Infância e Medicalização nos Serviços de Saúde Mental: um levantamento bibliográfico CERVO, Michele da R.; PINTO, Hélcio S., SILVA, N. Eimy Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO RESUMO Observa-se ao longo da história que a discussão em torno da saúde mental tem aproximado a discussão sobre medicalização. Atualmente o debate em torno da medicalização, tem chamado a atenção para as questões relacionadas a prescrição indiscriminada a distintas de manifestações do sofrimento. As questões relacionadas ao campo da saúde mental ainda tem sido pouco explorada, embora crianças e adolescentes também são suscetíveis a desenvolverem algum sofrimento mental mais grave, necessitando utilizar medicamentos. Nesse trabalho, o objetivo é apresentar a discussão em torno da temática da infância e medicalização nos serviços de saúde mental, através do levantamento em bases de dados. Esse levantamento integra parte de uma pesquisa bibliográfica que vem sendo realizada pelos proponentes. . Adiantamos que a pesquisa ainda não se mostra concluída, mas sim em andamento, ficando aqui apresentados as informações obtidas até o presente momento. PALAVRAS CHAVES: infância; medicalização; saúde mental. 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho apresenta os primeiros resultados de uma pesquisa que versa sobre a temática da produção social da infância e sua relação com a medicalização no contexto da nova política de saúde mental brasileira. Observamos, no decorrer da história, um processo de medicalização das crianças e o estabelecimento de novos procedimentos diagnósticos, assim como os avanços da farmacologia como principal forma de intervenção terapêutica na atualidade. Os quadros psicopatológicos assumem o lugar de transtornos mentais que serão diagnosticados a partir de um número de sintomas. Pensar o cuidado para as crianças e adolescentes no Brasil implica em analisar os diversos processos que atravessam a sociedade e de que maneira afetam a população. Ao analisarmos as transformações no campo do cuidado em saúde mental, somos levados a refletir sobre a produção histórica, apontando os saberes, discursos e práticas instituídas em determinados períodos e produzindo verdades sobre o sofrimento infanto-juvenil. A história se constitui em um campo de forças onde determinadas práticas são hegemônicas, assumindo o estatuto de verdades incontestáveis. A emergência do discurso do especialista, a psiquiatria, entre outros. No contexto atual vemos crianças e adolescentes com trajetórias de exclusão, onde a escola lhes atribui rótulos, as famílias são tidas como desestruturadas, fugindo do modelo de família normatizada, possuindo péssimas condições de moradia, caracterizando-se como um problema social que necessita de intervenção. “Dessa forma se instala uma lógica onde a exclusão produz equipamentos de assistência e proteção. Algumas políticas de prevenção se propõem a intervir nessas situações emergindo como um mecanismo de normatização da vida”. (GOMES; NASCIMENTO, 2003, p. 322) Nossa história mostra que a assistência infanto-juvenil se caracterizou pelo predomínio do confinamento em espaços fechados (orfanatos, internatos, etc.) como medida de proteção. Essa necessidade de controlar o social está relacionada ao modo de produção capitalista, onde a vigilância institucionalizada da infância estabelece uma disciplinarização em que a tutela e a coerção são tomadas como medidas de proteção. Também as crianças passam a ter o controle sobre o tempo, sobre o corpo, sobre a vida. Através das novas portarias e leis, o que se quer é tentar estabelecer outras formas de cuidado rompendo com essa lógica de exclusão e normatização da vida. Mas o que se estabelece como regra não dá garantias quanto à mudança na práxis, pois o passado se atualiza no presente. 2 A MEDICALIZAÇÃO DA INFÂNCIA E SUA RELAÇÃO COM A SAÚDE MENTAL Sabemos que os processos de medicalização estão presentes nos campo da saúde. Nesse estudo buscamos aproximar esse debate com o campo da saúde mental infantojuvenil. Observamos na atualidade, o movimento da sociedade na busca por diagnósticos e medicamentos que resolvam os problemas de comportamento e afastam o sofrimento das crianças e adolescentes. Assim, observamos uma pulverização dos diagnósticos, reforçada pelo modo de organização e produção da sociedade atual. A literatura aponta um movimento de valorização da psiquiatria, onde a procura cada vez maior por esse tipo de atendimento, reforça a ideia de não