conjetural como síntese da experiência e da abstração do raciocínio filosófico e científico. Enfim, uma vez examinada a sua ontognoseologia e moldurada a sua metafísica conjetural, pretende-se fazer um balanço epistemológico dos alcances da conjetura como forma de juspensar, bem como refletir até que ponto Miguel Reale efetivamente conseguiu superar a clássica dicotomia da filosofia essencialismo versus retórica.1 Iniciando, é preciso afirmar que a questão do “método conjetural” trabalhado por Miguel Reale aparece de modo claro e mais bem elaborado na sua obra Verdade e Conjetura de 1983, embora suas linhas já estivessem esboçadas desde os anos sessenta, com Direito Como Experiência de 1968, Teoria Tridimensional também do mesmo ano e, sobretudo, Experiência e Cultura de 1977 (eventualmente de modo longínquo em 1953 com Filosofia do Direito). Neste ensaio, Reale procura responder uma questão deixada em aberto no livro Experiência e Cultura, que se resume numa tentativa de pensar uma possível justificativa para a “experiência metafísica conjetural”. Seu caminho gnoseológico se traduz, em primeiro, esmiuçar o “pensamento conjetural”; em segundo, perceber as relações entre “ser e pensar”; em terceiro, no exame da “liberdade e da validade” pelo pensamento conjetural; em quarto, na materialização do “ser da cultura”; e, por fim, na compreensão dos “grandes temas da metafísica”, com vistas a costurar o método conjetural. A preocupação central é a retomada do clássico problema jusfilosófico das bases da teoria do conhecimento, entre as diferenças fundamentais e de bases epistêmicas entre o “pensar sobre a verdade” e o “pensar sobre a conjetura”, mais precisamente, é o resgate da discussão entre “essencialismo” versus “retórica”, vista numa generalização.2 Preocupa-se Reale em mostrar que à medida que o pensamento metafísico deixa de ser dogmático, na busca do noumenon kantiano, para ser uma reflexão crítica, ele se torna um “pensamento conjetural”. Sua base não é um raciocínio de probabilidades, mas de versossimilhança, que procura preencher o vazio deixado pelo pensamento analógico. Trata-se, em princípio, de uma outra forma de pensar, que não pretende conhecer o “ser em si”, mas uma realidade de provisoriedades, com formulação de enunciados sistemáticos e plausíveis. Esse é o pano de fundo que Reale costura, mas cuja compreensão pressupõe antes entender suas matrizes fenomenológicas, seu tridimensionalismo e seu criticismo ontognoseológico. 1 2 CUNHA, Paulo Ferreira. Lições preliminares de Filosofia do Direito.Coimbra, Almedina, 1998, p. 46 e segs. ADEODATO, João Maurício. Conjetura e verdade. In.: Ética e Retórica, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 41. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 69 A conclusão a que chega provisoriamente Miguel Reale, que adiante se esboçará com a noção de “metafísica conjetural”, pressupôs uma questão levantada anteriormente, como dito, no livro Experiência e Cultura, dos anos setenta. Neste livro, Reale mostra suas bases filosóficas, em especial, a influência da fenomenologia das primeiras década do século passado. É em Husserl, Heidegger e Hartmann que Reale se sustenta para pensar a “experiência” como categoria filosófica. Miguel Reale acredita que a teoria do conhecimento se rompeu à medida que houve o desdobramento das ciências positivas. A singularização promovida pelo saber científico especializou o conhecimento sobre a mesma e única realidade, o que, por certo, provocou a perda da totalidade do saber. O empobrecimento cultural se atrelou inevitavelmente às visões reducionistas das ciências. O desconforto realeano se concentra no fato destas ciências, essencialmente gnoseológicas, terem reduzido a teoria do conhecimento à epistemologia, e, conseqüentemente, à leitura tecnicista e progressional do mundo. Por essa razão, o julsfilósofo vai em busca de uma teoria globalizante, capaz de cobrir possíveis experiências distintas, eis porque, uma espécie de “teoria geral da experiência”. Para construí-la, Reale demonstra