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ISSN 1983-781X
Neuroinflamação na doença
de Parkinson
Neuroinflammation in Parkinson’s disease
Adiel Alves de Sousa,1, Sérgio Azevedo Braga1, Hermínio Maurício da Rocha Sobrinho1
1Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Escola de Ciências Médicas, Farmacêuticas e Biomédicas. Avenida Universitária, 1440 - Setor
Universitário. CEP 74605-010, Goiânia-GO.
Resumo: A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo, e provoca um
grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. Pouco ainda se sabe sobre a sua etiopatogenia. Entretanto, estudos
apontam a neuroinflamação como um fator capaz de desencadear ou agravar a doença. Esta revisão aborda os principais
mecanismos imunológicos envolvidos no processo de neurodegeneração na doença de Parkinson. O conhecimento dos
mecanismos imunológicos envolvidos na neuroinflamação é fundamental para o desenvolvimento de novas terapias para
o tratamento das doenças neurodegenerativas.
Palavras-chave: Doença de Parkinson. Neuroinflamação. Micróglia. Citocinas. Receptores Toll-like.
, Goiânia, v. 43, n. 1, p. 79-89, jan./mar., 2016
Abstract: Parkinson’s disease (PD) is the second most prevalent neurodegenerative disease in the world, has a major
impact on quality of life of patients. Little is known about its etiopathogeny, however, studies show neuroinflammation
may trigger or aggravate PD. This review highlights the main immunological mechanisms involved in the process of
neurodegeneration in Parkinson’s disease. Knowledge of the immunological mechanisms involved in neuroinflammation is critical to the development of new therapies for the treatment of neurodegenerative diseases.
Keywords: Parkinson’s disease. Neuroinflammation. Microglia. Cytokine. Toll-like receptors.
Autor correspondente: [email protected]
Recebido: fevereiro, 2016 | Aceito: março, 2016 | Publicado: outubro, 2016
Este artigo está licenciado com uma Licença Creative Commons.
Atribuição Sem Derivações 4.0 CC BY-NC-ND.
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
e Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe
INTRODUÇÃO
em Ciências da Saúde). Foram utilizados os seguintes
A doença de Parkinson (DP) é compreendi-
descritores em Ciências da Saúde (DeCS), de forma
da atualmente como uma doença neurodegenerativa
isolada ou em combinação: “Doença de Parkinson”,
marcada por sintomas motores característicos como a
“neuroinflamação”, “micróglia”, “citocinas” e “recep-
bradicinesia, tremor de repouso, rigidez plástica e al-
tores toll-like”, e incluídos 55 trabalhos abordando os
terações posturais, além de outros sintomas sensitivos,
principais aspectos que contemplam os mecanismos
mentais e autonômicos . Esses sintomas trazem uma
imunológicos da neuroinflamação na DP, nos idiomas
série de implicações nas relações interpessoais e so-
português ou inglês, publicados no período de 2001 a
ciais do indivíduo, diminuindo sua qualidade de vida.
2015. Foram excluídos do estudo artigos publicados
1
A DP é uma doença de causas ainda desconheci-
antes de 2001, artigos publicados em outros idiomas e
das, porém estudos mostram sua relação com a morte,
aqueles em que os conteúdos não estavam relaciona-
na parte compacta da substância negra do cérebro, de
dos aos objetivos propostos neste trabalho.
células produtoras da dopamina, é liberada no estriado
através da via nigro-estriatal. Porém, quando aparecem
2. Epidemiologia da DP
os sintomas da DP, a substância negra já perdeu aproximadamente 60% dos seus neurônios dopaminérgicos
A DP idiopática, ou seja, aquela de etiologia
e a concentração de dopamina no estriado já está 80%
não conhecida, é uma doença neurodegenerativa, pro-
abaixo da concentração fisiológica2. Devido ao seu ca-
gressiva e irreversível associada a um déficit da função
ráter degenerativo crônico e progressivo, a DP provoca
motora devido à deficiência de dopamina. Formas es-
um significativo impacto na qualidade de vida do pa-
porádicas dessa doença afetam aproximadamente 2%
ciente, ocasionando prejuízos ao doente nos aspectos
da população mundial acima dos 65 anos de idade, ha-
físico, mental/emocional, social e econômico.
