ENE1112_REDVET Consorciação entre gramíneas e leguminosas: um enfoque na persistência do pasto (Intercropping between grasses and leguminous species: a focus on the persistence of the pasture) Resumo As gramíneas forrageiras de clima tropical são caracterizadas por terem baixo valor nutritivo, em função de seu elevado teor de fibras, baixo teor protéico e baixa digestibilidade. Além disso, a baixa fertilidade natural e a alta capacidade de fixação de fósforo dos solos tropicais contribuem para que a baixa produtividade dos pastos brasileiros. Assim, a utilização de leguminosas em consorciação com gramíneas pode representar uma solução para aumentar os índices dessa produtividade, por promover maior teor protéico e fixação biológica de nitrogênio no solo. No entanto, apesar de ser interessante para o sistema produtivo, a consorciação entre gramíneas e leguminosas raramente é bem sucedida no Brasil, devido a diferenças marcantes entre essas espécies, dentre os quais podemos citar: morfologia, fatores agronômicos, fisiologia, estrutura do dossel e resistência ao pastejo. Nesse sentido, esta revisão foi proposta para avaliar algumas diferenças entre gramíneas e leguminosas de clima tropical que limitam seu uso na consorciação. Palavras-chave: ecofisiologia ׀estrutura do dossel ׀manejo do pasto ׀produção animal Abstract Tropical forage plants are characterized by having low nutritional value due to their high fiber content, low protein content, and low digestibility. Besides that, the low natural fertility and high phosphorus fixation capacity of the tropical soils contribute to the low productivity of Brazilian pastures. Therefore, the use of intercropping between grasses and legumes can represent a solution for increasing this productivity indexes by promoting higher protein content and also biological 1 nitrogen fixation in the soil. However, despite being interesting for the production system, the intercropping between grasses and legumes is rarely successful in Brazil due to marked differences between these species, for example, morphology, agronomical factors, physiology, sward structure, and resistance to the pasture. Thus, this review was proposed to evaluate the differences between grasses and legumes of tropical weather that limit their use in the intercropping. Key words: animal production ׀ecophysiology ׀pasture management ׀sward structure Tipo de trabalho: artigo de revisão bibliográfica Descrição dos recursos: texto e figuras 1. Introdução Historicamente, atribuiu-se às gramíneas forrageiras de clima tropical um valor nutritivo muito baixo, caracterizado por reduzida digestibilidade, elevado teor de fibras e baixo teor de proteína, o que ocasiona baixos índices de desempenho animal (Da Silva, 2008). Adicionalmente, a baixa fertilidade natural e a alta capacidade de adsorção de fósforo dos solos tropicais contribuem para que a produtividade do pasto sempre estivesse aquém da sua capacidade. Uma alternativa simples para elevar o desempenho individual do animal seria a suplementação protéica, porém essa é uma estratégia relativamente cara, tornando-se, em muitos casos, inviável para o produtor. Nesse contexto, a utilização de leguminosas em consorciação com gramíneas foi, por muito tempo, dita como a solução para aumentar os índices de produtividade da pecuária brasileira. Além de possuir maior teor protéico, o que resulta em maior desempenho animal, as leguminosas fixam nitrogênio no solo, funcionando como fonte deste nutriente para as gramíneas com as quais estão associadas. Assim, a utilização de leguminosas forrageiras com o intuito de melhorar os índices de desempenho animal e por área despertou o interesse de pesquisadores, especialmente nas décadas de 70 e 80, período em que o mundo vivenciava a crise do petróleo (matéria-prima para a fabricação de adubos nitrogenados). Contudo, a maioria dos experimentos foram desenvolvidos em 2 casa-de-vegetação ou em parcelas, sendo as leguminosas estabelecidas em cultivo exclusivo, avaliando-se a nutrição, produção e aspectos de seu crescimento (Paulino et al., 2008). Tratando-se