compreensão e não aceitação do comportamento das crianças e adolescentes diante de determinadas situações. Assim, observa-se que a demanda chega em grande escala até os psiquiatras, e os mesmos a atendem caracterizando como a “nova” psiquiatria, onde o medicamento é a resposta chave para o problema, gerando assim um ciclo vicioso. Essa procura por auxílio psiquiátrico é feita de acordo com os sintomas apresentados pelos indivíduos, porém, o que a psiquiatria propõe como nos diz Cruz (2010) é eliminar esse sintoma, silenciá-lo para que a queixa deixe de existir. Esse movimento da psiquiatria encontra outras leituras, como Foucault, Castel, Jurandir Freire Costa, entre outros, que contribuem para a problematização do lugar dessa disciplina, historicamente responsável pelos processos de disciplinarização e controle social da sociedade. Essa problematização será importante para a constituição do movimento da reforma psiquiátrica, porém, o que se percebe, de forma cada vez mais intensa, é a prática de enclausuramento do sofrimento através da medicalização do corpo, individual e social (CRUZ, 2010). Como exemplo do controle que a medicalização e a patologização exercem sobre a sociedade atual, vemos os jovens que cumprem medida de internação, por delitos considerados mais graves, fazendo uso de Gardenal de maneira indiscriminada, assim há o maior controle sobre eles (CRUZ, 2010). Compartilhamos a crítica apresentada por Cruz (2010), ao referir o uso banal do medicamento, e por banal entendemos aqui as situações onde o medicamento é a via mais fácil para apaziguar o sofrimento do indivíduo, restringindo todas as situações ao uso medicamento como a única forma de alívio para esse sujeito. Junto com o fenômeno da medicalização vem a patologização, ou seja, muitas vezes o diagnóstico acaba assumindo a identidade do sujeito, ocorrendo um fenômeno contemporâneo da manicomialização, onde o sujeito não está mais enclausurado em uma instituição ou clínica, mas em seu próprio rótulo, e por conseguinte, em sua própria identidade. Nosso cotidiano apresenta inúmeras situações onde essa discussão é pertinente, sendo o diagnóstico, e posteriormente a medicalização, uma forma de expressão que os encaminhamentos de crianças e adolescentes podem assumir ao chegarem às unidades de saúde, geralmente apresentando alguma queixa e inferindo possíveis diagnósticos, que vão interferindo no aprendizado e desenvolvimento escolar dos sujeitos. Não é raro encontramos escolas que buscam enquadrar os indivíduos, e demandam dos profissionais da saúde a atribuição de diagnósticos e prescrição medicamentosa. Tendo isso em vista, consideramos a pergunta formulada por Collares & Moysés (2010) como um sinalizador do que vem sendo produzido: “Como os profissionais da saúde enxergam sua própria prática?” Para tal, usaremos do estudo de Agnes Heller (1989), onde esse propõe a existência de juízos provisórios, por apresentarem mobilidades, podendo ocorrer a refutação de tais pensamentos prévios quando confrontados com a prática. Quando ocorre esse confronto, os juízos prévios são refutados e o indivíduo portador destes não cede a mobilidade, dizemos que existe então um preconceito. O preconceito pode ser entendido então como proteção a novos conflitos, por confirmar nossas ações anteriores (COLLARES & MOYSÉS, 2010). Ressaltamos então o preconceito como uma questão que atravessa diversas instituições, inclusive a escola. Vemos que em nossa sociedade o preconceito opera nas relações educacionais, nas relações de cuidado, desde a cor da pele até mesmo a cidade natal do aluno, sendo então atribuídos aos sujeitos diversos problemas, pois as características prévias são utilizadas nessas interpretações. Se o aluno não se enquadra em um padrão imposto como o correto para a instituição, começa então o preconceito das mais variadas formas, o que mascara a realidade da sociedade inclinada a acreditar em um sistema perfeito, sem falhas. Observa-se também o predomínio da ideologia cientificista do “evolucionismo” dando lugar a equívocos que comprometem muito o tratamento e a formulação de uma política de assistência à saúde (FERREIRA, 2004). Há de certa forma, a naturalização das formas como são tratadas as crianças com problemas relativos à saúde mental, pois as respostas já foram corroboradas pelas soluções, ações e gestos presentes nas fases do desenvolvimento. A primeira coisa que faz com que relevemos a doença metal infantil é o seu não-reconhecimento, deixamos