Introdução - Veterinaria.org

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ENE1112_REDVET
Consorciação entre gramíneas e leguminosas: um enfoque na persistência
do pasto
(Intercropping between grasses and leguminous species: a focus on the
persistence of the pasture)
Resumo
As gramíneas forrageiras de clima tropical são caracterizadas por terem baixo
valor nutritivo, em função de seu elevado teor de fibras, baixo teor protéico e baixa
digestibilidade. Além disso, a baixa fertilidade natural e a alta capacidade de
fixação de fósforo dos solos tropicais contribuem para que a baixa produtividade
dos pastos brasileiros. Assim, a utilização de leguminosas em consorciação com
gramíneas pode representar uma solução para aumentar os índices dessa
produtividade, por promover maior teor protéico e fixação biológica de nitrogênio
no solo. No entanto, apesar de ser interessante para o sistema produtivo, a
consorciação entre gramíneas e leguminosas raramente é bem sucedida no Brasil,
devido a diferenças marcantes entre essas espécies, dentre os quais podemos
citar: morfologia, fatores agronômicos, fisiologia, estrutura do dossel e resistência
ao pastejo. Nesse sentido, esta revisão foi proposta para avaliar algumas
diferenças entre gramíneas e leguminosas de clima tropical que limitam seu uso
na consorciação.
Palavras-chave: ecofisiologia ‫ ׀‬estrutura do dossel ‫ ׀‬manejo do pasto ‫׀‬produção
animal
Abstract
Tropical forage plants are characterized by having low nutritional value due to their
high fiber content, low protein content, and low digestibility. Besides that, the low
natural fertility and high phosphorus fixation capacity of the tropical soils contribute
to the low productivity of Brazilian pastures. Therefore, the use of intercropping
between grasses and legumes can represent a solution for increasing this
productivity indexes by promoting higher protein content and also biological
1
nitrogen fixation in the soil. However, despite being interesting for the production
system, the intercropping between grasses and legumes is rarely successful in
Brazil due to marked differences between these species, for example, morphology,
agronomical factors, physiology, sward structure, and resistance to the pasture.
Thus, this review was proposed to evaluate the differences between grasses and
legumes of tropical weather that limit their use in the intercropping.
Key words: animal production ‫ ׀‬ecophysiology ‫ ׀‬pasture management ‫ ׀‬sward
structure
Tipo de trabalho: artigo de revisão bibliográfica
Descrição dos recursos: texto e figuras
1. Introdução
Historicamente, atribuiu-se às gramíneas forrageiras de clima tropical um
valor nutritivo muito baixo, caracterizado por reduzida digestibilidade, elevado teor
de fibras e baixo teor de proteína, o que ocasiona baixos índices de desempenho
animal (Da Silva, 2008). Adicionalmente, a baixa fertilidade natural e a alta
capacidade de adsorção de fósforo dos solos tropicais contribuem para que a
produtividade do pasto sempre estivesse aquém da sua capacidade.
Uma alternativa simples para elevar o desempenho individual do animal
seria a suplementação protéica, porém essa é uma estratégia relativamente cara,
tornando-se, em muitos casos, inviável para o produtor. Nesse contexto, a
utilização de leguminosas em consorciação com gramíneas foi, por muito tempo,
dita como a solução para aumentar os índices de produtividade da pecuária
brasileira. Além de possuir maior teor protéico, o que resulta em maior
desempenho animal, as leguminosas fixam nitrogênio no solo, funcionando como
fonte deste nutriente para as gramíneas com as quais estão associadas.
Assim, a utilização de leguminosas forrageiras com o intuito de melhorar os
índices de desempenho animal e por área despertou o interesse de
pesquisadores, especialmente nas décadas de 70 e 80, período em que o mundo
vivenciava a crise do petróleo (matéria-prima para a fabricação de adubos
nitrogenados). Contudo, a maioria dos experimentos foram desenvolvidos em
2
casa-de-vegetação ou em parcelas, sendo as leguminosas estabelecidas em
cultivo exclusivo, avaliando-se a nutrição, produção e aspectos de seu
crescimento (Paulino et al., 2008). Tratando-se de plantas para uso em
consorciação, as pesquisas nem sempre foram direcionadas a procurar a
compatibilidade das espécies envolvidas, com poucos trabalhos explorando a
consorciação em pastejo com animais. Assim, diferenças morfofisiológicas
acentuadas, escassez de conhecimento científico sobre as espécies envolvidas e
desconhecimento acerca do manejo no ambiente de pastejo surgem como os
principais motivos para que o cultivo e o manejo de pastos consorciados de
gramíneas e leguminosas sejam complicados, razão pela qual os pastos
consorciados são normalmente de ocorrência bastante restrita no país (Da Silva,
2008).
