00_Seminário_Bem-Estar - Instituto de Economia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
DISCIPLINA ELETIVA: DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DA CHINA
PROFESSORA: ISABELA NOGUEIRA DE MORAIS
Bem Estar Social e Desenvolvimento: Uma análise
das trajetórias iniciais chinesa e brasileira
Hugo Bertha Bastos – 110.051.339
João Victor Guimarães – 109.023.438
Thales Lima – 107.386.238
Rio de Janeiro – Junho de 2016
2
Resumo:
O objetivo desse trabalho é contribuir para o debate sobre a relação entre desenvolvimento
econômico e bem-estar social à luz das experiências históricas chinesa e brasileira. O ponto de partida
é uma breve análise teórica situando o debate sobre a relação entre desenvolvimento econômico e
bem-estar social. Em seguida, analisamos as trajetórias iniciais de desenvolvimento econômico e
construção de um estado do bem-estar social da China e do Brasil destacando o papel das políticas
econômicas e sociais nos processos. Por fim, fazemos uma breve reflexão sobre como a história desses
países pode contribuir para o debate teórico.
Abstract:
The purpose of this work is to discuss the link between economic development and the welfare state
by looking into chinese and brazilian historical experiences. We start analyzing the relation between
development and welfare with a theoric approach. Next we analyze the trajectories of economic
development and the establishment of the welfare state in both China and Brazil in historical
perspective, highlighting the profiles of the social and economic policies enforced by each country
during this process. In the end we bring the discussion of how each countries' history can help foster
the theoretical debate about the welfare state and it's relation with economic development.
3
Sumário
1. Introdução: ....................................................................................................................................... 5
1.1. Regimes de Bem-Estar Social. ...................................................................................................... 5
1.2. O trade-off entre Desenvolvimento Econômico e Bem-Estar Social. .......................................... 6
1.3. O Estado de Bem-Estar Social Desenvolvimentista. .................................................................... 7
2. A experiência chinesa no período Maoísta: antecedentes, contradições e legado: ......................... 8
2.1. Antecedentes e caracterização geral ............................................................................................ 10
2.2. As comunas rurais e o safety net agrário ..................................................................................... 11
2.3. O danwei e seguridade social urbana .......................................................................................... 14
2.4. Contradições e legado ................................................................................................................. 15
3. A Era desenvolvimentista e a constituição de um estado de bem-estar social no Brasil (18891984) .................................................................................................................................................. 20
3.1. República Velha e a Era Vargas, os anos de bem-estar corporativo (1889-1946) ....................... 22
3.2. O interregno democrático e o bem-estar inercial (1946-1964) ................................................... 28
3.3. Desenvolvimentismo sob um regime autoritário e universalismo básico (1964-1984) .............. 30
4. Considerações Finais...................................................................................................................... 31
4.1. Conciliando Bem-Estar e Desenvolvimento ............................................................................... 31
4.2. Uma breve análise comparativa entre as experiências ................................................................ 32
5. Bibliografia: ................................................................................................................................... 33
4
Índice de Tabelas e Gráficos
Tabelas:
Tabela 1: Organização Fundiária Chinesa (em % de unidades familiares camponesas): 1950-1958.
............................................................................................................................................................ 13
Tabela 2: Dados Agregados do Sistema de Saúde Chinês: 1978 - 2013 ............................................ 14
Tabela 3: Indicadores Socias: 1952 – 1995. ....................................................................................... 16
Tabela 4: Desempenho Agrícola e Crescimento Populacional (taxa composta de crescimento anual):
1952 - 1995 ........................................................................................................................................ 19
Tabela 5: Disparidades Campo x Cidade: 1978-1990 ........................................................................ 20
Tabela 6: Crescimento do PIB Brasileiro (taxa de crescimento anual): 1930 – 1980........................ 26
Tabela 7: Participação do Comércio Exterior no Produto: 1947 - 1980 ............................................ 27
Tabela 8: Industrialização Brasileira (em % do PIB): 1947 - 1980 ................................................... 28
Gráficos:
Gráfico 1: Crescimento do PIB Brasileiro (taxa de crescimento anual): 1930 - 1980....................... 25
5
1. Introdução:
1.1. Regimes de Bem-Estar Social.
“When I was poor and complained about inequality they said I was bitter; now that I'm rich and I
complain about inequality they say I'm a hypocrite. I'm beginning to think they just don't want to
talk about inequality.”
Russell Brand
O debate sobre bem-estar social ganhou força durante todo o século XX e incorporou em sua
análise toda a sorte de teóricos mais ou menos críticos ou defensores dos Estados de Bem-Estar e suas
experiências históricas. Um ponto crucial para o estudo do welfare state é o apontamento da literatura
da década de 70 para uma crise do bem-estar e esgotamento do seu padrão de financiamento público.1
Esse debate está profundamente interligado com uma visão do bem-estar comumente incorporada no
discurso não só acadêmico como dos próprios policy makers de que o welfare seria uma opção
alternativa ao crescimento econômico.
O primeiro passo para analisarmos a força de afirmações desse tipo seria delimitarmos aquilo que
estamos definindo como bem-estar social. Na mesma medida em que regimes de welfare assumem
características distintas em diferentes momentos do tempo e trajetórias nacionais, a própria definição
do que seria um Estado de Bem-Estar Social parece flutuar incorporando diferentes fatores, dando
importância relativa a aspectos diferentes e atribuindo valores distintos a políticas sociais
semelhantes.2 A escolha por uma demarcação não estrita de bem-estar social parece uma escolhanão só
superior de um ponto de vista analítico, como necessária para uma investigação que tente dar conta da
complexidade do campo de estudo.3
Para Celia Kerstenetzky a demarcação do welfare deve ser feita em torno daquilo que ela chamou
de “presença de suas „condições mínimas‟ de existência, encontráveis nas reconstruções históricas
usuais”.4Segundo Esping-Andersen uma definição baseada em “necessidades básicas ou mínimas”
corre o risco de deixar de lado questões relevantes como o grau de emancipação associado às políticas
sociais, a legitimação do sistema advinda do regime, e do tipo de relação que esse Estado de BemEstar estabelece com o mercado, além da mais óbvia, que seria a delimitação de quais seriam essas
1
Para uma discussão detalhada sobre a limitação dos argumentos apresentados pelos advogados da crise do welfare state
ver Kerstenetzky, 2012: p. 62-72.
2
Para uma discussão detalhada sobre as transformações da definição de welfare state nos diferentes períodos históricos e
experiências ver Kerstenetzky, 2012: p. 12-20.
3
“Não tanto pela falta de tentativas de definição – talvez exatamente pelo grande número delas-, a definição enciclopédica
como denominador comum soa um tanto vazia” (Kerstenetzky, 2012: p. 2)
4
Kerstenetzky, 2012: p. 3)
6
condições mínimas.5
Esping-Andersen aponta para a existência de três modelos distintos de bem-estar social em
economias capitalistas: o social-democrata, o conservador e o liberal; e três grandes componentes para
esses regimes: famílias, mercado e o Estado de Bem-Estar; que compartilham as responsabilidades do
bem-estar de acordo com o tipo de regime.6 A identificação de diferentes regimes de bem-estar e uma
análise histórica de como se desenvolveram esses regimes também pode ser vista na análise de Celia
Kerteneztky.7
1.2. O trade-off entre Desenvolvimento Econômico e Bem-Estar Social.
“The most important social welfare program in America is a job”
Newt Gingrich
Dentro do campo de estudo do desenvolvimento econômico é comum nos depararmos com uma
relação problemática entre desenvolvimento econômico e bem-estar, sob a ótica de que; em primeiro
lugar, existe um trade-off entre crescimento e redistribuição; e, além disso, um determinado grau de
desenvolvimento seria pré-requisito para o bem-estar8.
O ponto de partida teórico é a formulação do leaky bucket de Okun (1975) que consiste no trade-off
entre equidade e eficiência. A hipótese central é de que os agentes respondem a incentivos monetários,
se tornando mais produtivos. Ao promover redistribuição, buscando a equidade, seriam gerados
desincentivos que levariam a um desperdício da capacidade produtiva, ou seja, ineficiência, e a uma
diminuição do próprio montante disponível para a redistribuição9.
Aliado a isso temos o trickle down, que diz que a melhor política social possível é o próprio
crescimento econômico, que inicialmente atingiria os mais ricos, mas que com o passar do tempo
acabaria por integrar os mais pobres no processo. Numa outra perspectiva, os gastos públicos (public
burden) teriam um efeito duplo de desincentivo ao trabalho e diminuição da capacidade econômica,
impedindo e limitando o crescimento e o desenvolvimento econômico, através do aumento do custo da
atividade produtiva e redução da competitividade global10.
Essa formulação coloca um empecilho para o bem-estar em etapas iniciais do desenvolvimento
5
Esping-Andersen, 1990: p. 98.
Esping-Andersen, 1990.
7
Kerstenetzky, 2012.
8
Kerstenetzky, 2012: p. 37.
9
Kertenetzky, 2012: p. 38; Kwon, Mkandawire e Palme, 2009: p. S2.
10
Kwon, Mkandawire e Palme, 2009: p. S2 ; Midgley e Tang, 2001 e Titmuss, 1974 apud Kertenetzky, 2012: p. 39.
6
7
econômico dos países11 e se encontra fortemente enraizada no pensamento econômico de muitos
teóricos do desenvolvimento. Não só o bem-estar seria uma escolha alternativa ao desenvolvimento
econômico, como colocaria em risco o próprio processo, que segundo esse pensamento seria um précondição para o bem-estar12, isso quando, na melhor das hipóteses, não assumem como dada a visão
do trade off, e simplesmente não identificam sequer uma relação entre os objetos de estudo.13
Num esforço analítico inicial pretendemos observar as limitações da hipótese de que o
desenvolvimento seria uma etapa anterior e condição de sucesso do welfare state e para isso faremos
referência às trajetórias iniciais de desenvolvimento dos países em questão.
1.3. O Estado de Bem-Estar Social Desenvolvimentista.
“O estado do bem-estar social é uma invenção política: não é filho da democracia, nem da socialdemocracia, mas é certamente a melhor obra desta última”
Célia L. Kertenetzky
Apesar de todo o esforço teórico que dominou o mainstream da teoria econômica sobre bem-estar e
desenvolvimento formulado e sistematizado em cima das teses do leaky bucket, trickle down e public
burden, a falta de evidência empírica leva os teóricos do desenvolvimento a uma revisão responsável
tanto pela visão da "redistribuição eficiente" cunhada dentro da corrente dominante, quanto pela
"Teoria da agência" de Amartya Sen14.