na história da filosofia, que as teorias se concentraram no tempo em duas matrizes distintas e opostas: a) perspectiva ontológica, centrada no objeto; b) gnoseológica, centrada no sujeito, ou, como prefere Reale, transcendente e transcendental. Porém, todas acabam por se distanciar da realidade. A única maneira de compor a realidade teoricamente é através de uma “ontognoseologia”.3 À medida que concilia sujeito-objeto, a ontognoseologia evitar fugir a conceitos sem base exclusivamente empírica ou mesmo a construções teóricas eminentemente abstratas, como a ética. O conceito de “experiência estaria apto a abarcar todas as manifestações da vida humana, conciliando valores e ciência. Por isso, o seu conceito é multifário, e, inevitavelmente, comporta uma perspectiva dialética.4 Todavia, apesar de forte influência de Hegel em Reale, a sua compreensão da dialética dele se distancia, ao trabalhar com uma “dialética da complementariedade”, pois nenhum dos pólos se reúne ou se sintetiza (não há superação - Aufhebung). Trata-se de uma relação “implicação-polaridade 3 LOSANO, Mario. Storia contemporanea del diritto e sociologia giuridica. Milano: Franco Angeli, 1997, p. 71 e segs. 4 REALE, Miguel. Conjeturas da experiência jurídica. In Fontes e modelos do direito: para um novo paradigma hermenêutico, São Paulo, Saraiva, 1998, p. 131 a 162. 70 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 aberta”. É exatamente esta dupla implicação que conseguiria, segundo Reale, fugir à positividade asséptica das ciências. A base para Reale seria o criticismo elaborado por Kant, embora este devesse ser atualizado.5 Para o professor paulista, a matriz kantiana de um saber científico transcendental, capturado da matemática e da física, e mesmo pelas ciências humanas, apesar de seu déficit empírico, é capaz de permitir a racionalização do conhecimento, fator esse fundamental no posicionamento do sujeito diante dos objetos reais. Por isso, a fixação dos limites e das possibilidades do conhecimento era uma tema que segura a leitura kantiana do mundo. O criticismo kantiano era unilateral, formal e estático, vez que enclausurava as condições de conhecimento numa formalização excessiva da relação transcendental entre espírito e natureza. A capacidade nomotética e criativa do homem era nitidamente aniquilada no pensamento kantiano à medida que o conhecimento é regido previamente por leis estabelecidas. A transcendentalidade possível era apenas do sujeito e não do objeto. De outro lado, Reale, buscando um criticismo dinâmico, presume também a transcendentalidade do objeto, o que o ajuda a construir a ontognoseologia. Contudo, antes de explorar melhor essa relação, convém aprofundar as bases husserlianas e hartmannianas de Reale. As ciências trouxeram no início do século passado a valorização excessiva do conhecimento centrado no objeto, o que acabou por ser muito bem captado pelos fenomenólogos. Especialmente em Husserl, a teoria da intencionalidade da consciência abre espaço para a leitura que Reale pretende fazer da teoria do conhecimento. Husserl sintetiza aspirações realistas e idealistas, pois, embora preocupado com o objeto, o espírito está sobre ela calcado e nela acaba por se imiscuir, fazendo um amálgama das experiências com o seu a priori. Husserl resgata, ao lado de Hartmann, uma leitura transcendental kantiana indo além, e esboça uma teoria dos objetos, pressuposto da ontognoseologia realeana. Esta percepção fenomenológica importa a necessidade de se compreender que os objetos só existem por força da intervenção criadora do homem, mas, também, porque os objetos estão sempre em algum grau de correlação, de modo que apenas o seu contrário é que permite o seu resgate.6 Esta leitura germânica conduz Reale a sustentar que o conhecimento está dinamicamente relacionado na relação sujeito e objeto, e, apenas num ambiente de correlações é que se pode conhecer. O sujeito intencional se direciona para algo, e, este objeto, possui uma dada estruturação capaz de ser compreendido. O conjunto de correlações expõe os limites do conheci5 6 REALE, Miguel. Experiência e cultura, São Paulo: Edusp, 1977, p. 22 e segs. (primeiro capítulo) REALE, Miguel. Experiência e cultura. São Paulo: Edusp, 1977, p. 55. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 71 mento, e lhe prescreve as suas condições objetivas, de modo que o ato de conhecer, porque objetivo situa-se num mundo histórico e cultural. Com isso, Reale, a partir do ato intencional de Husserl e seu subjetivismo intencional, bem a objetividade de Hartmann, pressupõe que o homem só conhece porque está imbricado no objeto, não lhe sendo permitido outro ato senão conhecer. Eis porque, na leitura transcendental realeana, sujeito e objeto só existem porque correlacionados por dupla intencionalidade. É justamente a possibilidade da existência exterior ser captada por atos intencionais da consciência que abre espaço para Reale formular sua ontognoseologia. Construídas as bases kantianas, husserlianas e heideggerianas em Reale, é possível se debruçar agora na tentativa de compreender em que medida a sua matriz de tridimensionalismo é realmente inovadora, e, mais precisamente, em que medida a sua base epistemológica do criticismo ontognoseológico ajuda-o a pensar possíveis linhas de ruptura com o pensamento tradicional em busca de um pensamento conjetural. A teoria tridimensional apresenta diversas matizes. A relação entre fato, valor e norma estiveram à frente de reflexões filosóficas de inúmeras Escolas jusfilosóficas e não foi, de modo algum, leitura apresentada originalmente por Reale.7 Os exegetas do séc. XIX se apegaram ao estudo da “norma”, tanto quanto os autores do “direito livre” se ocuparam do fato social e dos valores. Porém foram os tridimensionalistas alemães, rastreados em Lask e Radbruch, ora envolvidos pela percepção dialética, ora mera justaposição, que compreenderam que o direito temporal e materialmente era uma relação indissociável entre fato, valor e norma. Nessa linha também seguiu o tridimensionalismo francês de Paul Roubier, ao falar em segurança jurídica, justiça e progresso social, o italiano de Giorgio Del Vecchio, que vinculou genoseologia, deontologia e fenomenologia, o latino-americano de Legaz y Lacambra, o argentino de Carlos Cossio, o português de Cabral de Moincada, o hispano-mexicano Recaséns Siches, e, mesmo os autores anglo-saxões como John Austin e Roscoe Pound. Cada um pensou de modo diferente, ora para o fenômeno “norma” falaram em lei, gnoseologia, segurança jurídica; para “valor” falaram em deontologia, jurisprudência, justiça; e, para “fato”, falaram em costume, fenomenologia, progresso social etc. Contudo, o que distancia Reale de outros jusfilósofos é, em suma, a preocupação com a concretude da experiência cultural do direito. A base está na intencionalidade de Husserl, à medida que a relação transcendental 7 Leituras feitas com base em ADEODATO, João Maurício. Conjetura ..., p. 83-87. 72 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 entre sujeito e objeto não admite uma operação reducionista de síntese dialética apenas, nem tampouco uma aniquilação de um ou de outro, de modo a privilegiar o espírito ou a natureza.8 Essa leitura pressupõe compreender que Reale procurou ir além dos modelos transcendentais acima expostos de Hegel e Husserl vez que cinde a transcendentalidade para conduzi-la à experiência, conjugando-a aos planos material e histórico.9 Essa cisão pressupõe que a dicotomia ser e dever-ser não pode ser absoluta, senão elementos que compõe uma inevitável síntese da experiência cultural humana. Essa experiência só ocorre se sujeito e objeto estiverem na exata medida implicados seja na intencionalidade do conhecer o mundo, quanto do quanto essas intencionalidades se tencionam de modo objetivo na história.10 A discussão sobre a dialética da polaridade deixa pistas fundamentais. Essa relação íntima entre sujeito e objeto costura-se claramente pela dialética da complementariedade. Seu propósito é fugir à simplificação do realismo ou do idealismo, e ser, em si mesmo, uma espécie de