Subjetividade e identidade na propaganda: aspectos verbais e visuais

Propaganda
Subjetividade e identidade na propaganda:
aspectos verbais e visuais
Subjectivity and identity in advertising: verbal and
visual aspects
Vera Lúcia Pires
Ana Nelcinda Garcia Vieira
Graziela Frainer Knoll
RESUMO
O objetivo deste trabalho é discutir os conceitos de subjetividade e identidade
e aplicá-los à análise da propaganda. Assim, verificamos os indicadores de
subjetividade e os aspectos visuais que atuam no anúncio, constituindo posicionamentos, visões de mundo e construções identitárias.
PALAVRAS-CHAVE
Subjetividade; identidade; propaganda.
ABSTRACT
The aim of this paper is to discuss the concepts of subjectivity and identity
and apply them to the analysis of advertising. Thus, we see indicators of
subjectivity and visual aspects acting in advertising, constituting subject
positions, worldviews and identity constructions.
KEY WORDS
Subjectivity; identity; advertising.
1 Introdução
A construção de subjetividades e de subjetividades passa, inevitavelmente, por práticas de significação. De acordo com Rajagopalan
(1998, p. 41-42), “A identidade de um indivíduo se constrói na língua
e através dela. Isso significa que o indivíduo não tem uma identidade
fixa anterior e fora da língua”.
Subjetividade e identidade na propaganda: aspectos verbais e visuais
O objetivo deste trabalho é discutir os conceitos de subjetividade e
de identidade e aplicá-los à análise da propaganda. Assim, verificamos
os indicadores de subjetividade e os aspectos visuais que atuam no
anúncio impresso, produzindo posicionamentos, visões de mundo e
construções identitárias.
Para isso, seguimos a proposta metodológica de Bakhtin (1992, 2009),
que abrange as duas esferas da enunciação, a dimensão social e a verbal.
Na dimensão social, consideramos o sujeito como histórico e social,
levando em conta todos os participantes do gênero discursivo (produtor
e consumidor dos textos) e o contexto no qual ele se desenvolve. Com
relação à esfera verbal, entendemos a análise propriamente dita. Na
análise linguística das marcas de subjetividade, utilizaremos a teoria
de Kerbrat-Orecchioni (1980), para que se possa comprovar a materialidade linguística que dá suporte para a construção de subjetividades
e de identificações na publicidade.
2 Subjetividade e identidade
Vivemos em um mundo onde quase tudo é liquido ou fluido, como
afirma Bauman (2005), que classifica a modernidade e a vida, dentre
outros aspectos concernentes à existência, como líquidos. Da mesma
forma, as identidades não são rígidas: pelo contrário, mostram-se cada
vez mais fluidas, maleáveis e transitórias.
Seguindo uma perspectiva culturalista, rechaçamos a existência de
um núcleo anterior a qualquer prática social, o que significa considerar
que as identidades não simplesmente existem, elas são construídas. A
identificação, processo do qual transcorre a identidade, é, conforme a
própria definição indica, um processo, portanto tem o sentido de que
é inacabado.
Ao longo da vida, “ganhamos” e “perdemos” muitas identidades,
pois elas estão sempre, como bem define Rajagopalan (1998, p. 42), em
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“estado de fluxo”, mudando conforme o sujeito se vê interpelado ou
representado. Acompanhando o permanente estado cambiante do mundo, o indivíduo é passível de mutabilidade, principalmente ao adentrar
práticas sócio-culturais que ajudam a engendrar as identidades. Nesse
sentido, as práticas culturais, como unidades significativas, orientam
nossas ações sociais.
Falamos, até o momento, em como sujeitos assumem suas identidades, o que nos leva à segunda noção fundamental deste trabalho: a
subjetividade. Vamos tentar esclarecer por meio de um exemplo: negros,
brancos e pardos, classificações frequentemente utilizadas em nosso
país, não são categorias objetivas, são expressões de subjetividade. O
que torna um indivíduo pouco branco ou não tão negro a ponto de se
declarar pardo a não ser a percepção de si mesmo e do outro? Nada,
pois não existem classificações ou processos identitários absolutamente
isentos ou objetivos. Em outras palavras, somos relativos ao mundo e ao
tempo em que vivemos, sendo assim, nossa vivência é compartilhada
com muitos. Nisso reside o fundamento da identidade: ser um espaço
de “compartilhamento intersubjetivo” na acepção de Ewald e Soares
(2007, p. 24).