de plantas para uso em consorciação, as pesquisas nem sempre foram direcionadas a procurar a compatibilidade das espécies envolvidas, com poucos trabalhos explorando a consorciação em pastejo com animais. Assim, diferenças morfofisiológicas acentuadas, escassez de conhecimento científico sobre as espécies envolvidas e desconhecimento acerca do manejo no ambiente de pastejo surgem como os principais motivos para que o cultivo e o manejo de pastos consorciados de gramíneas e leguminosas sejam complicados, razão pela qual os pastos consorciados são normalmente de ocorrência bastante restrita no país (Da Silva, 2008). Além disso, inúmeras citações em artigos e capítulos de livros nacionais fazem referência à pequena disponibilidade de cultivares de leguminosas forrageiras para a utilização nos sistemas de produção. Esse fato é apontado muitas vezes como restritivo a adoção de leguminosas, tanto em consórcio com gramíneas quanto em uso exclusivo (Barcellos et al., 2008). Entretanto, nas últimas décadas um número significativo de cultivares foram lançadas, dentre os quais se destacam o Stylosanthes guianensis cvs. Bandeirantes e Mineirão, Stylosanthes macrocephala cv. Pioneiro, Macrotyloma axilares cv. Guatá, Galactia striata cv. Yarana, Desmodium ovalifolium cv. Itabela, Arachis pintoi cv. Belmonte (Cameron et al., 1993) e, recentemente, o Estilosantes Campo Grande (mistura física de Stylosanthes capitata e Stylosanthes macrocephala). Além desses lançamentos, espécies como o Calopogonio muconoides, Pueraria phaseoloides, Neotonia wightii e Leucaena leucocephala, há mais tempo no mercado, ainda contribuem na comercialização de sementes de leguminosas no Brasil (Cameron et al., 1993). Logo, o pequeno número de espécies e cultivares parece não ser o principal fator limitante para a consorciação de gramíneas e leguminosas. Apesar da relevante contribuição para a produção de ruminantes em pastagens e dos muitos esforços já envolvidos por diferentes instituições de ensino e pesquisa, o uso de leguminosas forrageiras no Brasil ainda é muito 3 limitado (Barcellos et al., 2008), em função da resistência dos produtores rurais a adoção dessa tecnologia, devido, em grande parte, à baixa persistência das leguminosas em ambientes consorciados. Nesse sentido, esta revisão foi proposta para avaliar algumas diferenças entre gramíneas e leguminosas de clima tropical que limitam seu uso na consorciação 2. Morfologia Por pertencerem a grupos distintos, as leguminosas (dicotiledôneas) e as gramíneas (monocotiledôneas) apresentam marcantes diferenças morfológicas. Em gramíneas, a unidade básica da planta é o perfilho. Esses são constituídos por folhas (lâmina, lígula e bainha), entrenó, nó, gema axilar e raízes (Skinner & Nelson, 1994; Matthew et al., 1998). Suas folhas são simples, incompletas (ausência pecíolo) e com feixes vasculares (nervuras) dispostos paralelamente. O colmo é formado por internódios separados por nós, podendo ser ereto, mais ou menos perpendicular à superfície do solo, ou prostrado/rasteiro (Da Silva et al., 2008). A bainha é bastante desenvolvida e abraça o colmo em uma espécie de tubo (pseudo-colmo). O meristema apical localiza-se no interior do pseudo-colmo, protegido da remoção pela desfolhação, garantindo grande adaptação ao pastejo. O sistema radicular é fasciculado, formando um emaranhado fibroso bastante extenso e difuso, permitindo maior eficiência na utilização de água e de alguns minerais, resultando em taxa de crescimento e potencial de produção de forragem superior ao das leguminosas (Paulino et al., 2008). As leguminosas possuem folhas completas (presença de pecíolo), com feixes vasculares (nervuras) dispostos aleatoriamente. Os caules variam grandemente entre as espécies de leguminosas, podendo ser aéreos, rasteiros, trepadores, volúveis ou eretos. Os meristemas apicais são alocados ao longo do caule.Assim, os meristemas apicais ficam dispostos no topo do dossel, facilitando a remoção dos mesmos pelos animais em pastejo, independentemente da severidade da desfolhação, conferindo às leguminosas uma desvantagem 4 