CEFAC Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica Motricidade Oral PROCESSAMENTO AUDITIVO E DISTÚRBIOS ARTICULATÓRIOS EM CRIANÇAS COM RESPIRAÇÃO BUCAL Christiane Conrado São Paulo 1997 CEFAC Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica Motricidade Oral PROCESSAMENTO AUDITIVO E DISTÚRBIOS ARTICULATÓRIOS EM CRIANÇAS COM RESPIRAÇÃO BUCAL Christiane Conrado Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade Oral do CEFAC Orientadora: Miriam Goldenberg São Paulo 1997 SUMÁRIO I – INTODUÇÃO...................................................................... pg. 1 II – DISCUSSÃO TEÓRICA...................................................pg. 3 OTITES .............................................................................pg. 4 EMISSÃO E RECEPÇÃO..................................................pg. 6 NEUROPSICOLOGIA........................................................pg. 8 FUNÇÃO AUDITIVA..........................................................pg. 10 MODELOS DE AVALIAÇÃO.............................................pg. 22 III – PROPOSTA AVALIATÓRIA ...........................................pg. 25 IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................pg. 33 V – BIBLIOGRAFIA................................................................pg. 35 I – INTRODUÇÃO No decorrer do exercício de minha prática clínica surgiram algumas incertezas e inseguranças, também compartilhadas por outras fonoaudiólogas, sobre crianças com dificuldades de adquirir e/ou de automatizar fonemas, levando ao fracasso da terapia, à frustração do terapeuta e a uma desestimulação da criança e da família. Refiro-me à criança que apresenta respiração bucal, passado otológico, ensurdecimento dos fonemas /b/, /d/, /v/, /g/, /z/ e /j/ e, em alguns casos, omissão ou troca dos fonemas /r/ e/ou /l/, e sobre a qual mãe e professora geralmente a ela se referem como um pouco sonolenta e desatenta, ou que em alguns momentos parece não escutar, perguntando: ”Hã?... O quê?” Quantas vezes me questiono sobre o que há de errado com aquela criança, ou então, o que deixei de fazer para lhe dar condições de adquirir determinados fonemas: Onde falhei? O que sucedeu com aquela criança que não automatizou os fonemas, aparentemente já adquiridos? Não teria sido aquele o momento adequado para tais ensinamentos? O que há com essa criança que não apresenta perda auditiva, retardo intelectual, problemas emocionais e nem privação ambiental? Seria caso de encaminhá-la à ludoterapia, de esperar mais um pouco tentando outra técnica ou de prosseguir apenas com orientações à família ? Tive oportunidade de participar de um grupo de estudos sobre Processamento Auditivo Central e aos poucos pude fazer a mim mesma algumas perguntas bastante intrigantes, que passaram a constituir o objeto do meu trabalho. Existe alguma relação entre Processamento Auditivo Central e Distúrbios Articulatórios? Poderiam ser acrescentadas avaliações de Processamento àquelas rotineiramente realizadas? Assim, acredito que, em meio a tantas perguntas e dúvidas seja possível adquirir através de alguns autores como Lúria, Musiek, Chermak, Alvarez, Pereira, Marchesan, Schochat e tantos outros, um pouco mais de conhecimento, tentando aplicá-lo às avaliações e terapias de Distúrbios Articulatórios em crianças com respiração bucal. Desta maneira todas estas questões poderiam ser resumidas em apenas uma: como avaliar de maneira abrangente crianças com as características mencionadas acima? Tomando por base a teoria pesquisada, gostaria de propor que esta avaliação se tornasse de rotina para essas crianças. II – DISCUSSÃO TEÓRICA Devo antes ressaltar a importância dos problemas respiratórios destacados por Marchesan e Krakauer (1995) como uma das causas da respiração bucal. Há um enorme contingente de respiradores bucais, provenientes de problemas orgânicos como: rinites, sinusites, hipertrofia de amígdalas faríngea ou palatinas, infecções das vias aéreas superiores (IVAS), hipotonia da musculatura elevadora de mandíbula ou apenas postura viciosa. O indivíduo respirador bucal pode apresentar vários sintomas característicos, os quais constituem o quadro chamado “Síndrome do respirador bucal”. Dentre os sintomas podem ser encontradas alterações craniofaciais e dentárias, alterações dos órgãos fonoarticulatórios, alterações corporais, alterações das funções orais (falta de sonorização na fala, ceceio) e outras alterações como otites de repetição, dificuldades de atenção e concentração, prejudicando o desempenho escolar, levando a criança à agitação, ansiedade e a outras alterações comprometedoras de seu comportamento. Assim, o presente trabalho visa destacar as possíveis conseqüências da respiração bucal no sistema auditivo durante os primeiros anos de vida, que prejudicam seu processamento normal. OTITES Se uma criança, durante os primeiros anos de vida, apresenta um quadro de infecção das vias respiratórias superiores, provavelmente estará impossibilitada de respirar pela via nasal, sobrevindo conseqüente uma respiração bucal. A tuba auditiva, que é um tubo ósteo-cartilaginoso de comunicação do ouvido médio com a nasofaringe, que é envolvida por um coxim muscular como o tensor e o elevador do véu palatino, não desempenhará seu papel de ventilação do ouvido médio, podendo gerar uma condição patológica para o desenvolvimento da otite média secretora (OMS). Muitos dos estudos efetuados em crianças com história de perdas auditivas transitórias, durante os primeiros anos de vida, apresentavam riscos para a linguagem, fala, aprendizagem e problemas de processamento auditivo (Holm e Kunze, 1969; Owrid, 1970; Lewis, 1976; Needleman, 1977; Rapin, 1979). Este