Conforme enfatiza Santos (1996, p. 136), “o primeiro nome moderno
da identidade é a subjetividade.” A subjetividade é o que fundamenta
nossa percepção de ser humano. É ela que viabiliza nossa identificação
com alguns e nosso “olhar enviesado” para outros. A subjetividade
é o que funda as identidades. Eu, um ser humano que diz “eu”, me
apoio, me identifico com uma cultura que me engendrou. Ou seja, o
ser humano só é possível por meio do pertencimento a uma comunidade social.
Por outro lado, as identidades existem somente a partir do momento
em que o sujeito se propõe como tal, através da linguagem, e constrói o
mundo em significado, e é nesse ponto que os conceitos de subjetividade
e identidade se cruzam. Dessa forma, é correto afirmar que a linguagem
é constitutiva tanto das identidades como das subjetividades.
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O sujeito tende a ser conceituado como o
conjunto de enunciados, atitudes, estados,
condutas ou processos intencionais formados
por termos linguísticos elementares, como:
sensações, sentimentos, emoções, pensamentos
e expectativas. Cada um de nós se constrói e
é construído com matéria discursiva, e nesse
sentido, na nossa subjetividade e na nossa versão
mais recôndita, somos “signos lingüísticos”.
(VOTRE, 2002, p. 89).
A subjetividade vai além de modos de ser, pensar ou agir, abrange
uma complexa totalidade de posições de sujeito assumidas por um ser
social ao longo da existência em um contexto de relações de poder
(ROLNIK, 1997). Como Woodward (2000, p. 55) afirma, a subjetividade surge “em um contexto social no qual a linguagem e a cultura
dão significado à experiência que temos de nós mesmos e no qual nós
adotamos uma identidade”.
Tal como as identidades, as subjetividades surgem, diluem-se e reconfiguram-se constantemente, conforme nos engajamos nos discursos.
É proveniente de Benveniste (2005) o conceito de subjetividade como
propriedade fundamental da linguagem que nos possibilita assumirmos
posicionamentos enquanto seres de discursos. Como Benveniste (2005,
p. 286) afirma: “É na linguagem e pela linguagem que o homem se
constitui como sujeito”, de modo que as línguas são dotadas de formas
específicas que demarcam a inscrição do sujeito no discurso. Uma dessas
marcas, por exemplo, são os pronomes pessoais.
Tamanha importância tem a expressão linguística de pessoa que E.
Morin, muitos anos após Benveniste, teorizando sobre o conceito de
sujeito, afirma: “O “Eu” é o pronome que qualquer um pode dizer, mas
ninguém pode dizê-lo em meu lugar.” (MORIN, 2010, p. 120).
Entretanto, continuando com Morin (2010, p. 122), “é porque o
sujeito traz em si mesmo a alteridade que ele pode comunicar-se
com outrem”. Nossa subjetividade é atravessada pela alteridade; os
outros são partes de mim mesmo, como tantas vezes pregou Bakhtin
em toda sua obra.
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A seguir, verificaremos outras marcas linguísticas, que não as dêiticas,
capazes de sinalizar a subjetividade na linguagem e como funcionam
essas unidades subjetivas nos enunciados.
3 Marcas de subjetividade
A fim de observarmos como a subjetividade pode ser marcada ou
sinalizada no discurso, prosseguiremos com as considerações, a respeito
do tema, feitas por Kerbrat-Orecchioni (1980). Para um devido entendimento, esclarecemos que a autora, por um lado, mostra-se consoante
ao pensamento teórico de Bakhtin (1992; 2009), especificamente no que
tange à ideologia e ao valor axiológico da linguagem em uso.
Na visão bakhtiniana, integrando um organismo social, o sujeito
interage com o outro através da linguagem, realizando escolhas durante
a produção do enunciado. Essas escolhas têm em vista um propósito
previamente determinado, como expressar sentimentos, emoções, pensamentos e pontos de vista, ou mesmo persuadir. O signo é ideológico, por
isso todo enunciado expressa um posicionamento social avaliativo.