competitiva em relação às gramíneas. Entretanto, existem plantas de crescimento estolonífero (e.g. trevos - Trifolium repens), nos quais os meristemas permanecem mais baixos que as folhas e os pecíolos, evitando, assim, sua remoção pelos. O sistema radicular é pivotante, com uma raiz principal, da qual saem raízes secundárias e, destas, raízes terciárias, e assim por diante. Há ocorrência de nódulos em virtude da associação simbiótica com bactérias fixadoras de nitrogênio (e.g. Rhizobium). Essa fixação biológica de nitrogênio garante alguma vantagem competitiva às leguminosas, porém as gramíneas também se beneficiam dessa fixação. Assim, altas taxas de transferência de nitrogênio podem afetar a estabilidade da consorciação, favorecendo o crescimento da gramínea e diminuindo o crescimento e a fixação biológica de nitrogênio pela leguminosa. 3. Fatores Agronômicos As gramíneas e as leguminosas forrageiras tropicais originaram-se em localidades distintas, principalmente no sudoeste da África (gramíneas) e Américas Central e do Sul (leguminosas) (Usberti Filho, 2008). Essa diferença na origem resulta em diferentes exigências nutricionais. De maneira geral, as leguminosas são mais sensíveis a fatores nutricionais do solo que as gramíneas, principalmente em regiões tropicais (Seiffert, 1984). Logo, em pastos consorciados, as leguminosas precisam ter suas exigências nutricionais atendidas como forma de proporcionar melhor crescimento e maior habilidade competitiva. As gramíneas forrageiras tropicais caracterizam-se pela considerável tolerância a acidez do solo (CFSEMG, 1999). Assim, a utilização da calagem visa especialmente à nutrição de cálcio e magnésio. Entre as leguminosas, as diferenças de resposta a calagem são acentuadas, existindo espécies e cultivares consideradas muito sensíveis a acidez (Medicago sativa cv. Crioula) e genótipos com boa tolerância a acidez (Arachis pintoi cv. Amarillo) (Alves & De Medeiros, 1997). Segundo estes autores, numerosos trabalhos revelaram que a aplicação de calcário pode favorecer a simbiose Rhizobium-leguminosa, aumentando a nodulação e a fixação de nitrogênio. Isso ocorre porque o cálcio, em leguminosas, é importante para a formação e o funcionamento dos nódulos, sendo crítico, 5 principalmente para leguminosas de clima temperado (Seiffert, 1984). Em situação de baixo pH do solo, ocorre alta concentração de íons hidrogênio e elevados teores de alumínio e manganês trocáveis, limitando o crescimento das raízes e a absorção do cálcio. O potássio pode limitar o desenvolvimento de algumas leguminosas devido à menor capacidade competitiva dessas por esse elemento, quando em pastos consorciados (Alves & Medeiros, 1997). Possui ação fundamental no metabolismo vegetal, atuando na fotossíntese, na translocação de carboidratos e na ativação de enzimas, sendo que sua deficiência em leguminosas diminui a assimilação de CO2 e dificulta a translocação de assimilados, afetando a fixação de nitrogênio. Alves & Medeiros (1997) destacaram ainda a importância do magnésio e do enxofre para as leguminosas. O enxofre tem grande importância no desenvolvimento das plantas, devido a sua função no metabolismo do nitrogênio e na síntese de proteínas. Sua exigência é maior em leguminosas que em gramíneas e sua função na planta está relacionada à conversão do nitrogênio inorgânico em protéico (Werner, 1984). Em geral, não se aplica micronutrientes para leguminosas tropicais, embora se enfatize a necessidade de zinco para solos do cerrado e de molibdênio, para solos ácidos. Os micronutrientes, principalmente o molibdênio, são necessários tendo em vista a sua importância na nodulação. Plantas bem supridas produzem menor número de nódulos, porém, esses são de maior eficiência e suficientes para a fixação do nitrogênio. As quantidades requeridas no solo são muito pequenas e as sementes que possuem alto conteúdo de molibdênio, conduzem a planta à auto-suficiência (Seiffert, 1984). Observa-se que as exigências nutricionais das leguminosas são variáveis e requerem refinamento na sua determinação, especialmente para cultivares lançadas recentemente, havendo necessidade de pesquisas específicas sobre as exigências das leguminosas forrageiras, principalmente quando associadas às gramíneas. 