vendo uma maior incidência em indivíduos do gênero
Estudos genéticos e epidemiológicos têm des-
masculino, sendo a idade avançada um fator de risco
tacado o papel da neuroinflamação na fisiopatologia
para as doenças neurodegenerativas6,7. A doença inicia,
da doença de Parkinson3,4,5,6. O conhecimento sobre
em média, a partir dos 60 anos de idade e não apresenta
os principais fatores genéticos e ambientais e sobre os
distinção entre classes sociais, raças ou gênero, embora
mecanismos de ação desses fatores induzindo o pro-
alguns estudos mostrem uma maior frequência da DP
cesso de neuroinflamação pode contribuir para uma
em homens8.
melhor compreensão da fisiopatologia da doença e
também para a busca por estratégias terapêuticas para
o controle e diminuição da progressão da DP, a fim de
3. Aspectos clínicos e impacto da DP na qualidade
de vida do paciente
a sua expectativa de vida6.
Sabe-se que a clínica da doença de Parkinson é
Portanto, esta revisão da literatura objetiva des-
dividida em dois grandes grupos, o das manifestações
crever os principais mecanismos imunológicos e os
motoras e o das não motoras Os principais sintomas
seus papéis no processo de neuroinflamação relacio-
motores são bradicinesia, rigidez, tremor de repouso e
nando-os com a patogenia da doença de Parkinson.
alterações posturais e da marcha, enquanto que as principais manifestações não motoras são a hiposmia, disau-
MATERIAL E MÉTODOS
tonomia (hipotensão ortostática, sialorreia, alterações
urinárias, obstipação, hipersudorese e disfunção erétil),
1. Levantamento Bibliográfico
alterações do sono, deterioração cognitiva, depressão,
apatia, dor, disfunção sexual, ansiedade, fadiga, altera-
A busca pelos artigos foi realizada nas bases de
ções psicóticas e alterações no controle dos impulsos9.
dados das seguintes bibliotecas virtuais: PubMed (Pu-
O conjunto de manifestações motoras e não mo-
blic Medical Literature Analysis and Retrieval System
toras da DP causa um impacto significativo na qualida-
Online), Scielo (Scientific Eletronic Library Online)
de de vida de pacientes. Gage e colaboradores (2003)10
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melhorar a qualidade de vida do paciente, aumentando
80
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
avaliaram, através do questionário SF-36, o impacto da
tificadas em alguns casos de DP familiar, sugerindo
DP na qualidade de vida de pacientes e compararam
que podem desempenhar um papel importante na do-
os resultados com outras patologias, tais como angina/
ença3,6,11. Acredita-se que indivíduos com predisposi-
doença arterial coronariana, dor lombar crônica, insufi-
ção genética para a DP possam desenvolvê-la ao serem
ciência cardíaca congestiva, diabetes, depressão, lesão
expostos a agentes ambientais como substâncias tóxi-
espinhal e AVE. À exceção de lesão espinhal e depres-
cas para o Sistema Nervoso Central (SNC) e agentes
são, todas as demais entidades tiveram menor impacto
infecciosos4,6. Alterações genéticas podem desencade-
na qualidade de vida do que a DP10.
ar a doença através, principalmente, de três mecanismos: 1- defeitos mi­tocondriais; 2- anormalidades do
4. O papel da neuroinflamação na etiopatogenia
estresse oxidativo e 3- falha do sistema proteosso­ma-
da DP
ubiquitina4.