Essas teses, apoiadas nas experiências de desenvolvimento Escandinavas, asiáticas e latinoamericanas se concentram na tentativa de conciliar desenvolvimento econômico e bem-estar social,
bem como apresentar concepções distintas de desenvolvimento que não se limitam pela análise
estritamente econômica15.
O foco passa a ser, dessa forma, qual a relação entre desenvolvimento e bem-estar, analisando
principalmente o impacto econômico das políticas sociais. “Ao proteger e prevenir contra riscos, elas
11
“Durante o processo de desenvolvimento econômico, a desigualdade é um subproduto “natural” das fases iniciais e que
esta irá, „naturalmente‟, estabilizar-se para, finalmente, começar a cair nos estágios mais avançados de desenvolvimento.
Esta visão está associada às recomendações contra políticas amplas de intervenção para a redução das desigualdades,
alertando para os riscos de tais políticas atrapalharem o crescimento” Uma crítica consistente desse argumento pode ser
vista em Medeiros e Nogueira, 2011: p. 102-103.
12
Kerstenetzky, 2012: p. 37.
13
O que Kwon, Mkandawire e Palme descreveram como “the „Chinese Wall‟ that separates development studies and the
study of the welfare state” (Kwon, Mkandawire e Palme, 2009: p. S2)
14
Kerstenetzky, 2012: p. 55-56.
15
Kerstenetzky, Celia L. 2012: p. 40. Para uma análise mais detalhada do modelo escandinavo ver Kerstenetzky, 2012: p.
45-52.
8
promovem estabilidade econômica (com a suavização do consumo e a redução da incerteza),
economizam capacidade produtiva que, na sua ausência, seria perdida, liberam as empresas dos custos
envolvidos em proteção e prevenção; elas também contribuem para a valorização de capacidades, que
podem ser mobilizadas para o aumento de produtividade e da eficiência econômica e para o
crescimento, e o fazem liberando o setor privado desses custos e investimentos"16.
É importante entendermos o poder da doutrina do "desenvolvimento social" que se segue dessa
análise, sem, no entanto superestimar o caráter produtivista destacado por Midgley e criticado por
Gray. Isto é, ao focar nas justificativas econômicas da política social, não podemos nos esquecer do
seu objetivo intrínseco: garantir cidadania, direitos sociais, redistribuir riqueza e promover justiça
social17.
2. A experiência chinesa no período Maoísta: antecedentes, contradições e legado:
“Communism is not love. Communism is a hammer which we use to crush the enemy”
Mao Tsé-Tung
“People say I don’t like China. I love China”
Donald Trump
Um ponto amplamente documentado por quase todos os pensadores que se debruçaram sobre a
China pra analisar a sua trajetória histórica de desenvolvimento é a superficialidade com a qual as
teorias tradicionais abordam o assunto e sua incapacidade de compreender e explicar os fenômenos
envolvidos no processo. R.Bin Wong trata da dificuldade de se analisar a trajetória chinesa sob uma
perspectiva eurocêntrica. Isabela Nogueira fala da superficialidade da literatura anglo-saxã,
predominante no Ocidente, ao tratar da experiência chinesa. Michel Aglietta e Guo Bai apontam pra
incapacidade das correntes ortodoxas de identificarem a complexidade das instituições, enquanto
Carlos Medeiros destaca a infelicidade de se tentar reduzir a estratégia de desenvolvimento econômico
chinês ao caso de economias atrasadas.18
A caracterização usual do período maoísta não foge aos complicadores comuns ao se tratar a
dinâmica histórica da China, alvo de análises por muitas vezes superficiais. A dificuldade das correntes
tradicionais em analisar um período controverso, se valendo de um tratamento pretensamente
científico, esconde muitas vezes as contradições presentes no período e subvaloriza o período intenso
16
Kerstenetzky, 2012: p. 44.
Kerstenetzky, 2012: p. 53.
18
Wong, 2011:p. 210-211; Aglietta e Bai, 2013: p. 11; Nogueira, 2011: p. 2; Medeiros, 1999.
17
9
de transformações estruturais pelas quais passou a China de 1949 a 197819. Essa análise não pretende
subvalorizar o acentuado processo de transformação estrutural que se dá a partir de 1978, pretendendo
apenas dar luz a uma etapa anterior do desenvolvimento chinês, tradicionalmente renegada ou
negligenciada pela historiografia tradicional.20
Durante o período maoísta a China apresentou um significativo crescimento econômico, sobretudo
no setor industrial, no que Carlos Medeiros chamou de “um contínuo e acelerado processo de industrialização, responsável por elevada e persistente taxa de crescimento econômico”21 Esse crescimento, no
entanto ficou concentrado em alguns poucos setores considerados estratégicos.22
Esse é o ponto de partida para a necessidade de voltar ao período maoísta a fim de estudar os
primórdios do processo de desenvolvimento socioeconômico chinês. Um dos argumentos envolvidos
na dinâmica do trade off entre o desenvolvimento econômico e o welfare state seria a necessidade de
um dado grau de desenvolvimento como condição inicial do estabelecimento de um estado de bemestar social23. Nossa análise da trajetória pela qual segue a china na metade do século XX aponta para
um processo intenso de transformação estrutural24 que se dá em paralelo com uma tentativa de
construção de um estado de bem-estar razoavelmente universalista. Ao contrário do que apontam,
portanto, as correntes teóricas críticas ao welfare observamos uma relação não apenas não excludente,
como mutuamente benéfica.
Sem sombra de dúvidas o período aqui tratado é fruto de uma série de controvérsias e as
contradições nele presentes ainda estão abertas para debate na academia. Os próprios dados do período
são escassos e frequentemente questionados25, gerando resultados, por vezes, inconclusos. Nossa
análise, portanto, pretende, sempre que necessário, se valer de uma abordagem comparativa com o
período seguinte, num caráter ensaístico. Ao analisarmos como a china chega na década de 80,
podemos ter mais clareza no que diz respeito aos resultados do legado do período Maoísta, de 1949 até
19
Nogueira, 2011: p. 2-3.
Para uma análise sistematizada dos condicionantes do desenvolvimento chinês focados no período pós-1978 ver
Medeiros, 2013: p. 438.
21
Medeiros, 2013: p. 435. Segundo Maddison, a taxa média de crescimento do PIB no período de 1950 a 1978 é de 4,4%,
enquanto a estatística oficial aponta 6,1%. Embora considerada alta para a maior parte dos países do mundo é apenas
modesta em relação à média de 7,5% do período seguinte, entre 1978 e 1995, e a taxa de crescimento do investimento de
9,6% superou em muito o crescimento da agricultura, de 2,2% no mesmo período, e ainda o próprio crescimento do
investimento no período seguinte, de 8,5%.(Maddison, 1998: p. ???)
22
Entre 1953 e 1978 a produção per capita de carvão quintuplicou, a de aço cresceu 11 vezes, a de eletricidade 16 vezes,
enquanto a produção de tecido cresceu apenas 30% e alguns setores manufatureiros e indústrias leves existentes na
estrutura pré-revolucionária declinaram de 64% da produção industrial total em 1950 para 27% em 1978 (Naughton, 2007:
329-330). Medeiros dá ênfase aos investimentos em infraestrutura e bens de capital como motores da produtividade
industrial chinesa e chama a atenção para um crescimento do setor de energia puxado pela indústria pesada. (Qual período?
Medeiros, 2013: p. 436, 442).
23
Kerstenetzky, 2012: p.37
24
Segundo as estimativas de Angus Maddison, no período de 1952 a 1978 a indústria salta de 9,9% para 34,7% da
participação do PIB chinês (Maddison, 1998: p. ????).
25
Para um exemplo da dificuldade de se obter ou estimar dados no período até 1976, ver o estudo sobre pobreza na china de
Ravallion e Chen, 2006. Medeiros atenta para os problemas metodológicos associados à mensuração do nível de produto
Chinês de 1950 a 1980 (Medeiros, 2013: p. 444)
20
10
1976.
Uma outra ressalva importante diz respeito à análise de um estado do bem-estar numa economia
não capitalista, que é o caso da economia chinesa pelo menos até 1976. A inexistência de determinados
mecanismos de mercado, em especial, a princípio poderiam dificultar uma análise sobre a introdução
de um welfare, no entanto, estamos mais interessados em entender os impactos que as políticas sociais
adotadas no período tem sobre a sociedade chinesa e como esses mecanismos evoluíram com o tempo
do que estudar propriamente a relação do estado do bem-estar social com o capitalismo e sua
importância na manutenção e legitimação de uma ordem econômica intrinsecamente produtora de
pobreza e desigualdade26.
2.1. Antecedentes e caracterização geral
“If you want to know the taste of a pear, you must change the pear by eating it yourself. If you want to
know the theory and methods of revolution, you must take part in revolution. All genuine knowledge
originates in direct experience”
Mao Tsé-Tung
O sucesso inicial do Partido Comunista Chinês é em larga medida responsável por grande parte do
prestígio e da legitimidade da figura de Mao Tsé-Tung e do governo até hoje. Os revolucionários, sob a
liderança de Mao tiveram enorme sucesso na restauração da ordem e da paz, na reconstrução do bemestar da população, estabelecimento de um sistema de governo central e restabelecimento da grandeza
da nação chinesa. O momento da fundação é de grande euforia nacional e enorme convergência27.
Os comunistas são sucessores de dinastias imperiais que gozaram de grande estabilidade, após um
interregno de 40 anos e 150 anos de caos. A sensação de "perda de face" é completa e absoluta após as
duas guerras do ópio, a guerra sino-japonesa, as duas guerras mundiais, as invasões e a série de
tratados humilhantes, que assolaram os chineses desde o século XIX. Em grande medida, a vitória dos
comunistas significou a restauração do “significado de ser chinês” e a criação de um "nós" de forte
viés nacionalista apoiado no conceito latente de ameaça externa28.
Parte do sucesso da reconstrução se dá em grande parte pelo impacto positivo das doutrinas
organizacionais do Partido Comunista. A vitória inicial está amplamente associada ao sucesso do
"voluntarismo" de Mao Tsé-Tung. O objetivo era levar a política do governo central até as aldeias mais
26
Para uma análise mais detalhada sobre o surgimento dos Estados do Bem-Estar Social sob uma perspectiva histórica e sua
relação com o sistema capitalista ver Kerstenetzky, Celia L, 2012: p. 5-20 . Carlos Medeiros chama atenção para a relação
entre a criação de uma economia capitalista chinesa e o desmonte da sociedade igualitária chinesa a partir de 1978 e sua
influência sobre a distribuição de renda (Medeiros, 2013: p. 436).
