Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade Física Adaptada e Saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira Distrofia Muscular Progressiva, Com Ênfase Em Duchenne Pablo André Altoé As Distrofias musculares progressivas são doenças herdadas com vários modos de transmissão. São caracterizadas por fraqueza e degeneração dos músculos afetados que tendem a seguir uma distribuição típica nos membros da família acometida. Muitas classificações foram propostas, por exemplo a desenvolvida por Walton e Nattrass. Eles dividem os casos em três grupos: tipo Duchenne; tipo Fascioescapuloumeral; e o tipo cinturamembros. A maior vantagem dessa classificação diz respeito ao prognóstico e também implica numa diferença distinta entre os dois tipos mais claramente definidos, o Duchenne e o Fascioescapuloumeral. A maior desvantagem está em que a categoria de distrofia cintura membros pode ser diagnosticada abusivamente, e, além do mais são comuns os casos de transição e os incertos (Tab 1). A distrofia muscular é uma doença comum, já foi relatada que sua prevalência é de 10 pessoas por 100 mil habitantes. Somente nos Estados Unidos, hoje, existem aproximadamente 18000 casos. O tipo Duchenne afeta essencialmente o sexo masculino e o início se dá em geral nos primeiros quatro anos de vida, com a evolução da doença o indivíduo quando alcança a idade adulta está profundamente debilitado, tanto fisicamente devido à fraqueza estabelecida pela fragilidade óssea, quanto psicologicamente, já que ocorre um aparente desânimo devido ao próprio estado de saúde. Portanto, o homem geralmente encontra-se inapto a ter filhos e esta é a principal razão de mulheres não apresentarem distrofia de Duchenne. A transmissão se faz por traço recessivo ligado ao sexo, e a taxa de mutação é alta. Uma outra forma mais leve de distrofia recessiva, ligada ao cromossoma X, foi descrita por Becker. Os aspectos clínicos são similares aos da distrofia do tipo Duchenne, o início ocorre mais tarde, na infância ou na adolescência, o índice de progressão é muito mais baixo, de tal modo que é comum observarse sobrevivência até a idade adulta. O tipo Fascioescapuloumeral ocorre em ambos os sexos. O início dos sintomas pode se dá em qualquer tempo, desde o início da infância até a vida adulta tardia. A transmissão se faz por um gene autossômico dominante. 1 O tipo cintura - membros ocorre em ambos os sexos e o início dos sintomas aparece nas primeiras três décadas da vida. Há vários modos de herança, mas é comumente transmitido como um traço autossômico recessivo 2 Tab 1. Distrofias Musculares Progressivas Duchenne Fascioescapuloumeral Cintura - Membros Idade do início Infância Adolescência Precoce ou tardia Sexo Masculino Ambos Ambos Pseudohipertrofia Comum Rara Incomum Distribuição inicial Cintura pélvica Cintura escapular Ambas Sempre Nunca Acometimento da Raro face Relativamente rápido Lenta Intermediária Progressão Comum Rara Ocasional Deformidades Recessiva Herança sexo ligada ao Dominante Ambas SINTOMAS São essencialmente os relacionados à fraqueza muscular. Na maioria dos casos, a musculatura da cintura é mais gravemente afetada que as das partes distais dos membros. é observado que a criança anda desajeitadamente, não consegue subir nem descer degraus sem dificuldade, ou andar de triciclo. A fraqueza dos músculos da cintura escapular dificulta a elevação dos braços acima da cabeça ou levantar objetos pesados. A fraqueza muscular da cintura pélvica dá origem à marcha anserina. Raramente não há dor e não se manifestam sintomas sensitivos. SINAIS Não há sintomas cerebrais, mas o retardo mental parece ser muito comum no tipo Duchenne. Quando os músculos faciais são acometidos, a expressão assume aspecto de máscara, os lábios são proeminentes e os olhos não se fecham completamente no sono; não há movimentos faciais no sorriso. Pode ocorrer de modo raro, acometimento dos músculos mastigatórios, palatinos e faríngeos. Foi observada em alguns casos, insuficiência cardíaca por acometimento dos músculos do coração. 