Hiperaldosteronismo primário Leonardo Vieira Neto Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro Serviço de Endocrinologia do Hospital Federal da Lagoa Conflitos de interesses Conselho Federal de Medicina (1595/2002) e resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (RDC 102/2000). Não há conflitos a declarar. Agenda ü Apresentação clínica ü Em quem invesMgar ü Como invesMgar ü Cuidados na solicitação e interpretação dos testes bioquímicos ü Tratamento Definição ü Grupo de desordens caracterizadas pela produção excessiva e relaMvamente autônoma de aldosterona pelo tecido anormal da zona glomerulosa, não suprimível pela sobrecarga de sódio. ü Efeitos: ü Supressão da aMvidade plasmáMca de renina (APR); ü Clinicamente manifesta-­‐se com hipertensão arterial e em 1/3 dos casos hipocalemia e alcalose metabólica. Kater et al, Arq Bras Endocrinol Metabol 2004; Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Sukor N, Eur J Int medicine 2011 Apresentação e prevalência ü Hipertensão “essencial” ü Estágio 1 – 2% ü Estágio 2 – 8% ü Estágio 3 – 13% ü Hipertensão refratária – 17-­‐23% ü Hipertensão + hipocalemia – ? ü Incidentaloma adrenal + hipertensão – 2% Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Sukor N, Eur J Int medicine 2011; Baglvo et al, Am J Therap 2011 Etiologia ü Hiperplasia adrenal idiopáMca (HAI) – 60% ü Adenoma produtor de aldosterona (APA) – 35% ü Carcinoma adrenal – < 1% Esporádica X Familiar ü Hiperaldosteronismo remediável por glicocorMcoide (hiperaldosteronismo familiar Mpo I) – <1% ü Hiperaldosteronismo familiar Mpo II – Raro ü Hiperaldosteronismo familiar Mpo III – Raro Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Sukor N, Eur J Int medicine 2011; Mulatero et al, Rev Endocr Metab Disord 2011, Lenzine et al, J Clin Endocrinol Metab 2015; Zennaro et al, Eur J Endocr 2013; Scholl et al, Clin Endocr 2015. Etiologia Scholl et al, Clin Endocr 2015. Etiologia Adenoma produtor de aldosterona (APA) ou aldosteronoma ü Quase sempre unilateral (98%) e geralmente tem menos de 2-3cm ü Não responde ao estímulo de angiotensina II (i.e., não responde às manobras que intervêm no SRAA) Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Sukor N, Eur J Int medicine 2011; Mulatero et al, Rev Endocr Metab Disord 2011, Lenzine et al, J Clin Endocrinol Metab 2015; Zennaro et al, Eur J Endocr 2013; Scholl et al, Clin Endocr 2015. Etiologia Adenoma produtor de aldosterona (APA) ou aldosteronoma ü Em cerca de 40% dos casos do APA estudados em populações ocidentais, são encontradas mutações somáticas no gene KCNJ5 (potassium inwardly-rectifying channel, subfamily J, member 5) (11q24), que codifica o canal de potássio GIRK4 Mulatero et al, Nat. Rev. Endocrinol, 2012. Etiologia Adenoma produtor de aldosterona (APA) ou aldosteronoma ü Outras mutações somáticas: genes que codificam dois membros da família da ATPase tipo P à ATP1A1 (1p13-p11) e ATP2B3 (Xq28). 6,8% dos APA, com predominância do sexo masculino e exclusivamente naqueles em que não há mutação do KCNJ5 Mulatero et al, Nat. Rev. Endocrinol, 2012. Etiologia Hiperplasia adrenal idiopática (HAI) ou bilateral ü Hiperplasia bilateral da zona glomerulosa, resposta aumentada da aldosterona ao estímulo pela angiotensina II e menor produção de aldosterona e supressão da ARP em comparação com o APA Mulatero et al, Nat. Rev. Endocrinol, 2012. Etiologia Kater et al, Arq Bras Endocrinol Metabol 2004. Quadro clínico ü Hipertensão arterial. Os níveis pressóricos tendem a ser mais elevados em pacientes com APA do que com HAI ü Fadiga, astenia, fraqueza muscular, paralisia periódica ü Parestesias com tetania franca, com sinais de Chvostek e Trousseau positivos – secundários a alcalose ü Polidipsia e poliúria ü Alcalose metabólica ü Edema de MMII – só ocorre se ICC ou nefropatia, devido “escape” de sódio ü Intolerância à glicose ou diabetes podem ser encontrados em até 25% dos pacientes, em