Surdez versus aprendizado da língua portuguesa escrita - Ces-JF

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Surdez versus aprendizado da língua portuguesa escrita, p. 77 - 88
SURDEZ
VERSUS
APRENDIZADO
PORTUGUESA ESCRITA
DA
LÍNGUA
Elaine Leal Fernandes*
RESUMO
Este trabalho visa abordar as reais dificuldades do surdo no processo de
aprendizado da língua portuguesa escrita e enfatizar a Língua brasileira de sinais
(LIBRAS) como instrumento de mediação mais eficaz, para o surdo construir-se
como sujeito sócio-histórico. Explanar-se-á sobre os prejuízos na aquisição da
linguagem, o desenvolvimento da escrita da língua portuguesa em circunstâncias
normais e explicar-se-á de forma geral, sobre o histórico da Língua brasileira
de sinais (LIBRAS), finalizando com a apresentação das reais dificuldades que o
surdo apresenta na aprendizagem da língua portuguesa escrita.
Palavras-chave: Surdez. Aprendizagem da escrita. Língua brasileira de sinais.
LIBRAS.
ABSTRACT
This work has the purpose of talking about deaf people real difficulties during the
learning process of Written Portuguese Language and emphasizes Brazilian Sign
Language (LIBRAS) as a more efficient instrument of approach so deaf people
can be developed as social and historical individuals. We will explore about loss
in Language acquisition, the development of Written Portuguese Language under
normal circumstances and we will give a general explanation about the history of
Brazilian Sign Language (LIBRAS) with a presentation of real difficulties that deaf
people presents in Written Portuguese Language acquisition.
Keywords: Deafness. Written Learning. Brazilian Sign Language (LIBRAS).
1 INTRODUÇÃO
A surdez é uma patologia que afeta o órgão responsável pela audição e
caracteriza o indivíduo como surdo. O surdo é o indivíduo cuja audição não é
funcional para a vida comum, apresentando redução ou ausência da capacidade
de ouvir determinados sons.
*
Residente em Fonoaudiologia do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
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Elaine Leal Fernandes
Este trabalho aborda as reais dificuldades do surdo no processo de
aprendizado da língua portuguesa escrita, uma vez que o surdo possui privação
lingüística, podendo acarretar dificuldades cognitivas, educacionais, sociais
e culturais. A partir das dificuldades apresentadas pelo surdo, enfatizar-se-á o
bilingüismo como abordagem educacional mais eficaz para ele poder constituirse como sujeito sócio-histórico.
Assim, é de suma importância entender as dificuldades do surdo frente ao
aprendizado da língua portuguesa escrita, para posteriormente possibilitar a ele
o acesso a essa forma de comunicação, que mediará suas interações e ampliará
os seus conhecimentos na comunidade ouvinte onde vive, uma vez que é a
comunidade majoritária.
Este trabalho foi realizado de maneira bibliográfica, a partir da leitura em
livros, artigos científicos, revistas, teses de mestrado e doutorado. O trabalho
tem, então, como objetivo, orientar professores, pais, fonoaudiólogos e todas as
pessoas que convivem com esses sujeitos, além de ampliar o conhecimento dos
profissionais e cuidadores, para eles saberem sobre as dificuldades e necessidades
do surdo, e a importância do ensino da Língua brasileira de sinais (LIBRAS) como
primeira língua, mediando o aprendizado da língua portuguesa escrita como
segunda língua.
A abordagem sobre aquisição e desenvolvimento de linguagem segue a
perspectiva sócio-histórica de Vygotsky. Sob esta perspectiva será discutida a
necessidade do surdo em adquirir a Língua Brasileira de Sinais como primeira
língua para que ela seja mediadora de seu aprendizado e interações eficazes.
Finalizando, serão apresentadas as dificuldades encontradas no sujeito
surdo, no seu processo de aquisição da língua portuguesa escrita e a importância
da abordagem educacional bilíngue, como facilitadora desse aprendizado pelo
surdo.
2 LINGUAGEM E SURDEZ
Segundo a teoria sócio-histórica de Vygotsky (1896-1934), cada ser tornase sócio-histórico a partir de interações com o outro mediada pela/na linguagem,
o que proporciona o desenvolvimento das funções mentais superiores (atenção,
percepção voluntária, memória mediada, generalizações, abstração, e deduções).