3 Na maioria dos casos, a distrofia limita-se ao músculo do tronco e dos membros. Em alguns pacientes há pseudohipertrofia em quase todos os músculos dos membros, enquanto que em outros, está ausente por completo. Mais recentemente registrou-se fraqueza em alguns grupos musculares e pseudohipertrofia em outros. O gastrocnêmio, o deltóide e o tríceps são músculos afetados com mais freqüência pela pseudohipertrofia. A marcha e a postura são características. Há acentuado grau de lordose, resultado da fraqueza muscular do tronco e a marcha é escarvante e anserina. Os movimentos dos braços podem ser acompanhados por escápula alada. A fraqueza dos músculos da cintura escapular leva a criança a escorregar das mãos do examinador quando ele tenta erguê-las pelas axilas. Com a progressão da doença o paciente só é capaz de levantar-se do chão puxando-se para cima com as mãos apoiadas em uma cadeira ou em outros objetos fixos. Há algumas variações no grau de fraqueza enter os dois lados, mas o acometimento jamais se limita à um lado só. DADOS LABORATORIAIS Os exames de rotina do sangue, urina e líqüor são normais. A excreção de creatinina aparece diminuída, proporcional à perda da substância muscular, como nas outras doenças acompanhadas de atrofia muscular. Há um aumento na excreção de creatina e diminuição da capacidade de armazenamento da creatina ingerida. O significado da creatinúria não é conhecido. Não há padrão consistente ou específico da excreção dos aminoácidos. Alguns autores relatam a verificação de aumento dos níveis séricos de aldolase, desidrogenase láctica, transaminase, creatinofosfoquinase. Os níveis enzimáticos séricos elevam-se mais nas fases iniciais da distrofia muscular de Duchenne. A detecção da doença, no período pré clínica dessa fase de distrofia, pode ser conseguida pela determinação das enzimas séricas e nos portadores, entre mulheres não afetadas, pela verificação de aumento da enzima creatinofosfoquinase no soro. Um grau moderado de alteração degenerativa dos músculos tem também sido verificado em portadores assintomáticos. Estudos com isótopos de potássio tem indicado haver redução da concentração do potássio no líquido da fibra e no potássio permutável de todo o corpo. EVOLUÇÃO 4 Há uma considerável variação dessas doenças. O prognóstico é mais favorável quando o início dos sintomas ocorrem após os 20 anos. Via de regra há um aumento gradativo da fraqueza dos músculos atingidos em primeiro lugar e uma lenta propagação da debilidade aos músculos não afetados. Os pequenos músculos das mãos e dos pés são geralmente os últimos atingidos. Na distrofia facioescapuloumeral é freqüente encontrar pacientes com a doença a quatro ou cinco décadas que ainda são capazes de andar. Na forma de Duchenne, é comum a moléstia progredir, dentro de um período de 5 a 15 anos, a ponto de levar o paciente ao leito ou a uma cadeira de rodas. A morte pode ocorrer por infecção intercorrente ou por acometimento da musculatura bulbar, respiratória ou cardíaca. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da distrofia de Duchenne usualmente pode ser feito sem dificuldade pela verificação do início da fraqueza muscular na infância, a presença de pseudohipertrofia dos músculos, a característica distribuição da debilidade, a história familiar e a atividade enzimática elevada no soro. Quando o início é relativamente tardio, o diagnóstico é feito pela distribuição da fraqueza, a abolição dos reflexos profundos e a falta de sinais de acometimento da medula espinhal ou dos nervos periféricos. A determinação das enzimas séricas e a biópsia muscular são valiosas para o estabelecimento do diagnóstico. Na biópsia observa-se variabilidade desordenada no tamanho das fibras musculares, estando algumas atróficas, outras aumentadas de volume, misturadas no mesmo corte sem qualquer padrão definido. Além disso observa-se edema e aspectos de degeneração. Há também fibras em regeneração, cujo número diminui à medida que a doença progride. Um sinal valioso que permite a diferenciação da distrofia muscular de outras doenças do adulto com atrofia muscular, é o fato de nela estarem usualmente preservados os tecidos adiposo e subcutâneo. TRATAMENTO E CUIDADOS GERAIS Não há tratamento eficiente, capaz de impedir a progressão da doença. No entanto a prevenção e tratamento das complicações principalmente respiratórias é de extrema importância. O emprego de antibióticos é indicado, mas traqueostomia e a respiração assistida devem ser evitadas nas fases finais da forma de Duchenne para não prolongar inutilmente o sofrimento do paciente. Medicações de uso em cardiologia tais como diuréticos, 5 digitálicos e antiarrítmico dificilmente são necessários porque o acometimento cardíaco , quando ocorre, é geralmente agudo. Nas crianças a obesidade geralmente é freqüente, seja por super proteção levando a excessos alimentares, seja pela imobilidade. A obesidade deve ser combatida, pois complica o manuseio, dificulta a fisioterapia e facilita o aparecimento de escaras. Os cuidados dentários, pelo risco anestésico, são ministrados preferencialmente em hospitais. Da mesma forma, os cuidados obstétricos