Além disso, inúmeras citações em artigos e capítulos de livros nacionais
fazem referência à pequena disponibilidade de cultivares de leguminosas
forrageiras para a utilização nos sistemas de produção. Esse fato é apontado
muitas vezes como restritivo a adoção de leguminosas, tanto em consórcio com
gramíneas quanto em uso exclusivo (Barcellos et al., 2008). Entretanto, nas
últimas décadas um número significativo de cultivares foram lançadas, dentre os
quais se destacam o Stylosanthes guianensis cvs. Bandeirantes e Mineirão,
Stylosanthes macrocephala cv. Pioneiro, Macrotyloma axilares cv. Guatá, Galactia
striata cv. Yarana, Desmodium ovalifolium cv. Itabela, Arachis pintoi cv. Belmonte
(Cameron et al., 1993) e, recentemente, o Estilosantes Campo Grande (mistura
física de Stylosanthes capitata e Stylosanthes macrocephala). Além desses
lançamentos, espécies como o Calopogonio muconoides, Pueraria phaseoloides,
Neotonia wightii e Leucaena leucocephala, há mais tempo no mercado, ainda
contribuem na comercialização de sementes de leguminosas no Brasil (Cameron
et al., 1993). Logo, o pequeno número de espécies e cultivares parece não ser o
principal fator limitante para a consorciação de gramíneas e leguminosas.
Apesar da relevante contribuição para a produção de ruminantes em
pastagens e dos muitos esforços já envolvidos por diferentes instituições de
ensino e pesquisa, o uso de leguminosas forrageiras no Brasil ainda é muito
3
limitado (Barcellos et al., 2008), em função da resistência dos produtores rurais a
adoção dessa tecnologia, devido, em grande parte, à baixa persistência das
leguminosas em ambientes consorciados.
Nesse sentido, esta revisão foi proposta para avaliar algumas diferenças
entre gramíneas e leguminosas de clima tropical que limitam seu uso na
consorciação
2. Morfologia
Por pertencerem a grupos distintos, as leguminosas (dicotiledôneas) e as
gramíneas (monocotiledôneas) apresentam marcantes diferenças morfológicas.
Em gramíneas, a unidade básica da planta é o perfilho. Esses são
constituídos por folhas (lâmina, lígula e bainha), entrenó, nó, gema axilar e raízes
(Skinner & Nelson, 1994; Matthew et al., 1998). Suas folhas são simples,
incompletas (ausência pecíolo) e com feixes vasculares (nervuras) dispostos
paralelamente. O colmo é formado por internódios separados por nós, podendo
ser ereto, mais ou menos perpendicular à superfície do solo, ou prostrado/rasteiro
(Da Silva et al., 2008). A bainha é bastante desenvolvida e abraça o colmo em
uma espécie de tubo (pseudo-colmo). O meristema apical localiza-se no interior do
pseudo-colmo, protegido da remoção pela desfolhação, garantindo grande
adaptação ao pastejo. O sistema radicular é fasciculado, formando um
emaranhado fibroso bastante extenso e difuso, permitindo maior eficiência na
utilização de água e de alguns minerais, resultando em taxa de crescimento e
potencial de produção de forragem superior ao das leguminosas (Paulino et al.,
2008).
