002), relataram a ototoxicidade quanto aos prejuízos induzidos às células ciliadas do órgão de Corti, das máculas e das cristas ampulares. Já OLIVEIRA e BERNAL (2006), caracterizaram a ototoxicidade em fase aguda sobre as células citadas pelos autores anteriores, só que chamam a atenção para a ocorrência de lesão coclear que causa perda auditiva irreversível. Porém no nosso experimento, observamos a ausência dos efeitos ototóxicos como perda de função coclear, ou vestibular, segundo a descrição de Zocoli et al., (2003). A utilização de cobaias albinas demonstrou ser a conduta acertada para o estudo de ototoxicidade da gentamicina pelo fácil manejo, dissecção coclear acessível, adequação para aplicação da droga e sensibilidade ao medicamento em verificação, a exemplo do que utilizaram HYPPOLITO et al. (2003). No presente estudo considerou-se o uso da gentamicina em dosagens utilizadas na UTI neonatal e extrapoladas para as cobaias para que tornasse possível avaliar a segurança no emprego desse antibiótico aminoglicosídeo, alicerçando-se como referencial para os possíveis efeitos ototóxicos, como também foi a preocupação de BRICKS et al. (1994) sobre o uso terapêutico e a ação de drogas em seres humanos, principalmente em crianças recém nascidas. No entanto ao trabalhar-se com animais experimentais, como também o fez ALBUQUERQUE (2006) para avaliar técnicas com perspectivas de aplicabilidade na espécie humana, foi possível avançar em achados significativos, principalmente, aqueles 55 microscópicos e não considerando outras variáveis da utilização de diferentes doses [Chamber’s e Sande (1996); Trabulsi e Soares (1998); Kós e Kós (1998) e Zocoli et al. (2003)]. Todos os aminoglicosídeos apresentam toxicidade coclear e vestibular, no entanto, existe uma seletividade tóxica. A estreptomicina e a gentamicina têm uma toxicidade predominantemente vestibular e a canamicina e amicacina são predominantemente cocleotóxicas (Oliveira, 1998; Oliveira e Bernal, 2006). Segundo autores como OLIVEIRA et al. 1977; MATZ, 1993, a associação com outras drogas potencialmente ototóxicas, principalmente os diuréticos de alça (ácido etacrínico) potencializam os efeitos ototóxicos dos aminoglicosídeos e dos próprios diuréticos. Acreditase que os aminoglicosídeos atuem nas membranas celulares da orelha interna aumentando a sua permeabilidade e facilitando a entrada e toxicidade destes diuréticos. Cabe ressaltar que no nosso experimento não foi realizada a administração de outras drogas associada à gentamicina. Para autores como OLIVEIRA e BERNAL (2006), os danos à orelha interna ocorrem predominantemente na espira basal, seguindo para a apical com comprometimento maior a primeira fileira de CCE, com posterior extensão para as CCI, estria vascular, ligamento espiral e membrana de Reissner. No experimento por nós realizado, não foi encontrado nenhum dano em nenhuma das espiras da orelha interna. Segundo SCHACHT (1993), os aminoglicosídeos, alterando a permeabilidade da membrana das CCE, acarretam comprometimento da síntese de proteínas, DNA, RNA, metabolismo energético mitocondrial, transporte iônico, síntese ou degeneração de prostaglandinas, mucopolissacarídeos, lipídeos e gangliosídeos Uma vez na cóclea sua eliminação é lenta, sendo que a lesão celular está relacionada a uma ligação com o Fe+3, o que leva à formação de espécies reativas de oxigênio com dano mitocondrial oxidativo (Hutchin e Cortopassi, 1994; Oliveira et al. 2003). No nosso experimento, embora utilizando aminoglicosídeos, não encontramos nenhuma lesão em nenhuma espira e em nenhuma fileira das células ciliadas externas pesquisadas. Para CHAMBERS (2003), o efeito ototóxico geralmente é irreversível, dependendo da dose e do tempo de exposição. Com o prolongamento de sua utilização a lesão ototóxica progride da base para o ápice da cóclea, seguindo-se de uma degeneração retrógrada do nervo coclear. SHA e SCHACHT (1999) utilizando doses elevadas de gentamicina, 120 mg/Kg/dia, conseguiram reproduzir uma perda auditiva de 10 a 40 dB em 3kHz e de 50 a 70 dB em 18 kHz, realizando sua avaliação após quatro semanas de administração da droga. Em uma 56 análise por microscopia eletrônica de varredura, detectaram perda total de células ciliadas externas na espira basal da cóclea com preservação das células ciliadas internas. OLIVEIRA et al. (2004) e MAUDONNET (2005) demonstraram que uma dose baixa de gentamicina de 10 mg/Kg/dia por trinta dias consecutivos mantém a estrutura anatômica das CCE e CCI e sua funcionalidade, sem alterar as EOAPD. Em nosso experimento, não foi observada lesão ototóxica pelo uso da gentamicina no período de 10 e 14 dias nas dosagens de 4mg/kg/dia e 2,5 mg/kg/dia a cada 12h, estando de acordo com os achados científicos utilizando baixa dosagem. A verificação da função auditiva em presença de antibioticoterapia, no nosso experimento, está de acordo com a preocupação demonstrada por SCHWEITZER (1993) e JACOB (2006), quanto ao monitoramento auditivo como parte integrante do protocolo de atendimento aos indivíduos expostos a agentes ototóxicos. Corrobora também aos achados