quadro é devido principalmente às otites médias, doenças mais comuns na infância, consideradas nos Estados Unidos como as causas principais (33%) dos atendimentos pediátricos. Sih (1992) relata que, em geral na otite média aguda (OMA) encontra-se um quadro de IVAS precedendo à otite e ao aparecimento de otalgia, febre, irritabilidade e perda de audição. A otite média secretora (OMS) é, na maioria das vezes, assintomática, podendo ocorrer após um episódio de OMA, ou surgir como conseqüência da obstrução tubária já mencionada anteriormente. Na otite média recorrente (OMR) a incidência das crises agudas, às vezes em curto espaço de tempo, leva a efeitos adversos na fala, linguagem e desenvolvimento cognitivo, provavelmente devido à perda flutuante de audição. Para Katz (1979) os efeitos da perda auditiva podem ser: - Efeito tampão: refere-se à redução na informação da fala. A sensibilidade auditiva da criança pode estar reduzida em 25 dB ou mais quando comparada a outras crianças e ainda assim apresentar os limiares tonais aéreos dentro dos limites normais para o adulto. As dificuldades associadas a este efeito são proporcionais à magnitude da perda, à configuração da freqüência e do nível dos sinais de fala. - Efeitos de limitação: no adulto tendem a configurar influências sutis no sistema auditivo. Estas respostas anormais permanecem por um período de tempo após a remoção do “tampão”. O caso parece muito mais complexo, envolvendo ainda maior risco quando a privação ocorre nos primeiros anos de vida. - Efeitos da privação auditiva precoce: este aspecto é associado a períodos críticos no desenvolvimento do Sistema Nervoso Auditivo Central. Estudos mostram que a limitação sensorial pode ter uma profunda influência sobre o comportamento, desenvolvimento estrutural e químico. EMISSÃO E RECEPÇÃO Visões contemporâneas sobre a linguagem humana consideram que a mesma evolui dentro de contextos específicos culturais, sociais e históricos, e é determinada pela interação de fatores biológicos, cognitivos, psicossociais e ambientais. A linguagem, como um comportamento governado por regras, é descrita no mínimo por cinco parâmetros: Fonológico, Morfológico, Sintático, Semântico e Pragmático. O uso efetivo da linguagem para a comunicação requer uma ampla compreensão da interação humana, incluindo fatores como pistas não verbais, motivação e papéis sócio-culturais. No entanto, para que ocorra o desenvolvimento da linguagem falada, Russo e Santos (1994) referem que é preciso destacar três seqüências inter-relacionadas de desenvolvimentos: - Desenvolvimento da capacidade de receber, reconhecer, identificar, discriminar e manipular as características e processos do mundo que nos cerca. Esta etapa constitui a fase de entrada dos estímulos sensoriais, principalmente auditivos, visuais e cinestésicos, por meio do Sistema Nervoso Central. A audição tem papel decisivo, uma vez que para o desenvolvimento da linguagem falada a criança precisa ouvir, necessitando integridade do sistema auditivo, tanto periférico quanto central. - Desenvolvimento da capacidade de compreender, decodificar, associar a linguagem falada, ou seja, a interpretação dos sons lingüísticos. A interpretação depende da integridade do Sistema Nervoso Central para possibilitar o funcionamento de processos complexos, como: memória (de símbolos verbais, pessoas, objetos, eventos, atividades e conceitos intelectuais), organização têmporo-espacial, análise-síntese, figura-fundo, motivação e experiências emocionais. - Desenvolvimento da capacidade de produzir os sons da fala, ou seja, a emissão. Esta etapa envolve uma atividade motora comandada pelo Sistema Nervoso Central. Ao exteriorizar o pensamento por meio da linguagem verbal o ser humano precisa desejar fazê-lo e ter capacidade para tanto, pois este ato envolve uma seqüência de eventos, ou seja, separar a idéia principal, colocá-la em simbologia verbal adequada, em forma gramatical e cadência vocal apropriadas, formar a imagem cinestésica e acionar os órgãos fonoarticulatórios para a produção da fala. Mota e Ramos (1996) escreveram um artigo sobre os desvios fonológicos, fazendo uma revisão dos estudos relacionados a estes desvios. Até recentemente havia pouco interesse nas evidências diretas do processamento de recepção e emissão da criança, ou seja audição e linguagem dependendo de outras funções superiores, tais como atenção, memória e percepção de outras modalidades. A perspectiva puramente lingüística, que até então dominava esses estudos, tem sido substituída por uma perspectiva neuropsicolingüística, firmemente embasada nas Neurociências, que têm a preocupação de analisar os sistemas de funcionamento mental, fornecendo elementos para relacionar achados clínicos e comportamentais a estruturas funcionais cerebrais correspondentes. NEUROPSICOLOGIA Lúria (1973) propõe uma divisão funcional do cérebro por unidades de funcionamento e não por funções específicas, já que cada função ativa distintas zonas cerebrais que funcionam em conjunto. Essas três unidades são: -1a. Unidade: Responsável pelo alerta e atenção. Regula o nível de energia e tônus do córtex. Inibe estímulos irrelevantes e prioriza estímulos relevantes a serem respondidos. Está localizada nas partes superior e inferior do tronco cerebral, particularmente na substância reticular. Habilidades de processamento auditivo associadas a esta unidade: atenção focalizada (priorização), atenção seletiva e alternada (figura-fundo) e atenção sustentada (fadigabilidade). -2a. Unidade : Responsável pelo reconhecimento (decodificação), memória e integração com outras unidades sensoriais. Desempenha funções altamente específicas, abrangendo áreas