Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Tratamento cirúrgico para doença de Parkinson Informações básicas Artigo do site: http://neuropsiconews.org.br As abordagens cirúrgicas do tratamento da doença de Parkinson (DP) têm sido desenvolvidas, primariamente, em resposta a falhas dos tratamentos medicamentosos em proporcionar alívio por longo tempo dos sintomas motores incapacitantes da doença. A introdução da levodopa (L-DOPA), em meados da década de 1960, evento que revolucionou a conduta médica da DP, estabelece o ponto focal em torno do qual a história da cirurgia dos distúrbios dos movimentos pode ser examinada. Antes do advento do tratamento com L-DOPA, uma combinação de fatores, incluindo a ausência de tratamentos clínicos eficazes, a introdução da estereotaxia humana, a grande população de pacientes com parkinsonismo pós-encefalítico e um ambiente mais permissivo, promoveu ao desenvolvimento de abordagens neurocirúrgicas da DP e dos distúrbios relacionados. Muitas das cirurgias para distúrbios dos movimentos realizados hoje foram introduzidas durante este período. Com o advento da L-DOPA no final de década de 1960 e sua notável eficácia contra a maioria dos sintomas da DP, os tratamentos cirúrgicos foram abandonados, exceto em situações raras, nas quais o tremor não respondia ao tratamento clínico. Com o passar do tempo, contudo, tornaram-se aparentes o desvanecimento da resposta à L-DOPA e efeitos colaterais inexplicáveis do tratamento por longo tempo. O fracasso relativo da L-DOPA em proporcionar uma cura pela vida toda para a DP coincidiu com avanços na técnica estereotáxica que resultaram num renascimento do campo da cirurgia para distúrbios dos movimentos. Muitos fatores contribuíram para este renascimento, incluindo os seguintes: 1 Melhora das molduras estereotáxicas adaptadas para uso com TC e RM levaram à era da neurocirurgia guiada por imagens. Os computadores permitiram que atlas estereotáxicos humanos fossem digitalizados e sobrepostos em imagens do cérebro do paciente. Este encaixe de formas matemáticas aumentou a precisão da mira no início da era TC/RM. Avanços dos conhecimentos da neurofisiologia e dos circuitos dos núcleos da base proporcionaram uma lógica mais forte para algumas abordagens cirúrgicas e revelaram pontos alternativos que poderiam ser visados. Técnicas refinadas de registro por microeletrodos (RME) permitiram mapeamento fisiológico mais detalhado dos núcleos da base na sala de cirurgia, fornecendo conhecimentos mais detalhados da localização dos eletrodos antes da neuroablação ou inserção de um eletrodo estimulante cerebral de implantação profunda. A introdução de estimulação cerebral profunda (DBS - deep brain stimulation) como alternativa para procedimentos neuroablativos irreversíveis pode aumentar a segurança destes procedimentos, enquanto mantém a eficácia terapêutica. Adicionalmente, os alvos cirúrgicos que são lesionados com grande perigo podem ser tratados com eficiência por DBS, alargando as opções cirúrgicas para pacientes com DP. Fisiopatologia A descoberta da 1-metil-4-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina (MPTP), neurotoxina seletiva que destrói células dopaminérgicas da parte compacta da substância negra (as mesmas células que degeneram na DP), levou ao desenvolvimento de modelos de DP em primatas. Foi produzido um modelo mais detalhado dos circuitos dos núcleos da base pelos estudos originais em macacos tratados com MPTP, os quais desenvolveram uma síndrome parkinsoniana. Embora incompleto, este modelo funcional contribuiu significativamente para o renascimento da cirurgia dos distúrbios dos movimentos: O corpo estriado, composto do caudado e do putâmen, é o maior complexo nuclear dos núcleos da base. O estriado recebe aferências excitatórias de várias áreas do córtex cerebral, bem como aferências inibitórias das células dopaminérgicas da parte compacta da substância negra (SNc). 