Mais recentemente, uma hipótese tem sido
A DP primária é uma doença de causa multifa-
proposta para elucidar a etiologia da DP. Acredita-se
torial e estudos evidenciam que os fatores ambientais
que a neuroinflamação crônica pode ser a base para
têm maior impacto que os genéticos para a evolução da
a disfunção e morte neuronal característica da doen-
doença3,6,11. Acredita-se que o contato do ser humano
ça. Vários estudos endossam essa hipótese15,16,17,18,19.
com substâncias neurotóxicas/poluentes, além de infec-
Recentemente, foi mostrado que ratos com níveis
ções, desenvolvimento de mutações gênicas que indu-
elevados de citocinas pró-inflamatórias na substância
zem o estresse oxidativo celular neuronal, processos de
negra do mesencéfalo são mais suscetíveis à morte
lesão mitocondrial e formação de agregados de proteí-
de neurônios dopaminérgicos em resposta a insultos
nas (corpos de Lewy) que são danosas ao cérebro podem
neurotóxicos20. Os neurônios dopaminérgicos nigrais
colaborar para a patogênese da DP6,12. Sabe­-se que es-
são mais particularmente vulneráveis a estresse oxi-
ses processos podem ser agravados quando a resposta
dativo devido a seu reduzido conteúdo de glutationas
inflamatória tenta intervir sobre os danos teciduais, in-
antioxidantes e elevado conteúdo de ferro. Logo, a
duzindo o desenvolvimento da neuroinflamação12. Por-
DP parece ser uma interação complexa entre vulne-
tanto, a natureza progressiva da DP implica uma rede de
rabilidade do sistema dopaminérgico nigroestriatal,
fatores, tais como a vulnerabilidade dos neurônios dopa-
predisposição genética, exposição a fatores ambien-
minérgicos nigroestriatais, a predisposição genética e os
tais e neuroinflamação20,21.
fatores ambientais. Uma vez que o processo neurodegenerativo foi iniciado pelos fatores causais, uma cascata
5. Os Toll-Like Receptors (TLR) na DP
de eventos secundários deletérios provoca alterações
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neuroquímicas nos pacientes com DP3,6,11.
81
As células do sistema imune inato formam a
A DP constitui uma síndrome clínica heterogê-
primeira linha de defesa do organismo contra agen-
nea caracterizada pela degeneração predominante, mas
tes agressores tissulares e expressam receptores de
não exclusiva, dos neurônios da substância negra pars
reconhecimento de padrões moleculares associados a
compacta combinada com a presença de inclusões in-
patógenos (PRR). Esses receptores são fundamentais
tracitoplasmáticas compostas por agregados proteicos
no reconhecimento de antígenos microbianos (patho-
conhecidos como corpúsculos de Lewy (compostos
gen-associated molecular pattern molecules - PAMPs)
por proteínas como a alfa-sinucleína, ubiquitina e sinfi-
e de moléculas endógenas provenientes de danos te-
lina-1, dentre outras), que levam à lesão neuronal, neu-
ciduais (molecular pattern associated tissue damage -
roinflamação e perda de neurônios dopaminérgicos,
DAMPs), que ativam vias bioquímicas intracelulares
causando deficiência de dopamina nas áreas de proje-
relacionadas à produção de moléculas inflamatórias
ções estriatais. Como consequência, há uma disfunção
que colaboram para o desencadeamento de um proces-
nas conexões dos gânglios da base, determinando os
so inflamatório tecidual22.
sintomas motores da doença3,13,14.
Dentre tais receptores se destaca a família dos
Mutações gênicas (parkin, alfa-sinucleína,
Toll-Like Receptors (TLRs), que são expressos em vá-
LRRK2, PINK1, DJ-1 e o ATP13A2) têm sido iden-
rios tipos de células e reconhecem uma ampla varie-
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
dade de padrões microbianos e moléculas associadas
divididos em dois grupos. O primeiro é composto por
com dano tecidual. Em humanos, dez diferentes TLRs
TLR1, TLR2, TLR4, TLR5, TLR6 e TLR10, que são
foram identificados (TLR1 a TLR10)22. Estrutural-
expressos na superfície celular e reconhecem com-
mente, os TLRs são glicoproteínas transmembrânicas
ponentes moleculares microbianos, como lipídeos,
ricas em leucina e com segmentos compostos predo-
lipoproteínas, glicoproteínas e proteínas. O segundo
minantemente de cisteína no polo extracelular, respon-
grupo é composto por TLR3, TLR7, TLR8 e TLR9,
sáveis pelo reconhecimento do ligante. Sua porção ci-
que se encontram localizados em vesículas intrace-
toplasmática consiste em um domínio homólogo ao do
lulares, como o retículo endoplasmático, endosso-
receptor de IL-123.