27
Nogueira, 2011: p. 6
28
Nogueira, 2011: p. 5.
11
remotas do país29.
Principalmente no início Mao se apresenta como expectativa de contraponto à Stalin e outras
ideologias autoritárias inclusive para o mundo afora. A ideia da utopia comunista com autonomia
prevalece até a década de 60 com a Revolução Cultural e a criação de estruturas ainda mais autoritárias
centradas na figura do líder da revolução30.
Nos primeiros anos o esforço é de reconstrução e reorganização num país devastado pela guerra. A
produção se encontrava desarticulada, a educação e os serviços públicos inoperantes e o campo
paralisado. A doutrina organizacional promovida pelo partido tem sucesso e o país promove no período
um verdadeiro ajuste no pós-guerra. A experiência acumulada pelo partido com os soviets rurais e
ajuda soviética facilitam a articulação produtiva31.
O Partido dá início a grandes campanhas contra o ópio tendo enorme sucesso e sendo responsável
pela eliminação de um problema histórico de saúde pública chinesa que se arrastava por mais de um
século no país. Além disso, a proibição do enfaixamento dos pés representou um avanço considerável
no enfrentamento de uma prática milenar da sociedade chinesa combatendo um pilar da estrutura
patriarcal que remontava o período imperial.
2.2. As comunas rurais e o safety net agrário
A partir de 50 dá-se início a um processo conturbado de reforma agrária que confiscou cerca
de 43% da terra cultivável, gado e qualquer benfeitoria instalada no terreno, como construções e casas,
por exemplo. Cerca de 4% da população perdeu terra e beneficiando 60% do campesinato. Em um
próximo passo, estes camponeses formaram cooperativas agrícolas simples (elementary cooperatives), o que posteriormente aprofundou-se para formar cooperativas agrícolas avançadas
(advanced co-operatives), que, na prática, dissolvia a propriedade individual e colocava o processo de
tomada de decisão da produção rural nas mãos do Partido Comunista. O processo culminou em uma
nova mudança drástica, quando as cooperativas avançadas foram consolidadas em gigantescas
comunas rurais, que, segundo Maddison (1998), totalizavam 26.000, cada uma com uma média de
6.700 trabalhadores. O gráfico a seguir ilustra a trajetória da estrutura fundiária chinesa.32
O processo de reforma agrária foi fundamental na reorganização do sistema produtivo do
campo e as comunas, resultantes desse processo, permanecem como elemento central da vida rural
chinesa durante todo o período maoísta.33
29
Barry Naughton comenta sobre o papel das comunas como mecanismo de transmissão. Naughton, 2007: p. 238.
Robinson, 1968
31
Naughton, 2007: p. 234, 252.
32
Maddison, 1998: p. 71-73.
33
Para uma discussão mais detalhada da organização, funcionamento e papel das comunas rurais na china maoísta ver
Naughton, 2007. Uma parte da literatura aponta para uma reforma agrária moderada do ponto de vista distributivo, no
30
12
Segundo Naughton as instituições rurais socialistas foram amplamente utilizadas para gerar um
fluxo constante de produtos agrícolas a baixos custos para as cidades, uma vez que toda a estratégia de
desenvolvimento baseava-se na capacidade do Estado de extrair excedente do continente, mobilizando
recursos das atividades rurais para o investimento industrial (Naughton, 2007, p. 233). Tal extração
dava-se tanto de maneira, direta, através da taxação da produção industrial, quanto indireta, através de
cotas de produção a serem entregues e o emprego de mão-de-obra para atividades rurais não-agrícolas.
Tabela 1: Organização Fundiária Chinesa (em % de unidades familiares
camponesas): 1950-1958
Equipes de
Cooperativas Cooperativas
Ajuda MúSimples
Avançadas
tua
1950
1951
1952
1953
1954
1955
1956
1958 final de agosto
1958 final de setembro
1958 final de dezembro
10.7
19.2
39.9
39.3
58.3
50.7
0.0
0.0
0.0
0.1
0.2
2.0
14.2
8.5
Comunas
87.8
30.4
98.0
99.1
Fonte: Maddison, 1998: p. 71.
As comunas eram responsáveis por limpeza de ruas, programas de saúde, escolas, além de
fornecimento de água e segurança.34 Ao mesmo tempo em que a criação de um estado do bem-estar
universalista rudimentar se dá a partir de políticas centrais advindas de orientações diretas do partido
comunista35, a administração e gestão dos serviços públicos no período se dá de forma descentralizada,
permitindo uma atuação relativamente autônoma da população na adaptação das políticas centrais à
realidades locais completamente distintas36 semelhante à complexidade da estrutura administrativa
imperial, ao mesmo tempo centralizada por uma burocracia forte e descentralizada37 através de
entanto, é importante ressaltar a radical transformação institucional presente no processo. (Fonte)
34
Naughton, 2007: p. 234.” By the mid–1970s such a system had created a network of rudimentary social services. The
system paid for 1.2 million rural teachers, for example, and pushed the number of children in schools up to unprecedented
levels” (Naughton, 2007: p. 237-238).
35
Naughton, 2007: p. 233.
36
Naughton, 2007: p. 232. Para uma discussão sobre as limitações da autonomia local no período ver também Naughton,
2007: p. 236-237.
37
Aglietta e Bai, 2013: p. 28-29;
13
derrogação e delegação de políticas e tarefas locais e específicas.38
A organização da economia rural em torno das comunas se provou uma ineficiente do ponto de vista
da produtividade rural, segundo Naughton, no entanto, se provou uma forma razoavelmente estável de
organização, sobretudo após o período do Grande Salto Adiante39.
O estabelecimento de um sistema de saúde razoavelmente universal, com foco preventivo e capaz
de atender a maior parte das necessidades básicas, inclusive de saneamento, além de campanhas de
conscientização para saúde pública foi responsável pelo sucesso estrondoso dos indicadores de
expectativa de vida e de saúde na China durante o período maoísta e é certamente um dos legados mais
importantes de Mao. Em meados da década de 70, aproximadamente 60% dos leitos hospitalares
estavam no interior rural e a China contava com um sistema nacional de paramédicos com
aproximadamente 4,8 milhões de paramédicos, incluindo desde aqueles com formação mais intensa
(1,5 milhões) até aqueles com algum curso de primeiros socorros ou saneamento (3,3 milhões).
Naughton estima que em meados de 70, algo entre 70 e 80% da população rural estava coberta por
serviços de saúde cooperativa.40
Tabela 2: Dados Agregados do Sistema de Saúde Chinês: 1978 - 2013
Dados Agregados
Número de Hospitais (unidades)
Número de Médicos Licenciado (10 000 pessoas)
Número de Leitos Hospitalares (10 000 unidades)
Fonte: CHIP DATA
1978
1990
2000
2012
2013
9.293
97,8
110,0
14.377
176,3
186,9
16.318
207,6
216,7
23.170
261,6
416,1
24.709
279,5
457,9
O período maoísta também foi bem sucedido na tentativa de implementar um sistema de educação
básico relativamente universal. Muito embora os níveis atingidos pelo Partido Comunista tenham sido
abaixo de alguns países considerados desenvolvidos, a nível internacional, se comparado a outros da
Ásia, ou de níveis de renda semelhante, como a Índia, e principalmente, a períodos anteriores da
própria China, os resultados obtidos são consideravelmente surpreendentes. Entretanto, assim como no
caso da saúde, a educação universal conquistada durante o período se caracterizava por sua forma
rudimentar41
38
Maddison, 1998.
Naughton, 2007: p. 238.
40
Naughton, 2007: p. 243-244.
41
Segundo Medeiros a China difundiu a educação básica a nível universal já em 1980. Em comparação com o resto da Ásia
a China ainda estava atrás do Japão e Coréia do Sul na cobertura do nível secundário em 1997, com uma cobertura de 70%,
e ainda em 2000 a China apresentava cobertura de 13% no nível terciário, bem mais baixo do que a média internacional e
que a própria Ásia, evidenciando o caráter elementar do projeto de educação universalizante adotado no período maoísta.
(Fogel, 2007 apud Medeiros, 2013: p. 443).
39
14
Além disso, Barry Naughton chama a atenção para a criação de uma espécie de safety net criado
também no mesmo período cuja base era as comunas rurais, responsáveis por proteger as famílias
contra risco. Os recursos provinham das próprias comunas, mas também, caso necessário, do próprio
Estado. Segundo o autor, em 1979, 15 milhões de famílias receberam algum tipo de apoio.42
2.3. O danwei e seguridade social urbana
Simétrico à proteção social associada aos sistemas de comunas no campo existia na cidade o
dawwei 单位. A “grande tigela de ferro no qual comiam todos” se refere à política de pleno emprego
com proteção social chinesa baseada nas State Owned Enterprises (SOEs) chinesas, empresas públicas
responsáveis pela provisão básica de serviços considerados fundamentais aos trabalhadores urbanos.43
Assim como as comunas rurais, o danwei se caracterizavam por sua multiplicidade de funções44 e sua
relativa diferenciação, cuja abrangência e extensão dos serviços oferecidos podiam variar conforme a
província45.
Xie, Lai e Wu atribuem ao danwei as funções de provisão de habitação46, racionamento de comida,
oferta de entretenimento além da conferência de direitos políticos.47 Para entender a força com a qual o
sistema do danwei se introjetou na sociedade chinesa é interessante analisar como mesmo após as
reformas institucionais pós 1978 não há uma reversão inicial na lógica de conversão de receitas das
SOEs em benefícios para os empregados.48
Responsável também pela provisão de serviços de saúde o sistema urbano baseado no danwei
consistia de dois componentes: o “Labor Insurance” e o “Government Employee Insurance” ambos
baseados no marco do trabalho como condicionante para o acesso aos benefícios. O primeiro se
caracterizava como um seguro cooperativo iniciado ainda na década de 50 garantindo cobertura aos
trabalhadores e frequentemente aos seus dependentes. O segundo cobria os empregados das
instituições públicas (como agências do governo, escolas e hospitais).49
Já em 1950 a China começou a estabelecer um sistema previdenciário que inicialmente foi
responsável por cobrir o setor público chinês, baseado nas SOEs e nas COEs (Collectively Owned
Enterprises). O financiamento coletivo, com base no danwei tinha apoio estatal até 1966. Xie, Lai e
42
Naughton, 2007: p. 238.