2 Essas aferências corticais e nigrais são recebidas pelos neurônios de proteção espinhosos, que são de dois tipos: os que se projetam diretamente no segmento interno do globo pálido (GPi), o principal ponto de eferência dos núcleos da base, e os que se projetam no segmento externo do globo pálido (GPe), estabelecendo uma via antagonista indireta ao GPi pelo núcleo subtalâmico (NST). As ações complementares das vias direta e indireta regulam a saída neuronal do GPi, o que proporciona aferência inibitória tônica para os núcleos talâmicos que se projetam às áreas motoras primárias e suplementares. - A via direta inibe GPi, resultando numa desinibição procedente do tálamo motor e facilitação das projeções talamocorticais. - A via indireta, por meio de suas conexões seqüenciais pelos GPe e NST, proporciona aferência excitatória para GPi, aumentando a ação inibitória sobre as projeções talamocorticais. Na DP, a perda de aferência dopaminérgica para o estriado leva a uma redução funcional da atividade da via direta e a uma facilitação da via indireta. Estas alterações podem resultar em aumento da saída excitatória para o GPi e hiperinibição concomitante do tálamo motor. A saída inibitória excessiva do GPi reduz a saída talâmica para áreas motoras suplementares que são críticas para a execução normal dos movimentos. O macaco tratado com MPTP é um bom modelo para os sintomas negativos da DP (ou seja, rigidez e bradicinesia) e apóia GPi e NST como alvos lógicos para lesões terapêuticas ou DBS em pacientes com DP. De fato, estudos com tomografia por emissão de pósitrons (PET) demonstram redução da atividade aferente inibitória para o tálamo e "renormalização" da atividade cortical motora em pacientes com DP submetidos a lesões terapêuticas do GPi (palidotomia), alterações pós-operatórias que são preditas pelo modelo. No entanto, este modelo não explica alguns aspectos da fisiopatologia da DP. Tremor: os meios pelos quais a perda de células dopaminérgicas resulta em tremor e o fato de que o tremor tipicamente desaparece com a atividade voluntária continuam sem explicação. A atividade do tremor é detectada consistentemente no núcleo ventrolateral (VL) do tálamo de pacientes com tremor parkinsoniano ou tremor essencial (TE). O VL 3 continua a ser o alvo cirúrgico primário para tratar tremor refratário, mas não está claro se o tálamo motor é o gerador primário de atividade de tremor. Estudos recentes também implicam o eixo NST-GP na geração de tremor em pacientes com DP, e palidotomia e NST-DBS são tratamentos eficazes para o tremor refratário ao tratamento clínico. Também falta uma explicação fisiológica válida para discinesia induzida por L-DOPA (DIL). Define-se DIL como uma hipercinesia das extremidades ou tronco em associação com a administração de L-DOPA. Muitas vezes, estes são movimentos coreiformes (torções, giros), mas a DIL também pode manifestar-se como distonia (contrações musculares involuntárias padronizadas e sustentadas). De acordo com o modelo, a hipercinesia resulta de redução da atividade do GPi. A eferência inibitória reduzida do GPi libera o VL do tálamo, levando à hiperestimulação das áreas motoras suplementares e à atividade motora excessiva. Este cenário é apoiado pela observação experimental de que as lesões do NST, que reduzem a eferência do NST para GPi, causam discinesias em primatas, as quais são indistinguíveis da DIL observada nos primatas tratados com MPTP recebendo L-DOPA. No entanto, os seguintes fatos sugerem que a DIL seja fenômeno mais complexo: - O modelo prediz que a palidotomia, ou seja, lesão do GPi, deva exacerbar DIL por redução da atividade do GPi; na realidade, o oposto é verdadeiro. De fato, a DIL é o sintoma que melhora mais confiavelmente com a palidotomia. Semelhantemente, a distonia primária também responde à palidotomia. - Fatores farmacodinâmicos relacionados à estimulação dopaminérgica crônica exógena desempenham papel fundamental na DIL. Em lugar de uma redução simples da taxa de descargas do GPi, a sensibilização dos receptores de dopamina provavelmente causa padrões de descargas neuronais aberrantes, com ruptura conseqüente do fluxo normal de informações para o tálamo e as áreas motoras corticais. Avaliação pré-operatória Os bons resultados cirúrgicos começam com a seleção cuidadosa dos pacientes e terminam com cuidados pós-operatórios atenciosos e orientados para detalhes. Os autores acreditam que esse nível de cuidados é proporcionado melhor por uma equipe multidisciplinar, 4 compreendendo um neurologista de distúrbios dos movimentos, um neurocirurgião que