posteriores do córtex (parietal, temporal e occipital). Tem papel decisivo na análise e categorização, codificação e armazenamento das informações, ou seja, na análise dos estímulos. Cada uma dessas regiões corticais possui organização hierárquica: uma zona primária que classifica e registra a informação sensorial; uma zona secundária que organiza a informação e a codifica, e uma zona terciária onde os dados de diferentes proveniências se sobrepõem e são combinados (integração). Habilidades de processamento auditivo associadas a esta unidade: detecção do som, discriminação, memória de curto prazo, seqüencialização sonora, análise e síntese de sons verbais e não verbais. -3a. Unidade: É uma unidade executiva, responsável pela programação, monitoração, iniciativa, recrutamento da atenção e concentração através da conecção com o tronco cerebral. Compreende os lobos frontais, envolvidos na formação de intenções e na programação dos comportamentos. Não desempenham funções motoras ou sensoriais, mas recrutam a atenção e a concentração e são os responsáveis pelos processos comportamentais mais complexos. Habilidades de processamento auditivo associadas a esta unidade: organização do “output”, sustentação do “span” de atenção e decisões eletivas. Para Lúria a percepção dos sons não depende somente de uma audição aguçada, mas também de identificação dos traços sonoros que diferenciam os sons que compõem determinada língua e distinguem um som determinado de outros de características físicas semelhantes. Quando um indivíduo apresenta disfunções nas vias sensoriais ou neurais, que conduzem o som até o córtex cerebral, este recebe uma mensagem auditiva confusa, tornando-se incapaz de responder apropriadamente (ainda que a audição seja normal quando medida por testes audiométricos), uma vez que é função do cérebro dar significado aos sons recebidos pelo ouvido. Esse tipo de distúrbio é conhecido como “Distúrbio do Processamento Auditivo Central”. FUNÇÃO AUDITIVA Por definição: Processamento Auditivo Central é a capacidade de dirigir a atenção, de localizar, interpretar, memorizar, integrar, associar e programar novas respostas. As fonoaudiólogas Alvarez, Caetano e Nastas utilizam uma definição dada pelo Prof. Jack Katz, da Universidade de Buffalo: “Processamento Auditivo é aquilo que você faz com o que ouve”. Trata-se de uma habilidade muito sofisticada, desenvolvida principalmente durante os dois primeiros anos de vida da criança através das experiências sonoras e que atinge seu ponto máximo por volta de 10-12 anos de idade. Os primeiros anos de vida são repletos de aprendizagem, através dos quais a criança adquire habilidades motoras e muitas informações provenientes da visão, tato, olfato, gustação e audição. Com base na literatura especializada em processamento auditivo (Davis, 1971; Katz e Ilmer, 1977; Gaddes, 1985; Noback, 1985; Pinheiro e Musiek, 1985; Boothroyd, 1986; Katz e Wilde, 1989; Northern e Downs, 1991), Pereira (1993) utiliza a conceituação de processamento auditivo e suas etapas normais, dizendo que: “O processamento auditivo diz respeito à percepção auditiva via o sentido da audição e é no sistema auditivo que ele ocorre”. O Sistema Auditivo é constituído de três componentes: 1- O componente condutivo (ouvido externo e ouvido médio), que tem a função de conduzir o som do meio aéreo ao meio líquido, com uma perda mínima de energia, e a de proteger a cóclea de sons fortes que poderiam causar-lhe danos físicos. 2- O componente sensorial (cóclea) que tem a função de transformar o impulso sonoro em impulso elétrico. É na cóclea que se inicia a primeira separação do estímulo sonoro em seus componentes de freqüência e intensidade. A partir da cóclea as informações sensoriais são transmitidas separadamente, por freqüência, até o córtex auditivo (Noback, 1985). Os componentes condutivo e sensorial estão prontos quando do nascimento da criança. 3- O componente neural tem a função de receber, analisar e programar a resposta, e, ao contrário dos outros, não está totalmente pronto no nascimento. Isto explica as respostas reflexas do recém-nascido até dois ou três meses. A inibição reflexa terá início tão logo se inicie a maturação do Sistema Nervoso Central, passando o controle das respostas para o córtex. A maturação do Sistema Nervoso Central é completada ao atingir o Corpo Caloso (por volta de 7 anos), estrutura responsável pela interação dos dois hemisférios cerebrais. Somente a partir da experienciação sonora é que se completa a mielinização, e novas conexões neurais são estabelecidas para transmitir a informação sonora. Há diversos centros processadores entre a cóclea e o córtex auditivo: o núcleo coclear (inicia a análise sensorial complexa e diminue os sinais de fundo); o complexo olivar superior (responde às diferenças de intensidade e tempo interaural e usa isto para codificar a direção de um som no espaço, fazendo parte do arco reflexo acústico do músculo estapédio); o lemnisco lateral (feixe de fibras condutoras); o colículo inferior (combina a codificação espacial do complexo olivar superior com os resultados da análise sensorial dos núcleos cocleares, realizando o mapeamento da posição sonora e associado também à atenção ao estímulo sonoro); o corpo geniculado medial (sua porção ventral é unicamente auditiva, que analisa sons complexos, localiza e representa o espaço auditivo). Cada componente apresenta milhões de células nervosas com interconecções complexas, envolvendo fibras nervosas ascendentes ou descendentes (fibras que carregam informação dos centros mais baixos aos mais altos e vice-versa). Estes milhões de células se comunicam entre si através de sinapses e o resultado constitui