de observar melhor os fatores que envolvem o cotidiano das crianças e, nos deparamos com uma leitura completamente moral. Outra discussão presente é a atribuição de outros nomes para definir a loucura infantil, todas as formas de déficits, problemas de conduta, deficiência, etc. Dizemos que esses fatores estão envolvidos na fase de desenvolvimento. Com isso, devemos pensar: será que esses fatores não geram sofrimento no sujeito? Devemos deixar a criança com sofrimento psíquico sem acolhimento e pensando que se trata de uma fase do desenvolvimento, portanto passageira (FERREIRA, 2004,)? A noção sobre a loucura infantil iniciou-se no século XX, vista como políticasocial, educacional. Badiou apud Ferreira, 2004, fala que “a política consiste em designar certas possibilidades que não se limitam ao que já existe” (FERREIRA, 2004, p.20). Para sustentar o sofrimento psíquico nas crianças, devemos fazer valer a ética do cuidar e a ética do bem-dizer. As crianças são incompreendidas pela psicologia dos adultos, e para que pudéssemos entendê-las, foi necessária a existência de uma psicologia educativa. O autor ao falar sobre deficiência e como ela é vista hoje na sociedade, diz que “uma das razões pelas quais as pessoas deficientes estão expostas a discriminação é que os diferentes são frequentemente declarados como doentes.” Explicitando a ideia da deficiência como um problema inato do indivíduo, que deverá exigir que o indivíduo, sozinho, se adapte a sociedade. Observamos através da história que a deficiência foi sofreu discriminação, e que os diferentes eram e ainda são declarados como doentes, incluindo as crianças que também eram vitimas dessa produção social. Enfatizamos que essa vitimização é uma forma de exclusão social que permanece presente até os dias atuais, associando as deficiências com conteúdos diabólicos e/ou pecaminosos. Surge como necessidade a criação de um plano que encontrasse uma forma de inserção de todos os diferentes (físicos, culturais, raciais, etc.) desde o contexto escolar até as novas instituições. E aqui, podemos dizer que considerando toda a importância que a infância adquiriu na modernidade, todos os ideais que a criança encarna, a autora (VORCARO, 1999, pg. 335) destaca os riscos que a doença representa ao ideal que a criança preenche, o que implica a destituição da possibilidade de ela realizar o ideal, uma vez que , em nossa cultura, a saúde é sinônimo de realização plena (FERREIRA, 2004, pg. 47). Portanto para a autora, inserir a criança no discurso da anormalidade é assumir a responsabilidade na produção de uma subjetividade já excluída. Ainda segundo ela, “a negação da diferença não permite a superação do preconceito; pelo contrário, exacerba, na medida em que o mascara” (FERREIRA,2004, pg. 49). 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Diante do exposto, iniciamos a revisão da literatura sobre as temáticas da infância, medicalização e saúde mental, considerando a produção científica no período de 2005 a 2011, presentes nas bases LILACS e SCIELO. Essa pesquisa tem como proposta realizar uma revisão de literatura, tendo por base uma pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica considera os materiais já elaborados, como artigos e livros, e permite ao pesquisador acessar um número maior de informações (GIL, 1994). A revisão de literatura resulta do processo de levantamento e análise do que já foi publicado sobre um determinado tema. Tal modalidade de pesquisa permite um mapeamento de quem já escreveu e o que já foi escrito sobre o tema e/ou problema de pesquisa. A primeira etapa da pesquisa buscou, primeiramente, fazer a busca e levantamento de artigos em duas bases de dados, articulando com descritores escolhidos previamente e posteriormente combinando-os de diferentes formas para obter um maior número de dados. A busca foi realizada nas bases de dados LILACS e SCIELO, com artigos das mais variadas áreas. Iniciamos a busca com os seguintes descritores: infância, medicalização e saúde mental, pois interessa conhecer as diferentes produções nas diversas áreas de conhecimento. Posteriormente, faremos a análise do que foi encontrado, considerando a articulação entre os descritores. Na base de dados pesquisada, LILACS, primeiramente utilizamos os descritores infância, medicalização e saúde mental. Procurando relacionar com a discussão das temáticas pesquisadas, e apresentando vinte e três artigos perante esses descritores. Logo após esta primeira etapa, incluímos