seja bem versado em técnica estereotáxica, um neurofisiologista e um neuropsicólogo. É essencial o suporte adicional da neurorradiologia e da medicina de reabilitação. No centro de distúrbios dos movimentos dos autores, os pacientes são avaliados para cirurgia da seguinte maneira: Em primeiro lugar, um neurologista com experiência em distúrbios dos movimentos avalia o paciente, confirma o diagnóstico de DP e analisa os antecedentes para determinar se todas as opções clínicas razoáveis foram empregadas apropriadamente. Os candidatos em potencial à cirurgia são então avaliados pelo neurocirurgião, que determina se o paciente é, na verdade, um candidato a cirurgia e decide quais procedimentos beneficiariam mais o paciente (ver Seleção do procedimento apropriado). A colaboração estreita entre neurologista e neurocirurgião auxilia no processo de tomada de decisão, minimizando a confusão e o estresse para o paciente. Se o neurologista e o neurocirurgião concordarem que o paciente é um bom candidato, maior investigação inclui o seguinte: - RM cerebral para descartar afecções comórbidas e avaliar o grau de atrofia cerebral; atrofia significativa pode aumentar o risco de hemorragia perioperatória. - Testes neuropsicológicos detalhados para descartar comprometimento cognitivo sutil, que pode ser piorado pelo procedimento cirúrgico. - PET com fluordopa na circunstância incomum de que não possa ser clinicamente descartado um diagnóstico alternativo de atrofia de múltiplos sistemas. - Avaliação clínica para determinar o condicionamento físico geral do paciente para cirurgia. Observa-se que a idade avançada (mais de 75 anos) não é uma contraindicação absoluta a esse tipo de cirurgia. Se um paciente, de outra forma, satisfizer os critérios de seleção para um procedimento e houver previsão de que a qualidade de vida melhorará substancialmente, a cirurgia deverá ser oferecida. Técnica cirúrgica 5 Durante cirurgia estereotáxica, dados de imagens são correlacionados com o espaço tridimensional, permitindo que um alvo profundamente dentro do cérebro seja alcançado às cegas e com trauma mínimo. As técnicas baseadas em molduras são dependentes da aplicação de um sistema de coordenadas de referência ao crânio, permitindo que qualquer ponto dentro do cérebro seja descrito com coordenadas cartesianas ou seja, x, y, z. Ventriculografia, importante método para localização de alvos antes do desenvolvimento da TC e da RM, é incomumente usada agora. A estereotaxia guiada por TC proporciona imagens diretas do parênquima cerebral sem distorção de imagens; entretanto, sua resolução cinza-branco é inferior à da RM e só são possíveis imagens axiais. A RM proporciona resolução do alvo superior e imagens triplanares; entretanto, alguns alvos menores nem sempre podem ser visualizados, e a RM é propensa à distorção de imagens. Embora geralmente pequenas, estas distorções podem afetar a mira para a neurocirurgia funcional. A possibilidade de que ocorram erros de mira devido à distorção de imagens faz com que seja necessário o uso de alguma forma de monitorização neurofisiológica intraoperatória para confirmar os alvos corretos durante a cirurgia para distúrbios dos movimentos. A monitorização fisiológica intra-operatória pode consistir em qualquer combinação dos seguintes: - Técnicas com macroeletrodos (mais de 1 mm de diâmetro) incluem medidas da impedância e estimulação direta do núcleo-alvo. Estas técnicas podem ser usadas para confirmar a localização do eletrodo no interior da profundidade da substância cinzenta, avaliar os efeitos clínicos da eletroestimulação antes de ser implantado permanentemente um eletrodo de DBS (ver Procedimentos cirúrgicos) ou fazer estimativa da proximidade das estruturas circundantes antes de ser feita a lesão. - Semimicroeletrodos (50 µm a 150 µm) detectam potenciais de campo de grupos neuronais e podem ser usados para determinar a natureza do núcleo em que o eletrodo é colocado (sensitivo ou motor). 