realismoidealista, vez que somente é a subjetividade que pode conferir sentido e coerência à realidade. Buscando se distanciar de um Dogmatismo, a ontognoseologia realeana questiona o a priori da primazia das ciências positivas. Ao sustentar que ela estaria resumida à lógica formal, o mecanismo para uma nova teoria do conhecimento seria a pressuposição de uma perspectiva que superasse o plano transcendental x plano empírico, 11 em suma, que admitisse a dialética da polaridade como correlação sujeito-objeto. Apenas uma objetividade transcendental, que aceitasse outras formas de saber que não a simples epistemologia ou a lógica, é que permitira a integração de uma imaginação criativa. Deixa, então, Reale, espaço para a conjetura. Procurando fugir da retórica, como bem destaca João Maurício Adeodato,12 reale se debruça sobre a metafísica, para vê-la de outro modo. A oposição entre o conhecer e o pensar, 13 que se singulariza na relação entre a formulação de “conceitos” e de “idéias”, induz a se admitir que a conjetura tem um evidente caráter de legitimidade como vetor gnoseológico. Sua fun8 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, São Paulo: Saraiva, 1968, p. 88. REALE, Miguel. O Direito como Experiência. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 25 10 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional ..., p. 80-81. 11 MACIEL, Bruno. O conceito de experiência na teoria da cultura de Miguel Reale. In.: Revista Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos, Juiz de Fora, a. 1, n. 4, p. 88, jun-ago/2007. 12 ADEODATO, João Maurício. Conjetura ..., p. 93. 13 Sobre tal relação, de modo ensaístico, ver: LAFER, Celso. Filosofia do direito e princípios gerais: considerações sobre a pergunta “o que a filosofia do direito?”. In.: O que é a filosofia do direito. Barueri: Manole, 2004, p. 51-74. 9 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 73 ção é “preparar o terreno para um conhecimento mais rigoroso do experienciável”14 A conjetura, para que ganhe foros legítimos, não pode ser reduzida a simples “probabilidade” ou simples “sugestão”, mas se põe fundada em argumentos críticos baseados na “plausibilidade ou na verossimilhança” 15. Conjeturar é sempre uma tentativa de pensar além daquilo que é conceitualmente verificável.” Eis porque o a priori cultural é fundamental. Nesse sentido, Reale afirma: “Talvez o presente estudo possa parecer a alguém por demais arrojado, por pretender dar status ao que denominamos “pensamento conjetural”; mas o que peço é que o leitor, que me honra com sua atenção, não se deixe levar desde logo pela presunção que cerca o termo conjetura, o qual, apesar das aparências, tem desempenhado, como se verá, função das mais relevantes na história das idéias, ás vezes reduzido ao “pensamento problemático”, outras ao “metafórico”, quando me parece constituir gênero abrangente de distintas formas de pensar segundo presunções, ou razões de plausibilidade”16 O método conjetural fica mais claro ao aproximá-lo do raciocínio das ciências naturais, tal o faz Newton Carneiro Afonso da Costa 17 que acredita que noção de conjetura é de fundamental importância para o campo científico, em especial, para a física, à medida que impõe uma nova postura para a filosofia das ciências. O filósofo afirma que todas as teorias da física, por mais verdadeiras que pudessem parecer, acabaram ao longo da história sendo abandonadas ou questionadas, tal a mecânica clássica newtoniana, a sua teoria da mecânica celestial. Foi essa visão que permitiu que se descobrisse Netuno. Essa leitura esteve carregada da idéia de “grau absoluto do conhecimento”, até que a relatividade de Eistein pudesse suplantar a visão clássica das partículas. Segundo Newton Costa, o que a ciência de Newton fez foi se demonstrar como uma grande “conjetura”, a qual, nas suas limitações, capturou a possível realidade da época. O filósofo atual também destaca o mesmo fenômeno com a teoria da mecânica quântica tradicional de Heiusenberg, Born e Pauli 18, que acabou, diante de suas fragilidades, cedendo à eletrodinâmica qüântica e a teoria quântica de campos. Isso apenas demonstra que teoria mecânica quantica sem relativismo, quanto outras teorias como da relatividade geral não deixaram de ser críveis, porque estavam, de fato, baseados em verdadeira conjetura, capaz de explicar de modo claro e coerente o fato daquele momento, 14 ADEODATO, João Maurício. Conjetura ..., p. 90. REALE, Miguel. Verdade e Conjetura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, p. 25 16 REALE, Miguel. Verdade ...p. 14. 