Para uma discussão sobre as origens do danwei, ver Xi, Lai e Wu, 2009: p. 284.
44
A multiplicidade de funções associadas ao danwei não se limitavam a questões sociais, se estendendo profundamente no
âmbito político e econômico. Xie e Wu, 2008: p. 561.
45
Xie, Lai e Wu, 2009: p. 285. É importante observar a necessidade de se entender o funcionamento do danwei uma vez que
esse era considerado mais importante no bem-estar dos trabalhadores do que os próprios rendimentos (Bian 1994;
LinandBian 1991; Liu 2000; Walder 1986; WhyteandParish 1984apudXieLai e Wu, 2009: p. 289)
46
Xie, Lai e Wu, 2009: p. 287.
47
Xie, Lai e Wu, 2009: p. 283
48
Dittmer e Lü, 1996 apudXie, Lai e Wu, 2009: p. 286.
49
Xie, Lai e Wu, 2009: p. 287.
43
15
Wu argumentam que esse movimento de abandodo do financiamento pelo Estado seria responsável
pelo acúmulo de um déficit que é transferido para a sociedade após as reformas de 1978.50
2.4. Contradições e legado
A estrutura comunal e o danwei estabeleceram uma estrutura de seguridade social razoavelmente
universal que se desmonta com a introdução das reformas a partir de 1978. O resultado social das
reformas é o crescimento da desigualdade e um vácuo na oferta de serviços públicos na China que só
serão enfrentados no século XXI.51
Pode se dizer que o sucesso obtido no período maoísta não se limita, portanto, ao crescimento
econômico ou ao esforço industrializante que modificou de forma radical a estrutura produtiva chinesa,
tampouco à reorganização produtiva e organização burocrática pelo qual a china passou especialmente
nos primeiros anos. Algumas das conquistas mais significativas da China entre 1949 e 1976 estão
diretamente ligadas à construção de um estado do bem-estar e o impacto que as políticas sociais
tiveram em indicadores como analfabetismo, mortalidade infantil e expectativa de vida.
Tabela 3: Indicadores Socias: 1952 – 1995
Taxa Bruta de Natalidade por 1000 habitantes
Expectativa de vida (em anos)
População Empregada (em % da pop. Total)
Anos Equivalentes de Educação Primária por
Habitante com 15 anos ou mais52
1952
1978
1995
37
38
51,7
18,25
64
53,6
17,12
69
61,2
1,7
5,33
8,93
Fonte: Maddison, 1998: p. 61.
Esses resultados, no entanto, estão longe de serem os únicos legados do período maoísta. Esse
conturbado momento histórico da China carrega uma série de contradições importantes para se
entender o processo de reformas que se dá a seguir, além de serem fundamentais para entender a China
ainda hoje. É importante entendermos, por exemplo, como o processo de industrialização que se deu
até 1978 não produziu um êxodo rural, mantendo a população economicamente ativa
predominantemente no campo, ou como essa criação de um sistema de proteção social e oferta de
serviços públicos universais não compensa a estrutural insegurança alimentar que a China enfrentou
50
Xie, Lai e Wu, 2009: p. 288.
Naughton, 2007: p. 243.Xie, Lai e Wu, 2009: p. 285; Xie e Wu, 2008: p.558
52
Em linha com as evidências internacionais para ganhos relativos associados a diferentes níveis de educação, os
parâmetros atribuídos são:1 para educação primária; 1,4 para a educação secundária, e 2 para níveis mais elevados
51
16
durante todo o período, em especial no Grande Salto Adiante, com um crescimento praticamente nulo
da produtividade agrícola, acompanhando o crescimento populacional. Além disso, a qualidade desse
bem-estar oferecido pode ser questionada devido ao fortalecimento de estruturas mais totalitárias de
poder no período da Revolução Cultural, com crescimento de um sentimento de incerteza e
insegurança.
(ii) Industrialização sem urbanização, retirada do excedente agrícola e baixa produtividade, gap
urbano-rural e insegurança alimentar.
Ao assumir o poder, Mao Tsé-Tung herda dos republicanos uma china caracterizada por importantes
desigualdades regionais, herança ainda do período imperial. A integração regional se colocava como
um enorme desafio53. Além disso, o fantasma da ameaça externa que assombrou a China durante mais
de um século não abandonou o país durante o período maoísta e, combinado com as desigualdades
regionais vertiginosas, pode ter sido responsável pela estratégia de industrialização descentralizada
adotada por Mao no seu grande salto adiante54.
O Great Leap Forward de Mao Tsé-Tung consistiu numa estratégia de industrialização puxada pela
produção de aço e energia, completamente pulverizada pelo território chinês55. A meta seria ultrapassar
a Inglaterra e os EUA em produção industrial no período de 15 anos. O catching up se daria através da
consolidação e radicalização das comunas rurais56, que seriam responsáveis pela produção do aço com
metas, irreais, diga-se de passagem, estabelecidas pelo governo central. Um elemento central para o
plano seria a ênfase exacerbada de Mao Tsé-Tung no voluntarismo do povo chinês57.
Nesse período se disseminam os altos fornos domésticos de quintal para a produção do aço. Entram
no esforço produtivo escolas, hospitais e os próprios camponeses, extraindo mão-de-obra
originalmente empregada no campo para a produção siderúrgica. O desvio total da produção, inclusive
da agricultura, combinado com o terror de não bater as metas estabelecidas para a produção de
alimento e aço levou algumas comunas a adulterar seus resultados, dando uma impressão fantasiosa de
sucesso.
É importante ressaltar que a estrutura produtiva rural atrasada se colocou como um obstáculo para a
estratégia de desenvolvimento chinês baseada na transferência do excedente agrícola para a indústria
53
Wong, 2011
Medeiros, 1999; Barry Naughton destaca o esforço do Grande Salto Adiante em reduzir a dependência das áreas rurais em
relação à agricultura (Naughton, 2007: p. 272-273). O componente da ameaça externa também foi importante na prioridade
dada ao desenvolvimento tecnológico do setor militar e fica evidente na rapidez com a qual o setor se desenvolve. O
primeiro teste chinês nuclear bem-sucedido se deu ainda em 1964. O lançamento do primeiro míssil se deu em 1966 e do
primeiro satélite em 1970 (Wuang; Hong, 2009 apud Medeiros, 2013: p. 443).
55
Naughton, 2007: p. 272-273. Naughton, 2007: p. 330.
56
Joan Robinson destaca como Mao transforma o que ela chama de superestrutura em base. “Ideas may become a material
force” Robinson, 1968: p. 214.
57
A ênfase no voluntarismo pode ser encontrado na análise de Robinson, 1968.
54
17
durante todo o período maoísta58, acompanhando a trajetória do período imperial no qual a
produtividade agrícola acompanha o crescimento populacional59. Como resultado, apesar de avanços
diversos que se estendem em diversos setores, como saúde e educação, temos uma população
majoritariamente rural que vive no limite da segurança alimentar60.
Os problemas na agricultura não passaram despercebidos pelo governo maoísta que em 1957 inicia
uma série de obras gigantescas de irrigação utilizando a própria mão-de-obra camponesa61 com o
objetivo de aumentar a produção agrícola62. Apesar do esforço desprendido, não há aumento
significativo da produtividade agrícola, e o Grande Salto Adiante de Mao contribui para uma queda
drástica na produção de alimentos63 que combinado com a retirada do apoio soviético e uma grande
inundação de metade das áreas agricultáveis do país resultaram num período conhecido como A
Grande Fome, que durou de 1960 a 1962 e matou cerca de 20 milhões de chineses64.
58
Naughton, 2007: p. 233. Barry Naughton também destaca a importância do sistema de preços e taxações indiretas para
transferir excedente agrícola para a indústria. Naughton, 2007: p. 239.
59
Naughton atribui isso à incapacidade das comunas rurais de aumentar eficiência através de economias de escala a pesar
do esforço de investimento nos sistemas de irrigação e do aumento do tempo de trabalho por ano do camponês médio de
160 dias de trabalho por ano em 1920 para 200 a 275 dias por ano no final dos anos 70. (Naughton, 2007: p. 237).
60
Naughton, 2007: p.236. Após se recuperar a produção per capita de grãos se estabiliza em torno de 300 quilos por ano de
1955 a 1957, por volta 280 quilos por ano entre 1964 e 1966, e finalmente entre 300 e 350 quilos por ano no período de
1977 a 1979. Para os níveis de distribuição altamente equitativos isso esses níveis de produção são dificilmente o suficiente
para alimentar bem a população chinesa. Os resultados da década de 70 são explicados por Naughton como consequências
das inovações tecnológicas nas práticas da agricultura chinesa que tem início no final da década de 60. O autor apelida tal
movimento de “Green Revolution” em alusão aos movimentos semelhantes que ocorreram no ocidente. (Naughton, 2007:
252-254, 258).
61
Grandes obras de irrigação foram feitas desde a década de 50 e durante todo o período maoísta. Resultados importantes
foram obtidos no sentido da expansão da área irrigada e expansão da capacidade técnica. (Naughton, 2007: p. 258). Os
camponeses eram aproveitados no esforço de construção e reparação dos sistemas de irrigação nos períodos de entressafra
durante todo o período maoísta, em especial no inverno (Naughton, 2007: p. 237).
62
Barry Naughton aponta para a aposta na expansão das áreas irrigadas com o intuito de aumentar a produção agrícola,
destacando o fato de que o aumento da produção agrícola no período se deu nas mesmas bases tecnológicas anteriores a
1949, só avançando efetivamente a partir da década de 60 com a introdução de fertilizantes químicos manufaturados.
(Naughton, 2007: p. 252, 258). Carlos Medeiros caracteriza esse processo como “base essencial e necessária” para o
desenvolvimento chinês dada a acentuada escassez per capita de terras no país (Medeiros, 2013: p. 441-442).
63
“The folly of the GLF (Great Leap Forward) pushed productionper head to below subsistence levels and led to (…)
famine” (Naughton, 2007: p. 252).