6 - Microeletrodos (1 µm a 25 µm) podem ser usados para registrar potenciais de campo neuronal individuais ou estimular regiões do cérebro distintas. Conquanto as técnicas de microeletrodos proporcionem as informações mais detalhadas e a maior resolução de mira, seu uso de rotina durante cirurgia de distúrbios dos movimentos é controverso. Os depreciadores da técnica argumentam que a resolução proporcionada pelos microeletrodos não é necessária para obter bons resultados clínicos e que a metodologia é difícil de realizar, demorada e cara; eles também expressam preocupação especulativa de que o aumento do número de trajetórias usadas com a técnica dos microeletrodos possa aumentar o risco de hemorragia. - Na opinião dos autores, as técnicas com microeletrodos têm fornecido dados de mira inestimáveis que podem ter impedido alvos aberrantes em até 12% dos casos de palidotomia. Além disso, a taxa de hemorragia dos autores e a relatada em outras séries de procedimentos neurocirúrgicos funcionais guiados por microeletrodos não é mais alta do que a relatada com técnicas de macroeletrodos. Procedimentos cirúrgicos Até recentemente, a cirurgia para distúrbios dos movimentos envolvia predominantemente lesões destrutivas dos núcleos cerebrais profundos anormalmente hiperativos; entretanto, a observação de que a eletroestimulação em alta freqüência no VL do tálamo elimina tremores em pacientes submetidos à talamotomia levou à investigação de DBS (estimulação cerebral profunda) em longo prazo como alternativa reversível aos procedimentos com lesionamento. O refinamento contínuo dos conhecimentos dos circuitos dos núcleos da base e da fisiopatologia da DP tem estreitado o foco da cirurgia dos distúrbios dos movimentos para três estruturas fundamentais na substância cinzenta: (1) o tálamo, (2) o globo pálido e (3) o núcleo subtalâmico. Procedimentos neuroablativos Durante a neuroablação, um alvo cerebral profundo específico é destruído por termocoagulação. Usa-se um gerador de radiofreqüência mais comumente para aquecer a 7 ponta do eletrodo de lesão até a temperatura prescrita de maneira controlada. Os dois procedimentos neuroablativos mais comumente realizados são a talamotomia e a palidotomia, nas quais as lesões são criadas no VL do tálamo e no GPi, respectivamente. Talamotomia ventrolateral A talamotomia VL foi o procedimento mais freqüentemente realizado para distúrbios dos movimentos na era pré-levodopa porque o tremor responde melhor a esta e pode ser monitorado mais facilmente na sala de cirurgia do que as anormalidades de marcha, rigidez e acinesia. Lógica fisiológica: O tálamo VL recebe inervação aferente de duas fontes primárias: o GPi, por meio da alça lenticular e do fascículo talâmico, e o cerebelo contralateral, por meio do pedúnculo cerebelar superior. Estas fibras cerebelares fazem sinapse, primariamente, nos núcleos intermediário ventral (IMV) e ventral oral posterior (VOP), os segmentos mais posteriores do VL. As aferências excitatórias oscilantes do cerebelo podem ser responsáveis pelo tremor observado na DP, já que atividade celular síncrona com a freqüência do tremor da DP pode ser registrada no VL. Estes dados apóiam a observação clínica de que as lesões feitas no interior do VL (e especificamente dentro de IMV/VOP) param os tremores parkinsonianos e essenciais. Indicação: A talamotomia está indicada em pacientes com DP e que estejam incapacitados por tremor refratário ao tratamento clínico. O benefício antecipado da redução ou eliminação do tremor deve ser considerado cuidadosamente. O tremor de repouso isoladamente é raramente incapacitante, e bradicinesia e rigidez podem reduzir a destreza, independentemente do tremor. Alvo e resultados: IMV, quase unanimemente, é considerado o melhor alvo para supressão de tremor, com excelentes resultados em curto e longo prazo em 80% a 90% dos pacientes com DP. Rigidez e acinesia melhoram menos significativamente. Quando estes sintomas forem proeminentes, outros alvos, incluindo GPi e NST, são os preferidos. Morbidade e mortalidade: A taxa de morbidade relatada para talamotomia varia de 9% a 23%. A complicação predominante é o comprometimento da fala com disartria e hipofonia. O risco de anormalidades da fala é de 30% para talamotomia unilateral e acima de 60% após lesões bilaterais. Outras complicações incluem perda de memória, hemiparesia contralateral e, mais raramente, heminegligência, distonia, hemibalismo, atetose e dispraxia. A avaliação de 8 memória e de linguagem no pré-operatório pode predizer pacientes