mos, lisossomos e endolisossomos, que apresentam
Os TLRs são expressos, especialmente, por
a capacidade de reconhecer ácidos nucléicos micro-
células do sistema imune inato, mas alguns tipos de
bianos22,23. Os principais tipos de TLR expressos em
TLR (TLR2, 3, 5, 7 e 9) são expressos por Linfócitos
células humanas e os seus respectivos ligantes estão
T, Linfócitos B e por outras células, como os neurô-
representados na tabela 1.
nios, astrócitos, entre outras
. A expressão celu-
A expressão dos receptores similares a Toll
lar dos TLRs é bem diversificada e, de acordo com
(TLR) em células do sistema nervoso central (SNC)
a sua localização celular, esses receptores podem ser
humano está representada na tabela 2.
23,24
TLR
Expressão Celular
Ligantes
TLR1
Monócitos, macrófagos (Micróglia), células dendríticas, linfócitos B
Triacil-lipopeptídeos
TLR2
Monócitos, macrófagos (Micróglia),
células dendríticas mielóides, mastócitos, Células NK,
Lipopeptídeos, Lipofosfoglicana,
Ácido Lipoteicóico, α-Sinucleína,
Zymosan
TLR3
Macrófagos (Micróglia), Células dendríticas, Linfócitos B
Fita dupla de RNA
TLR4
Monócitos, macrófagos (Micróglia),
células dendríticas mielóides, mastócitos, Linfócitos B, células do epitélio
intestinal
Proteínas virais e fúngicas,
Lipopolissacarídeos
GIPLs
TLR5
Monócitos, macrófagos (Micróglia), células dendríticas, células do epitélio
intestinal
Flagelina
TLR6
Monócitos, macrófagos (Micróglia), mastócitos, linfócitos B
Diacil-lipopeptídeos
TLR7
Monócitos, macrófagos (Micróglia), células dendríticas plasmocitóides,
linfócitos B
Fita simples de RNA
TLR8
Monócitos, macrófagos (Micróglia), células dendríticas, linfócitos B
Fita simples de RNA
TLR9
Monócitos, macrófagos (Micróglia), células dendríticas plasmocitóides,
linfócitos B
DNA não metilado rico em CpG*
TLR10
Macrófagos, células dendríticas, linfócitos B
Complexo Proteína-RNA?
TLR11
Monócitos, macrófagos, células dendríticas, linfócitos B
Lipopeptídeos
Fonte: Aravalli et al. (2007); Carpentier et al. (2008); Kawai & Akira (2010); Botos, Segal e Davies (2011). *CpG: dinucleotídeo citosina-guanina
Tabela 2. Expressão de TLR em Células do SNC humano
Tipo Celular
TLR
Referências
Micróglia
TLR1 – 9
24, 25, 51
Astrócitos
TLR1 - 5, TLR9
24, 51
Neurônios
TLR3
24,25,51,52
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Tabela 1. Principais tipos de TLR, a expressão celular e seus ligantes
82
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
No SNC, as principais células de defesa são os as-
estriado, caudado, putâmen, monócitos periféricos e
trócitos e a micróglia. O astrócito tem uma leve expressão
linfócitos B de pacientes com DP31,32,54. O proces-
basal dos TLRs 1 - 9 que se intensifica expressivamente
so de ativação celular via TLR está ilustrado, a seguir,
após iniciação de processo inflamatório. O TLR3 é alta-
na figura 1.
mente expresso mesmo em situações de repouso, o que
Em algumas doenças neurodegenerativas (Si-
provavelmente reflete uma função imune de vigilância24.