outros descritores para tentar abranger outras formas de produção teórica em torno da temática. Para tal, utilizados os seguintes descritores: “infância”, “saúde mental”, “medicação”, “criança”, “transtornos mentais” e “CAPSi”. Tais descritores foram combinamos entre si, em pares, e então efetuada a busca. A partir disso, houve uma preocupação com o refinamento dos dados, onde apenas aqueles que faziam referência a temática da infância foram considerados para a análise futura. Na segunda base de dados pesquisada, SCIELO, utilizamos o mesmo procedimento adotado no levantamento anterior. Destacamos que houve diferença nos resultados obtidos tomando como referência essas duas bases de dados. Na base LILACS foi encontrado um número maior de artigos combinando outros descritores. Já no SCIELO, a utilização dos descritores infância, saúde mental e medicalização trouxeram a maior contribuição. No decorrer do levantamento as informações foram organizadas em tabelas, que identificam o resultado de cada combinação de descritores. Dessa forma é possível visualizar diferentes informações nos artigos encontrados, tais como: revistas onde foram publicados, a base de dados, os autores, a temática trabalhada, entre outros, assim contribuem para a orientação e levantamento de novos dados. Com a leitura dos dados foi possível realizar o cruzamento com a proposta apresentada no presente artigo. Partindo disso, notamos que alguns estudos apontam os problemas de comportamento associados a fatores socioeconômicos e familiares, utilizando instrumentos que avaliam o risco para crianças e adolescentes desenvolverem problemas comportamentais. Encontramos também, a discussão sobre medicalização das questões escolares e o aumento de diagnósticos de TDAH. Ainda no campo dos diagnósticos, observou-se uma grande produção referente ao processo de diagnosticar e seus efeitos para os indivíduos, que uma vez diagnosticados, segundo alguns estudos, existe ainda a preocupação com o manejo dos profissionais no cuidado aos indivíduos dentro de instituições. No que se refere às questões de saúde mental, os artigos abordam desde a organização dos serviços, os processos de triagem, o perfil de usuários, as possibilidades de intervenção, quanto análises das características de alguns problemas em saúde mental que afetam crianças e adolescentes, assim como os fatores de risco e promoção da saúde mental desses indivíduos. Encontramos debates em torno das questões institucionais, que relacionam o trabalho realizado por organizações, voltadas ao atendimento de crianças e adolescentes em paralelo aos serviços de saúde mental, ou quando os indivíduos se encontram institucionalizados. Outros estudos, contribuem para problematizar e incluir a discussão da agenda política da saúde mental para crianças e adolescentes, destacando o percurso histórico da constituição e modelo de atenção em saúde mental no Brasil. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Apresentamos uma breve discussão em torno da temática da medicalização de crianças e adolescentes no contexto da saúde mental. A pesquisa está em andamento, os dados apresentados aqui referem-se a primeira etapa, a do levantamento e tabulação das produções cientificas encontradas nas bases de dados. Já é possível apontar a diversidade de estudos encontrados, tomando a infância e saúde mental como campo de estudos. São poucos os artigos que fazem referência ou problematizam o que o novo equipamento, CAPSi, tem produzido no cuidado para essa população. E, a interface com a discussão da medicalização ainda não foi encontrada. Dessa forma, essa pesquisa pretende levantar questões pertinentes para a problematização e desenvolvimento de outros estudos que considerem essa temática nas suas diferentes expressões. Através dessas análises pretendemos dar visibilidade para os discursos e práticas que envolvem a o cuidado em saúde mental de crianças e adolescentes. 5 REFERÊNCIAS ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. RJ: LTC, 1978. BOARINI, M. L., BORGES, R. F. Demanda infantil por serviços de saúde mental: sinal de crise. Estudos de Psicologia, 1998, 3(1), 83-108. Consulta em 20/10/2007. BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento e Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. ________, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas estratégicas. Caminhos para uma política de saúde mental infanto-juvenil. 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