que tenham maior risco de disfunção cognitiva e de linguagem no pós-operatório. Na maior série, a taxa de mortalidade para talamotomia varia de 0,5% a 1%. O óbito resulta quase exclusivamente de hemorragia intraparenquimatosa. Palidotomia Svenmilson e Leksell descreveram palidotomia posterior ventral na década de 1960; entretanto, seu trabalho passou amplamente despercebido. Em 1992, Laitinen e cols. relataram melhora de tremor, rigidez, acinesia e DIL em 38 pacientes tratados com palidotomia, apressando uma reavaliação do procedimento realizado com técnicas mais modernas. Lógica fisiológica: Os sintomas negativos de DP, ou seja, rigidez, bradicinesia, são causados, em parte, por excesso de eferência inibitória do GPi para o VL do tálamo (ver Fisiopatologia). A lesão da região sensitivomotora do GPi, que se situa ventral e posteriormente no núcleo, diminui esta hiperinibição do tálamo motor. Indicações: A palidotomia melhora os sintomas de DP, incluindo rigidez, bradicinesia e anormalidades da marcha, bem como as complicações de longo prazo do tratamento com LDOPA (discinesia e distonia do estado off). A melhora do tremor é menos consistente do que com a talamotomia. Alvos e resultados: O alvo original da palidotomia estava na parte medial e ântero-dorsal do núcleo. Esta chamada "palidotomia medial" efetivamente aliviava a rigidez, mas melhorava inconsistentemente o tremor. Leksell, subseqüentemente, movia o alvo para o GPi pósteroventral e lateral, resultando em melhora sustentada em até 96% dos pacientes. Morbidade e mortalidade: O efeito adverso mais grave e freqüente (3,6%) da palidotomia é um escotoma no campo visual central inferior contralateral. Esta complicação ocorre quando a lesão do GPi se estende ao trato óptico, que se situa imediatamente abaixo do GPi. O risco de déficit do campo visual é muito reduzido pelo contorno preciso da borda ventral do GPi por ressonância magnética. As complicações menos freqüentes (menos de 5%) incluem lesão da cápsula interna, paresia facial e hemorragia intracerebral (1% a 2%). Como com a talamotomia bilateral, anormalidades da fala, da deglutição e da cognição podem ser observadas depois de palidotomia bilateral. 9 Subtalamotomia A hiperatividade das projeções excitatórias do NST para o GPi é a característica fisiológica crucial da DP. Embora a lesão do NST geralmente seja evitada pela preocupação com a produção de hemibalismo, resultados recentes obtidos por lesões experimentais do NST em animais e no homem sugerem que a subtalamotomia pode ser realizada seguramente e pode reverter dramaticamente o parkinsonismo. Estimulação cerebral profunda (DBS) Introdução A DBS foi usada pela primeira vez na década de 1970 para o tratamento de dor crônica. Resultados mistos e desenho precário dos eletrodos causaram uma parada da atividade significativa neste campo na década de 1980, mas, no decorrer dos últimos 10 anos, a DBS reemergiu como tratamento para distúrbios dos movimentos. Mecanismo de ação Atualmente, não existe explicação clara sobre o mecanismo de ação da DBS, embora tenham sido formuladas várias hipóteses. A estimulação com alta freqüência pode criar uma hiperpolarização global da membrana celular, resultando em perda de excitabilidade. Alternativamente, a estimulação pode congestionar o fluxo de sinais para o exterior de uma estrutura com função anormal. Finalmente, correntes de despolarização antidrômica e ortodrômicas podem modular a atividade neuronal em pontos distantes do alvo da estimulação. Vantagens As principais vantagens da DBS são a reversibilidade e a ajustabilidade. Como o eletrodo de DBS é implantado, os médicos têm acesso constante ao local-alvo, permitindo-lhes ajustar os parâmetros da estimulação. Se a estimulação induzir efeitos adversos não desejados, o estimulador poderá ser desligado, ajustado ou removido. No evento de que a DBS comprove ser clinicamente eficaz, o paciente não sofreu lesão irreversível do cérebro. As vantagens adicionais incluem a capacidade de intervir em alvos que não possam ou não devam ser 10 lesionados e o fornecimento de uma oportunidade singular para estudar a fisiologia dos núcleos da base humanos. Desvantagens A principal desvantagem da DBS é o custo. Atualmente, o preço do aparelho é de