nucleinopatias) ocorre a produção da α-sinucleína,
A micróglia também expressa os TLRs 1-9. Curiosamente,
uma proteína presente nos corpúsculos de Lewy, inclu-
as micróglias se instalam de preferência em áreas próximas
sões proteicas presentes nos neurônios dopaminérgicos
à corrente sanguínea e adjacentes aos ventrículos, sugerin-
de pacientes com DP. Essa proteína pode ser secretada
do sua função de resposta a agentes nocivos circulantes25.
durante o processo de neurodegeneração. Alguns tra-
Alguns TLRs formam heterodímeros com ou-
balhos demonstraram que a α-sinucleína é reconhecida
tros subtipos. O TLR2, quando em associação com
pelo TLR2 expresso em monócitos humanos e micró-
TLR1 ou TLR6 reconhecem lipopeptídeos, ácido li-
glia de ratos, induzindo a produção de citocinas pró-in-
potecóico e peptidoglicanos bacterianos. O TLR2 tam-
flamatórias, sendo, portanto, considerada um DAMP
bém forma heterodímero com o TLR10, esse último
importante na etiopatogenia da DP33,34,35,55. A ati-
atua inibindo-o26. Semelhantemente, o TLR4 forma
vação da micróglia por α-sinucleína, via TLR2, ativa
heterodímeros com TLR5 e TLR1, o primeiro estimu-
uma cascata de sinalização intracelular que ocasiona,
lando e o último inibindo sua ativação27.
além da produção de citocinas, a expressão de TLR2
A interação entre PAMPS/DAMPS e os TLRs específicos, na superfície celular, no retículo endoplasmático
e a produção de quimiocinas, ROS e óxido nítrico, importantes mediadores da neuroinflamação33,34,35.
ou nos endossomos, leva a dimerização das proteínas TLR,
a indução de sinalização bioquímica intracelular, com ativação de fatores de transcrição nucleares e de genes relacionados à produção de citocinas pró-inflamatórias. Ou seja,
um domínio do TLR homólogo a IL-1 (TIR) se aproxima
das caudas citoplasmáticas de cada proteína. A seguir, esse
domínio recruta proteínas adaptadoras, em geral a MyD88
(exceto o TLR3), que recruta e ativa diversas proteínas cinases, levando à ativação de fatores de transcrição, sendo
os principais o fator nuclear (NF-kB), a proteína ativadora
1 (AP-1), o fator de resposta ao interferon 3 (IRF3) e ao
IRF728. O TLR3 utiliza a proteína adaptadora TRIF, que
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ativa o IRF3, induzindo a produção de interferons do tipo
I29. O NF-kB e o AP-1 são fatores de transcrição nucleares relacionados com a estimulação de expressão gênica,
sendo envolvidos na resposta inflamatória, ligam-se em
regiões promotoras gênicas induzindo a produção de moléculas inflamatórias (citocinas). Já o IRF3 e IRF7 induzem a
produção dos interferons do tipo 1 (IFN-α e IFN-β) que são
citocinas fundamentais nas respostas antivirais28.
A estimulação antigênica via TLRs propaga o
processo de ativação da micróglia, que passa a secretar quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias como,
a IL­-1β, IL-6, IL-12 e TNF-α, além de óxido nítrico
(NO) e outras substâncias citotóxicas que atuam no
processo inflamatório tissular30. Alguns estudos têm
83
demonstrado um aumento na expressão de TLRs no
Figura 1. Processo de ativação celular via receptores
Toll-like (TLR).
Figura 1: Os TLRs são expressos na membrana citoplasmática e em vesículas
intracelulares, a maioria deles pode atuar como homodímeros ou se associar
formando heterodímeros para ampliar a sua capacidade de reconhecimento de
PAMPs e DAMPs. Os TLRs expressos na superfície celular apresentam um
domínio extracelular com repetições ricas em Leucina (LRR) e um domínio
intracelular rico em Tirosina (TIR), já os TLRs intracelulares não possuem
o domínio extracelular. O domínio TIR é requerido para iniciar a geração de
sinais intracelulares relacionados às vias bioquímicas de sinalização citosólica
que permitem a ativação de genes e a consequente transcrição e formação de
produtos com diferentes atividades biológicas durante a resposta imune inata.