o processamento que o sistema auditivo realiza para interpretar as vibrações sonoras por ele detectadas. Existem algumas hipóteses de funções atribuídas ao córtex auditivo: analisar sons complexos; localizar e representar o espaço auditivo; atentar seletivamente para estímulos auditivos baseados na posição da fonte sonora; inibir respostas motoras inadequadas; identificar estímulos; discriminar padrões temporais; memorizar auditivamente sons em seqüência, além de praticar tarefas auditivas mais difíceis. As fases do processamento auditivo são: - Detecção do som: é a percepção do estímulo sonoro em si. É através dela que se tem a sensação e as características físicas do estímulo (componentes condutivos e sensoriais). - Atenção seletiva: é a capacidade de monitorar estímulos significativos, mesmo quando a atenção está focada em outro estímulo, da mesma modalidade sensorial ou distinta. É a capacidade de selecionar estímulos (sistema reticular e lobo frontal). - Discriminação: é o processo de diferenciação entre os padrões de estímulos sonoros, em seus aspectos de freqüência, intensidade e duração. Compara e diferencia os padrões sonoros (componente neural). - Localização: é a capacidade de localizar as fontes sonoras em 5 direções, ocorrendo por volta de 2 anos de idade (componentes sensoriais e neurais). - Reconhecimento: é a identificação de determinados dados sensoriais com base no conhecimento previamente adquirido, envolvendo comparações posteriores. É uma discriminação ligada ao contexto situacional temporal (componente neural). - Análise e síntese auditiva: é a integração perceptivo-motora com participação do processamento intelectivo-cognitivo. - Seqüencialização: envolve aspectos temporais. - Compreensão: depreender o significado da informação auditiva; esperado por volta de 1 ano de idade. Já é considerada como integrante do processo cognitivo geral (componente neural). - Memória: é a capacidade de reter, armazenar e recuperar ou evocar as informações. É a capacidade biológica nata de registrar, catalogar, organizar e reutilizar informações acústicas do meio (principalmente centros hipocampais e amígdala). Como foi dito anteriormente este processamento auditivo é desenvolvido nos primeiros anos de vida pela experienciação sonora . Por esta razão tal habilidade pode se apresentar alterada a partir de perdas auditivas transitórias, intermitentes ou permanentes. Alvarez, Caetano e Nastas relatam que as causas do problema são as mais variadas possíveis e ainda têm sido objeto de pesquisas. Algumas delas são: - otites freqüentes na primeira infância; - febres altas e contínuas; - distúrbios específicos de desenvolvimento da função auditiva; - disfunções subclínicas ou mesmo pequenas lesões ocorrentes em qualquer etapa das vias de condução dos estímulos sonoros, desde o ouvido externo até o córtex cerebral; - privação sensorial auditiva durante a primeira infância. A literatura especializada descreve ainda algumas manifestações presentes numa desordem do processamento auditivo central: - história de infecções de ouvido recorrentes, amigdalites, rinites, alergias, que possam causar perdas auditivas transitórias ou permanentes; - distúrbios articulatórios, principalmente dos fonemas /r/ e /l/; - vocabulário pobre, tanto na expressão como na recepção; - sintaxe simplificada, estrutura frasal não gramatical, erros de concordância; - fala com conteúdo pobre, sem encadeamento de idéias (levando em consideração o nível cultural da criança); - aprendizagem de leitura e escrita demorada, com trocas de letras e lentidão das correspondências fonema-grafema; - dificuldades em Matemática; - dificuldade em manter a atenção durante explanações orais; - repetições constantes como: Hã? O quê? (mais de 5 vezes ao dia); - tempo de latência aumentado para a emissão de respostas ou emissão de respostas inconsistentes aos estímulos auditivos; - dificuldade em compreender conceitos verbais e relacioná-los a conceitos visuais e/ou a idéias abstratas; - discriminação dos sons da fala prejudicada na presença ou não de estímulos simultâneos ou competitivos; - distração fácil na presença de estímulos competitivos ; - hiperatividade ou hipercinesia; - falhas de memorização das mensagens ouvidas (segundos, minutos ou dias); - inversões na fala e na escrita; - dificuldade de compreensão de instruções verbais, especialmente para mensagens mais longas e lingüisticamente mais complexas; - dificuldade em seqüenciação de eventos, números e sons; - presença de canhotismo e ambidestrismo na ausência de histórico familiar; - aprendizagem insuficiente através canal auditivo; - distúrbios de conduta; - desorganização. Essas manifestações influenciam o comportamento geral do indivíduo, sendo que muitas vezes pais e professores se queixam de que a criança é desatenta ou teimosa. É difícil para eles entender que alguém com audição normal possa agir como um disacúsico. Schochat (1996) refere que um som é inteligível quando se compreende seu significado. A inteligibilidade de fala depende das características da mensagem, ou seja gesticulação e apoio visual, conhecimento do idioma e do tema, potência, articulação, claridade e inflexões da voz do falante, competência intelectual, posição relativa entre o falante e o ouvinte e a capacidade auditiva do ouvinte. Além das características da mensagem, a fala depende das características acústicas do ambiente, ou seja, absorção, reflexão, ruído de fundo, etc. Quando alguém está falando, os ouvintes geralmente sabem sobre o que ele está falando pelo conhecimento que têm sobre linguagem; os sons da fala que alcançam o ouvido do ouvinte contêm freqüências de 30 a 10 000 Hz, e incorporam