Além disso, toda expressão verbal está repleta de palavras dos outros,
caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação,
caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente
ou não. Dessa forma, as palavras dos outros introduzem sua própria
expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos
e modificamos (BAKHTIN, 1992, p. 314).
Por outro lado, Kerbrat-Orecchioni (1980) também segue uma linha
benvenistiana das teorias da enunciação, concentrando-se na identificação
e na descrição das marcas do ato enunciativo. Assim, as marcas linguísticas
possibilitam identificarmos como o sujeito se inscreve na enunciação.
Conforme a autora, na construção do discurso, o enunciador não elege
livremente os itens lexicais disponíveis no seu conhecimento linguístico,
pois existem filtros que restringem as possibilidades de seleção.
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O estudo de Kerbrat-Orecchioni (1980) aborda a verbalização de um
objeto, referencial concreto ou abstrato, pelo sujeito da enunciação, bem
como a análise de suas escolhas quanto às unidades do repertório sintático e léxico. Essas escolhas levam o sujeito da enunciação a produzir
um discurso objetivo, no qual não há sinais explícitos da existência de
um enunciador; ou subjetivo, em que o enunciador se revela explicitamente, inclusive com expressões valorativas.
Os discursos podem, então, adquirir diferentes graus de subjetividade e de objetividade: “las unidades léxicas están ellas mismas (en la
lengua) cargadas con un peso más o menos grande de subjetividad”1
(KERBRAT-ORECCHIONI, 1980, p. 94). O paradoxo objetivo versus
subjetivo se dispõe em uma escala, de maneira gradual, conforme
ilustrado abaixo (Fig. 1).
Fig. 1 - Escala de subjetividade.
(Adaptada de Kerbrat- Orecchioni (1980, p. 94).
Neste trabalho, utilizamos a descrição das marcas não dêiticas de
subjetividade na linguagem com base em Kerbrat-Orecchioni (1980),
também denominadas subjetivemas, restringindo nosso foco aos verbos.
Para o estudo dos verbos subjetivos, é necessário observarmos os
seguintes pontos: a) Quem faz o juízo avaliativo? b) O que se avalia?
c) Qual a natureza do juízo avaliativo? (KERBRAT-Orecchioni, 1980,
p. 132).
Kerbrat-Orecchioni (1980) classifica os verbos em dois grupos: os verbos ocasionalmente subjetivos e os intrinsecamente subjetivos. O primeiro
grupo faz uma avaliação do tipo bom/mau e se subdivide em verbos de
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“As unidades lexicais
estão elas mesmas (na
língua) carregadas com
um peso maior ou menor de subjetividade”.
(Tradução nossa).
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sentimento, verbos de dizer e verbos de opinião. O segundo grupo, dos
verbos intrinsecamente subjetivos, subdivide-se em dois grupos, a saber:
avaliação do tipo bom/mau, que se são os verbos intrinsecamente axiológicos e avaliação do tipo verdadeiro/falso/incerto, que são os verbos
intrinsecamente modalizadores. Estes, os verbos intrinsecamente modalizadores, por sua vez, foram subdivididos em três grupos: os verbos de
julgar, os verbos de dizer e os verbos de opinião.
Ambas as classificações se estruturam em dois eixos: um eixo referese à fonte da avaliação, que pode ser o agente do processo (verbos
ocasionalmente subjetivos) ou o sujeito da enunciação (verbos intrinsecamente subjetivos); o outro refere-se ao juízo avaliativo que provém
do eixo bom/mau ou do verdadeiro/falso/incerto.
Para uma melhor elucidação, elaboramos um esquema (Fig. 2) que
facilita a compreensão e consulta dos verbos trabalhados pela autora.
Fig. 2 – Esquema dos verbos.
Na sequência, realizaremos a análise de uma propaganda com base
no que foi exposto acima.
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4 Análise dos anúncios
Em conformidade com o método bakhtiniano, segundo o qual toda
análise linguística deve ser acompanhada de um enfoque contextual ou
sócio-histórico que situe o gênero discursivo, observamos primeiramente
os aspectos que constituem o contexto. Tais aspectos são descritos a
partir das questões: a) Qual é o gênero discursivo investigado? b) Quais
as características de circulação dos textos (onde são veiculados)? c) Que
papel tem a linguagem na atividade discursiva? d) Que participantes
integram a interação e qual a relação entre eles?