4. Fisiologia 6 O acúmulo de forragem é resultado do processo fotossintético da planta, no qual o carbono, advindo do dióxido de carbono atmosférico, é fixado e convertido em carboidratos por meio da utilização da energia solar (Raven et al., 2001). No entanto, as plantas forrageiras podem sintetizar açúcares simples por diferentes vias de redução do dióxido de carbono, ou seja, a fase bioquímica da fotossíntese, segundo seu grupo fotossintético (plantas C3, C4 ou CAM). As leguminosas de clima tropical são do tipo C3, sendo que o primeiro composto estável formado após a fixação do CO2, possui três carbonos. Nessas plantas a enzima Rubisco localiza-se nas células do mesófilo foliar e na presença de grandes quantidades de CO2, essa enzima catalisa a carboxilação com alta eficiência. Entretanto, quando a proporção de CO2 diminui, a Rubisco atua como oxigenase, consumindo O2 e liberando CO2 em um processo chamado fotorrespiração. Em algumas plantas, até 50% do carbono fixado na fotossíntese pode ser reoxidado a dióxido de carbono durante a fotorrespiração (Raven et al., 2001). As gramíneas de clima tropical reduzem o CO2 por meio de um ciclo, em que o primeiro composto estável possui quatro átomos de carbono, assim são denominadas plantas C4. Essas plantas apresentam uma estrutura denominada de "anatomia Kranz", que se caracteriza por um feixe vascular bastante desenvolvido rodeado por células da bainha dos feixes vasculares (Figura 1). Essa estrutura impede a fotorrespiração, resultando em melhor utilização do CO2 e, consequentemente, maior eficiência fotossintética (Raven et al., 2001). 7 Figura 1. Seção transversal da lamina foliar de uma gramínea C4 (Brachiaria decumbens) com indicação dos diferentes tecidos. Mesofilo (MES), floema (FLO), tecido vascular lignificado (TVL), esclerênquima (ESC), bainha do feixe vascular (BFV), epiderme superior (EPS), epiderme inferior (EPI). As espécies C4 estão adaptadas a altas intensidades luminosas, altas temperaturas e seca. Já as plantas C3 saturam-se de luz em intensidades luminosas mais baixas e a faixa de temperatura ótima menor em relação às plantas C4. Adicionalmente, devido a utilização mais eficiente do dióxido de carbono, plantas C4 podem atingir taxas fotossintéticas semelhantes às de plantas C3, porém com menor abertura estomática e, consequentemente, menor perda de água. Essa diferença no grupo fotossintético dificulta a consorciação, uma vez que as leguminosas, precisam se associar e competir com as gramíneas, as quais são mais eficientes do ponto de vista fotossintético, possuindo maior taxa de crescimento (Fischer & Cruz, 1994). 5. Estrutura do dossel A estrutura do dossel forrageiro pode ser descrita como a distribuição e o arranjo dos componentes da parte aérea das plantas dentro de uma comunidade, como resultado de uma série de parâmetros morfogênicos e taxas de fluxo de tecidos e nutrientes em ecossistemas de pastagens (Laca & Lemaire, 2000). Esse arranjo espacial do dossel afeta tanto a distribuição da luz como a circulação de ar dentro da população de plantas, determinando os processos de transferência de CO2 e evapotranspiração (Loomis & Willians, 1969), influenciando alguns processos importantes como crescimento, interceptação luminosa, valor nutritivo e consumo de forragem. Por isso, a estrutura do dossel é determinante da produção primária e secundária em ecossistemas de pastagens (Laca & Lemaire, 2000), especialmente em pastos consorciados. Brougham (1957) revelou as diferenças no índice de área foliar (IAF) considerado “ótimo” entre gramíneas, leguminosas e pastos consorciados (Figura 2). O IAF “ótimo” foi maior para a gramínea, declinando no pasto consorciado e, 8 atingindo o menor valor para a leguminosa. Segundo Cooper (1983), essas diferenças entre e dentro de espécies são devidas a algumas características do pasto como tamanho e rigidez das folhas, ângulo da folhagem, que podem afetar sua estrutura, o