64
Naughton aponta para o fato de que muito embora as famílias chinesas pudessem ter as quantidades calóricas necessárias
a sua subsistência a alimentação dos camponeses estava muitas vezes restrita a uma dieta pouco diversificada e caloricamente insuficiente (Naughton, 2007: p. 254). Em 1981, 94% das calorias da dieta do chinês médio vem de produtos de
origem vegetal, sendo 87% de grãos, e 90% do consumo de proteína vem de origem vegetal, sendo 83% de grãos e apenas
10% de produtos de origem animal (Naughton, 2007: p. 266). Amartya sem destaca o fato de que tais catástrofes estão
relacionadas à falta de democracia. “Authoritarian rulers, who are themselves rarely affected by famines (or other such
economic calamities), tend to lack the incentive to take timely preventive measures. Democratic governments, in contrast,
have to win elections and face public criticism, and have strong incentives to undertake measures to avert famines and
others such catastrophes.” (Sen, 1999: p. 16)
18
Tabela 4: Desempenho Agrícola e Crescimento Populacional (taxa composta de crescimento
anual): 1952 - 1995
1952–78
2.02
4.40
2.20
2.02
0.17
População
PIB
PIB Agrícola
Emprego Agrícola
Produtividade do Trabalho Agrícola
1933
85
72
Participação Agrícola no Emprego Total (em %)
Participação Agrícola no PIB (em %)
1978–95
1.37
7.49
5.15
0.84
4.27
1978
63
33
Fonte: Maddison, 1998, p. 66, 68 e 71.
De acordo com Medeiros e Nogueira, a China chega em 1978 com altíssimos índices de pobreza
rural e um enorme gap entra a cidade e o campo, apesar de um gini consideravelmente satisfatório em
1980 (0,295)65. “Por outro lado, é também verdade que a baixa desigualdade intra-urbana teve uma
contribuição fundamental do sistema de controle migratório, que fez com que o gap urbano-rural se
equivalesse a de outros países vizinhos de renda per capita baixa, como Paquistão, Sri Lanka e Bangladesh” 66
Tabela 5: Disparidades Campo x Cidade: 1978-1990
Ano
Renda per Capita Dispo- Renda per Capita Disponínível por Unidade Fami- vel por Unidade Familiar - Coeficiente de EnCoeficiente de
liar – Urbana
Rural
gels para Domicí- Engels para Domilios Urbanos (%)67 cílios Rurais (%)
Valor
Valor
Índice
Índice
(yuan)
(yuan)
1978
343,4
1980
477,6
1985
739,1
1990
1510,2
Fonte: CHIP DATA
65
100,0
127,0
160,4
198,1
133,6
191,3
397,6
686,3
100,0
139,0
268,9
311,2
57,5
56,9
53,3
54,2
67,7
61,8
57,8
58,8
Disparidade entre zonas rurais e urbanas de 2,6 vezes. Esse valor pode ser obtido calculando a partir da renda e usando os
dados de 78. Medeiros e Nogueira, 2011: p. 106-107
66
Nogueira, 2011: p. 3
67
“O coeficiente de Engels trata-se da observação de grande regularidade empírica entre o nível de renda de um país e a
parcela da renda que suas unidades familiares dispendem em alimentos, uma vez que estes gastos crescem menos que o
incremento de renda médio. Sendo assim, quanto menor o índice de Engels de determinado país (ou no caso, de determinada
parcela da população chinesa: urbana ou rural), melhor é o nível de renda e qualidade de vida dessa população.”
19
(ii), Combate às estruturas hierárquicas com aumento do totalitarismo, impactos da Revolução
Cultural.
A Revolução Cultural foi um período de esvaziamento do partido, com extrema retirada de
autoridade do partido e centralização em torno da figura de Mao Tsé-Tung, com instauração de um
período de totalitarismo. O discurso clama pela destruição das “velharias” e há um profundo
reordenamento do sistema político que se abandona antigas estruturas hierárquicas, inclusive no
exército com a criação da guarda vermelha dando, entretanto, espaço para uma configuração ainda
mais autoritária68.
O período é de geração de autorreflexão e autonomia, com um incentivo pesado à desconstrução e
às denúncias. O desgaste social vem da humilhação e perda de face com humilhações públicas de
autoridades, além dos expurgos e do uso dos campos de trabalho forçado69. O período de terror que
reflete a China pós 1966 gera um mal estar vivido até hoje no país. A rede de guanxi na qual se
fundamentava o tecido social chinês se corrói com a denúncia de pais, membros da família e vizinhos.
Nesse contexto, Deng Xiaoping e Liu Shaoqi, membros importantes do Partido Comunista e
opositores de Mao Tsé-Tung70 são submetidos à humilhação pública e são expulsos do partido71.
Com a crise do bloco soviético, a guerra no Vietnã, a crise do bloco ocidental e o crescimento dos
grupos de contracultura, Mao tenta se colocar como um farol para inspirar os movimentos ao redor do
mundo.
Além do fortalecimento do totalitarismo centralizado na figura de Mao Tsé-Tung, a Revolução
Cultural inaugura duas políticas extremamente controversas com grandes impactos na sociedade
chinesa que refletem até hoje: O fortalecimento do controle migratório através do hukou;
72
e o
incentivo ao controle de natalidade durante a década de 70 73 são dois exemplos da agenda do período
maoísta que refletem uma limitação de liberdades civis e colocam em perspectiva o modo como o
welfare avança na China, numa direção contrária àquela proposta por Theodor H. Marshall quando
relaciona bem-estar social a “direitos sociais”.74
Também dentro do período da Revolução Cultural, Barry Naughton destaca as políticas de yiliang
weigang (Grain First) conhecido pelo slogan: “Take grain as the key link” que ganharam força no
período como parte do projeto de desenvolvimento. Causa do retardo no crescimento da agricultura e
68
Robinson, 1968
Robinson, 1968
70
Robinson, 1968
71
Robinson, 1968
72
Naughton, 2007: p. 238.
73
Naughton, 2007: p. 234, 238.
74
Marshall, 2009 apud Kerstenetzky, 2012: p. 27-28.
69
20
baixa produtividade do setor. O autor da bastante importância para a ausência de um mecanismos de
preços que coordenassem a produção apontando para a eficiência do uso da terra75.
O crescimento na produção de grãos é de 2,2% ao ano entre 1955-1957 e entre 1977-1979,
crescimento ligeiramente maior do que o populacional, com crescimento de produção per capita de
0,2% ao ano. Esse crescimento, no entanto, se deu a despeito dos outros produtos agrícolas. O
crescimento da produção de algodão, 1,5% ao ano, e oilseed, 0,5% ao ano, os dois produtos agrícolas
mais importantes depois dos grãos foram consideravelmente menores nos mesmos períodos. Além
disso, o consumo das famílias camponesas de aves domésticas, ovos e peixe per capita também
diminuíram, embora um aumento no consumo de carne possa ter compensado.76
O período da Revolução Cultural também é responsável por uma segunda tentativa de desenvolver a
indústria rural com características extremamente distintas do Grande Salto Adiante. O produto dessas
políticas foi uma indústria rural voltada para o abastecimento da produção agrícola, focada em Cinco
“pequenas” indústrias: ferro e aço, cimento, fertilizantes químicos, energia hidroelétrica e benfeitorias
agrícolas.
Duas diferenças consideráveis são a estrutura capital intensivo das indústrias com economias de
escala significativas, consequentemente a manutenção de parte significativa da mão-de-obra rural na
agricultura.77 Barry Naughton destaca a importância dos subsídios públicos em alguns setores.
Já em 2003 apenas 349.000 vilas tem acesso à água corrente e 20% dos lares rurais tem acesso a
fogões a gás ou elétricos78. Portanto, devemos sempre problematizar análises que sejam muito avidas
em se posicionar como uma defesa inequívoca ou uma crítica intransigente do período, principalmente
aquelas que alegam, nesse sentido, avaliações cientificamente embasadas e ideologicamente neutras.
3. A Era desenvolvimentista e a constituição de um estado de bem-estar social no
Brasil (1889-1984)
“Não tem coisa mais fácil do que cuidar de pobre, no Brasil. Com dez reais, o pobre se contenta. Rico,
não. Por mais que você libere, quer sempre mais, nunca se conforma”
Luiz Inácio Lula da Silva
Os estudiosos do bem-estar frequentemente se debruçam sobre debates inconclusos a cerca da
própria existência de um estado do bem-estar social no Brasil. Seguindo os passos de Célia L.
75
Naughton, 2007: p. 239-240.
Naughton, 2007: p. 240.
77
Já em 1978, Naughton aponta que 90% da mão-de-obra rural ainda estava empregada na produção agrícola (Naughton,
2007: p. 273).
78
Naughton, 2007: p. 232.
76
21
Kerstenetzky, pretendemos adotar um conceito mais abrangente de bem-estar, analisando algumas
características comuns que configuram aquilo que conhecemos como bem-estar social e aplicando,
quando possível, ao período desejado da trajetória histórica brasileira.
É razoável consenso entre os teóricos do desenvolvimento econômico que o período inicial mais
evidente de crescimento econômico com transformação estrutural79 brasileiro tenha se iniciado na
década de 30 do século XX. Pretendemos, a espelho do que fizemos com a trajetória chinesa, discutir
as limitações da teoria de que o desenvolvimento seja uma etapa inicial necessária ao estabelecimento
de um estado do bem-estar social. Para isso, faremos uma análise da fase que se inicia na década de 30
e se estende até 80, destacando aquilo que consideramos relevante para a construção de um estado do
bem-estar e para o desenvolvimento econômico.
A orientação seletiva das experiências latino-americanas, incluindo o Brasil, concentrou a política
social nos agentes protagonistas do processo, ou seja, os trabalhadores urbanos, industriais e
funcionários públicos, sendo eficientes em sua função econômica, mas deficientes na sua função de
integração social80.
O Brasil é um exemplo de orientação seletiva de políticas sociais instrumentalizados pelo Estado81,
em geral autoritário, limitando a proteção social a setores condutores do projeto de desenvolvimento.
As condições iniciais de desigualdade social e concentração fundiária foram importantes para o
desenho das políticas adotadas e os resultados dos processos de industrialização82.
O período que vai de 1889 até 1984 é considerado uma primeira etapa de constituição de um Estado
do Bem-Estar Social no Brasil. O período Vargas, (1930-1945) seria responsável pela constituição de
uma base institucional, conhecida como os anos do bem-estar corporativo. O período seguinte, de 1946
a 1964 apresentaria uma expansão incremental e inercial do bem-estar, ainda sob a égide corporativa
do período anterior, enquanto os governos militares (1964-1984) seriam responsáveis pelo que Celia
Kerstenetzky caracterizou como "universalismo básico", representando uma ruptura com o modelo
criado no período Vargas83.