Assim, o corpus da pesquisa consiste em uma propaganda publicada na revista Veja, maior revista de circulação nacional, que abrange
temas amplos e variados, como notícias semanais sobre política e economia, artigos de opinião, crônicas, reportagens sobre comportamento,
tecnologia e entretenimento, entre outros gêneros e assuntos. É uma
publicação consumida, predominantemente, pelas classes A e B e, em
menor grau, pela C, tendo como público mulheres e homens, tanto
jovens, quanto adultos.
Quanto à interação, apontamos que se trata de uma forma de interação midiatizada, uma comunicação de massa, definida por Thompson
(1998) como “quase-interação mediada”. Isso significa que a mensagem
se destina de um produtor para um grande número de consumidores
ou leitores não identificados (uma massa propriamente dita). Dessa
maneira, o contato entre os participantes da interação ocorre, exclusivamente, por meio do texto, ou seja, há entre eles, uma distância
social máxima.
Consideramos duas categorias de participantes: os participantes da
interação, e os participantes representados (KRESS; van LEEUWEN,
1996). Os primeiros correspondem aos participantes envolvidos na
comunicação: a agência de publicidade, que produziu o anúncio, o
anunciante, que assina o anúncio com sua marca, permitindo a sua
veiculação, e o leitor ou consumidor potencial, o receptor do texto. Já
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a segunda categoria de participantes, são as representações (humanas
ou não) que compõem a imagem da propaganda, isto é, a materialidade
imagética do anúncio. Geralmente, são os participantes representados
que estabelecem o contato mais imediato com o leitor, sendo este interpelado pelo olhar do participante representado.
O anúncio foi veiculado na revista no início da Copa do Mundo
deste ano, sendo selecionado de acordo com o critério de conter o tema
da Copa e construções de identidade nacional ou, em outros termos,
representações de brasilidade.
A peça, presente no anexo final, possui o seguinte texto verbal (Fig.
3):
Propaganda
Texto verbal
Durante o mundial o céu vai ter as cores que todo
brasileiro carrega no peito.
Anúncio do
Banco
Itaú
(anexo).
Fonte: Veja,
ed. 2.169, 16/
Jun/ 2010.
Itaú. O Banco oficial da seleção que ilumina o mundo
O Itaú irá iluminar o céu de várias capitais do Brasil:
Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Rio
de Janeiro, Salvador e São Paulo. Porque este é um
momento em que o país se sente ainda mais unido
por esta paixão: o futebol.
Fig. 3 – Texto do anúncio.
No anúncio, há a imagem de um menino negro, aparentando entre
oito e dez anos, vestindo uma camiseta da Seleção brasileira de futebol,
segurando uma bola velha embaixo do braço. Ao fundo, vemos a imagem
do Morro Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, em um cenário de entardecer
ou noturno, sendo que irradiam do topo do Pão de Açúcar fachos de
luzes verde e amarela, compondo com o céu as cores da bandeira do
Brasil, assim como do uniforme oficial da Seleção. O menino está em
primeiro plano, em uma atitude de orgulho por vestir a camisa oficial
da Seleção, o que inferimos pelo seu peito estufado, pelo queixo elevado
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e, sobretudo, pelo olhar, que se dirige sutilmente de cima para baixo,
em uma postura de superioridade do participante representado.
Quando o enunciador diz: “Durante o mundial o céu vai ter as cores
que todo brasileiro carrega no peito”, refere-se às cores verde e amarelo, que simbolizam o país. A generalização “todo brasileiro” como
sujeito de “carrega no peito” alude, em primeira instância, à cor da
camisa da Seleção, também vestida pelos torcedores, e, além disso, ao
amor da nação pelo futebol e até mesmo pelo país, dado que carregar
no peito pode ser interpretado como carregar no coração, o que traduz
um sentimento de afeto.
Assim, o menino da imagem representa o povo brasileiro, amante
do futebol, otimista e orgulhoso com o time e, possivelmente, com o
próprio país, carregando esse amor no peito e vestindo a camisa da
Seleção. Faz parte do senso comum o pensamento que uma grande
parte dos meninos brasileiros almeja ser jogador de futebol, sejam esses
meninos pobres ou não.