Portanto, este desenvolvimento não se dá de forma direta, mas mediada por
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signos (marca externa, que auxilia o homem em atividades de memória e
atenção) já internalizados (LIMA, 2004).
Diante da importância da linguagem como mediadora das interações e
apropriações da cultura, fazendo do homem um ser sócio-cultural, como será
para a criança surda o processo de desenvolvimento e aprendizagem?
No que diz respeito à criança, ela apresentará significantes atrasos com
relação à aquisição da linguagem oral, uma vez que o processo depende do meio
social, interações comunicativas e sociais, audição e língua comum. Pelo diálogo
de um contexto é que as palavras vão ganhar sentido e significado (GOLDFELD,
2002).
A ausência da audição impedirá o contato direto com a linguagem oral,
gerando prejuízo no desenvolvimento emocional, comunicativo, do pensamento,
e educacional do surdo. Partindo do ponto que a aquisição da linguagem é
um fator primordial para a organização e formação do pensamento, um retardo
prejudica a ampliação da percepção de mundo, abstração e generalização,
impossibilitando ao surdo o conhecimento necessário do mundo em que vive.
O atraso da linguagem advém da dificuldade em lidar com o abstrato, uma vez
que a linguagem é um processo abstrato do conhecimento e esse retardo leva o
surdo a ter um pensamento mais concreto, dificultando sua internalização. Com
isso, o surdo também terá dificuldade em abstrair os conhecimentos subjetivos
do mundo e dos objetos, permitindo que sua aquisição de linguagem abstrata
seja bem restrita (FERNANDES, 1990).
Vygotsky (1991) se opunha à avaliação das crianças portadoras de
incapacidades visando seus defeitos ou deficiências. Em vez disso, ele as avaliava
com base no que elas tinham de intacto. Ele não as observava como deficientes,
e, sim, como diferentes. Uma criança com uma incapacidade representa um
tipo qualitativamente único de desenvolvimento. Essa diferença qualitativa,
essa singularidade deveria ser privilegiada pelo reabilitador em seu esforço
educacional. Se uma criança surda atinge o mesmo nível de desenvolvimento de
uma criança normal, então a criança com deficiência atinge-o de outro modo,
por outro caminho, por outro meio. Essa singularidade transforma o menos da
deficiência no mais da compensação.
O desenvolvimento das funções psicológicas superiores não é algo que
ocorre naturalmente, de um modo automático. Requer mediação, cultura,
um instrumento cultural. E o mais importante desses instrumentos culturais é
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a língua. Mas os instrumentos culturais e as línguas foram desenvolvidos para
pessoa que tem intactos todos os órgãos dos sentidos, todas as suas funções
biológicas. A chave para o desenvolvimento do surdo será a compensação, o uso
de um instrumento cultural alternativo. Assim, o instrumento cultural alternativo
para o surdo é a língua de sinais, uma língua que foi criada para e por eles. A
língua de sinais está voltada para as funções visuais, que ainda se encontram
intactas; constitui o modo mais direto de atingir as crianças surdas, o meio mais
simples de lhes permitir o desenvolvimento pleno e o único que respeita sua
diferença, sua singularidade (VYGOTSKY, 1991).
Dessa forma, o surdo terá uma forma de compensação a partir da língua
de sinais, uma vez que ela aumenta suas relações interpessoais, melhora a
qualidade das interações e possibilita um meio eficiente de construção da leitura
de mundo. Tudo isso favorecerá a construção da subjetividade. Para o surdo,
a língua de sinais será adquirida de forma rápida e espontânea, não só pela
substituição de um órgão sensorial por outro no processo de aquisição, mas
por ser uma língua apropriada ao surdo, permitindo uma maior significação do
mundo. A espontaneidade na aquisição da língua de sinais evita retardos de
linguagem e atrasos no desenvolvimento da percepção, generalização, formação
de conceitos, atenção, memória e educação escolar (GOLDFELD,2002).
Percebe-se que a educação do surdo é uma questão social, uma vez, que
desde o seu nascimento, ele é inserido em relações sociais que se darão pela/
na linguagem. Com isso, os surdos apresentam dificuldades devido à língua oral
depender da audição, portanto, torna-se imprescindível o acesso a experiências
em língua de sinais (GESUELI, 1989).
