A TEORIA DO RECONHECIMENTO COMO ASPECTO FUNDAMENTAL PARA A FORMAÇÃO DA VIDA ÉTICA EM HEGEL Tarcísio Vilton Meneghetti (UNIVALI), Josemar Sidinei Soares (Orientador Coordenação Acadêmica/UNIVALI), e-mail: [email protected] Palavras-chave: Reconhecimento, Eticidade, Direito Resumo: O presente trabalho objetiva demonstrar o papel essencial que representa a Teoria do Reconhecimento para a filosofia política hegeliana, através da formação da idéia de eticidade1, com o reconhecimento mútuo entre as consciências-de-si na Fenomenologia, e depois com a consolidação do direito na sociedade, com base na Filosofia do Direito, onde as leis éticas estruturam toda a comunidade em um processo reflexivo de reconhecimento por cada indivíduo. Introdução: Ainda hoje, as idéias apresentadas por Hegel em sua filosofia-política parecem não ter sido totalmente compreendidas por seus estudiosos. Análises de seus escritos já direcionaram suas obras para as mais variadas vertentes, tanto liberais como conservadoras. Porém, para se chegar a uma compreensão mais ampla das propostas do filósofo, é necessário entender seu pensamento como um todo, relacionando sua obra clássica de filosofia política, “Princípios da Filosofia do Direito”, com a de cunho mais existencialista, a “Fenomenologia do Espírito”, onde por meio de conceitos fundamentais desenvolve a idéia de reconhecimento, que posteriormente fundamentará a vida ética em um sentido ainda mais amplo. A vida comunitária não pode ser observada somente em aspectos políticos, antes deve ser analisada em um sentido humano, tendo em vista a formação do indivíduo. Nessa linha, Hegel apresenta a Teoria do Reconhecimento como caminho ideal para uma melhor vida social, pois articula tanto a união dos indivíduos na comunidade, como o estabelecimento do direito, que possibilitará um bom convívio social entre eles. Materiais e Métodos: A metodologia utilizada é o método indutivo, através de pesquisa bibliográfica, tomando como referências tanto as obras do filósofo como de seus comentadores. Resultados e Discussão Reconhecimento, Consciência-de-si e Eticidade na Fenomenologia do Espírito 1 Hegel, logo no parágrafo 142 do “Princípios da Filosofia do Direito” apresenta o conceito de eticidade como a “idéia de liberdade como bem vivo, que tem o seu saber e o seu querer na autoconsciência (Selbstbewusstsein), a a sua efetividade pela sua operação (Handelm), assim como esta ação tem a sua base (Grundlage) em-e-para-si e o seu fim motor no ser ético – o conceito da liberdade que veio ao mundo a ser presente (vorhandem) e natureza da autoconsciência.” A consciência-de-si é a figura que emerge no processo espiritual da Fenomenologia, é o conceito que deixou para trás a superficialidade da certeza sensível para entrar no campo da verdadeira evolução. Antes dela, a consciência era somente Em si, não havia feito o movimento necessário de encontrar outra consciência e retornar a si mesma como verdade, como consciência-de-si. Esta outra consciência Hegel representa como o Objeto, é o mundo exterior que a consciência precisa superar. Porém, este processo ocorrerá apenas a partir do momento em que a consciência entender que o Objeto, o Outro, não é algo exterior a ela, mas sim ela própria. Este movimento de reconhecimento é o ponto fundamental para a formação espiritual do indivíduo. A consciência precisa sair de si e dirigir-se ao Objeto, suprassumindo-o e retornando a si mesma. O ato de saber sair de si e ver o Outro como si mesma é onde o reconhecimento age, formando uma idéia de igualdade, já que ao mesmo tempo a outra consciência fará processo idêntico, de forma que este contínuo movimento recíproco envolva ambas as consciências num âmbito universal. Nesse intuito temos a verdade, pois o mundo sensível e particular se desvaneceu formando uma consciência coletiva, que soube reconhecer o Outro e concomitantemente foi reconhecida. A consciência-de-si, após reconhecer outras como ela mesma refletida, entrará num segundo momento, dessa vez conflituoso, onde as várias consciências-de-si combatem arriscando a própria vida em busca de reconhecimento. A parábola do “senhor e do escravo” surge demonstrando esta situação, onde duas consciências-de-si se enfrentam até alguma temer por sua vida e se render, tornando-se escrava da outra. Com o cenário de dominante e dominado haverá o momento mais rígido e exigente do movimento de reconhecimento, pois o escravo deverá reconhecer