As leguminosas possuem folhas completas (presença de pecíolo), com
feixes vasculares (nervuras) dispostos aleatoriamente. Os caules variam
grandemente entre as espécies de leguminosas, podendo ser aéreos, rasteiros,
trepadores, volúveis ou eretos. Os meristemas apicais são alocados ao longo do
caule.Assim, os meristemas apicais ficam dispostos no topo do dossel, facilitando
a remoção dos mesmos pelos animais em pastejo, independentemente da
severidade da desfolhação, conferindo às leguminosas uma desvantagem
4
competitiva em relação às gramíneas. Entretanto, existem plantas de crescimento
estolonífero (e.g. trevos - Trifolium repens), nos quais os meristemas permanecem
mais baixos que as folhas e os pecíolos, evitando, assim, sua remoção pelos. O
sistema radicular é pivotante, com uma raiz principal, da qual saem raízes
secundárias e, destas, raízes terciárias, e assim por diante. Há ocorrência de
nódulos em virtude da associação simbiótica com bactérias fixadoras de nitrogênio
(e.g. Rhizobium). Essa fixação biológica de nitrogênio garante alguma vantagem
competitiva às leguminosas, porém as gramíneas também se beneficiam dessa
fixação. Assim, altas taxas de transferência de nitrogênio podem afetar a
estabilidade da consorciação, favorecendo o crescimento da gramínea e
diminuindo o crescimento e a fixação biológica de nitrogênio pela leguminosa.
3. Fatores Agronômicos
As gramíneas e as leguminosas forrageiras tropicais originaram-se em
localidades distintas, principalmente no sudoeste da África (gramíneas) e
Américas Central e do Sul (leguminosas) (Usberti Filho, 2008). Essa diferença na
origem resulta em diferentes exigências nutricionais.
De maneira geral, as leguminosas são mais sensíveis a fatores nutricionais
do solo que as gramíneas, principalmente em regiões tropicais (Seiffert, 1984).
Logo, em pastos consorciados, as leguminosas precisam ter suas exigências
nutricionais atendidas como forma de proporcionar melhor crescimento e maior
habilidade competitiva.
As gramíneas forrageiras tropicais caracterizam-se pela considerável
tolerância a acidez do solo (CFSEMG, 1999). Assim, a utilização da calagem visa
especialmente à nutrição de cálcio e magnésio. Entre as leguminosas, as
diferenças de resposta a calagem são acentuadas, existindo espécies e cultivares
consideradas muito sensíveis a acidez (Medicago sativa cv. Crioula) e genótipos
com boa tolerância a acidez (Arachis pintoi cv. Amarillo) (Alves & De Medeiros,
1997). Segundo estes autores, numerosos trabalhos revelaram que a aplicação de
calcário pode favorecer a simbiose Rhizobium-leguminosa, aumentando a
nodulação e a fixação de nitrogênio. Isso ocorre porque o cálcio, em leguminosas,
é importante para a formação e o funcionamento dos nódulos, sendo crítico,
5
principalmente para leguminosas de clima temperado (Seiffert, 1984). Em situação
de baixo pH do solo, ocorre alta concentração de íons hidrogênio e elevados
teores de alumínio e manganês trocáveis, limitando o crescimento das raízes e a
absorção do cálcio.
O potássio pode limitar o desenvolvimento de algumas leguminosas devido
à menor capacidade competitiva dessas por esse elemento, quando em pastos
consorciados (Alves & Medeiros, 1997). Possui ação fundamental no metabolismo
vegetal, atuando na fotossíntese, na translocação de carboidratos e na ativação
de enzimas, sendo que sua deficiência em leguminosas diminui a assimilação de
CO2 e dificulta a translocação de assimilados, afetando a fixação de nitrogênio.
Alves & Medeiros (1997) destacaram ainda a importância do magnésio e do
enxofre
para
as
leguminosas.
O
enxofre
tem
grande
importância
no
desenvolvimento das plantas, devido a sua função no metabolismo do nitrogênio e
na síntese de proteínas. Sua exigência é maior em leguminosas que em
gramíneas e sua função na planta está relacionada à conversão do nitrogênio
inorgânico em protéico (Werner, 1984).
Em geral, não se aplica micronutrientes para leguminosas tropicais, embora
se enfatize a necessidade de zinco para solos do cerrado e de molibdênio, para
solos ácidos. Os micronutrientes, principalmente o molibdênio, são necessários
tendo em vista a sua importância na nodulação. Plantas bem supridas produzem
menor número de nódulos, porém, esses são de maior eficiência e suficientes
para a fixação do nitrogênio. As quantidades requeridas no solo são muito
pequenas e as sementes que possuem alto conteúdo de molibdênio, conduzem a
planta à auto-suficiência (Seiffert, 1984).