de DISHTCHEKENIAN et al. (2000), que aponta para a deficiência auditiva como doença severamente incapacitante e que o uso de drogas ototóxicas pode causar injúrias tanto auditivas como vestibulares e isto vem ao encontro da justificativa que preconizou a realização do presente estudo, além do que, ao estabelecer o nível de segurança no uso terapêutico da gentamicina pode ter efeito preventivo quanto as perdas auditivas neurossensoriais, preocupação análoga descrita por HYPPOLITO e OLIVEIRA (2005). Nesta pesquisa, a confrontação dos resultados obtidos pela microscopia eletrônica de varredura com os achados funcionais das emissões otoacústicas nos forneceu dados conclusivos para a ausência de danos celulares a nível auditivo periférico. Tais achados podem explicar a ausência de lesão das células ciliadas externas decorrentes da administração de doses habituais de gentamicina utilizada em UTI neonatal (4 a 5 mg/Kg/dia por 10 a 14 dias consecutivos), desconsiderando-se outros fatores de risco para a surdez neonatal e sua utilização concomitante a outras drogas potencialmente ototóxicas. CONCLUSÃO Não foram observadas lesões ou alterações no funcionamento das células ciliadas externas mediante a dosagem aplicada em cobaias albinas, de 4 mg/Kg/dia (dose única) e 2,5 mg/Kg/dia a cada 12 horas, utilizadas por 10 e 14 dias. 57 Agradecimentos Laboratório de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. Laboratório de Microscopia Eletrônica do Departamento de Biologia Celular Molecular e Bioagentes da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP. Laboratório de Neurobiologia da audição e Microdissecção do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGARWAL, G.; RASTOGI, A.; PYATI, S.; WILKS, A.; PILDES, R. S. Comparison of Once-Daily Versus Twice-Daily Genatmicin Dosing Regimens in Infants >_ 2500 g. Journal of Perinatology 2002; 22: 268-274. ALBUQUERQUE, A. S. Estudo Comparativo da Estrutura da Orelha Interna de Ratos e Cobaias Através da Microscopia Eletrônica de Varredura. 2006. 59 p. Monografia – Ciências Agrárias e Veterinárias – UNESP, Universidade de São Paulo, Jabotyicabal. BRICKS L. F.; WONG, A.; BOUSKELA, M. A. L.; RAMOS, J. L. A. Nefro e Ototoxicidade por Drogas e Agentes Físicos no Período Neonatal – Atualização. Pediatria (São Paulo), 16 (3): 120-128, 1994. 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ANEXOS 62 Tabela 1 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pré tratamento com gentamicina 4 mg/Kg/dia Freqüência Grupos Média Desvio Padrão Valor de p* Orelha esquerda 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Orelha direita 1500 2000 3000 4000 5000 6000 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 8,00 9,33 14,33 19,16 24,66 28,50 22,66 25,00 27,16 27,00 25,83 28,83 11,66 4,33 21,50 15,66 26,16 22,50 25,00 22,66 25,50 27,16 25,16 26,16 6,66 7,71 5,46 10,41 5,64 4,80 4,92 8,53 9,96 7,15 8,81 7,38 4,71 6,02 7,14 7,96 4,30 5,78 12,86 4,58 13,15 6,21 13,04 4,35 0,52 0,37 0,17 0,33 0,68 0,42 0,03 0,20 0,33 0,14 0,93 0,22 Tabela 2 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pós tratamento com gentamicina 4 mg/Kg/dia Freqüência Grupos Média Desvio Padrão Valor de p* Orelha esquerda 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Orelha direita 1500 2000 3000 4000 5000 6000 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias * Teste de Kruskal-Wallis 11,66 16,83 23,50 24,50 29,83 26,66 31,00 21,16 34,16 23,83 29,16 24,00 3,33 9,33 12,00 21,33 21,16 26,50 19,00 22,00 25,33 27,33 25,83 27,66 9,41 4,95 6,94 6,09 5,26 10,07 5,83 11,80 4,02 12,73 6,79 9,57 8,16 8,18 11,31 10,09 4,87 5,78 9,27 8,64 5,35 14,54 1,72 13,75 0,33 0,57 0,93 0,14 0,06 0,03 0,12 0,17 0,06 0,33 0,19 0,05 63 Tabela 3 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pré tratamento com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas Freqüência Grupos Média Desvio Padrão Valor de p* Orelha esquerda 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Orelha direita 1500 2000 3000 4000 5000 6000 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 8,50 9,33 18,33 22,50 25,16 32,16 26,50 27,00 33,50 32,33 27,83 27,66 8,33 7,50 10,83 15,16 19,16 25,00 16,66 22,66 23,16 27,16 20,33 24,50 5,46 6,97 2,42 5,31 6,11 2,78 7,26 4,69 4,23 3,98 6,05 10,89 8,35 3,39 8,93 6,01 12,12 4,09 11,60 5,78 12,04 6,85 11,09 8,73 0,93 0,10 0,02 0,74 0,68 0,51 0,62 0,37 0,41 0,37 0,74 0,62 Tabela 4 - Dados estatísticos descritivos da relação sinal/ruído das emissões otoacústicas entre os dois grupos pós tratamento com gentamicina 2,5 mg/Kg/dia de 12 em 12 horas Freqüência Grupos Média Desvio Padrão Valor de p* Orelha esquerda 1500 2000 3000 4000 5000 6000 Orelha direita 1500 2000 3000 4000 5000 6000 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 10 dias 14 dias 19,83 16,50 28,00 27,16 27,83 31,33 28,66 33,16 33,83 37,66 30,66 34,66 11,66 6,50 14,50 18,50 19,50 24,50 14,50 24,66 21,50 28,50 21,00 24,16 6,40 3,78 3,89 6,17 12,05 6,43 8,86 4,16 7,30 2,25 6,28 4,22 5,85 6,89 7,60 8,68 8,61 8,68 6,77 5,78 11,87 11,29 13,14 13,10 0,22 0,87 0,68 0,33 0,56 0,19 0,14 0,29 0,37 0,02 0,19 0,68