o vencedor como seu senhor, para então passar a trabalhar e crescer espiritualmente, enquanto por outro lado, o senhor será obrigado a reconhecer o escravo como essencial a si, pois somente com ele poderá ser senhor, já que o servo é quem medeia o processo entre senhor e trabalho. Nesse paradigma temos a elevação do conflito a um panorama de igualdade, onde ambas as consciências-de-si souberam se reconhecer mutuamente, o escravo se libertou de sua condição devido ao labor prestado, enquanto o senhor foi capaz de reconhecer a importância do servo. Após todo este percurso podemos conceber a comunidade, onde os indivíduos aprenderam a reconhecerem-se uns aos outros, e a compreender necessidade de conflitos que gerarão o crescimento de ambos os lados. A simples vontade particular foi superada pela universal, e o plano da eticidade foi concebido. Reconhecimento e eticidade na Filosofia do Direito Eticidade é a idéia de liberdade tratada na terceira parte da obra “Princípios da Filosofia do Direito”, que dissipará o frágil dever da moralidade, em seu caráter somente individualista. As leis éticas, por outro caminho, determinam o modo que os indivíduos devem conduzir suas vidas, porém não de forma coercitiva, como num primeiro momento parece significar, mas sim como algo inerente a eles, de acordo com um processo que eles mesmos desejaram criar. Agora, a Teoria do Reconhecimento também efetuará o processo de conduzir e normatizar a sociedade. Ora, ao se reconhecer no Outro, a consciência-de-si percebeu que ambos estão envolvidos no mesmo projeto, de construir uma comunidade sólida, isso significa que todos entenderam a necessidade de abrirem mão de algumas particularidades para que o bem comum seja realizado. Nesse sentido, as leis surgem não como impostas contra os indivíduos, limitando suas ações, mas como o próprio espírito deles emanando na história, é a própria vontade, tanto singular como coletiva, interagindo e se desenvolvendo num processo universal. A consciência-de-si superou parte de seu livre-arbítrio ao se reconhecer na outra, e entendeu que possui características semelhantes em comparação com os demais indivíduos. Essa idéia de reconhecimento desenvolve a manifestação da cultura de cada povo, por meio dos costumes. O direito surge como a evolução dos costumes, ao ser positivado, com as leis éticas passando de simples vontades a normas estabelecidas, com os indivíduos concebendo suas próprias leis e se reconhecendo nelas. Hegel pretende mostrar que o direito não deve ser algo imposto ao povo, mas sim o seu reflexo, os indivíduos formalizaram a comunidade reconhecendo-se reciprocamente, e a organizaram politicamente da mesma forma, reconhecendo as leis como algo pertencente a eles. A eticidade é a idéia de Liberdade porque representa o momento em que cada indivíduo supera a individualidade e compreende a enorme importância de uma vida comunitária, regularizada por leis éticas, originadas da própria vontade do povo. Conclusões Na Fenomenologia do Espírito o reconhecimento realiza o papel primordial de reunir as consciências-de-si, simboliza a vontade de cada indivíduo em se ver no Outro, em se reconhecer no Outro. Assim, o reconhecimento é a essência que demonstra a vontade particular em superar-se para integrar o universal. Por meio da eticidade, apresentada na Filosofia do Direito, o reconhecimento organiza e estrutura toda a sociedade, pois surge exatamente no momento em que cada consciência-de-si reconheceu as demais e foi reconhecida. É nesse contexto que a comunidade se consolida, com cada indivíduo sabendo posicionar-se no âmbito coletivo, compreensivo da situação que carrega como membro da comunidade. O reconhecimento, por fim, origina o próprio direito, através da livre iniciativa de cada cidadão, ao tomar ciência que somente possui direitos na medida em que possui deveres. Em toda comunidade haverá conflitos, porém com as leis éticas, desenvolvidas no próprio povo, a igualdade e a justiça serão mais facilmente alcançadas. Referências HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. 3 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2005 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. 1. ed. São Paulo: Martins fontes Editora Ltda, 1997 ROSENFIELD, Denis Lerrer. Política e Liberdade em Hegel. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999 SALGADO, Joaquim Carlos. A Idéia de Justiça em Hegel. São Paulo: Edições Loyola, 1996