3 DIFICULDADES DO SURDO NA APRENDIZAGEM DA ESCRITA
O surdo apresenta limitações nas interações sociais para aprendizagem, as
quais tornam-se difíceis, não pela surdez, e sim, pela falta de língua comum entre
locutor e interlocutor (GÓES, 2002). Não se pode ver o surdo focalizando sua
deficiência e relacionando isso a um ser incapaz. Qualquer ser humano apresenta
plasticidade, sendo capaz de fazer compensações para exercer determinadas
funções. Com o surdo não será diferente, ele fará compensações para interagir
no meio cultural em que vive, pois ele não apresenta limitações afetivas inerentes
à surdez. O que levará o surdo a apresentar alterações lingüísticas-comunicativas
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é o modo pelo qual ele é visto em seu grupo social (VYGOTSKY, 1993 apud
GÓES, 2002).
O surdo necessita ser participante de sua cultura para ter a possibilidade
de construir sua subjetividade, ou seja, ele deverá ter interações interpessoais
propícias, eficazes e produtivas, as quais proporcionem a ampliação de seus
conhecimentos. A partir dessa possibilidade de interação, percebe-se que
a surdez não limita o acesso a qualquer tipo de linguagem (LIBRAS e língua
portuguesa oral ou escrita). (VYGOTSKY, 1993 apud GÓES, 2002).
Na aquisição da linguagem escrita, uma das dificuldades enfrentadas
pelos surdos é a visão equivocada de sua identidade, sendo eles vistos como
deficientes com poucas possibilidades de pertencer a um grupo social o qual
acredita ser o surdo impossibilitado de adquirir uma manifestação lingüística que
propicie trocas de informações pertinentes. Dessa forma, o surdo deve ser visto
como um indivíduo diferente, com possibilidades as quais devem ser estimuladas
de forma eficaz, a fim de proporcionar o aprendizado de novos conhecimentos
(PERLIN, 2000).
Segundo Fernandes (2003), o aprendizado da escrita pelo surdo é
dificultado, devido às metodologias de ensino partirem do ponto de que a
escrita inicialmente se dá pela associação grafema-fonema e, muitas vezes,
ser ensinada de forma descontextualizada e mecânica. Essa mentalidade torna
difícil a criação de uma proposta mais efetiva para o ensino da língua portuguesa
escrita, ficando o surdo restrito ao pouco desenvolvimento em relação à sua
grande potencialidade para a escrita.
Góes (2002) afirma que os professores não apresentam um objetivo
amplo no que diz respeito ao desenvolvimento lingüístico-cognitivo do surdo,
enfatizando, na maioria das vezes, a utilização correta das regras sintáticas,
semânticas e morfológicas da língua, o que, num primeiro momento, não é o
mais importante. A metodologia de ensino da língua portuguesa escrita para os
surdos na maioria das vezes é ineficaz, aliada ao despreparo dos professores com
a LIBRAS.
Segundo Salles et al. (2004), as dificuldades de aprendizagem do surdo se
dão, também, pela defasagem dos pré-requisitos (vocabulário amplo, experiência
de mundo, facilidade de socialização e interação) necessários ao ingresso
escolar, uma vez que ocorre uma transferência das dificuldades da língua oral
para a língua escrita, pois uma indiretamente depende da outra. Deve-se levar
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em consideração que, quando a criança surda chega à escola, ela apresenta
grande restrição comunicativa, e, nesse momento, passará a se relacionar com
diferentes pessoas, cultura, lugares, mundos, e poderá restringir-se à aquisição
de novos conhecimentos e propícias interações.
Assim, no conjunto de problemas enfrentados pelo surdo, enfrenta-se
ainda a ausência de diferenciação entre a Língua Brasileira de Sinais e a Língua
Portuguesa oral e/ou escrita, já que eles concebem o sinal como um gesto da
fala, a fala como a sonorização do sinal e a escrita o registro gráfico dos dois
primeiros. No entanto, o surdo apresentará alterações na produção escrita, visto
que ele é um sujeito bilíngüe, que necessita conhecer a diferença entre as duas
línguas (ANDRADE; GÓES, 1992).
Ele deverá ter contato muito mais efetivo com a escrita, pois seu
aprendizado e a apropriação da escrita é um pouco diferente dos ouvintes, já que
para a aquisição precisa-se de outros recursos facilitadores ao seu aprendizado
(LODI, 2000). O surdo necessita de contato significativo com vários estilos de
textos (contos, poesias, letras de músicas, bilhetes, diários, anúncios de compra
e venda, horóscopo, artigos de jornais e revistas, charadas, piadas, relatórios,
etc) que serão determinantes ao seu aprimoramento da produção escrita (SILVA,
1999).