Além disso, é frequente que famílias em situação de pobreza concentrem nesse sonho e nos pés dos meninos a esperança de ascensão
financeira, o sonho de que o menino pobre se transforme em um craque
do futebol e, dessa forma, desvie a família do destino de pobreza e exclusão social. O futebol é uma instituição cultural no Brasil. O esporte
nem ao menos é originalmente brasileiro, entretanto, está de tal forma
inculcado em nossa cultura, que o consideramos um bem nacional, ou
citando o anúncio, uma “paixão”.
De acordo com Kerbrat-Orecchioni (1980), as palavras designativas
de cores são pouco subjetivas. Se o texto empregasse “Durante o mundial o céu vai ter as cores verde e amarela” no lugar de “as cores que
todo brasileiro carrega no peito.”, o anúncio seria menos subjetivo. A
expressão “todo brasileiro carrega no peito” é, então, dotada de maior
subjetividade, o que pode contribuir para imbuir o leitor do sentimento de amor pela camisa, de torcida pela Seleção e, como resultado,
aproximá-lo da marca Itaú através de um apelo afetivo.
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A escolha lexical poderia ser ainda mais objetiva se o anúncio
empregasse “as cores da camisa”, pois limitaria o leitor a respeito da
interpretação e das suposições acerca do que todo brasileiro carrega
no peito, restringindo-se à camisa. O duplo sentido do enunciado pode
implicar que o povo carrega as cores da bandeira no coração, o que
reforça a subjetividade. Apontamos, portanto, que a escolha lexical está
carregada de subjetividade.
A opção pelo verbo carregar também pode ter seu grau de subjetividade avaliado quanto ao significado. De acordo com o dicionário de
Língua Portuguesa, “carregar” significa: “pôr carga em”, “pesar sobre”,
“levar, transportar”, “trazer consigo” (FERREIRA, 1999, p. 415). Assim,
a expressão “carrega no peito” denota um esforço realizado por todo
brasileiro, no sentido de que é preciso força para carregar as cores do
Brasil. Também podemos fazer um contraponto com a expressão “carregar nas costas”: ao contrário de carregar nas costas, no sentido de
impulsionar algo ou alguém, o brasileiro carrega seu amor, seu orgulho
e sua torcida pelo país no peito.
Como explicamos no subtítulo anterior, Kerbrat-Orecchioni (1980, p.
132) propõe que a avaliação de um verbo quanto à subjetividade requer,
inicialmente, que se responda: quem faz o juízo avaliativo, o que se
avalia e, por fim, qual é a natureza do juízo avaliativo.
Respondendo às questões, o juízo avaliativo é feito pelo enunciador, no
caso, consideramos que o enunciador é o anunciante, o Banco Itaú, que
efetivamente assina a peça. O que o enunciador avalia é a capacidade de o
brasileiro amar a Seleção Brasileira, o futebol e, em um sentido mais amplo,
o Brasil. Com relação à natureza do juízo avaliativo, constatamos que é um
juízo positivo, pois o sentimento do brasileiro pela Seleção é muito intenso.
Além disso, a Seleção brasileira também é avaliada positivamente como
“a Seleção que ilumina o mundo”, ou seja, que encanta o mundo com seu
futebol, o que reflete a opinião (subjetiva) do anunciante.
Realizando a leitura, percebemos também uma valorização do Itaú
devido aos seguintes enunciados: “O Banco oficial da Seleção que
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ilumina o mundo”, seguido de “O Itaú irá iluminar o céu de várias
capitais do Brasil”. O iluminar que se refere à Seleção pode ser considerado mais subjetivo que o iluminar que se refere ao Itaú. A Seleção
ilumina o mundo, no sentido de abrilhantar a Copa com suas jogadas
e encantar ou inspirar diante dos olhos do mundo voltados para o
torneio. Enquanto que o Itaú ilumina, com fachos de luz nas cores da
Seleção, as capitais brasileiras. Ao mesmo tempo, há uma equiparação:
a Seleção ilumina o mundo, o Itaú ilumina as capitais, ou seja, ambos
são capazes de iluminar.