aproximadamente 10 mil dólares por unidade. Desvantagens adicionais incluem aumento do risco de infecção devido à presença de hardware implantado e o custo da manutenção (ou seja, conserto/reposição de fios quebrados, consultas repetidas para ajustes da estimulação). Atualmente, a exaustão das baterias necessita de reposição do gerador de pulsos inteiro, o componente mais caro do sistema (o custo é de aproximadamente 8 mil dólares), em intervalos de alguns anos. Procedimento A implantação da DBS é realizada em duas etapas. Durante a primeira, o eletrodo da DBS é implantado estereotaxicamente no núcleo-alvo. Durante a segunda etapa, o eletrodo da DBS é conectado por via subcutânea a um gerador de pulsos implantável (GPI), introduzido numa bolsa abaixo da pele da parede torácica, como um marca-passo. Como com a maioria dos procedimentos estereotáxicos para distúrbios dos movimentos, a primeira etapa é realizada com o paciente acordado para permitir monitorização das condições neurológicas. A moldura principal estereotáxica é aplicada na manhã da cirurgia e se realiza uma RM para verificação de alvos. Uma combinação de MER e estimulação com macroeletrodos é usada para refinar o alvo desejado fisiologicamente. O eletrodo de DBS é ancorado ao crânio com uma tampa de orifício de trepanação. Uma RM cerebral é pedida imediatamente no pós-operatório para confirmar a colocação apropriada dos eletrodos e se ter certeza de que não tenha ocorrido hemorragia. Se a RM for aceitável, o paciente volta à sala de cirurgia, onde o restante do dispositivo é implantado sob anestesia geral. O eletrodo é fino (aproximadamente 1,3 mm de diâmetro) e flexível, de modo que se movimenta atraumaticamente com o cérebro. O dispositivo pode ser programado para oferecer estimulação de maneira mono ou bipolar, empregando qualquer um dos quatro contatos de eletrodos, isoladamente ou em combinação. Dessa forma, proporciona-se muita flexibilidade terapêutica, permitindo estimulação sob medida para cada paciente. Os 11 parâmetros de estimulação podem ser ajustados em qualquer momento usando um programador transcutâneo. DBS talâmica A DBS talâmica inicialmente foi usada contralateralmente às talamotomias prévias para reduzir o risco associado à talamotomia bilateral. Os resultados foram tão encorajadores que a DBS talâmica progressivamente passou a ser a substituta da talamotomia como tratamento de escolha para tremor refratário ao tratamento clínico. Uma década de experiência na Europa e nos Estados Unidos indica que a DBS talâmica é equivalente à talamotomia para supressão de tremor. Como com a talamotomia, os pacientes devem ser avaliados cuidadosamente com referência à incapacidade causada pelo tremor, e não com referência à bradicinesia e rigidez. Como a lesão é eliminada, as taxas de hemorragia e de efeitos adversos cognitivos podem ser menos freqüentes do que com a talamotomia. Devido aos resultados promissores obtidos no tálamo, a DBS tem sido aplicada a outros alvos fundamentais para tratamento da DP. DBS palidal Siegfried e Lippitz introduziram a estimulação palidal bilateral, ou seja, GPi, em 1994, relatando, melhoras na rigidez, na acinesia e na DIL em quatro pacientes. A programação do estimulador no globo pálido é mais desafiadora do que no tálamo. Voltagens de estimulação mais altas podem exacerbar o congelamento, anulando os efeitos terapêuticos da L-DOPA. Além disso, a estimulação em diferentes regiões do pálido pode ter efeitos notavelmente diferentes. Relata-se que a estimulação dorsal do GPi melhora a acinesia e a rigidez, mas pode resultar em movimentos involuntários anormais, ou seja, discinesias. Contrastando, a estimulação ventral do GPi pode exacerbar a acinesia e as anormalidades de marcha, mas melhora a rigidez e a DIL. DBS subtalâmica Conquanto pacientes selecionados com DP derivem benefício significativo na neuroablação ou estimulação no IMV e/ou GPi, na maioria dos casos a acinesia, ou seja, o congelamento, e as anormalidades de marcha não melhoram significativamente. Infelizmente, estes sintomas são comumente as características mais incapacitantes da DP avançada. Conseqüentemente, 12 é preciso prestar muita atenção a um novo procedimento: a eletroestimulação bilateral do núcleo