limitam-se ao parto hospitalar, embora na doente gestante ocorra piora da debilidade muscular no terceiro trimestre. Quando portadoras do gene Duchenne engravidam, a determinação do sexo fetal permite a interrupção da gravidez para o menino. A distensão das contraturas, os aparelhos e a cirurgia para o alongamento dos tendões são recomendados com graus variáveis de entusiasmo, em diferentes centros médicos. As cirurgias ortopédicas corretivas mais trabalhosas são contra-indicadas pelo risco anestésico e devido à necessidade de imobilização. A fisioterapia é sempre benéfica em todas as formas. Na forma de Duchenne, a criança deve ser estimulada a andar o mais que possa, sendo também úteis a natação, as massagens e a estimulação elétrica. A inatividade no leito, por exemplo, em caso de doença infecciosa febril, acentua a evolução da gravidade para contraturas. Na forma fascioescapuloumeral e das cinturas pode-se chegar a exercícios de resistência máxima, os quais são evitados na forma de Duchenne, devido ao acometimento cardíaco. O melhor método de prevenção é o estiramento passivo dos músculos, sobretudo flexores das coxas e ileotibiais. A psicoterapia pode tornar-se necessária se a postura e a personalidade dos familiares e do paciente diante da morbidez não estiverem equilibradas e ainda depende do grau de retardo mental do paciente. Também a atividade ocupacional e, nos pacientes adolescentes ou adultos, a orientação de atividades adequadas ou ainda sedentárias, que requeiram capacidade intelectual, são indicadas e ajudam a manter o otimismo. Distrofia Muscular Ligada ao Sexo, Forma Severa Ou De Duchenne, Também Chamada Forma Pseudo-Hipertrófica As características principais são: 6 1. 1. Ocorrência no sexo masculino e em raríssimos casos da síndrome de Turner (XO); 2. 2. Início usualmente antes do quarto ano, ocasionalmente até o sétimo ano; 3. 3. Transmissão recessiva ligada ao sexo com alta taxa de mutação; 4. 4. Comprometimento simétrico e inicialmente seletivo dos músculos da cintura pélvica; 5. 5. Hipertrofia das panturrilhas e freqüentemente de outros grupos musculares, em quase todos os casos, pelo menos em um estágio da moléstia; 6. 6. Debilidade lentamente progressiva, levando a inabilidade para deambular dentro de dez anos à partir do início; 7. 7. Contraturas musculares e deformidades esqueléticas progressivas; 8. 8. Óbito por inanição, infecção respiratória ou colapso cardíaco na Segunda ou terceira década da vida; 9. 9. Retardo mental em pelo menos 1/3 dos casos. Os primeiros sintomas são usualmente desajeitamento na marcha e tendência à queda, havendo algumas vezes o dado retrospectivo de retardo do desenvolvimento neuropsicomotor. Os pais erroneamente costumam atribuir os primeiros sintomas a pé chato, desmazelo ou “gracinhas”, mas é bastante interessante notar que nas famílias onde já houve um caso, os pais conseguem detectar o aparecimento da doença num segundo filho, antes que o próprio médico perceba qualquer anormalidade. No início do quadro a geralmente queixa de dor muscular aos exercícios, sobretudo nas panturrilhas. A debilidade muscular começa primeiro nos músculos extensores das coxas, tronco e bacia (íleopsoas, glúteos e quadríceps), e logo a seguir o corpo tibial anterior, tornando a criança incapacitada para correr, subir escadas e levantar-se do chão. É característico o sinal de Gower ou fenômeno do “levantar miopático” que consiste em levantar-se, apoiando sucessivamente as mãos sobre os membros inferiores, de baixo para cima, como se a criança estivesse ascendendo sobre si mesma. A debilidade dos extensores da coluna é responsável também pela acentuação da lordose que passa a existir com a doença. Após quatro ou cinco anos do início do quadro, é acometida também a cintura escapular, sobretudo o músculo serrátil, peitoral e mais tarde bíceps e o braquiorradial, tornando 7 impossível a abdução do braço e causando o sinal de escápula alada. O tórax vai achatando-se no sentido anteroposterior, mas os músculos do pescoço são afetados relativamente tarde. Nos últimos anos de evolução se nota leve debilidade facial-peribucal. Os músculos intercostais são severamente comprometidos e apesar do diafragma ser poupado não é suficiente para manter a dinâmica respiratória e a expansão toráxica normal. Curiosamente as panturrilhas são mantidas fortes por vários anos, devido ao fenômeno da hipertrofia muscular. Tal hipertrofia tende a se tornar menos evidente a partir da época em que cessa a deambulação. Os reflexos profundos dos nervos inferiores se tornam abolidos precocemente. Eventualmente a debilidade