IAF, a interceptação luminosa e o acúmulo de matéria seca. Figura 2. Relação entre interceptação luminosa e índice de área foliar. Adaptado de Brougham (1957). O menor IAF ótimo para as leguminosas é resultado do maior desaparecimento da luz, representado pelo maior coeficiente de extinção luminosa (K) para essa espécie (Figura 3). Esse padrão pode ser explicado pela disposição das folhas. A maioria das gramíneas possui folhas mais eretas, enquanto a maioria das leguminosas apresenta folhas mais horizontais. Folhas mais eretas no topo do dossel permitem que parte da radiação não seja interceptada por essas folhas, tornando-se disponível para as folhas da base, que podem, assim, contribuir com a produção fotossintética do dossel (Hay & Walker, 1989). A predominância de folhas mais horizontais proporciona a habilidade de interceptar mais luz com um IAF menor, o que, todavia, não deve ser visto como uma vantagem em termos produtivos (Brougham, 1957), uma vez que resulta em menor acúmulo de massa seca por unidade de área. Assim, há a necessidade de conhecer o ponto ideal de colheita das leguminosas, principalmente quando consorciada com gramíneas. 9 Figura 3. Relação entre penetração de luz e índice de área foliar. Adaptado de Brown & Blaser (1968). 6. Manejo e resistência ao pastejo Embora não seja uma tarefa simples, o desenvolvimento de estratégias de manejo do pastejo para pastos consorciados de gramíneas e leguminosas é um fator chave para assegurar a adoção em larga escala desta tecnologia. Mesmo nos países de clima temperado, com maior tradição de pesquisa com pastos consorciados, existe elevado grau de incerteza sobre estratégias de manejo do pastejo adequadas para assegurar o equilíbrio botânico entre gramíneas e leguminosas na pastagem (Hodgson e Da Silva, 2002). Alguns fatores que complicam a definição das estratégias de manejo do pastejo de pastos consorciados são: 1) competição por recursos (e.g. água, luz, nutrientes) entre as espécies; 2) diferenças relacionadas às reações das espécies ao pastejo; 3) diferenças relacionadas à preferência animal; e 4) diferenças relacionadas a variações climáticas (Spain, 1995; Lascano, 2000) O estabelecimento e a manutenção de leguminosas e gramíneas de clima tropical em consórcio tem apresentado muitos insucessos, e sua baixa persistência sob pastejo representa o desafio mais importante à pesquisa. As diferenças entre gramíneas e leguminosas, quanto às taxas de crescimento, morfologia, aceitabilidade, exigências nutricionais e grau de resistência ao pastejo são as principais causas da baixa persistência das leguminosas (Humphreys, 1980). O conceito de resistência no contexto de manejo do pastejo descreve a relativa habilidade da planta em sobreviver e crescer sob pastejo (Briske, 1991). 10 Portanto, plantas ou espécies são ditas resistentes quando são menos danificadas que outras sob condições ambientais comparáveis (Painter, 1958). Ao longo de sua evolução, as plantas forrageiras desenvolveram mecanismos de resistência e adaptação ao pastejo como forma de assegurar sua sobrevivência e perpetuação da espécie. Esses mecanismos básicos, chamados de preterimento ou escape e tolerância, determinam a plasticidade fenotípica e flexibilidade de uso das plantas forrageiras (Briske, 1996). Os mecanismos de tolerância ao pastejo, ditos de curto prazo, englobam adaptações fisiológicas às restrições do suprimento de carboidratos para o crescimento da planta. Essas adaptações resultam da remoção de tecidos fotossintetizantes e da necessidade de rápida recuperação da área foliar durante o período de rebrotação, aumentando o perfilhamento (gramíneas) e acelerando as taxas dos processos fisiológicos (fotossíntese compensatória). Os mecanismos de preterimento, de médio e longo prazo, por sua vez, envolvem adaptações que reduzam a probabilidade e/ou severidade de desfolhações futuras, isto é, são mecanismos de impedimento (espinhos), produção de compostos bioquímicos (taninos, alcalóides, compostos fenólicos), modificação na arquitetura (Briske, 1996). Vale ressaltar que os mecanismos ocorrem