Passamos ao seguinte enunciado do texto, “Porque este é um momento em que o país se sente ainda mais unido por esta paixão: o futebol. O
verbo sentir significa “perceber por meio dos sentidos”, “experimentar”,
“ser afetado por”, “ser sensível a” (FERREIRA, 1999, p. 1839). Respondendo às perguntas propostas por Kerbrat-Orecchioni (1980), o juízo
avaliativo é feito pelo anunciante. O que é avaliado é o sentimento de
união que congrega o povo brasileiro no momento da disputa da Copa
Mundial. E a natureza do juízo avaliativo é positiva, principalmente
ao levarmos em consideração a expressão “ainda mais”, o que indica
que normalmente o país já é unido, mas no período da copa, devido
ao amor ao futebol e à Seleção, essa união é fortalecida.
A propaganda analisada é um anúncio de oportunidade, ou seja, em
que agência e anunciante aproveitam o momento da Copa do Mundo
para a produção de uma campanha que incentive a torcida e, em caráter
principal, que vincule a marca a um sentimento nacionalista, como se o
Banco Itaú estivesse prestigiando ou homenageando a Seleção, o Brasil
e, consequentemente, o povo brasileiro.
A análise dos indicadores de subjetividade nos demonstra que
a propaganda em foco evoca o sentimento que identifica a maioria
dos brasileiros, ou seja, a paixão pelo futebol e o amor pela Seleção, simbolizado, nesse caso, pela camisa amarela, orgulhosamente
vestida por um protótipo de brasileirinho que carrega uma bola
esfarrapada no braço e as cores da Seleção no peito. Depreendemos
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que o objetivo do anunciante é que o leitor, o qual se enquadra na
generalização “todo brasileiro”, identifique-se com o banco Itaú,
que irá iluminar o céu de grandes cidades brasileiras com as cores
do Brasil. Assim, é produzido o sentido de que o Itaú comunga com
o sentimento dos brasileiros, que amam a Seleção e o Brasil, favorecendo a identificação.
5 Considerações finais
O poder constitutivo da linguagem se verifica não só nas práticas
sociais, mas, sobretudo, nas práticas identitárias, nas práticas discursivas
e, inclusive, na propaganda, nosso objeto de análise, estabelecendo a
comunicação.
As práticas comunicativas são concebidas dialogicamente e são assinaladas subjetivamente, seguindo formas e graus variáveis. Devido a
isso, quando o sujeito opta por uma palavra em detrimento de outra,
realiza uma escolha que, definitivamente, não ocorre ao acaso, mas
segundo objetivos e contextos específicos.
Nossas análises comprovam a teoria de Kerbrat-Orecchioni
(1980) de que alguns verbos estão marcados subjetivamente de
forma mais clara que outros, e inferimos que as escolhas lexicais
por um verbo mais ou menos subjetivo são, na propaganda, regidas por um objetivo central: engendrar identidades e posições de
sujeito que provoquem o consumo de determinada marca, serviço
ou produto.
Por fim, constatamos que o anúncio analisado busca provocar no leitor o sentimento nacionalista ou de brasilidade, movimentando a torcida
pela Seleção na Copa do Mundo, desencadeando um comportamento
e, especialmente, buscando a adesão ao discurso que produz, tudo isso
realizado por meio de indicadores de subjetividade e de construções
identitárias materializadas nas representações.
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Vera Lúcia Pires
Doutora em Letras pela PUCRS.
Professora Adjunta no Centro Universitário Ritter dos Reis e colaboradora
voluntária na Universidade Federal de Santa Maria.
E-mail: [email protected]
Ana Nelcinda Garcia Vieira
Professora na Universidade Aberta do Brasil/Universidade Federal de
Santa Maria (Ensino à distância).
E-mail: [email protected]
Graziela Frainer Knoll
Doutoranda em Letras, Estudos Linguísticos, na Universidade Federal
de Santa Maria.
E-mail: [email protected]
Recebido em 08/07/2010
Aceito em 30/07/2010
PIRES, Vera Lúcia; VIEIRA, Ana Nelcinda Garcia; KNOLL, Graziela
Frainer. Subjetividade e identidade na propaganda: aspectos verbais
e visuais. Nonada Letras em Revista. Porto Alegre, ano 13, n. 14,
p. 67-81.
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Anexo (Fonte: Veja, ed. 2.169, 16/Jun/ 2010).
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