Observa-se que as exigências nutricionais das leguminosas são variáveis e
requerem refinamento na sua determinação, especialmente para cultivares
lançadas recentemente, havendo necessidade de pesquisas específicas sobre as
exigências das leguminosas forrageiras, principalmente quando associadas às
gramíneas.
4. Fisiologia
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O acúmulo de forragem é resultado do processo fotossintético da planta, no
qual o carbono, advindo do dióxido de carbono atmosférico, é fixado e convertido
em carboidratos por meio da utilização da energia solar (Raven et al., 2001). No
entanto, as plantas forrageiras podem sintetizar açúcares simples por diferentes
vias de redução do dióxido de carbono, ou seja, a fase bioquímica da fotossíntese,
segundo seu grupo fotossintético (plantas C3, C4 ou CAM).
As leguminosas de clima tropical são do tipo C3, sendo que o primeiro
composto estável formado após a fixação do CO2, possui três carbonos. Nessas
plantas a enzima Rubisco localiza-se nas células do mesófilo foliar e na presença
de grandes quantidades de CO2, essa enzima catalisa a carboxilação com alta
eficiência. Entretanto, quando a proporção de CO2 diminui, a Rubisco atua como
oxigenase, consumindo O2 e liberando CO2 em um processo chamado
fotorrespiração. Em algumas plantas, até 50% do carbono fixado na fotossíntese
pode ser reoxidado a dióxido de carbono durante a fotorrespiração (Raven et al.,
2001).
As gramíneas de clima tropical reduzem o CO2 por meio de um ciclo, em
que o primeiro composto estável possui quatro átomos de carbono, assim são
denominadas plantas C4. Essas plantas apresentam uma estrutura denominada
de "anatomia Kranz", que se caracteriza por um feixe vascular bastante
desenvolvido rodeado por células da bainha dos feixes vasculares (Figura 1). Essa
estrutura impede a fotorrespiração, resultando em melhor utilização do CO2 e,
consequentemente, maior eficiência fotossintética (Raven et al., 2001).
7
Figura 1. Seção transversal da lamina foliar de uma gramínea C4 (Brachiaria
decumbens) com indicação dos diferentes tecidos. Mesofilo (MES),
floema (FLO), tecido vascular lignificado (TVL), esclerênquima (ESC),
bainha do feixe vascular (BFV), epiderme superior (EPS), epiderme
inferior (EPI).
As espécies C4 estão adaptadas a altas intensidades luminosas, altas
temperaturas e seca. Já as plantas C3 saturam-se de luz em intensidades
luminosas mais baixas e a faixa de temperatura ótima menor em relação às
plantas C4. Adicionalmente, devido a utilização mais eficiente do dióxido de
carbono, plantas C4 podem atingir taxas fotossintéticas semelhantes às de plantas
C3, porém com menor abertura estomática e, consequentemente, menor perda de
água.
Essa diferença no grupo fotossintético dificulta a consorciação, uma vez
que as leguminosas, precisam se associar e competir com as gramíneas, as quais
são mais eficientes do ponto de vista fotossintético, possuindo maior taxa de
crescimento (Fischer & Cruz, 1994).
5. Estrutura do dossel
A estrutura do dossel forrageiro pode ser descrita como a distribuição e o
arranjo dos componentes da parte aérea das plantas dentro de uma comunidade,
como resultado de uma série de parâmetros morfogênicos e taxas de fluxo de
tecidos e nutrientes em ecossistemas de pastagens (Laca & Lemaire, 2000). Esse
arranjo espacial do dossel afeta tanto a distribuição da luz como a circulação de ar
dentro da população de plantas, determinando os processos de transferência de
CO2 e evapotranspiração (Loomis & Willians, 1969), influenciando alguns
processos importantes como crescimento, interceptação luminosa, valor nutritivo e
consumo de forragem. Por isso, a estrutura do dossel é determinante da produção
primária e secundária em ecossistemas de pastagens (Laca & Lemaire, 2000),
especialmente em pastos consorciados.