variação de intensidade acima de 30 dB. Mudanças na intensidade e freqüência ocorrem muitas vezes por segundo. Na verdade, as pessoas não precisam de todas estas informações acústicas para decodificar a fala; as pessoas têm a capacidade de “desprezar” uma parte da informação e centrar a atenção apenas nas poucas características acústicas que a interessam. Um componente importante na decodificação é a extração de partes de modelos fonéticos do sinal acústico. Estes modelos fonéticos estão na memória imediata (primária), onde estão disponíveis para futuros processamentos. A informação lingüística disponível na memória secundária inclui conhecimentos fonológicos, lexicais, sintáticos e semânticos. Quanto mais este tipo de informação provém do contexto, menor a necessidade de se utilizar o sinal acústico para entender a mensagem. Reconhecer um fonema significa não apenas dizer que ele pertence a uma categoria, mas também decidir que suas características não pertencem a nenhum outro fonema. Quanto ao traço de sonoridade, os fonemas sonoros ocorrem através da vibração contínua durante toda a articulação, a qual cessa por um tempo apreciável quando o som é surdo. Costuma-se dizer que para os sonoros a vibração começa antes e termina depois de sua emissão, porém com menos intensidade; nos surdos, a vibração começa depois e termina antes de sua emissão, com mais intensidade. Russo e Behlau (1993) estudaram os sons do português falado no Brasil e dispuseram os mesmos no registro gráfico do audiograma, tendo como critério a utilização apenas do formante mais intenso. Desta maneira os sons do português ficaram dispostos numa faixa de intensidade de 15 dB (os mais fracos: /f/ e /v/) até 45 dB (os mais intensos: /a/ e /ó/). Em relação à freqüência ficaram dispostos entre 250 Hz (os sons mais graves: /m/, /n/, /η/ e /l/) e 7 000 Hz (os mais agudos: /f/, /v/, /s/ e /z/). Gráfico dos valores acústicos médios de freqüência e intensidade dos sons da fala do português brasileiro, disposto no registro gráfico do audiograma Fica claro que os pares fonêmicos distintos pelo traço de sonoridade estão muito próximos em relação à freqüência e que para ocorrer sua diferenciação é preciso ocorrer a discriminação auditiva. Deste modo, em crianças com otites freqüentes, a detecção do som, que ocorre nos componentes condutivos e sensoriais, estará prejudicada, pois é na cóclea que se inicia a primeira separação do estímulo sonoro em freqüência e intensidade. Esta informação acústica recebida será transmitida de maneira “errada” ao componente neural, que é capaz de realizar a discriminação também de maneira inadequada. Assim, os padrões incorretos são “armazenados” na memória imediata. Se estes padrões são enviados constantemente à memória, e isto ocorrer na fase de experienciação sonora poderemos esperar que esta criança tenha algum tipo de alteração na emissão de alguns fonemas por apresentar uma falha no processamento auditivo. É importante para o terapeuta e para a própria criança dispor de meios para avaliar e conhecer sua capacidade de discriminação de fala nas várias situações de vida, quando está exposta não apenas à fala do outro, mas a uma série de estímulos discriminativos concorrentes (ruídos como de outras falas, música, sons metálicos, sons de motor etc.). Isto justifica a preocupação em não apenas medir esta capacidade em situação de isolamento acústico (cabine audiométrica em absoluto silêncio), mas também em situações mais próximas da vida real, em que eles estão presentes. A forma geral destes testes de discriminação da fala inclui uma série de expressões, apresentadas ao ouvinte, que é solicitado a repeti-las. O desempenho é medido de acordo com o número de palavras ou sons repetidos. As alterações do Sistema Nervoso Auditivo Central nem sempre são diagnosticadas por exames radiológicos e/ou neurológicos sofisticados, sendo que em alguns casos essas alterações não podem ser diagnosticadas de outra forma que não pelos testes de fala centrais (Musiek e Lamb, 1992). Por essas razões tem-se pesquisado muito sobre o papel das Neurociências, recorrendo-se à Neuropsicologia que fornece direções para a avaliação de linguagem. O exame com abordagem neuropsicológica, proposto por Lúria (1973) e adotado por alguns autores, pode ser definido como o estudo da correlação existente entre o comportamento de um indivíduo e sua condição cerebral correspondente (estrutura funcional). Portanto, uma abordagem individual norteia a seleção dos instrumentos de avaliação e a interpretação dos resultados. Deste modo a criança poderá ser avaliada em sua totalidade. Sendo assim, o principal objetivo da avaliação neuropsicológica é determinar a presença de distúrbios, descrever seus parâmetros e extensão, bem como fornecer dados seguros e pré-requisitos para um programa de intervenção voltado ao paciente. Alguns dos itens que compõem os processos avaliativos são: Histórico desenvolvimental: inclui dados da história pré e peri-natal, histórico de doenças, desenvolvimento de fala e linguagem, constelação familiar e sua história, fatores emocionais, grau de escolaridade, sociabilidade, experiência cultural e lingüística, lateralidade e comportamento auditivo. A história de otites de repetição é um dado importante. Nancy Stecker (universidade de Buffalo) mostrou um estudo com pacientes portadores de perda auditiva condutiva crônica e 80 % deles apresentavam distúrbio de processamento auditivo. Observação Sistemática do comportamento auditivo: é feita através de questionários e roteiros de perguntas que fornecem um esboço para o aconselhamento e a intervenção; estes questionários são respondidos pelo próprio paciente, pelos pais e pelos