O reconhecimento de ligantes microbianos ou de certas proteínas endógenas
por TLR leva à ativação de vias de sinalização intracelulares capazes de recrutar proteínas adaptadoras que se associam com os domínios TIR, tais como a
MyD88 e TRIF, capazes de ativar fatores de transcrição nucleares (NF-kB, AP1; IRF3, IRF-7) que induzem a expressão de genes cujos produtos (citocinas)
são importantes para o desenvolvimento de respostas inflamatórias.
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
6. O papel da Micróglia na neuroinflamação na DP
rimentais, tais como o modelo da encefalomielite au-
A micróglia é uma célula que faz parte do sis-
celulares, como o CD14 e o CD16, têm sido utiliza-
tema imune natural do cérebro, são macrófagos re-
dos para diferenciar subpopulações de monócitos. A
sidentes que se originam de precursores da medu-
expressão diferencial de CD14 (parte do complexo
la óssea hematopoiética . Na vida adulta, há uma
receptor para o Lipopolissacarídeo - LPS) e CD16
contínua substituição da micróglia por esses precur-
(também conhecido como FcγRIII) definem duas
sores que muito lentamente infiltram o parênquima
subpopulações principais no sangue periférico: mo-
cerebral. A micróglia exerce um importante papel na
nócitos "clássicos" CD14hiCD16- e os "não clássi-
imunovigilância do cérebro, mas diferente dos ma-
cos" CD14loCD16+39. Sob condições inflamatórias,
crófagos de tecidos periféricos, suas ações têm que
os monócitos atravessam a Barreira Hematoence-
ser finamente controladas para que a resposta infla-
fálica (BHE) e podem se diferenciar em micróglia.
matória não seja danosa ao SNC. Por muito tempo, o
Como existem diferentes subpopulações de monóci-
cérebro foi considerado um sítio de privilégio imune,
tos (CD14+CD16+ e CD14+CD16-), com diferencial
no qual a barreira hematoencefálica (BHE) exerceria
expressão de receptores para quimiocinas e TLRs,
uma função de proteção do SNC contra insultos peri-
um desequilíbrio nessas subpopulações e produ-
féricos e do sistema imune . No entanto, a micróglia
ção de moléculas inflamatórias pode influenciar na
exerce funções locais importantes na imunidade natu-
etiopatogênese ou evolução da neuroinflamação na
ral e na adquirida, funcionando como células inflama-
DP16,36,37. Nesse contexto, compreender o papel da
tórias e apresentadoras de antígenos para linfócitos T
micróglia, de células mononucleares do sangue peri-
ativados que patrulham o cérebro continuamente em
férico e dos TLR durante um processo neuroinflama-
baixos números. A micróglia é altamente sensível a
tório é relevante para a elucidação dos mecanismos
qualquer perturbação no microambiente neuronal e
imunológicos envolvidos no processo de lesão e mor-
sua ativação ocorre gradualmente, podendo voltar a
te de neurônios dopaminérgicos para a compreensão
qualquer momento ao estado de repouso, desde que
da patogenia da DPI.
36
37
cesse o estímulo. Inicialmente, a micróglia ativada
A Amantadina, uma droga útil no tratamen-
expressa vários receptores e moléculas de adesão, e
to dos sintomas parkinsonianos, é capaz de inibir
pode entrar em replicação aumentando em número, e
a ativação de células microgliais in vitro e até re-
posteriormente, se o estímulo persistir, pode adquirir
duzir a neuroinflamação induzida em modelos ani-
capacidade de célula apresentadora de antígenos, fa-
mais da DP, demonstrando assim a importância do
gocítica e pró-inflamatória, por meio da secreção de
controle da ativação da micróglia na fisiopatologia
citocinas
da DP33,35. A participação das células do sistema
36,37
.