pode ser tão séria que nem mesmo a cadeira de rodas é possível e a criança é confinada ao leito, ficando capacitada apenas para mastigar, deglutir, sorrir debilmente, apertar as mãos. Essa evolução trágica é a mais habitual, mas existem casos nos quais a deambulação se mantém por mais tempo e se observam períodos em que a moléstia parece estacionar. De qualquer forma a deterioração é rápida sempre que a criança é mantida no leito, mesmo por motivo banal, como uma gripe. As alterações cardíacas são constantes, porém provavelmente não detectáveis nos estágios inicias. Clinicamente se verifica com maior freqüência arritmias, morte súbita por falência miocàrdica ou arritmia grave. O retardo mental é comum, o que levou a suposição inicial de que a doença fosse de origem cerebral: 1/3 dos casos tem Q.I. menor que 75, sendo que o Q.I. médio é de 70 a 85. A habilidade verbal é mais comprometida e não ocorre deterioração intelectual progressiva. Não há relação entre a gravidade do comprometimento muscular e o comprometimento intelectual, porém o grau de retardo mental em irmãos afetados costuma ser aproximado. Não há retardo nas portadoras. Distrofias Com Herança Autossômica Recessiva, Forma Das Cinturas Características principais: 1. 1. Ocorre em ambos os sexos; 8 2. 2. Início usualmente na segunda / terceira década, podendo, no entanto, aparecer em qualquer idade; 3. 3. Transmissão por herança autossômica recessiva, ocorrendo em raros casos herança autossômica dominante; 4. 4. Comprometimento inicial ou na cintura pélvica ou na escapular, acometendo a outra após um intervalo de tempo; 5. 5. Hipertrofia da panturrilha ou de outros músculos em pequeno número de casos; 6. 6. Casos abortivos são incomuns mas podem ocorrer; 7. 7. Gravidade e progressão em graus variáveis e invalidez usualmente após os 20 anos; 8. 8. Contraturas musculares e deformidades esqueléticas, quando ocorrem são tardias; 9. 9. A maioria dos pacientes se tornam severamente comprometidos na idade adulta média, porém morre na idade habitual; 10. 10. Acometimento cardíaco ocasional. É a forma clínica menos uniforme, levando à diagnósticos confusos. Embora os sintomas sejam semelhantes aos da forma de Duchenne, a evolução é mais lenta e o prognóstico menos severo, dependendo do acometimento dos músculos respiratórios e da escoliose. Distrofia Muscular Infantil, Exceto Duchenne; Forma Infantil Autossômica Recessiva Características principais: 1. 1. Ocorrência em ambos os sexos; 2. 2. Provável transmissão por herança autossômica recessiva; 3. 3. Início entre o 2º e o 14º ano, com maior incidência na Segunda metade da primeira década; 4. 4. Comprometimento muscular com predomínio proximal, freqüentemente poupando a face; 5. 5. Hipertrofia muscular freqüente; 9 6. 6. Progressão lenta com invalidez num período variável, de 20 a 40 anos; 7. 7. Eletrocardiograma alterado mas não típico; 8. 8. Creatininafosfoquinase moderadamente elevada na fase clínica e grandemente elevada no estágio pré clínico. É uma forma de difícil caracterização e diagnóstico diferencial, que começou a ser considerada quando se observou que crianças do sexo feminino podiam apresentar DMP semelhante à forma de Duchenne, porém com maior benignidade. 10 Distrofias Com Herança Autossômica Dominante; Forma Fascioscapulumeral Características principais: 1. 1. Ocorrência em ambos os sexos; 2. 2. Início em qualquer idade: infância ou idade adulta; 3. 3. Transmissão por herança autossômica dominante, em raros casos também por herança autossômica recessiva; 4. 4. Expressividade genética variável, levando a casos abortivos ou com comprometimento moderado; 5. 5. Comprometimento inicial na face e na cintura escapular com subseqüente envolvimento também na cintura pélvica; 6. 6. Hipertrofia muscular muito raramente; 7. 7. Contraturas musculares e deformidades esqueléticas muito raramente; 8. 8. Progressão insidiosa com períodos prolongados de aparente estacionamento; 9. 9. Sobrevida e atividade até a idade habitual dos indivíduos normais. É uma das formas mais claramente definidas. Uma das características clínicas mais importantes dessa forma é a ocorrência de formas abortivas, com comprometimento de apenas um ou dois grupos musculares. O aspecto clínico mais característico é o da debilidade facial bilateral com apagamento do sulco nasogeniano, dificuldade em protrair os lábios e fechar os olhos. Também é comum o sinal de escápula alada. 11 BIBLIOGRAFIA Tratado De Neurologia, H. Houston Merritt, capítulo 6, pag 436-441 Neurologia Infantil, Antonio Branco Lefevre, Aron J Diament, capítulo 40, pag 535-541 12