Em uma pesquisa, Andrade e Góes (1992) constataram que os surdos têm
pouco contato com o material escrito fora da escola e, quanto à leitura, além do
pouco contato, preferem ler revistas com fotos, que possibilitam a compreensão,
pois uma de suas maiores dificuldades é com o vocabulário.
4 INFLUÊNCIAS DO BILINGÜISMO NO APRENDIZADO DA ESCRITA DO
SURDO
A abordagem bilíngüe defende a necessidade de aquisição da língua
de sinais como primeira língua e o aprendizado da língua portuguesa oral e/
ou escrita, como segunda língua. Atualmente muitos profissionais acreditam no
bilingüismo como proposta educacional para surdos. (LODI, 2000).
O bilingüismo para surdos atravessa a fronteira linguística e inclui o
desenvolvimento da pessoa surda dentro da escola e fora dela. A educação
para surdos deve ser pensada em termos educacionais, não mais em termos de
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línguas, mas sim, como essas línguas estão sendo eficazes para as interações e
aquisição de conhecimento (GÓES, 2000).
No entanto, todos os defensores do bilingüismo concordam que o
desenvolvimento cognitivo, afetivo, sócio-cultural e acadêmico das crianças
surdas não dependem necessariamente de audição, mas sim, do desenvolvimento
espontâneo da sua língua. A língua de sinais propicia o desenvolvimento
lingüístico e cognitivo da criança surda, facilita o processo de aprendizagem,
serve de apoio para a leitura, escrita e compreensão (GÓES, 2000).
A Língua Brasileira de Sinais e a interação com o outro proporcionará ao
surdo o processo de construção da escrita, fazendo com que o mesmo consiga,
através dos sinais, interpretar os signos gráficos e se apropriar de forma completa
dessa nova forma de comunicação, tornando sua escrita inteligível para qualquer
interlocutor. (GESUELI, 1998).
Assim, uma vez que o surdo seja precocemente estimulado pela LIBRAS,
terá a possibilidade de adquirir, através dela, pré-requisitos, tais como: experiências
de mundo, vocabulário amplo, facilidade de socialização e interação. Tudo isso
facilitará o aprendizado da escrita, além do desenvolvimento global do surdo
(SILVA, 1999) . No entanto, não é o que se observa na realidade, pois os surdos,
filhos de pais ouvintes, que são a grande maioria, não experienciam o contato
precoce com a LIBRAS, proporcionando um impedimento para a constituição de
um sujeito bilíngüe e causando, assim, grande fracasso escolar (GÓES, 2000).
A LIBRAS irá permitir ao surdo participar do funcionamento linguísticocomunicativo, elaborando o que quer dizer e apreendendo mais conhecimentos,
ou seja, terá uma participação ativa e efetiva da comunicação, o que torna
mais fácil o aprendizado da língua portuguesa escrita, pois, para a apropriação
desse novo e complexo conhecimento, o surdo terá a LIBRAS como mediadora
(PEREIRA, 2000). A instituição escolar para favorecer o aprendizado da escrita
pelo surdo necessita aprender a LIBRAS e, assim, interagir com os mesmos. Ela
permite aos educandos surdos, além da assimilação do contexto, compreender
o que lhes for ensinado, pensar rápido, tomar decisões inéditas, praticar ações
capazes de surpreender pela criatividade, inovação e construção de novos
saberes. A oportunidade de escolarização do surdo beneficiará a criança surda
que deseja aprender, saber, fazer e ser. (ZYCH, 2003).
A não inclusão da LIBRAS, no currículo escolar, fará com que o surdo
seja excluído de seu grupo, por ele não conseguir interagir lingüisticamente de
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forma satisfatória. Ele estará presente fisicamente, mas isolado psiquicamente
(STRNADOVÁ, 2000 apud ZYCH, 2006), pois o surdo constrói sua subjetividade
e age sobre o mundo através da LIBRAS. Expressa seus sentimentos e idéias,
exterioriza seus conhecimentos, adquire novos conceitos e identifica-se na
história (PERLIN, 2000).
O ideal, então, seria o surdo adquirir a LIBRAS com um indivíduo surdo
adulto, seus familiares aprenderem esta língua e o surdo ter a possibilidade de
ingressar em uma escola que tenha, como base educacional, o bilingüismo.