79
Bielschowsky e Mussi, 2005.
Kerstenetzky, 2012: p. 42.
81
“The state bureaucracy played a key role in planning and implementing the industrialization plan. It started to establish
the welfare state as a part of an industrialization project”. (Kwon, Mkandawire e Palme, 2009: p.S6).
82
Ao comparar a experiência brasileira com a sul-coreana, ambas caracterizadas por sua orientação seletiva, os autores
destacam as condições iniciais de desigualdade como responsáveis pelo aprofundamento das desigualdades sociais no caso
brasileiro. “With similar developmental welfare states, the two countries showed different outcomes of social development.” (Kwon, Mkandawire e Palme, 2009: p. S6).
83
Kerstenetzky, Celia L. 2012: p.182-183.
80
22
3.1. República Velha e a Era Vargas, os anos de bem-estar corporativo (1889-1946)
A República Velha é o ponto de partida tanto para o desenvolvimento econômico brasileiro, quanto
para a criação de um estado de bem-estar social, uma vez que é a partir de 1930 que começam as
transformações estruturais que levam o criam forma para o padrão de acumulação brasileiro e o caráter
corporativo das políticas sociais.
O ano de 1930 é, portanto, o início de uma trajetória importante para os teóricos do
desenvolvimento, pois é perceptível o movimento de crescimento econômico com acelerada
transformação estrutural pelo qual passa o Brasil de 1930 a 1980, chamado por Bielschowsky e Mussi
de "Era desenvolvimentista", sobretudo após 195084.
Do ponto de vista do desenvolvimento econômico o país parte de uma industrialização retardatária
que passa por um período de crescimento econômico e diferenciação das forças produtivas de 1930 a
1980, acentuando-se após a segunda guerra mundial. Há um notável aumento da participação do setor
manufatureiro e industrial e redução na participação da agricultura na renda interna e da exportação
como "puxador" da economia, isto é, uma tendência de internalizar os ciclos de crescimento e um
acentuado declínio da importância do café, com ampliação da pauta exportadora e queda das
importações até 1980.85
Gráfico 1: Crescimento do PIB Brasileiro (taxa de crescimento anual): 1930 - 1980
14,0%
12,1%
8,9%
9,2%
4,3%
8,5%
7,6%
4,6%
4,5% 4,9%
3,0%
11,9%
11,3%
9,8% 10,4%
9,5%
11,6%
2,5%
10,8%
9,8%
9,7%
9,4%
8,8%
8,6%
7,7%
7,8%
7,3%
7,7%
6,6%
6,8%
4,9%
3,2%
2,4%
4,7%
8,2%
6,7%
4,2%
3,4%
2,9%
2,4%
0,6%
-3,3%
84
-1,0%
-2,7%
Bielschowsky e Mussi, 2011; Bielschowsky e Mussi, 2005.
Serra, J. 1982
85
10,3% 9,2%
6,8%
4,9%
5,2%
5,0%
23
Tabela 6: Crescimento do PIB Brasileiro (taxa de crescimento anual): 1930 – 1980
Data
PIB (preços
2013)
Taxa de Crescimento Anual
1930
92.397,67
1931
89.348,55
-3,3%
1932
93.190,54
4,3%
1933
101.484,49
8,9%
1934
110.821,07
9,2%
1935
114.145,70
3,0%
1936
127.957,33
12,1%
1937
133.843,37
4,6%
1938
139.866,32
4,5%
1939
143.362,98
2,5%
1940
141.929,35
-1,0%
1941
148.883,88
4,9%
1942
144.864,02
-2,7%
1943
157.177,46
8,5%
1944
169.122,95
7,6%
1945
174.534,88
3,2%
1946
194.780,93
11,6%
1947
199.455,67
2,4%
1948
218.802,87
9,7%
1949
235.650,69
7,7%
1950
251.674,94
6,8%
1951
264.007,01
4,9%
1952
283.279,52
7,3%
1953
296.593,66
4,7%
1954
319.727,97
7,8%
1955
347.864,03
8,8%
Fonte: IPEADATA - Elaboração Própria
Data
PIB (preços
2013)
Taxa de Crescimento Anual
1956
1957
1958
1959
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
357.952,09
385.514,40
427.149,95
469.010,65
513.097,65
557.224,04
594.000,83
597.564,84
617.882,04
632.711,21
675.102,86
703.457,18
772.395,98
845.773,60
933.734,06
1.039.646,78
1.163.784,23
1.326.350,01
1.434.499,77
1.508.615,34
1.663.355,97
1.745.431,42
1.832.177,57
1.956.024,72
2.135.978,99
2,9%
7,7%
10,8%
9,8%
9,4%
8,6%
6,6%
0,6%
3,4%
2,4%
6,7%
4,2%
9,8%
9,5%
10,4%
11,3%
11,9%
14,0%
8,2%
5,2%
10,3%
4,9%
5,0%
6,8%
9,2%
24
Tabela 7: Participação do Comércio Exterior no Produto: 1947 - 1980
Coeficiente de
Participação das
Abertura da
Ano
Exportações no
Economia
PIB (em %)
Brasileira:
X+M
1947
12,7
13,3
26
1948
11,1
10,1
21,2
1949
8,9
8,8
17,7
1950
9,2
7,6
16,8
1951
9,6
11,3
20,9
1952
7,1
9,9
17
1953
6,6
5,6
12,2
1954
6,7
6,8
13,5
1955
7,6
6,8
14,4
1956
6,8
5,8
12,6
1957
5,6
6,2
11,8
1958
5,7
6,1
11,8
1959
5,9
6,6
12,5
1960
5,3
6,4
11,7
1961
5,8
6,2
12
1962
6,7
8
14,7
1963
8,6
9
17,6
1964
6,5
5,6
12,1
1965
7,6
5,4
13
1966
6,5
5,8
12,3
1967
5,7
5,8
11,5
1968
6
6,7
12,7
1969
6,7
6,7
13,4
1970
7
7,4
14,4
1971
6,5
8,2
14,7
1972
7,3
8,9
16,2
1973
7,8
9
16,8
1974
7,7
13,3
21
1975
7,2
11
18,2
1976
7
9,4
16,4
1977
7,2
7,9
15,1
1978
6,7
7,9
14,6
1979
7,2
9,3
16,5
1980
9
11,2
20,2
Fonte: IBGE: Séries Históricas e Estatísticas. Elaboração Própria.
Participação
das Importações no PIB
(em %)
25
Tabela 8: Industrialização Brasileira (em % do PIB): 1947 - 1980
Data
PIB Industrial (em %)
Data
PIB Industrial (em %)
Data
PIB Industrial (em %)
1947
25,97
1959
33,94
1970
38,30
1948
24,87
1960
33,19
1971
38,83
1949
25,36
1961
33,53
1972
39,51
1950
24,96
1962
33,57
1973
41,92
1951
25,97
1963
34,18
1974
43,16
1952
24,97
1964
33,68
1975
43,27
1953
26,26
1965
33,24
1976
43,03
1954
26,69
1966
34,21
1977
41,78
1955
26,58
1967
33,45
1978
43,08
1956
28,23
1968
36,34
1979
43,57
1957
28,86
1969
36,88
1980
44,09
1958
32,15
Fonte: IBGE: Séries Históricas e Estatísticas. Elaboração Própria.
As políticas sociais concebidas durante essa primeira fase do desenvolvimento econômico brasileiro
são reflexo de uma estrutura política fragmentada sobre as ruínas de uma oligarquia agrária edificadas
sob um projeto nacional industrializante das novas elites86. A tentativa de criação de institucionalidade
para as políticas sociais esteve em consonância com o projeto de desenvolvimento adotado durante o
período de 1930-1945 e funcionou como mecanismo suavizador de conflitos do assalariamento, bem
como dos desequilíbrios do mercado87.
A organização setorial da política social também implicou numa dificuldade de observar
possibilidades de políticas sociais que ultrapassassem as relações de trabalho no sentido de critérios
mais universalistas. Além disso, o caráter autoritário dos regimes nos quais foram instituídas criaram
mecanismos de legitimação de tais experiências88.
O ponto de partida é uma estrutura fundiária profundamente concentrada, bem como renda, poder
político e econômico atrelado a um pequeno grupo oligárquico ligado ao café, formando uma elite
política separada da imensa massa de ex-escravos não incorporados na sociedade, isto é, pobreza e
desigualdades de renda brutais, além de uma urbanização não planejada. O conjunto da obra formava
uma "república reacionária"89 e a política social podia ser descrita, segundo Ruy Barbosa por: "Feito
não há nada. Tudo por fazer"90 .
A constituição de 1891, de caráter liberal, dava conta da proteção dos direitos de propriedade, mas
nada fazia no reconhecimento da sociedade como um "todo orgânico" e proteção do seu elo mais
86
Kertenetzky, Celia L. 2012: p. 195; Kwon, Mkandawire e Palme, 2009: p. S6-S7.
Kerstenetzky, 2012: p. 196
88
Kertenetzky, 2012: p.196-197
89
Kerstenetzky, 2012: p. 184
90
Barbosa, 1919 apud Kerstenetzky, 2012: p. 184
87
26
importante e mais frágil (o trabalho), apontado por Barbosa como tendência iminente devido à onda de
agitação operária.91 O avanço sindical no período se dá devido o acesso à livre sindicalização em
190392 e a atuação do poder público no período se limita à intervenção policial repressora das
manifestações.93
A criação da Confederação Operária Brasileira em 1906 e o ciclo de greves entre 1917 e 1920
coloca à tona a demanda dos trabalhadores urbanos por reajustes salariais e direitos trabalhistas94.
Essas manifestações são fruto da inovação legal de 1903 e vão resultar numa série de mudanças
institucionais na década de 20.95
Os primórdios do bem-estar social brasileiro datam ainda da República Velha com a criação das
Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs, com a Lei Eloy Chaves, de 1923), seguros voltados para a
manutenção da renda e assistência médica. Essas iniciativas inicialmente privadas são assumidas pelo
Estado a partir da criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs, a partir de 1930). A
iniciativa ainda fragmentada, por categoria profissional, limitada no final do século XIX inicialmente
aos servidores públicos e posteriormente estendida aos setores urbanos (indústria e comércio) na
primeira metade do século XX apresenta um modelo semelhante à Alemanha de Bismarck,
considerada pioneira na introdução de políticas de bem-estar social96.