Brougham (1957) revelou as diferenças no índice de área foliar (IAF)
considerado “ótimo” entre gramíneas, leguminosas e pastos consorciados (Figura
2). O IAF “ótimo” foi maior para a gramínea, declinando no pasto consorciado e,
8
atingindo o menor valor para a leguminosa. Segundo Cooper (1983), essas
diferenças entre e dentro de espécies são devidas a algumas características do
pasto como tamanho e rigidez das folhas, ângulo da folhagem, que podem afetar
sua estrutura, o IAF, a interceptação luminosa e o acúmulo de matéria seca.
Figura 2. Relação entre interceptação luminosa e índice de área foliar. Adaptado
de Brougham (1957).
O menor IAF ótimo para as leguminosas é resultado do maior
desaparecimento da luz, representado pelo maior coeficiente de extinção luminosa
(K) para essa espécie (Figura 3). Esse padrão pode ser explicado pela disposição
das folhas. A maioria das gramíneas possui folhas mais eretas, enquanto a
maioria das leguminosas apresenta folhas mais horizontais. Folhas mais eretas no
topo do dossel permitem que parte da radiação não seja interceptada por essas
folhas, tornando-se disponível para as folhas da base, que podem, assim,
contribuir com a produção fotossintética do dossel (Hay & Walker, 1989). A
predominância de folhas mais horizontais proporciona a habilidade de interceptar
mais luz com um IAF menor, o que, todavia, não deve ser visto como uma
vantagem em termos produtivos (Brougham, 1957), uma vez que resulta em
menor acúmulo de massa seca por unidade de área.
Assim, há a necessidade de conhecer o ponto ideal de colheita das
leguminosas, principalmente quando consorciada com gramíneas.
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Figura 3. Relação entre penetração de luz e índice de área foliar. Adaptado de
Brown & Blaser (1968).
6. Manejo e resistência ao pastejo
Embora não seja uma tarefa simples, o desenvolvimento de estratégias de
manejo do pastejo para pastos consorciados de gramíneas e leguminosas é um
fator chave para assegurar a adoção em larga escala desta tecnologia. Mesmo
nos países de clima temperado, com maior tradição de pesquisa com pastos
consorciados, existe elevado grau de incerteza sobre estratégias de manejo do
pastejo adequadas para assegurar o equilíbrio botânico entre gramíneas e
leguminosas na pastagem (Hodgson e Da Silva, 2002).
Alguns fatores que complicam a definição das estratégias de manejo do
pastejo de pastos consorciados são: 1) competição por recursos (e.g. água, luz,
nutrientes) entre as espécies; 2) diferenças relacionadas às reações das espécies
ao pastejo; 3) diferenças relacionadas à preferência animal; e 4) diferenças
relacionadas a variações climáticas (Spain, 1995; Lascano, 2000)
O estabelecimento e a manutenção de leguminosas e gramíneas de clima
tropical em consórcio tem apresentado muitos insucessos, e sua baixa
persistência sob pastejo representa o desafio mais importante à pesquisa. As
diferenças entre gramíneas e leguminosas, quanto às taxas de crescimento,
morfologia, aceitabilidade, exigências nutricionais e grau de resistência ao pastejo
são as principais causas da baixa persistência das leguminosas (Humphreys,
1980). O conceito de resistência no contexto de manejo do pastejo descreve a
relativa habilidade da planta em sobreviver e crescer sob pastejo (Briske, 1991).
10
Portanto, plantas ou espécies são ditas resistentes quando são menos danificadas
que outras sob condições ambientais comparáveis (Painter, 1958).
Ao longo de sua evolução, as plantas forrageiras desenvolveram
mecanismos de resistência e adaptação ao pastejo como forma de assegurar sua
sobrevivência e perpetuação da espécie. Esses mecanismos básicos, chamados
de preterimento ou escape e tolerância, determinam a plasticidade fenotípica e
flexibilidade de uso das plantas forrageiras (Briske, 1996).