professores. Procedimentos audiológicos: são sempre precedidos de medidas da função periférica - limiares para tons puros, incluindo as freqüências de 250 Hz a 8 000 Hz, SRT, Imitância Acústica (com pesquisa de reflexo contra e ipsi-lateral) e Discriminação. Os procedimentos audiológicos incluem técnicas comportamentais e eletrofisiológicas. As categorias das medidas comportamentais da função central, que podem ser efetivamente usadas para medir os distúrbios de processamento auditivo central incluem testes verbais e não verbais de: - processos temporais; - localização e lateralidade; - fala monoaural de baixa redundância; - estímulos dicóticos; - procedimentos de interação binaural. Os procedimentos eletrofisiológicos mais utilizados no diagnóstico são o BERA, o estudo das respostas com tempo de latência médio e longo dos potenciais evocados; e, recentemente, o P300, útil na correlação entre medidas psicoacústicas e eletrofisiológicas da atenção seletiva. Avaliação da linguagem oral: levando em consideração seus aspectos Fonológicos, Sintáticos, Morfológicos, Semânticos e Pragmáticos. Além destes aspectos, Alvarez propõe uma investigação dos principais sistemas de funcionamento mental que ocorrem concomitantemente à Linguagem (Camargo, 1996): alerta e atenção, afeto e motivação, memória, habilidades viso-espaciais, habilidades auditivas, habilidades tácteis-cinestésicas, organização temporal, raciocínio lógico, crítica e julgamento. MODELOS DE AVALIAÇÃO O modelo utilizado por Alvarez, Caetano e Nastas segue os conceitos desenvolvidos por Ferre (1987 e 1992) e Ferre e Bellis (1996). Neste modelo, dados anatômicos e eletrofisiológicos são combinados a dados educacionais, de comunicação, de linguagem, comportamentais e de procedimentos audiológicos para classificar os indivíduos portadores de distúrbios em quatro categorias: Decodificação Auditiva (Unidade 1 e/ou Córtex Auditivo Primário), Integração (Corpo Caloso), Associação (Córtex Auditivo Primário Associativo) e Organização do Output (Unidade 3). Jack Katz propôs uma classificação baseada no possível local da disfunção, fornecendo um modelo anatômico/fisiológico para a compreensão do processamento auditivo sem atribuir-lhe uma causa específica. Esta classificação é conhecida como modelo de Buffalo, e, em 1994, foi dividido em 4 categorias principais: Decodificação Fonêmica, Perda Gradual de Memória, Integração e Organização. Musiek e Chermak (1994), como os outros autores, não efetuam os exames sem antes conhecerem profundamente o indivíduo a ser avaliado. De acordo com a especificidade de cada paciente há uma seleção apropriada de exames para avaliar o processamento auditivo. Esta avaliação está bastante avançada pela utilização de exames gravados em CDs (desenvolvidos por um grupo de pesquisadores de Long Beach e oeste de Los Angeles, Dartmouth-Hitchcock Medical Center e a Universidade de New Hampshire). Os CDs contêm procedimentos clínicos e experimentais de insuperável qualidade acústica. Dentre eles podemos citar os testes de primeira ordem (são a primeira escolha para aplicação): Dígitos dicóticos (Musiek, 1983), Sentenças competitivas (Musiek e Pinheiro, 1985), Padrões de frequências (Musiek e pinheiro, 1987) e o PSI (Jerger, Johnson e Loiselle, 1988). Há também os testes de segunda ordem (aplicados quando necessário): Respostas de média latência (Fifer e Sierra-Irizarry, 1988), SSW (Lucas e Gencher-Lucas, 1985) e Fala condensada com modificações acústicas (Borstein e Musiek, 1992). Pereira (1993) realiza os testes em uma cabine acústica, através de um audiômetro com adaptação de saída para dois estímulos diferentes em um mesmo fone, acoplado a um gravador, onde são colocadas fitas contendo estímulos lingüísticos (monossílabos ou frases). Os testes realizados são: Detecção do som: através da audiometria tonal, discriminação vocal convencional, timpanometria e pesquisa de reflexo acústico propostos por Mangabeira-Albernaz et col. (1981). Localização: teste de localização sonora em cinco direções: à direita, à esquerda, acima, à frente e atrás do indivíduo testado. Reconhecimento: Logoaudiometria pediátrica (PSI), adaptada por Almeida et col. (1988), para o reconhecimento de frases na presença de mensagem competitiva ipsi e contralateral; teste de discriminação vocal de monossílabos na presença de ruído branco ipsilateral. Atenção Seletiva: para estímulos verbais através de escuta dicótica (Pinto,1991). Memória: teste de memória seqüencial de sons verbais e não verbais. Como foi observado existem vários modelos para a avaliação do processamento auditivo central, porém não é meu objetivo julgá-los. Este trabalho tem como finalidade precípua saber o que está sucedendo realmente com determinada criança, que apresenta distúrbios de processamento auditivo e que freqüentemente manifestam alguns sinais leves, como trocas fonêmicas ou problemas de comportamento em sala de aula. Muitas delas que apresentam respiração bucal são encaminhadas para terapia fonoaudiológica , levando em consideração aspectos miofuncionais. Devemos levar em consideração uma avaliação multidisciplinar, envolvendo diversos dados avaliatórios de comunicação, de audição, de educação e de comportamento geral dessa criança. Assim poderemos realmente compreendê-la e ajudá-la no processo de reeducação. Para tanto, gostaria de propor uma avaliação de rotina, simples, que pudesse ser aplicada no próprio consultório e da qual constasse além de dados anatômicos (incluindo dados das vias aéreas superiores), funcionais e táctil/cinestésicos, alguns dados do processamento auditivo, norteando o terapeuta na condução do caso. . PROPOSTA AVALIATÓRIA Uma avaliação abrangente poderá