Assim, o surdo torna-se-ia um sujeito lingüístico capaz de fazer uma leitura do
mundo de forma reflexiva e interrogativa, adquirindo bases para o aprendizado
de uma segunda língua (LODI, 2000).
A LIBRAS, por ser uma língua que possui suas próprias regras e estruturas,
além de ser uma língua gestual-visual, difere-se da língua oral auditiva, levando
o surdo a ter as mesmas dificuldades que um ouvinte, quando comparado ao
aprendiz de uma língua estrangeira. Além de que, a língua portuguesa escrita
não tem nenhuma relação com a LIBRAS, pois a linguagem de sinais suprime
artigos, preposições, conjunções, verbos de ligação, conjugação verbal, mas o
domínio da LIBRAS facilitará a aquisição da escrita pelo surdo (SALLES et al.,
2004).
Como o surdo é exposto de maneira ineficaz à LIBRAS e à língua portuguesa
oral, ele pode não dominar nenhuma língua, ou seja, não pode contar com uma
língua dominante, que sirva de base para aprender a língua escrita. Então, o
surdo adquire a língua portuguesa escrita de maneira insatisfatória, utilizando
nela, aspectos da LIBRAS e inadequações lingüísticas da língua oral (CÁRNIO;
COUTO; LICHTIG, 2000).
A falta de domínio de uma língua pelo surdo dificulta a construção de sua
subjetividade e este fator, em conjunto com as práticas pedagógicas que enfatizam
a deficiência como empecilho para o aprendizado, fazem com que o surdo
não seja estimulado de maneira eficaz, que impulsione seu desenvolvimento
lingüístico e cognitivo (SILVA, 2005).
Segundo Fernandes (1990), Góes (2002), Midena (2004) e Silva (1999),
a principal dificuldade do surdo em relação à escrita está relacionada à falta
de domínio lexical, levando a apresentar alterações sintáticas, morfológicas
e semânticas, prejudicando a estrutura textual, ficando o texto sem coesão e
coerência.
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Fernandes (1990), em uma pesquisa realizada com surdos, pôde observar
dificuldades com o léxico; falta de consciência de processos de formação de
palavras, desconhecimento da contração de preposição com o artigo; uso
inadequado dos verbos em suas conjugações, tempos e modos; uso inadequado
das preposições; omissão de conectivos em geral e de verbos de ligação; troca do
verbo ser por estar; uso indevido dos verbos estar e ter; colocação inadequada
do advérbio na frase; falta de domínio e uso restrito de outras estruturas de
subordinação.
A escola precisa sentir-se comprometida com a reconstrução histórica
dos surdos, redefinindo as novas tendências educacionais, aberta
à produção de fatos culturais, projetados pela comunidade surda.
Ainda não há consenso acerca das potencialidades educacionais
dos surdos entre os educadores do ensino fundamental. A LIBRAS
apesar de gradativamente estar assumindo maior espaço fora da
comunidade surda, não tem recebido a devida importância e o
merecido valor junto ao trabalho educacional, como instrumento
mediador do conteúdo escolar. (ZYCH, 2003, p. 125).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desta pesquisa pode-se considerar a LIBRAS como uma língua
que proporcionará ao surdo conhecimento de mundo e, por ela, ser capaz de
estruturar seu pensamento, fazendo-o compreender a modalidade escrita da
linguagem.
No entanto, é necessário que o surdo conviva com interlocutores
capazes de oferecer interações que proporcionem conhecimento de mundo e
funcionalidade à comunicação através de uma língua comum, possibilitando-lhe
construir sua subjetividade.
A importância da aquisição da LIBRAS como primeira língua do surdo irá
favorecer o entendimento da língua portuguesa escrita enquanto uma língua que
proporciona comunicação para diferentes interlocutores e com interlocutores
ausentes. Além disso, a aquisição de novos conhecimentos a capacidade de lidar
com diferentes formas textuais pode fazê-lo compreender que a escrita é uma
outra língua com regras gramaticais, estruturação formal e organização diferentes
da LIBRAS.
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Finalizando, considera-se que este estudo servirá de ponto de partida
para a continuidade das pesquisas sobre a educação bilíngue do surdo: como
ela está ocorrendo nas escolas, como implantá-la e quais as principais dúvidas
apresentadas pelos professores em relação ao ensino-aprendizagem da escrita
para o surdo.
Artigo recebido em: 26/08/2008
Aceito para publicação: 27/10/2008
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