Os mecanismos de tolerância ao pastejo, ditos de curto prazo, englobam
adaptações fisiológicas às restrições do suprimento de carboidratos para o
crescimento da planta. Essas adaptações resultam da remoção de tecidos
fotossintetizantes e da necessidade de rápida recuperação da área foliar durante o
período de rebrotação, aumentando o perfilhamento (gramíneas) e acelerando as
taxas dos processos fisiológicos (fotossíntese compensatória). Os mecanismos de
preterimento, de médio e longo prazo, por sua vez, envolvem adaptações que
reduzam a probabilidade e/ou severidade de desfolhações futuras, isto é, são
mecanismos de impedimento (espinhos), produção de compostos bioquímicos
(taninos, alcalóides, compostos fenólicos), modificação na arquitetura (Briske,
1996).
Vale ressaltar que os mecanismos ocorrem concomitantemente nas
plantas, podendo haver predominância ou não de um deles. As leguminosas
forrageiras tropicais utilizam principalmente mecanismos de preterimento,
enquanto as gramíneas usam principalmente mecanismos de tolerância.
Os mecanismos de resistência possuem um custo associado, portanto, as
plantas não são completamente resistentes aos herbívoros, pois em algum
momento o custo excede o benefício da resistência (Pimentel, 1988). Isso é mais
evidente em plantas que investem em preterimento. A alocação de recursos para
a produção de compostos secundários, como o tanino, pode acarretar em perdas
de produtividade. Impedimentos mecânicos também levam a custos, porém
menores. Logo, grandes investimentos em preterimento desviam recursos de
crescimento e, potencialmente, diminuem a habilidade competitiva da planta
(Briske, 1996).
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A maior adaptação ao pastejo das gramíneas em relação às leguminosas
deve-se ao fato dessas terem co-evoluído com os grandes herbívoros (Figura 5).
Assim, para resistirem ao pastejo, as leguminosas são menos consumidas que as
gramíneas, possuindo em sua composição substâncias adstringentes como
taninos e outros compostos secundários do metabolismo vegetal (mecanismos de
preterimento) que limitam o consumo e/ou diminuem o aproveitamento do alimento
por parte dos animais (Da Silva, 2008).
Figura 5. Aparecimento e desenvolvimento dos herbívoros ungulados e das
angiospermas (Van Soest, 1994).
Por essa razão, uma grande quantidade de esforços e recursos foi investida
no sentido de “melhorar” as leguminosas tropicais, buscando elevado consumo e
aceitabilidade. Essa solução seguramente resolveu o problema de consumo e
melhorou o valor nutritivo da dieta dos animais, mas deixou de considerar as
diferenças de ordem fisiológica e, consequentemente, de limites de tolerância e
resistência dessas plantas ao pastejo. Dessa forma, as leguminosas, quando
associadas ou combinadas às gramíneas em áreas de pastagens, por serem
menos eficientes no uso de fatores de crescimento como água, luz e temperatura,
apresentam, normalmente, desvantagem competitiva durante a rebrotação de
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pastos consorciados, o que resulta em redução de sua participação no estande de
plantas e produção decrescente da mesma ao longo do tempo, fazendo com que
em curto espaço de tempo o pasto consorciado seja dominado pela gramínea
acompanhante (Da Silva, 2008).
7. Panorama atual e perspectivas futuras
O manejo da pastagem e do pastejo no Brasil evoluiu significativamente nos
últimos anos. Essa evolução está ligada a modificações conceituais profundas que
permitiram um maior entendimento acerca da forma como a planta cresce e,
consequentemente, acumula forragem, bem como da forma com que o animal
consome essa biomassa produzida. Esse maior conhecimento foi possível devido
a utilização de protocolos experimentais baseados no rígido controle da estrutura
do dossel, por meio de frequências e severidades de desfolhação (lotação
intermitente) ou
alturas
constantes
de
pasto
(lotação
contínua),
e
no
acompanhamento da dinâmica do crescimento e desenvolvimento das plantas
forrageiras
e
padrões
de
perfilhamento.
Essas
pesquisas,
inicialmente
desenvolvidas para manejo de plantas de clima temperado, possibilitaram a
visualização da planta forrageira como parte integrante de um ecossistema
(ecossistema pastagem), no qual há diversas interações entre os agentes
abióticos (luz, temperatura, solo) e dos agentes bióticos (plantas, ruminantes,
microrganismos). Assim, essas pesquisas mostraram a importância de respeitar o
ritmo de crescimento das plantas, colher adequadamente a forragem produzida e
respeitar os limites de tolerância e resistência de cada espécie.