O Estado desenvolvimentista brasileiro atendeu aos interesses das elites de grandes proprietários
rurais e negócios urbano-industriais, sem participação da população na mudança social. As políticas
sociais serviram às necessidades dos setores urbano-industriais e mantiveram a base social muito
restrita97. Os efeitos de tais políticas ficaram limitados ao grau de incorporação social permitido pelo
modelo de desenvolvimento econômico98.
Segundo Kerstenetzky as políticas sociais no Brasil faziam parte de um projeto construção nacional
sob a liderança de um Estado unificado (e autoritário) e resultam tanto da iniciativa desse Estado forte
quanto da demanda operária que se desloca de um sindicato independente para um instrumento estatal
colaborativo e aparelhado99. Essas características colocavam o bem-estar social em segundo plano no
projeto nacional desenvolvimentista no século XX que marcou a trajetória brasileira até a década de 80
91
Kerstenetzky, 2012: p. 185
Santos, 1979 apud Kerstenetzky, 2012: p. 185
93
Kerstenetzky, 2012: p. 185
94
Fausto, 2001 apud Kerstenetzky, 2010: p.
95
Kerstenetzky, 2012: p.
96
Embora os IAPs do período Vargas tenham sido criados com o intuito de substituir os fragmentados CAPs da Lei Eloy
Chaves, alguns CAPs serão extintas apenas em 1953. (Vianna, 1998; e Santos, 1979; apud Kerstenetzky, Celia L. 2012: p.
187) (Kerstenetzky, Celia L. 2012: p. 177-178; Ianni, 2009)
97
Kwon, Mkandawire e Palme, 2009; Draibe e Riesco, 2007 apud Kerstenetzky, Celia L. 2010: p !!!!
98
Kerstenetzky, Celia L. 2011
99
É importante ressaltar que a legislação de livre sindicalização de 1903 tem fim em 1937, com a instituição do sindicato
único integrado ao aparelho estatal, e a proibição do direito à greve. (Kertenetzky, Celia L. 2012: p.192) (Kerstenetzky,
Celia L. 2012: p. 178)
92
27
e tem como resultado uma lenta expansão da política social, com escassa cobertura populacional,
concentrada na legislação trabalhista e seguridade social e efeitos insuficientes no combate à
desigualdade.100
É importante ressaltar que as condições iniciais das quais dispunha o Brasil nos primórdios da
criação do seu estado do bem-estar social são bastante distintas dos países ditos pioneiros, como a
Alemanha, com uma inserção desfavorável na economia e na geopolítica internacional de um país
agrário-exportador de base escravista. Não houve uma tentativa de inserção os ex-escravos na
economia e inexistiram tentativas de regulação das relações capital-trabalho, até o governo Vargas. No
momento de criação e reconhecimento de direitos sociais e expansão das políticas sociais o país já
contava com uma desigualdade gigantesca e estrutural.101
Vale destacar também que a política social no período Vargas por um lado foi importante para
institucionalizar importantes categorias profissionais do núcleo urbano-industrial inaugurando inédita
intervenção nas relações capital-trabalho, e por outro deixou a esmagadora maioria dos brasileiros
numa situação “pré-cívica”102 uma vez que sua focalização excluiu aqueles indivíduos em condições
de informalidade e trabalhadores rurais, grupos com reconhecidas dificuldades de organização
espontânea.103
Desse modo, o período de 1930-1945 foi marcado por uma introdução legislativa e institucional das
bases sob as quais se montaram as políticas sociais do período posterior. Muito embora o gasto público
social enquanto proporção do PIB nunca tenha atingido sequer a marca dos 3%, a elevação do gasto na
década de 60 é fruto das mudanças feitas nesse período104.
As cartas constitucionais de 1934 e 1937 serviram para institucionalizar a seguridade social e a
legislação trabalhista, sendo radicalmente diferente do conteúdo proposto pela constituição anterior, de
1891. A extensão dos poderes políticos e do sufrágio também é um ponto importante, ressalvado a
forma autoritária com a qual se estabeleceu o processo e a ausência de universalidade do sufrágio que
perdura até a constituição de 1988105.
A política salarial de Getúlio merece destaque. Em 1940 é criada a primeira tabela efetiva do
salário-mínimo, então definido como salário que satisfaz as necessidades do trabalhador, a partir do
Decreto-lei de 1938.106 Os custos levam em consideração habitação, alimentação, vestuário, higiene e
100
Kerstenetzky, Celia L. 2012
Kerstenetzky, Celia L. 2012; Kwon, Mkandawire e Palme, 2009
102
Estima-se que em 1940 cerca de 70% da população brasileira encontrava-se no campo (Kerstenetzky, Celia L. 2012: p.
194; Santos, 1979 apud Kerstenetzky, 2012: p.179-180).
103
Kerstenetzky, Celia L. 2012: p. 180
104
Kerstenetzky, Celia L. 2012: p. 189
105
O presidente João Goulart apresentou em 1963 propostas de expansão do sufrágio eleitoral que fracassaram no
Congresso Nacional. (Kerstenetzky, Celia L. 2012: 189)
106
Kerstenetzky, 2012: p. 190
101
28
transporte107 e após a constituição de 1946 passam a levar em consideração a família do trabalhador. A
Lei estabelece o reajuste trienal para o salário que se deteriorava dada a inflação.108
Outra característica relevante do período foi a tentativa de criação de uma estrutura federal com a
criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio em 1930, do IBGE em 1934, além de uma
série de departamentos e conselhos. A criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde
Pública em 1930 também refletem uma tentativa de apropriação da Política Social pelo Estado. Da
mesma forma a política econômica e mesmo a atividade produtiva estatal ganham força com a criação
da SUMOC em 1945, possibilitando algum controle monetário; da CSN em 1941, da Fábrica Nacional
de Motores em 1942, da Companhia Vale do Rio Doce em 1942, entre outros109.
Por fim, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943 juntava as principais leis que foram
feitas durante os últimos anos no que diz respeito ao trabalho e à previdência social 110 e criação do
Imposto Sindical, em 1940111.
3.2. O interregno democrático e o bem-estar inercial (1946-1964)
Segundo Bielschowsky e Mussi, o período que se segue após 1950 é marcado por uma
industrialização como projeto, conduzida pelo Estado e atacando os gargalos do crescimento,
urbanização e política econômica de demanda agregada112.
No período de 1946 a 1964 o estado de bem-estar social brasileiro enfrentou um momento de
desaceleração passando, no entanto, por importantes mudanças qualitativas, com a Lei Orgânica da
Previdência, de 1960, assinada por Juscelino Kubitschek, responsável pela uniformização dos
esquemas de previdência social e assistência médica, e a criação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, em 1961, regularizando e organizando a educação brasileira113.
O movimento desse período é caracterizado como uma mera extensão incremental e inercial do
período anterior. O aumento real do salário-mínimo no governo Vargas, retomando os níveis de
1940114, após a deterioração de 30% no período Dutra115. Cardoso estima que o valor do salário
mínimo chega à quase metade do seu valor em 1940116. e as tentativas de reforma agrária e debates
107
Cardoso, 2010 apud Kerstenetzky, 2012: p. 190
Kerstenetzky, 2012: p.183, 190.
109
Ianni, O. 2009; Fausto, 2001 apud Kerstenetzky, Celia L. 2012: p. 191
110
Kerstenetzky, Celia L. 2012: p.191
111
Kerstenetzky, Celia L. 2012: p. 193
112
Bielschowsky R. e Mussi, C. 2011
113
Kerstenetzky, 2012: p. 197.
114
Kerstenetzky, 2012: p.190.
115
Resende, Andre L. 2014.
116
Cardoso, 2010 apud Kerstenetzky, 2012: p. 190.
108
29
sobre reformas estruturais que marcam o período também são características desse movimento117.
Bielschowsky e Mussi afirmam que: "A transição democrática nos primeiros anos do pós-guerra trouxe
consigo uma intensa mobilização política e institucional no país, com evidente influência sobre sua
vida intelectual"118.
O padrão fragmentado da política social e a categorização da incorporação setorial gerou
desigualdades entre benefícios e serviços entre diferentes categorias, colocando as elites sindicais
como opositoras à tentativas da burocracia pública de unificação do sistema, como a de Vargas em
1945, o que eventualmente leva a uma reversão119.
A cobertura pequena da política social de Vargas, embora superior aos períodos anteriores, apontam
para uma insuficiência gigantesca, atingindo menos de 7% da população, ou aproximadamente 20% da
população economicamente ativa, em 1950120. O analfabetismo de pessoas com 15 anos ou mais recua
de 70% em 1920 para 56,6% em 1940. A escolarização de crianças entre 5 e 19 anos se eleva de 9%
em 1920 para 21% em 1940 e o ensino superior cresce 60% no mesmo período121.
Em 1960 o gasto social como proporção do PIB atinge a marca de 3% sem registrar grandes
inovações, a partir de uma base institucional e legal razoavelmente consolidada122. Sob influência
clara do relatório Beveridge o segundo governo Vargas aponta para a uniformização da previdência e
extinção das CAPs123
O governo Goulart deu passos importantes para o Bem-Estar promulgando o Estatuto do
Trabalhador Rural em 1963 e anunciando a assinatura de um decreto em 1964 que anunciava a reforma
agrária. Além disso, a incorporação do abono familiar do salário-família, também, de 1963 representa
mais um passo na direção de um estado do bem-estar social universalista. João Goulart não foi capaz
de implementar a Reforma Agrária com a qual se comprometeu devido aos entraves encontrados no
Congresso de orientação conservadora, além de sindicato corporativista e particularista, e por fim, no
golpe militar que deu fim ao seu governo124.
A década de 60 representa, do ponto de visto da política social um dos ápices da trajetória brasileira.
A expansão da previdência125. A participação do gasto social público como proporção do PIB passa os
117
Kerstenetzky, Celia L. 2012; Ianni, O. 2009; Resende, Andre L. 2014.
Bielschowsky e Mussi, 2005: p. 3.
119
Santos, 1979; Vianna, 1998; Hochman, s.d. apud Kerstentezky, 2012: p. 194.
120
IBGE, apud Kerstenetzky, 2012: p. 195.
121
É importante lembrar que a base à qual se aplica o crescimento é muito pequena, variando de 13.200 alunos em 1920 a
21.200 pessoas em 1940. (Fausto,2001 apud Kerstenetzky, 2012: p.195).
122
Kerstenetzky, 2012: p. 197.
123
Kersteneztky, 2012, p. 197.