fornecer subsídios para o conhecimento do examinando e conseqüentemente levar a um bom tratamento ou até mesmo a um bom encaminhamento da criança. Para alcançar esta finalidade proponho uma avaliação tríplice, além da rotineira. Esta avaliação teria o objetivo de auxiliar o terapeuta na definição do caminho a ser percorrido por ele próprio e pela criança, tendo em vista a orientação familiar. Serão apresentadas algumas perguntas que devem fazer parte da anamnese, avaliação audiológica a ser solicitada a um especialista e pequena investigação de algumas habilidades envolvidas no processamento auditivo. Anamnese Na literatura pesquisada estas são algumas das questões importantes, que devem ser investigadas: 1. A criança é destra, canhota ou ambidestra? Há canhotos na família? Barbizet e Duizabo (1985) relatam a importância da pesquisa clínica da predominância motora, implicando a predominância do hemisfério oposto. Em 90% da população humana a linguagem se encontra no hemisfério esquerdo e seu esquema corporal no hemisfério direito. Esta proposição não é absoluta porque alguns indivíduos são ambidestros (muitos têm o hemisfério esquerdo dominante para a linguagem, enquanto em outros os dois hemisférios intervêm nesta atividade) e alguns são canhotos (o hemisfério dominante para a linguagem pode permanecer do lado esquerdo e pode estar dividido entre os dois hemisférios ou apenas estar localizada no hemisfério direito). Tanto canhotos como ambidestros dependem de uma boa função de Corpo Caloso para a interligação entre os dois hemisférios. 2. Tem história de infecções das superiores? Otites? Com que freqüência? vias aéreas 3. A criança ouve bem? Tem perda auditiva? Como sabe? Já fez algum exame? Para Musiek e Geurkink (1980) se a perda auditiva é questionada, mas a audição periférica estiver normal, suspeitas devem ser levantadas sobre um problema de processamento auditivo ou de perda auditiva flutuante ou ambas. 4. A criança entende melhor conversas em locais calmos ou ruidosos? Trabalhos têm mostrado que crianças com problemas de processamento auditivo têm dificuldade de ouvir em presença de barulho. 5. Demora para responder perguntas ou seguir instruções verbais? Ë uma entre as queixas mais comuns nos encaminhamentos. A criança é considerada desatenta. 6. Como foi seu desenvolvimento de linguagem? Apresentou trocas, omissões ou distorções? Como é a fala atualmente? 7. Pede para repetir? Repete Hã? O quê? muitas vezes? Para Fisher (1976) estes sinais são indicativos de dificuldades. 8. Como é o comportamento geral em casa e na escola? Hiper ou hipoativo; estas manifestações podem estar relacionadas à inabilidade de compreender ou à fadiga (Musiek e Geurkink,1980). Avaliação Audiológica A avaliação audiológica completa, que tem como objetivo detectar deficiências auditivas, avaliando-as quantitativa e qualitativamente e estabelecendo o diagnóstico diferencial entre patologias que apresentam como sintoma o retardo no desenvolvimento da linguagem (Russo e Santos, 1994), é uma medida de rotina para todos os autores pesquisados. Audiometria Tonal de 250 a 8 000 Hz O objetivo é a determinação dos limiares auditivos e a comparação destes valores com padrões de normalidade. O resultado da audiometria poderá ser comparado com o gráfico dos valores acústicos médios de freqüência e intensidade dos sons da fala (Russo e Behlau, 1993). Alvarez relata ter observado, em sua prática clínica, que os respiradores bucais apresentam queda de audição nos sons graves devido à presença de secreção no ouvido médio. Em alguns casos os pacientes também podem apresentar queda de audição a partir de 6 000 Hz devido a otites de repetição (efeito paradoxal). Audiometria Tonal por Via Óssea de 250 a 4 000 Hz É utilizada para o diagnóstico clínico das patologias que comprometem o ouvido externo, o médio ou o interno. Através da comparação dos resultados obtidos na via aérea e na via óssea é possível determinar o grau de comprometimento condutivo, e através da comparação do limiar ósseo do indivíduo com o 0 (zero) dBNA, determinar o grau de comprometimento coclear (Santos e Russo, 1988). Logoaudiometria Carhart (1951), citado por Santos e Russo (1988), define logoaudiometria como: “ Uma técnica, na qual amostras padronizadas de linguagem oral são apresentadas através de um sistema calibrado para medir alguns aspectos da capacidade auditiva”. Segundo o autor, a logoaudiometria conduz a uma medida direta e global da audição em relação à fala, auxiliando o topodiagnóstico e também a detecção de perdas auditivas funcionais e quadros de simulação de perda auditiva, a evolução do rendimento auditivo-social do indivíduo, a confirmação dos limiares tonais e a indicação do aparelho de amplificação sonora individual (Katz, 1972). Os limiares logoaudiométricos mais empregados na rotina audiológica são: - SRT: limiar de recepção de fala. É definido como a quantidade de intensidade na qual o ouvinte pode identificar um mínimo de 50% de um sinal de fala simples (apresentação de palavras). - Limiar de discriminação: envolve a habilidade de diferenciar os sons da fala. Santos e Russo (1988) utilizam uma definição de Hodgson (1980): “Seu propósito é medir o quão bem o ouvinte pode entender a fala em função da habilidade de diferenciar os sons em condições optimais”, ou seja, em condições de isolamento acústico, eliminando interferências externas. Imitanciometria Para Wiley e Block (1989) imitância acústica é um termo geral utilizado para indicar transferência de energia acústica, independentemente da forma pela qual ela é medida. Refere-se à admitância ou impedância acústicas. A primeira representa a facilidade com que o fluxo total de