consequência à redução da secreção de insulina induzida pela hipopotassemia. Investigação clínica Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008 Quando investigar? ü HAS + Hipocalemia espontânea ou induzida por diurético ü Todos os pacientes hipertensos resistentes ü PA controlada com 4 ou mais drogas anti-HAS ü Pacientes estágio 2 e 3 ü Incidentaloma adrenal em pacientes hipertensos ü HAS + Pacientes com apneia do sono ü Nos casos de hipertensão ou história familiar de HAS ou AVC em idade jovem (<40 anos) ü Nos parentes de primeiro grau de pacientes com hiperaldosteronismo primário Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Teste de rastreio Teste de rastreamento para hiperaldosteronismo primário Relação = Concentração de aldosterona plasmáMca (CAP) em ng/dL AMvidade plasmáMca de renina (APR) em ng/mL/h Hiperaldosteronismo: Relação > 30; CAP > 15 (preferencialmente) Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008 Armadilhas Questões pré-­‐analíMcas Prevalência da doença na população Sensibilidade e especificidade do teste Interpretação do resultado Investigação laboratorial Questões pré-­‐analíRcas Corrigir a hipocalemia Dieta livre em sódio Caso necessário melhorar níveis de pressão arterial, iniciar medicamentos com pouca interferência no SRAA: Verapamil, Hidralazina, Prazosin, Terazosin ou Doxazosin Colete o sangue pela manhã. O paciente não deve ter se deitado nas úlMmas 2 horas (sentado, em pé, caminhando). Colocar o paciente sentado por 5-­‐15 minutos antes da coleta. Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008 Investigação laboratorial Questões pré-­‐analíRcas -­‐ Drogas ReMrar por 4-­‐6 semanas medicamentos que afetam marcadamente a Relação CAP/APR: Espironolactona, Eplerenona, Amilorida e Triantereno Beta-­‐bloqueador, alfa-­‐meMldopa e clonidina: reduz a APR e CAP, aumentando a relação IECA e BRA: podem aumentar APR e reduzir a relação à Uma relação aumentada sugere fortemente o diagnósMco em pacientes em uso dessas medicações Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Sukor N, Eur J Int medicine 2011; Baglvo et al, Am J Therap 2011 Investigação laboratorial Questões analíRcas Cuidados na interpretação da relação CAP/APR: Estabelecida quando a renina é expressa como aMvidade Métodos imunométricos que dosam diretamente a renina à APR de 1 ng/mL/h converte para uma renina direta de aproximadamente 5,2 ng/L (Nichols InsMtute DiagnosMcs ou Bio-­‐Rad Renin II RIA) Quimioluminescência à APR de 1 ng/mL/h PRA converte para uma renina direta de aproximadamente 7,6 ng/L (Diasorin) Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Sukor N, Eur J Int medicine 2011; Baglvo et al, Am J Therap 2011 Investigação laboratorial Questões analíRcas ARP muito baixa, geralmente suprimida à A relação vai depender da sensibilidade dos ensaios, especialmente da aMvidade de renina. Supondo um paciente com a ARP maximamente suprimida, com a CAP de 16: Kit com limite de detecção de APR de 0,6 ng/mL/hora, a relação é 26,7. Se a ARP fosse dosada por um kit com maior sensibilidade (limite de detecção de 0,1 ng/mL/hora), a relação seria de 160. Investigação laboratorial Questões analíRcas Ensaio da renina deve ser suficientemente sensível para medir níveis de renina baixos (ex.: 0,2–0,3 ng/mL/h) No entanto… … níveis muito baixos de renina (ex: 0,1ng/mL/h), eleva a RAR mesmo com aldosterona baixa (Ex.: 4ng/dL) à RAR 40!!! à Aldosterona mínima de 15 ng/dL à Porém isso pode levar a “perder”pacientes com HAI. à AlternaMvamente: Corrigir a APR para 0,5 ng/mL/h ? Investigação laboratorial Indicação de investigação de HAP Dosar aldosterona plasmática (CAP) + atividade plasmática de renina (APR) APR ↑, CAP ↑ Investigar: • Causas de aldosteronismo secundário • Hipertensão renovascular • Uso de diuréticos • Tumor secretor de renina • Coarctação da aorta APR ↓, CAP ↑ CAP/APR (RAR) > 30 Teste confirmatório APR ↓ , CAP ↓ Investigar: • Uso de mineralocorticoide • Síndrome de Cushing • Deficiência de 11HSD • Síndrome de Liddle Investigação laboratorial Relação aldosterona/atividade plasmática de renina (RAA) RAA≥30 Rastreamento Positivo RAA<30 Excluído HAP HipoK espontânea APR indetectável CAP > 20 ng/dL Confirmatório Proceder teste confirmatório: - Sobrecarga salina - Sobrecarga oral de sódio Teste negativo - Teste da Fludrocortisona - Teste do captopril Teste positivo Confirmado HAP Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Investigação laboratorial ü ü ü Teste de sobrecarga oral de sódio: após o controle da hipertensão e da hipocalemia. Adição de 3 g de sal de cozinha por 3 dias (6 g de sal/dia). Se necessário, repor potássio. No terceiro dia, colhe-­‐se urina de 24 h para medir aldosterona, Na+ e K+. Excreção de aldosterona > 12-­‐14 mcg em 24 h na presença de Na+ > 200-­‐250 mEq, é consistente com HAP. O K está inapropriadamente alto na urina (>30mEq). Teste de infusão de solução salina: 2.000 mL de SF0,9% durante 2h (4 a 6 horas se risco de descomp. Cardíaca). CAP pós-­‐infusão > 10ng/dL confirma a produção autônoma de aldosterona; <5 ng/dL exclui. Teste da fludrocorRsona: 0,1 mg de fludrocorMsona a cada 6 h por 4 dias. CAP > 6 ng/dL às 10:00 (na presença de ARP < 1 mg/mL.h) confirma o diagnósMco de HAP. CorMsol às 10:00 menor que às 07:00. Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Avaliação por imagem ü Todos os pacientes com HAP devem fazer TC adrenal na invesMgação inicial dos Mpos de HAP e para excluir carcinoma adrenocorRcal Investigação laboratorial ü TC adrenal tem várias limitações para diferenciar APA e HAI: ü Pequenos APA podem ser interpretados incorretamente HAI ü Aparentes microadenomas adrenais podem representar áreas de hiperplasia. Macroadenomas unilaterais não funcionantes não são incomuns, especialmente em pacientes > 40 anos e são indisMnguíveis dos APA na TC ü Concordância entre TC/RM e cateterismo de veias adrenais é observado em 38%. Se apenas a imagem fosse usada: ü 19% dos pacientes teriam sido inapropriadamente excluídos da cirurgia ü 15% teriam sido inapropriadamente operados ü 4% a cirurgia ocorreria do lado incorreto Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2008; Weiner D, Semin Nephrol 2013; Sica DA, J Clin Hypertension 2008; Kempers et al, Ann Intern med 2009 Pacientes com hipertensão e risco aumentado para HAP HAP improvável RAR para detectar casos + Paciente relutante/ incapaz para procedimento + - HAP improvável Teste confirmatório Sem indicação para teste confirmatório TC de adrenal Se a cirurgia não é desejada ↓ K+ Renina ↓↓↓ CAP > 20ng/dL Tratar com antagonista do receptor de mineralocorticoide Se a cirurgia é desejada Teste para subtipo de HAP Cateterismo de veias adrenais Bilateral Antagonista do receptor de mineralocorticoide Unilateral Adrenalectomia laparoscópica Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Investigação etiológica Cateterismo bilateral das veias adrenais Padrão-­‐ouro para definição da eMologia do HAP à S = 95% e E = 100%. A dosagem de CAP é dividida pela de corMsol realizada na mesma amostra, gerando um valor de CAP corrigido para cada veia adrenal. O exame é considerado posiMvo para lateralização quando a relação entre os dois lados for > 2:1 sem esMmulação com ACTH sintéMco. Durante o esymulo com ACTH, uma relação de CAP entre o maior e o menor lado > 4:1 é indicaMva de secreção unilateral de aldosterona, enquanto um valor < 3:1 é sugesMvo de doença bilateral. Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Investigação etiológica Cateterismo bilateral das veias adrenais Pacientes com índices de lateralização entre 3: 1 e 4: 1 podem ter doença unilateral ou bilateral e os resultados do cateterismo devem ser interpretados em conjunto com a clínica, TC e exames complementares. Os concentrações de corMsol na veia adrenal e na veia periférica são usados para confirmar cateterização bem sucedida. CorMsol adrenal/periférico > 10:1 (protocolo de infusão conynua) e > 3:1 sem o uso de ACTH Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Pacientes com hipertensão e risco aumentado para HAP HAP improvável RAR para detectar casos + Paciente relutante/ incapaz para procedimento + - HAP improvável Teste confirmatório TC de adrenal Se a cirurgia não é desejada ↓ K+ Renina ↓↓↓ CAP > 20ng/dL Sem indicação para teste confirmatório Tratar com antagonista do receptor de mineralocorticoide Se a cirurgia é desejada Teste para subtipo de HAP Cateterismo de veias adrenais Bilateral Antagonista do receptor de mineralocorticoide <35-40 anos + imagem típica de adenoma + hipocalemia Unilateral Adrenalectomia laparoscópica Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Tratamento l l l l l l l Recomenda-­‐se que a hipertensão e a hipocalemia estejam controladas antes da cirurgia (K > 3,0 mEq/L). CAP e APR devem ser medidas logo após cirurgia como indicador de resposta bioquímica No D1 pós-­‐operatório deve ser suspensa a reposição de potássio e a espironolactona e avaliar reduzir a terapia anM-­‐HAS Durante as primeiras semanas: dieta com quanMdade generosa de sódio para evitar hipercalemia (hipoaldosteronismo devido a supressão da glândula contralateral) A pressão normaliza-­‐se em 1-­‐6 meses no APA podendo levar ate 1 ano Alguns pacientes podem necessitar de fludrocorMsona até recuperação da glândula contralateral Para pacientes com doença bilateral (hiperplasia adrenal idiopáMca, APA bilateral e GRA) recomenda-­‐se tratamento com espironolactona ou eplerenona Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Tratamento Espironolactona ì Tratamento de escolha. ì Reduz a necessidade de anM-­‐hipertensivos e reduz a pressão arterial ì A incidência de ginecomasMa é relacionada à dose, com um estudo relatando uma incidência após 6 meses de 6,9% (50mg/ d) e 52% com >150 mg/d ì A dose inicial deve ser 12,5-­‐25 mg diariamente, em dose única. A dose de 100 mg/d é suficiente!!! Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Tratamento Eplerenona } Não possui os efeitos anMandrogênicos e progestogenicos da espironolactona } Tem 60% da potência da espironolactona, melhor tolerabilidade porém seu custo é mais elevado } Deve ser administrada 2x/dia Outros agentes } Amilorida: diuréMco poupador de potássio, podendo melhorar tanto a PA como a hipocalemia dos pacientes com HP. Geralmente é bem tolerado e não possui efeitos anMandrogênicos da espironolactona } A dose inicial é de 25 mg uma 1-­‐2/dia Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Tratamento ì Em pacientes com HFI, recomenda-­‐se menor dose de glicocorMcoides possível em vez de tratamento com um antagonista mineralocorMcoide ì HFI deve ser tratado com um glicocorMcoide para suprimir parcialmente a secreção de ACTH. Recomenda-­‐se dexametasona ou prednisona. Idealmente devem ser tomados ao deitar, para suprimir o aumento de ACTH início da manhã. ì O tratamento com um glicocorMcoide nem sempre pode normalizar a pressão arterial e adição de um antagonista MR deve ser considerado ì A dose inicial de dexametasona em adultos é 0,125-­‐0,25mg por dia. A dose inicial de prednisona é 2,5-­‐5 mg por dia Funder et al, J Clin Endocrinol Metab 2016 Conclusões O clínico deve estar atento às situações em que o HAP deve ser invesMgado A interpretação da relação CAP/APR depende de fatores pré-­‐ analíMcos e analíMcos Impacto de condições associadas e interferentes (drogas) nas dosagens Limitação do exame de imagem Grupo da adrenal -­‐ UFRJ Professores Adjuntos Leonardo Vieira Neto Michelle Botelho Silvio Cunha Doutorado Aline Barbosa Moraes Daniel Alves Bulzico Monique de Oliveira Rodrigues Professor Substituto Mariana Arruda Mestrado Andrea Fragoso Emanuela Mello Ribeiro Felipe Morais Marcela Pessoa Mariana Arruda Colaboradores Nathalie Silva Inicação Científica Guilherme Bilro