17 COSTA, Newton Carneiro Afonso da. Conjetura e quase-verdade na obra de Miguel Reale. In.: Cidadania e Cultura Brasileira (Org. Shozo Motoya). São Paulo: Edusp e Bunge, 2000, p. 33-42. 18 COSTA, Newton Carneiro Afonso da. Conjetura e quase-verdade ..., p. 34-35 15 74 RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 2 jul/dez 2010 mas apenas constituírem o passo necessário para a evolução do raciocínio em busca da verdade. Newton Costa acredita que a conjetura ou a “quase-verdade” popperiana ou realeana está na base de qualquer teoria ou lei física, o que importa afirmar que: i) as semelhantes cujeturas ou quase-verdades acabam por se ajustar à experiência, tal a mecânica newtoniana, a teoria ptolomaica etc. – o seu abandono não representou a sua total aniquilação, apenas afirmar um passo importante do progresso científico; ii) conjeturas, ainda que incompatíveis, permitem explicar o mesmo fenômeno (relatividade geral x mecânica quântica padrão; teoria eletromagnética de Maxwell x mecânica clássica etc.) - O fato das teorias eventualmente serem incompatíveis e poderem ser substituídas no futuro, isso não lhes retira a consistência; iii) embora não sejam teorias de correspondência exata, as teorias físicas, em sendo “aproximadamente verdadeiras”, qualificam-se como “conjeturas quaseverdadeiras”,19 e isso não afasta eventual tratamento lógico-matemático que podem receber – nada impede que permitam “previsão, sistematização e entendimento, ainda que envolvam autocontradições. A natureza muitas vezes conjetural das ciências naturais, e, para o filósofo, das ciências humanas também, não impede a aplicação de teorias incompatíveis entre si ou intrinsecamente inconsistentes, pois esta é a base de qualquer caminho epistemológico do cientista, que as pressupõe para poder superá-las, seja por novas percepções, seja pelo reconhecimento de imperfeições, seja por devires da própria natureza. Para Newton Costa, jamais se alcançará a certeza aritmética que reproduz integral e de modo fidedigno o real, o único dever é não viver de extrapolações, de meras especulações. Newton Costa chegar a por as conjeturas em “axiomas” para afastar especulações e mostra que a lógica que envolve a conjetura ou a quase-verdade é heterodoxa: “conjeturas inconsistentes podem salvar as aparências no mesmo domínio do saber. Em termos técnicos: proposições tais que uma é a negação da outra muitas vezes são quase-verdadeiras na mesma estrutura pragmática. Logo, a lógica da conjetura não pode ser clássica”. 20 Para o autor, seriam lógicas paraconsistentes De qualquer modo, a atualidade de Reale é evidente, e sua percepção do saber e da prática muito bem o tornam inovador. O campo de aplicação da ciência, composto de conjeturas quase-verdadeiras, não sendo mera especulação, está sustentado na experiência e na análise crítica, cuja função é aprimorar as concepções existentes e não falsificá-las. Por isso, melhor método para filosofia do direito não teria que o da metafísica conjetural. 19 20 COSTA, Newton Carneiro Afonso da. Conjetura e quase-verdade ..., p. 37. COSTA, Newton Carneiro Afonso da. Conjetura e quase-verdade ..., p. 41. RAÍZES JURÍDICAS Curitiba, v. 6, n. 1 jan/jun 2010 75 ADEODATO, João Maurício. Conjetura e verdade. In.: Ética e Retórica, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 41 e segs. CARVALHO, José Maurício de. Antologia do culturalismo: um século de filosofia. Londrina: CEFIL, 1998. COSTA, Newton Carneiro Afonso da. 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