A partir da detecção de algum sinal de lesão ou
imune inato, especialmente da micróglia, no proces-
disfunção encefálica, a micróglia sofre um complexo
so de neuroinflamação é representada, logo a seguir,
processo de ativação. A micróglia ativada tem a capa-
na figura 2.
cidade de liberar uma vasta diversidade de substâncias
que podem ser tanto benéficas quanto lesivas aos tecidos adjacentes. Além disso, essas células ativadas
7. A participação dos mediadores pró-inflamatórios
na neuroinflamação da DP
podem proliferar, movimentar em direção ao local da
lesão tissular e fagocitar células inteiras ou fragmentos
celulares
.
36,37
Durante a neuroinflamação, a micróglia libera
citocinas pró-inflamatórias, como a IL-1β, quimiocinas
Os monócitos/macrófagos surgiram recen-
e o TNF-α, que atuam no endotélio da Barreira Hema-
temente como importantes moduladores celulares
toencefálica (BHE), causando aumento da permeabili-
presentes em diversas doenças imunomediadas, par-
dade da BHE e estimulando a expressão de moléculas
ticipando da imunopatologia de doenças neurodege-
de adesão e quimiocinas que recrutam células mononu-
nerativas e autoimunes, conforme evidenciado em
cleares do sangue periférico, como células dendríticas,
estudos em seres humanos e modelos animais expe-
monócitos e linfócitos T, os quais podem contribuir
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toimune experimental (EAE)38. Alguns marcadores
84
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
Figura 2. Representação do processo de ativação da Micróglia colaborando para a neuroinflamação
Figura 2. Fatores ambientais como os padrões moleculares microbianos derivados de patógenos (PAMPs), bem como moléculas provenientes de danos teciduais
(DAMPs) podem provocar ativação de células da circulação sanguínea periférica como os monócitos e outras células apresentadoras de antígenos, principalmente,
por meio do reconhecimento dessas moléculas antigênicas via receptores similares a Toll (Toll-like receptors – TLR). As células apresentadoras de antígenos
(APCs) também podem capturar, processar e apresentar antígenos para células T nos orgãos linfoides secundários, estimulando uma resposta imune específica para
o antígeno. Especialmente as APCs podem ser ativadas na circulação sanguínea e consequentemente liberar diversos mediadores pró-inflamatórios (citocinas, quimiocinas e radicais de oxigênio ou nitrogênio) que provocam alteração da permeabilidade da Barreira Hematoencefálica (BHE) permitindo o acesso de moléculas
(PAMPs e substâncias neurotóxicas) presentes no sangue periférico e a infiltração de leucócitos no cérebro em condições inflamatórias. A ativação da micróglia
envolve o contato de receptores para citocinas, quimiocinas e, especialmente, de TLR presentes nessa célula com seus respectivos ligantes. O TLR2 reconhece
a α-sinucleína liberada de neurônios degenerados, a qual, durante a neuroinflamação, pode passar para a circulação sanguínea, e o TLR4 reconhece LPS e pode
colaborar para a fagocitose de outros PAMPs pela micróglia. A ativação da micróglia, seja por PAMPs ou DAMPs, induz a secreção de uma grande variedade de
mediadores inflamatórios que participam dos mecanismos de lesão e morte neuronal dos neurônios dopaminérgicos no SNC por meio do processo de neuroinflamação, que é considerado um mecanismo etiopatogênico na DPI.
para o desenvolvimento e amplificação da neuroinfla-
8. TLRS como alvos terapêuticos contra
mação por meio da produção e secreção de mediado-
a neuroinflamação
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res pró-inflamatórios. Há estudos avaliando autópsias
85
cerebrais de pacientes com DP, e foi observado um
Em consonância com sua destacada função na
aumento na expressão das citocinas pró-inflamatórias,
ativação de células imunológicas do SNC, algumas dro-
tais como o TNF-α e a IL-6 em micróglias de pacientes
gas utilizadas em doenças neurodegenerativas têm seu
com DP em comparação com os controles . Soma-se
efeito muito relacionado com os TLRs. Estudos têm
a isso uma resposta inflamatória sistêmica que é evi-
mostrado que o agonista do receptor GABAB, baclofe-
denciada por níveis elevados de citocinas inflamatórias
no, utilizado no tratamento de esclerose múltipla, atenua
no sangue e no líquido cefalorraquidiano (quimiocinas,
a resposta inflamatória induzida pelo TLR445,46. Essa
IL-8, IFN-γ, IL-1β, TNF-α e IL-6) nos pacientes com
droga ajuda a diminuir a espasticidade e controlar a dor
DP
desses pacientes47. Outra droga utilizada no tratamento
40
.