124
Kerstenetzky, 2012: p. 198-199.
125
Kerstenetzky, 2012: p. 210.
118
30
3% e o Gini despenca de 0,62 em 1920126 para 0,50 em 1962127, retornando para 0,62 em 1976128.
O país passa nas décadas de 1950 e 1960 por um acentuado processo de urbanização atingindo 40%
da população nas cidades em 1960 e 50% em 1965129.
3.3. Desenvolvimentismo sob um regime autoritário e universalismo básico (19641984)
O período militar é considerado importante pela extensão universalizante das políticas sociais. 130
Nesse período se unificou e se estendeu a previdência para os trabalhadores rurais, empregadas
domésticas e autônomos, historicamente excluídos. Criou-se também um segmento privado de saúde,
deixando ao sistema público o encargo de atender os setores não contributivos131 . Do ponto de vista
do desenvolvimento, não houve uma ruptura na ideologia que orientava o setor público brasileiro até a
década de 80. O período de 1964 a 1980, classificado por Bielschowsky e Mussi como "O ciclo
desenvolvimentista no regime autoritário"132, é marcado pela continuidade do projeto de
industrialização e política econômica de caráter desenvolvimentista133.
O governo militar que destitui João Goulart se deparou com uma situação de "estagflação"134 com
inflação em torno de 100% no início de 1964 e uma taxa de crescimento de 0,6% em 1963. O
Programa de Ação Econômica do Governo de 1964 era um plano de orientação gradual de
estabilização sem, no entanto, comprometer os resultados de crescimento econômicos, tidos como
prioritários, deixando o caráter desenvolvimentista das políticas econômicas135.
A expansão da cobertura dos serviços públicos, no entanto, não se dá em paralelo a uma expansão
proporcional da provisão dos serviços. Celia Kertenetzky chama atenção para o fato de que a política
social no Brasil desse período possuía uma ampla cobertura de serviços, sem atender à totalidade da
população e oferecendo uma cobertura básica de serviços de qualidade, em geral, inferior.
Além disso, a política salarial que se caracterizou por sua trajetória altista de valorização durante a
um período considerável, e foi fundamental para a criação de mercado consumidor para a indústria de
bem de consumo estabelecida nessas primeiras etapas do processo de industrialização brasileiro,
obteve descontinuidade da política durante o governo militar apontando para uma redução da pobreza,
126
Cardoso apud Kerstenetzky, 2012: p. 199.
FIOCRUZ, 2008 apud Kerstenetzky, 2012: p. 199.
128
Kerstenetzky, 2012: p. 199.
129
Kerstenetzky, 2012: p.199-200.
130
Kerstenetzky, 2012.
131
Kerstenetzky, 2012.
132
Bielschowsky e Mussi, 2005.
133
Bielschowsky R. e Mussi, C. 2005.
134
Hermann, 2011.
135
Resende, 2014.
127
31
devido ao teor das políticas, com crescimento acentuado da desigualdade em todo o país.
4. Considerações Finais.
4.1. Conciliando Bem-Estar e Desenvolvimento
A partir da análise das trajetórias chinesa e brasileira acreditamos ter dado mais um passo na
compreensão entre a relação entre o desenvolvimento econômico e o bem-estar social. A
caracterização de Estados de bem-estar social desenvolvimentista está geralmente associado à
interação virtuosa entre as políticas econômicas e sociais levadas a cabo pelo setor público. Embora
seja importante ressaltar a importância da adoção de políticas sociais economicamente orientadas e
políticas econômicas socialmente orientadas, as experiências de China e Brasil nos fornecem
instrumentos analíticos para questionar o limite dessas ações do ponto de vista do bem-estar e também
do desenvolvimento econômico.
Por um lado a experiência brasileira é claramente um caso de políticas sociais subordinadas a uma
determinada estratégia de desenvolvimento, assumindo um caráter “produtivista” que prioriza o
projeto de industrialização à despeito da construção de um welfare state, e tem como resultado uma
piora do ponto de vista social considerável, concentrando renda e consolidando aquilo que EspingAndersen caracterizou, a partir da tradição conservadora crítica ao bem-estar como um “welfare state
monárquico”.136
Entretanto, algumas ressalvas precisam ser feitas principalmente no que diz respeito à
universalização137, ainda que precária, dos sistemas de saúde e educação, destacando que a oferta de
serviços públicos é um dos mais fortes instrumentos de política social do Estado e tem caráter
profundamente redistributivo. Além disso, a trajetória de crescimento dos salários, que é interrompida
a partir de 1964, também é uma marca do modelo de bem-estar focalizado adotado no Brasil, tendo em
vista a situação institucional do trabalho até 1964 e o gap urbano-rural brasileiro.
Por sua vez, as políticas sociais adotadas durante o período maoísta, feita a ressalva do seu uso
como instrumento de coesão social e legitimidade do partido, parecem ter uma justificação maior em si
mesmas, o que pode se observar nos resultados impressionantes obtidos pelo Partido Comunista em
termos de redução das taxas de analfabetismo, mortalidade infantil, entre outros.138 Essa configuração
136
Segundo Esping-Andersen, o Estado autoritário seria mais eficiente do que o caos do mercado ao promover bem-estar,
coesão através da harmonia de classes e aumento de produtividade através da lealdade e disciplina. (Esping-Andersen, 1990:
p. 87)
137
Celia Kerstenetzky chama atenção para a ideia de “massificação, sem universalização efetiva” (Kerstenetzky, 2012: p.
201).
138
Cabem aqui duas ressalvas importantes. A primeira diz respeito ao fato de que mesmo as fontes mais conservadoras,
como o Banco Mundial, assumirem o sucesso dos indicadores sociais chineses durante a trajetória maoísta. Isso aponta para
uma confiabilidade maior dos dados, uma vez que os mesmos não apresentam contestação em boa parte da bibliografia. A
32
“universalista básica”, para usar a expressão de Celia Kertenetzky, tem profundas implicações em
termos de reorganização produtiva em torno do danwei e das comunas rurais, com óbvios impactos na
economia e na trajetória de desenvolvimento do período descrito.
Chegamos então na nossa hipótese inicial, isto é, a tese do trade off entre desenvolvimento e bemestar social. Pode-se dizer seguramente, que as duas experiências históricas apresentadas não fornecem
evidência empírica que sustentem essa tese. Tendo em vista o recorte conceitual de bem-estar com o
qual estamos trabalhando parece que os casos de China e Brasil evidenciam um caso muito mais
parecido com o que chamamos de Estados do Bem-Estar Social Desenvolvimentista, coordenando, de
forma mais ou menos autônoma, suas políticas sociais e econômicas em torno da construção de um
welfare state que dialoga diretamente com uma estratégia de desenvolvimento em curso.
Passado esse ponto, podemos utilizar os conceitos acumulados na literatura sobre bem-estar para
amarrar de forma mais concisa e obter maiores ganhos analíticos sobre as políticas sociais das duas
trajetórias nacionais, o que faremos na próxima sessão.
4.2. Uma breve análise comparativa entre as experiências
Compreendemos que apesar de se tratarem de trajetórias completamente distintas existe um elo em
comum que motiva uma análise comparativa. Tratam-se de experiências de desenvolvimento tardias
que contam com distintos graus de política social, mais ou menos articulado com a padrão de
acumulação.
Enquanto a experiência chinesa conta com o estabelecimento de um estado do bem-estar ao mesmo
tempo universalista, focado em serviços públicos (principalmente educação e saúde) e na construção
de um sistema de proteção contra incertezas que com algum sucesso se difunde na China a partir de
1950. A experiência corporativa brasileira se expande em direção a um estado de bem-estar também
universalista a partir de meados da década de 60.
Enquanto é verdade que a experiência chinesa seja segmentada, no que diz respeito à separação
urbano-rural da política social, se comparado com o Brasil, a simples existência de uma cobertura rural
de seguridade já se coloca como um avanço, uma vez que a política social só começa a atingir o
trabalhador rural brasileiro na década de 60.
Outro ponto importante diz respeito a como o trabalho se coloca como elemento central da política
segunda se deve a uma reflexão que busca relativizar esse sucesso, tendo em vista que boa parte dele pode ser descrita a
partir de uma análise comparativa com um período nefasto da experiência chinesa. Ou seja, sobre uma base muito ruim de
mais de um século de guerras e humilhações os resultados surpreendentes obtidos pelo PCC parecem consequências mais
óbvios de uma profunda reorganização produtiva e relativa (ao período anterior, sobretudo) estabilidade política interna.
33
social e da cobertura de serviços, sendo verdade tanto no Brasil, que lentamente caminha para um
sistema menos focado diretamente no trabalho a partir da década de 60, quanto para o caso chinês, no
qual o trabalho orientava a cobertura de benefícios do trabalhador urbano sob o danweie o alimentava
a organização das comunas rurais.
Além disso, é importante ressaltar que a política social no caso brasileiro se apresentou como
complementar ao projeto de desenvolvimento econômico numa relação de profunda subordinação à
mesma. Os resultados sociais obtidos do welfare brasileiro foram catastróficos do ponto de vista da
desigualdade social que cresceu enormemente, sobretudo após 1960. Enquanto isso, a política social
chinesa atuou como fator estabilizador de uma base camponesa historicamente incendiária, não só
contribuindo para a organização produtiva, mas também para a legitimação do partido comunista.
Por fim, embora tenha havido alguma flexibilização em maior ou menor grau o desenvolvimento do
estado do bem-estar social chinês e brasileiro se deram sobre bases autoritárias fortes, num regime de
altíssima insegurança jurídica e ausência de mecanismos democráticos. Como uma reflexão futura
pode se discutir até que ponto podemos considerar essas experiências de welfare tem algum viés
emancipatório, além de refletir sobre como a ausência de democracia pode ter influenciado na
formulação, ou não formulação, de um estado do bem-estar social que refletia verdadeiramente os
anseios de suas populações.
Esse debate nos leva a uma necessidade de debater welfare state e o próprio desenvolvimento de
uma forma menos estrita do que a oferecida até então. Estivemos focados até agora numa perspectiva
majoritariamente econômica sobre esses objetos, o que nos permitiu delimitar bem nossa análise até
então, mas nos oferece alguns empecilhos para fazer uma discussão mais profunda sobre como o
desenvolvimento e o bem-estar afetam, ou podem, ou devem, afetar a sociedade. Para fazer essa
reflexão, teremos que buscar análises que fujam do debate puramente econômico e questionaremos os
conceitos e valores aplicados até então. 139
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