Apesar de serem estudos relativamente novos no Brasil e terem sido
aplicados em uma pequena quantidade de espécies/cultivares, entretanto nas
principais, os resultados obtidos até o momento são muito consistentes. Essas
pesquisas mostraram padrões de crescimento e desenvolvimento similares ao de
gramíneas de clima temperado, variando apenas a magnitude dos processos.
Possivelmente, a avaliação de pastos consorciados com base nesses
protocolos pode auxiliar na determinação de metas de manejo adequadas.
Objetivando, assim, encontrar o momento mais adequado para a entrada e saída
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dos animais (lotação intermitente) e/ou condições adequadas de alturas (lotação
contínua) em pastos consorciados.
Adicionalmente, Da Silva (2008) revela que gramíneas de clima tropical,
devidamente
manejadas,
possuem
forragem
de
elevado
valor
nutritivo,
apresentando valores de proteína bruta variando de 12 a 18% e digestibilidade
variando de 60 a 70%, durante a estação de crescimento. Portanto, os animais em
pastejo conseguiriam atender suas exigências sem a necessidade de leguminosas
consorciadas como fonte de proteína. Filosoficamente, a necessidade da presença
da leguminosa e os benefícios correspondentes seriam, de fato, inerentes à
fixação biológica do nitrogênio, aumentando a produção da gramínea e rreduzindo
custos de produção, sem ameaçar e/ou poluir o meio ambiente, e não ao maior
teor de proteína da leguminosa (Da Silva, 2008).
Vale ressaltar que “só existe fixação biológica se existe a leguminosa”.
Nesse contexto, a leguminosa teria que ser capaz de co-existir com a gramínea no
pasto, mantendo o equilíbrio das espécies na área e a composição florística dos
pastos. Para isso, em função das grandes diferenças fisiológicas e de eficiência de
uso de fatores de crescimento, seria interessante que no processo de competição
estabelecido durante a rebrotação, após o pastejo, fosse assegurada certa
vantagem competitiva para a leguminosa, de tal forma que ela pudesse se manter
na área. Assim, a frequência e a severidade de desfolhação dessas plantas
deveriam ser menores relativamente às gramíneas. Essa é uma condição
associada com menor preferência e aceitabilidade da leguminosa pelos animais,
situação oposta ao que se buscava anteriormente para essas plantas. Essa
característica corresponde basicamente a um mecanismo de resistência ao
pastejo por meio de investimentos em preterimento ou tolerância.. No entanto, é
possível
que
a
resistência
possa
ser
gerada
nessas
plantas
sem
comprometimento de seu consumo. Essa resistência poderia ser gerada por meio
de investimentos em alta disponibilidade de pontos de crescimento e meristemas e
dificuldade de decapitação dos mesmos como as leguminosas do gênero Arachis,
o
que
permitiria
elevada
velocidade
de
recuperação
das
leguminosas
relativamente às gramíneas quando desfolhadas (Da Silva, 2008).
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8. Considerações finais
À luz de tudo o que foi discutido, parece impossível a utilização de
leguminosas e gramíneas tropicais de maneira associada. Contudo, Da Silva
(2008) ressalta a necessidade de refletir e reavaliar alguns conceitos e premissas
básicas que regem a produção animal em pasto. Quando todos esses aspectos
são considerados observa-se que é preciso revisar conceitos e mudar paradigmas
relativos às plantas forrageiras tropicais, gramíneas e leguminosas, no qual o
grande desafio das pesquisas será o entendimento e a compreensão de aspectos
dinâmicos de população mista de plantas. Para isto é necessário respeitar os
limites de tolerância e resistência de cada espécie envolvida no ambiente de
consórcio. Observa-se, então, que essa é uma área de conhecimento
multidisciplinar e requer esforços conjuntos e trabalho colaborativo entre grupos
de pesquisa de diferentes instituições.
9. Referências bibliográficas
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uma
reflexão.
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ENCONTRO
TÉCNICO
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