subtalâmico. Lógica: A hiperatividade da via excitatória do NST ao GPi é considerada marca de autenticidade fisiopatológica da DP, fato que é apoiado pela observação de que lesar o NST em primatas com MPTP reverte seu parkinsonismo. Indicações: Resultados preliminares de cirurgia sugerem que a estimulação bilateral do NST está indicada em pacientes com DP idiopática avançada que ainda sejam responsivos à levodopa, mas que sofrem de flutuações na resposta a medicação, tremor, rigidez e/ou acinesia no estado off (quando as medicações não estão funcionando) e DIL no estado on. Resultados: Até o presente, a análise mais extensa da estimulação do NST foi publicada por Limousin e cols. em 1998. Eles fizeram relato sobre seus primeiros 24 pacientes submetidos a DBS do NST, 20 dos quais tinham sido monitorados por 1 ano ou mais. Eles relataram que a estimulação bilateral do NST aliviava a rigidez e o tremor. As pontuações do estado off na Escala Unificada de Classificação da Doença de Parkinson (UPDRS, escala de classificação amplamente aceita para sinais de DP) melhoraram mais de 60% em média, enquanto as pontuações do estado on melhoraram 10%. Os pacientes sofreram flutuações menos pronunciadas e experimentaram uma redução média da medicação de 50%. Em decorrência da redução da dose da medicação, a quantidade e a severidade da DIL também foram reduzidas. Complicações: Os eventos adversos relatados no estudo de Limousin incluíram confusão transitória, alucinações, desorientação temporoespacial e abulia. Estes sintomas tenderam a resolver-se em duas semanas. Um paciente que exibiu sintomas de demência precoce no pré-operatório sofreu declínio cognitivo significativo permanente, reforçando a importância dos testes neuropsicológicos pré-operatórios. Apraxia das pálpebras, hipofonia e piora da instabilidade postural também têm sido relatadas. Pode ocorrer hemibalismo com voltagens de estimulação mais altas, mas é controlado com sucesso pela redução da voltagem e/ou diminuição da dose de L-DOPA. Hemorragia intracerebral, o risco cirúrgico mais significativo, pode resultar em seqüelas neurológicas permanentes, incluindo afasia, hemiparesia, coma e óbito. A estimulação do núcleo subtalâmico é neuroprotetora? Existe a hipótese de que a estimulação do NST seja neuroprotetora, tornando mais lenta a progressão da DP. O NST proporciona eferência excitatória (glutamatérgica) para o GPi, a 13 parte reticulada da substância negra (SNr), o núcleo pedunculopontino e os neurônios dopaminérgicos da SNc. Portanto, a hiperatividade do NST causada pela perda de aferência dopaminérgica para o estriado (ver Fisiopatologia) pode, por sua vez, produzir lesão excitotóxica para os neurônios dopaminérgicos os quais se projetam, resultando em mais perda neuronal na SNc. Dessa forma, os tratamentos farmacológicos ou cirúrgicos que reduzem a hiperatividade neuronal do NST podem ser neuroprotetores para os neurônios dopaminérgicos da SNc, possivelmente tornando mais lenta ou suspendendo a progressão da DP. São necessários outros estudos para avaliar essa hipótese. Seleção do procedimento apropriado No presente, a cirurgia fica reservada para pacientes com DP refratária ao tratamento clínico e com problemas incapacitantes. Atualmente, são adotadas as seguintes recomendações cirúrgicas para pacientes com DP refratária ao tratamento clínico: A palidotomia unilateral é oferecida a pacientes com DP assimétrica que desenvolvem flutuações em sua resposta à L-DOPA, incluindo discinesias incapacitantes e distonia do estado off. Evita-se a palidotomia bilateral, embora estejam em andamento investigações para avaliar DBS do GPi contralateral em pacientes que tenham sido submetidos à palidotomia bem-sucedida e estejam experimentando progressão da doença no lado não tratado. A talamotomia ou DBS talâmica é oferecida à minoria dos pacientes com DP que sofrem de tremor predominante e incapacitante. Mais comumente, este procedimento é realizado em pacientes com ET incapacitante. A DBS talâmica é preferida, particularmente em pacientes jovens com DP e que sejam incapacitados unicamente pelo tremor no início da evolução da doença porque dá a opção de remover o estimulador se forem desenvolvidos tratamentos mais eficazes ou se a progressão de sintomas