concomitantemente nas plantas, podendo haver predominância ou não de um deles. As leguminosas forrageiras tropicais utilizam principalmente mecanismos de preterimento, enquanto as gramíneas usam principalmente mecanismos de tolerância. Os mecanismos de resistência possuem um custo associado, portanto, as plantas não são completamente resistentes aos herbívoros, pois em algum momento o custo excede o benefício da resistência (Pimentel, 1988). Isso é mais evidente em plantas que investem em preterimento. A alocação de recursos para a produção de compostos secundários, como o tanino, pode acarretar em perdas de produtividade. Impedimentos mecânicos também levam a custos, porém menores. Logo, grandes investimentos em preterimento desviam recursos de crescimento e, potencialmente, diminuem a habilidade competitiva da planta (Briske, 1996). 11 A maior adaptação ao pastejo das gramíneas em relação às leguminosas deve-se ao fato dessas terem co-evoluído com os grandes herbívoros (Figura 5). Assim, para resistirem ao pastejo, as leguminosas são menos consumidas que as gramíneas, possuindo em sua composição substâncias adstringentes como taninos e outros compostos secundários do metabolismo vegetal (mecanismos de preterimento) que limitam o consumo e/ou diminuem o aproveitamento do alimento por parte dos animais (Da Silva, 2008). Figura 5. Aparecimento e desenvolvimento dos herbívoros ungulados e das angiospermas (Van Soest, 1994). Por essa razão, uma grande quantidade de esforços e recursos foi investida no sentido de “melhorar” as leguminosas tropicais, buscando elevado consumo e aceitabilidade. Essa solução seguramente resolveu o problema de consumo e melhorou o valor nutritivo da dieta dos animais, mas deixou de considerar as diferenças de ordem fisiológica e, consequentemente, de limites de tolerância e resistência dessas plantas ao pastejo. Dessa forma, as leguminosas, quando associadas ou combinadas às gramíneas em áreas de pastagens, por serem menos eficientes no uso de fatores de crescimento como água, luz e temperatura, apresentam, normalmente, desvantagem competitiva durante a rebrotação de 12 pastos consorciados, o que resulta em redução de sua participação no estande de plantas e produção decrescente da mesma ao longo do tempo, fazendo com que em curto espaço de tempo o pasto consorciado seja dominado pela gramínea acompanhante (Da Silva, 2008). 7. Panorama atual e perspectivas futuras O manejo da pastagem e do pastejo no Brasil evoluiu significativamente nos últimos anos. Essa evolução está ligada a modificações conceituais profundas que permitiram um maior entendimento acerca da forma como a planta cresce e, consequentemente, acumula forragem, bem como da forma com que o animal consome essa biomassa produzida. Esse maior conhecimento foi possível devido a utilização de protocolos experimentais baseados no rígido controle da estrutura do dossel, por meio de frequências e severidades de desfolhação (lotação intermitente) ou alturas constantes de pasto (lotação contínua), e no acompanhamento da dinâmica do crescimento e desenvolvimento das plantas forrageiras e padrões de perfilhamento. Essas pesquisas, inicialmente desenvolvidas para manejo de plantas de clima temperado, possibilitaram a visualização da planta forrageira como parte integrante de um ecossistema (ecossistema pastagem), no qual há diversas interações entre os agentes abióticos (luz, temperatura, solo) e dos agentes bióticos (plantas, ruminantes, microrganismos). Assim, essas pesquisas mostraram a importância de respeitar o ritmo de crescimento das plantas, colher adequadamente a forragem produzida e respeitar os limites de tolerância e resistência de cada espécie. Apesar de serem estudos relativamente novos no Brasil e terem sido aplicados em uma pequena quantidade de espécies/cultivares, entretanto nas principais, os resultados obtidos até o momento são muito consistentes. Essas pesquisas mostraram padrões de crescimento e desenvolvimento similares ao de gramíneas de clima temperado, variando apenas a magnitude dos processos. Possivelmente, a avaliação de pastos