41,42,43,44,53
Evidências do aumento de várias citocinas in-
da esclerose múltipla, o acetato de glatirâmer, diminui
flamatórias no cérebro e no sangue periférico de pa-
a expressão do TLR9 e da proteína intracelular Myd88
cientes com DP, em paralelo a um aumento da ativação
em células dendríticas do cérebro de ratos com o protó-
da micróglia na substância negra, têm sido demonstra-
tipo de esclerose múltipla e reduz a expressão de qui-
das. Tais alterações, juntamente com a participação do
miocinas, levando as células dendríticas a um fenótipo
óxido nítrico, podem contribuir para o processo neuro-
anti-inflamatório e suprimindo substâncias que afetam a
degenerativo na DP
permeabilidade da barreira hematoencefálica48.
.
41,42,43,44
Sousa, A. A. et al. – Neuroinflamação na doença de Parkinson
Recentemente, outros fármacos têm sido estu-
substâncias capazes de induzir danos ou morte celular
dados com o objetivo de diminuir a neuroinflamação e
neuronal. A presente revisão permite inferir que o pro-
tornar possíveis formas terapêuticas para DP e outras
cesso de neuroinflamação está relacionado à morte de
doenças neurodegenerativas. Acredita-se que a proges-
neurônios dopaminérgicos, sendo, provavelmente, um
terona e a vitamina D podem inibir a neuroinflamação
dos principais fatores indutores da neurodegeneração
e exercer efeitos aditivos e sinérgicos quando usados
na DP.
em combinação. Foi demonstrado que esse efeito se dá
Estudos ressaltam que alguns mecanismos
através da diminuição da expressão de TLR4 e da fos-
biológicos colaboram para a morte celular neuronal,
forilação do NF-kB no tecido cerebral . Palperidona,
incluindo: ativação das células gliais, defeitos mito-
um antipsicótico atípico, também diminui a ativação
condriais, alterações genéticas neuronais e produção
do TLR4 no córtex pré-frontal, e esse efeito tem sido
de ROS (espécies reativas de oxigênio), RNI (espécies
proposto como um mecanismo adjuvante no controle
reativas de nitrogênio) e outros mediadores inflamató-
dos sintomas psicóticos .
rios no SNC, tais como citocinas e quimiocinas. No
49
50
sangue periférico ou nos tecidos, os leucócitos ativaCONSIDERAÇÕES FINAIS
dos por PAMPs e/ou DAMPs, via receptores Toll-like
(TLR), produzem mediadores pró e anti-inflamatórios,
Apesar de ainda não ter um mecanismo etio-
cujo desequilíbrio pode levar a um processo inflama-
patogênico muito bem esclarecido, robustas evidências
tório crônico. Identificar e compreender a natureza e
apontam para a importância do papel da neuroinfla-
o papel dos mediadores neuroinflamatórios envolvidos
mação na patogênese da doença de Parkinson. Nesse
na patogênese da DP pode fornecer alternativas para
sentido, a micróglia parece ser o elemento central que
modular as vias neuroinflamatórias a fim ajudar a redu-
orquestra todo o processo patológico. O ponto crítico
zir a morte neuronal na DP. Recentemente, já têm sido
da atividade da micróglia na patogenia da DP é a sua
desenvolvidas drogas que agem sobre os TLR, objeti-
transformação de um estado de imunovigilância para
vando diminuir a ativação de células gliais e, conse-
um estado pró-inflamatório, ocasionando a secreção de
quentemente, a neuroinflamação.
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