energia sonora passa por um sistema e a segunda exprime a oposição total ao fluxo de energia sonora. - Timpanometria: é a medida da imitância acústica do ouvido em função da pressão do ar no meato acústico externo. É uma técnica útil por revelar anomalias do ouvido médio, às vezes não ser detectadas por testes comportamentais (Margolis e Shanks, 1989). Os respiradores bucais podem apresentar curva do tipo “C”, indicativa de disfunção tubária ou de uma futura otite. - Reflexo Acústico: é o reflexo de contração ipsilateral e contralateral do músculo estapédio quando cada um dos ouvidos é devidamenta estimulado por um som intenso. O complexo neural do reflexo acústico está localizado na parte mais baixa do tronco cerebral (Northern et al. , 1989). A resposta do reflexo acústico depende de uma função fisiológica adequada e do arco reflexo, incluindo receptores sensoriais (cóclea) e neurônios aferentes (VIII par); interneurônios (tronco cerebral) e neurônios eferentes (VII par) e um detonador (músculo estapédio). O local específico de ocorrência de patologias no arco reflexo é determinado através da comparação dos reflexos do músculo estapédio, entre a estimulação cruzada (contralateral) e a estimulação não cruzada (ipsilateral) (Jerger e Jerger, 1983; Jerger, 1981). Testando algumas habilidades envolvidas em PAC Pereira (1993) sugere a utilização de cabine audiológica para a realização de testes, porém algumas habilidades podem ser testadas fora da cabine por não demandarem equipamentos sofisticados: - Localização sonora em cinco direções: (avaliação de componentes sensoriais e neurais). Este teste pode ser realizado com crianças a partir de 4 ou 5 anos, utilizando como estímulo o guizo ou o simples estalo de dedos. A criança é instruída a apontar para a direção de origem do som. São feitas algumas demonstrações para que a criança entenda a tarefa, sendo avaliadas posições à direita e à esquerda, acima e atrás da cabeça, estando ela sentada de costas para o examinador e de olhos abertos. Em seguida, o paciente é colocado de frente para o examinador e de olhos fechados, sendo novamente avaliado nas posições à direita, à esquerda e à frente. Pereira relata que foram avaliadas 137 crianças saudáveis de 5 a 12 anos, entre as quais 90% acertaram quatro posições: a da direita e a da esquerda foram acertadas por 100% das crianças, e pelo menos duas das posições à frente, atrás e acima. Desta forma Pereira espera que a criança localize pelo menos quatro das cinco posições. - Memória seqüencial para sons não verbais: (habilidade bi-hemisférica). Alvarez, em sua prática clínica propõe três instrumentos para crianças até 7 anos de idade e quatro instrumentos para crianças maiores de 7 anos (devido à maturação do corpo caloso). Para ser realizada esta avaliação Pereira utiliza três instrumentos musicais para crianças maiores de 4 anos de idade e quatro instrumentos para crianças maiores de 9 anos de idade. Efetua diversas demonstrações, variando a ordem dos instrumentos até que a criança, testada de costas para o examinador e para os instrumentos, entenda a tarefa. Em um grupo de controle de crianças de 5 a 12 anos, 90% foram capazes de acertar duas das três seqüências dos três instrumentos. Testando indivíduos normais de 9 a 25 anos de idade, estes foram capazes de identificar duas das três seqüências dos quatro instrumentos apresentados. Portanto, para esta testagem, Pereira considera como um bom desempenho a identificação correta de pelo menos duas entre três seqüências apresentadas. - Memória seqüencial para sons verbais: (habilidade referente ao hemisfério esquerdo). Pereira utiliza teste realizado com as sílabas “pa”, “ta”, “ca”, apresentadas em ordens diferentes: pa - ta - ca, ta - ca - pa e ca - ta - pa. A criança deve repetir as sílabas na ordem de emissão. Com base na avaliação de 97 crianças de 5 a 7 anos, ela considera um bom desempenho a repetição correta de pelo menos duas das três seqüências apresentadas. IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS Finalizando, cabe ressaltar que esta é uma avaliação simples, que serve de alerta, embora não possua um valor diagnóstico, pois este é realizado com base nos dados audiológicos formais e específicos de processamento auditivo, nos dados educacionais e nos dados da avaliação de linguagem. Para que o indivíduo seja compreendido em sua totalidade é preciso mais do que alguns dados de suas habilidades de processamento auditivo. Devem ainda ser levados em consideração o processamento visual, a coordenação motora e as sensações tátil/cinestésicas da criança. Estes dados, em conjunto, poderão fornecer o diagnóstico de distúrbios de processamento auditivo. Do contrário, este termo poderá ser banalizado e usado indevidamente Deste modo, quando um paciente é encaminhado à avaliação fonoaudiológica, por problemas de respiração bucal, devemos lembrar que ele pode ser um indivíduo com dificuldades de comunicação por não conseguir estabelecer uma íntima relação com o mundo sonoro que o cerca. Após a realização deste estudo, pude constatar que as áreas de Motricidade Oral e Audiologia, embora vistas como independentes, são áreas complementares quando o foco do trabalho é a compreensão do paciente que nos procura. Acredito assim, que esta união é um campo fértil para o crescimento da Fonoaudiologia. V - BIBLIOGRAFIA 1. ALMEIDA, C.I.R. et al.- “Disfunção auditiva central nas crianças portadoras de deficiência do aprendizado”, In: Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, 56:64-68, 1990. 2. ALVAREZ, A .M.M.A .- Mimeo,1996 3. BARBIZET e DUIZABO- Manual de Neuropsicologia, Ed. Masson, 1985. 4. 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