consorciados com base nesses protocolos pode auxiliar na determinação de metas de manejo adequadas. Objetivando, assim, encontrar o momento mais adequado para a entrada e saída 13 dos animais (lotação intermitente) e/ou condições adequadas de alturas (lotação contínua) em pastos consorciados. Adicionalmente, Da Silva (2008) revela que gramíneas de clima tropical, devidamente manejadas, possuem forragem de elevado valor nutritivo, apresentando valores de proteína bruta variando de 12 a 18% e digestibilidade variando de 60 a 70%, durante a estação de crescimento. Portanto, os animais em pastejo conseguiriam atender suas exigências sem a necessidade de leguminosas consorciadas como fonte de proteína. Filosoficamente, a necessidade da presença da leguminosa e os benefícios correspondentes seriam, de fato, inerentes à fixação biológica do nitrogênio, aumentando a produção da gramínea e rreduzindo custos de produção, sem ameaçar e/ou poluir o meio ambiente, e não ao maior teor de proteína da leguminosa (Da Silva, 2008). Vale ressaltar que “só existe fixação biológica se existe a leguminosa”. Nesse contexto, a leguminosa teria que ser capaz de co-existir com a gramínea no pasto, mantendo o equilíbrio das espécies na área e a composição florística dos pastos. Para isso, em função das grandes diferenças fisiológicas e de eficiência de uso de fatores de crescimento, seria interessante que no processo de competição estabelecido durante a rebrotação, após o pastejo, fosse assegurada certa vantagem competitiva para a leguminosa, de tal forma que ela pudesse se manter na área. Assim, a frequência e a severidade de desfolhação dessas plantas deveriam ser menores relativamente às gramíneas. Essa é uma condição associada com menor preferência e aceitabilidade da leguminosa pelos animais, situação oposta ao que se buscava anteriormente para essas plantas. Essa característica corresponde basicamente a um mecanismo de resistência ao pastejo por meio de investimentos em preterimento ou tolerância.. No entanto, é possível que a resistência possa ser gerada nessas plantas sem comprometimento de seu consumo. Essa resistência poderia ser gerada por meio de investimentos em alta disponibilidade de pontos de crescimento e meristemas e dificuldade de decapitação dos mesmos como as leguminosas do gênero Arachis, o que permitiria elevada velocidade de recuperação das leguminosas relativamente às gramíneas quando desfolhadas (Da Silva, 2008). 14 8. Considerações finais À luz de tudo o que foi discutido, parece impossível a utilização de leguminosas e gramíneas tropicais de maneira associada. Contudo, Da Silva (2008) ressalta a necessidade de refletir e reavaliar alguns conceitos e premissas básicas que regem a produção animal em pasto. Quando todos esses aspectos são considerados observa-se que é preciso revisar conceitos e mudar paradigmas relativos às plantas forrageiras tropicais, gramíneas e leguminosas, no qual o grande desafio das pesquisas será o entendimento e a compreensão de aspectos dinâmicos de população mista de plantas. Para isto é necessário respeitar os limites de tolerância e resistência de cada espécie envolvida no ambiente de consórcio. Observa-se, então, que essa é uma área de conhecimento multidisciplinar e requer esforços conjuntos e trabalho colaborativo entre grupos de pesquisa de diferentes instituições. 9. Referências bibliográficas ALVES, S.J.; MEDEIROS, G.B. Leguminosas em renovação de pastagens. In: SIMPÓSIO SOBRE ECOSSISTEMAS DE PASTAGENS, 3., 1997, Jaboticabal. Anais... Jaboticabal: FUNEP, 1997. p.251-272. BARCELLOS, A.O.; RAMOS, A.K.B.; VILELA, L. et al. Leguminosas para utilização em pastagens. In: ENCONTRO TÉCNICO SOBRE LEGUMINOSAS FORRAGEIRAS - SOLUÇÕES TECNOLÓGICAS, 2., 2008, Nova Odessa. Anais... Nova Odesa: APTA/Instituto de Zootecnia, 2008. p.125-162. BRISKE, D.D. Developmental morphology and physiology of grasses. In: HEITSCHMIDT, R.K.; STUTH, J.W. (Eds.). Grazing Management: An ecological perspective. Timber Press, Portland, Oregon, 1991. p.85-108. 15 BRISKE, D.D. 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