precisar de DBS em outro alvo, como o NST. A DBS bilateral do NST é oferecida a pacientes com DP avançado com (1) DIL bilateral, (2) desequilíbrios de marcha significativos e sintomas axiais ou (3) rigidez e acinesia refratárias a tratamento clínico. Antes da cirurgia, o paciente deve ser informado de que esses procedimentos não curam DP e que se espera progressão. Outras opções cirúrgicas Transplante de células 14 Os transplantes autólogos da supra-renal não mostraram eficácia consistente e foram abandonados. - Transplantes alogênicos de células fetais humanas. - Resultados clínicos: mais de 300 pacientes com DP no mundo receberam transplantes neurais fetais. - Recente estudo duplo-cego comparou 20 pacientes com DP avançada que receberam transplante de putâmen de neurônios de dopamina embrionários humanos com 20 pacientes comparáveis recebendo cirurgia "falsa" (Freed e cols., 2001). Os resultados de 1 ano depois da cirurgia mostraram o seguinte: - Pontuações de classificação global subjetiva (resultados primários) não foram significativamente diferentes em pacientes transplantados e não transplantados. - Em pacientes mais jovens (60 anos ou menos), aqueles submetidos a transplante demonstraram melhora significativamente maior quando avaliados na manhã antes de receberem medicação (UPDRS, P = 0,01; Schwab e England, P = 0,006). Não foram observadas diferenças significativas em pacientes mais velhos. - Exames através de PET demonstraram aumento da captação de 18F-fluordopa em 17 dos 20 pacientes no grupo do transplante, um achado presumivelmente compatível com crescimento excessivo de fibras dos neurônios transplantados. Isto foi confirmado em dois casos em autópsia. - Dos pacientes que finalmente foram submetidos a transplante e foram monitorados por até 3 anos após a cirurgia, 15% desenvolveram discinesia ou distonia apesar de substancial redução ou retirada dos medicamentos dopaminérgicos. - Questões relacionadas a transplante celular incluem (1) idade do doador e armazenamento de tecido, (2) enxerto sólido vs. suspensão, (3) número e fonte de doadores, (4) distribuição do tecido enxertado, (5) local de implantação, (6) transplante unilateral vs. bilateral, (7) questões imunológicas, (8) seleção de pacientes e (9) métodos de avaliação. 15 Transplante fetal xenogênico: resultados preliminares estão pendentes (porcinos). Células que passaram por engenharia genética: as pesquisas estão em andamento. Bibliografia 1. Alterman RL, Sterio D, Beric A, Kelly PJ. Microelectrode recording during posteroventral pallidotomy: impact on target selection and complications. Neurosurgery 1999; 44(2): 315-21; discussion 321-3. 2. Bejjani B, Damier P, Arnulf I, et al: Pallidal stimulation for Parkinson's disease. Two targets? Neurology 1997; 49(6): 1564-9. 3. Freed CR, Greene PE, Breeze RE et al. Transplantation of embryonic dopamine neurons for severe Parkinson's disease. N Engl J Med 2001; 344(10): 710-9. 4. Laitinen LV, Bergenheim AT, Hariz MI. Leksell's posteroventral pallidotomy in the treatment of Parkinson's disease. J Neurosurg 1992; 76(1): 53-61. 5. Lang AE, Lozano AM. Parkinson's disease. Second of two parts. N Engl J Med 1998; 339(16): 1130-43. 6. Limousin P, Krack P, Pollak P et al. Electrical stimulation of the subthalamic nucleus in advanced Parkinson's disease. N Engl J Med 1998; 339(16): 1105-11. 7. Obeso JA, Linazasoro G, Gorospe A, et al: Complications associated with chronic levodopa therapy in Parkinson's disease. Complications associated with chronic levodopa therapy in Parkinson's disease. In: Olanow CW, Obeso JA, (eds.). Beyond the Decade of the Brain. v. 2. 1997: pp.11-31. 8. Rodriguez MC, Obeso JA, Olanow CW: Subthalamic nucleus-mediated excitotoxicity in Parkinson's disease: a target for neuroprotection. Ann Neurol 1998; 44(3 Suppl 1): S175-88. 9. Siegfried J, Lippitz B. Bilateral chronic electrostimulation of ventroposterolateral pallidum: a new therapeutic approach for alleviating all parkinsonian symptoms. Neurosurgery 1994; 35: 1126-9. 10. Svennilson E, Torvik A, Lowe R et al. Treatment of parkinsonism by stereotactic thermolesions in the pallidal region. Acta Psychiatr Neurol Scand 1960; 35: 358. 11. Tasker RR. Thalamotomy. Neurosurg Clin N Am 1990; 1: 841-64. 16