OTITE MÉDIA AGUDA (OMA) OTITE MÉDIA AGUDA RECIDIVANTE OTITE MÉDIA SECRETORA ou EXSUDATIVA CRÔNICA As doenças do ouvido médio se apresentam como problema agudo, recidivante ou crônico. Estão associadas às infecções agudas das vias aéreas superiores, a rinopatia alérgica ou por irritantes, a hipertrofia sintomática das adenóides e das tonsilas palatinas. É a principal causa de deficiência auditiva na criança. A conduta exige a classificação da forma clínica da otite média: Episódio isolado de OMA com tímpano íntegro (até três episódios, em 6 meses). Neste grupo está incluída a miringite (ou timpanite) bulosa. Episódio isolado de OMA com tímpano roto. Episódios recidivantes de OMA (mais de três episódios em 6 meses). Otite média recidivante ou crônica com tímpano roto (otorréia crônica). Otite média com mastoidite. A semiótica para chegar a esta classificação considera antecedentes pessoais (várias otites? tubos de ventilação, adenoidectomia) e dos familiares. Também procura variáveis epidemiológicas (escolinha? piscina?) e a coexistência de doença adenoidiana ou amigdaliana. A otoscopia de boa qualidade é essencial. Em certos pacientes há necessidade de exames complementares (timpanometria, rinofibroscopia, Rx do cavum e outros) e de interconsulta com o otorrino. As últimas providências devem ser adotadas pelo pediatra assistente. Se a família não tem esse médico acompanhante, fale sobre a importância desse profissional, e até indique otorrino para discutir o quadro. Neste capítulo será discutida a conduta para a fase aguda do processo, na emergência. EPISÓDIO ISOLADO DE OMA COM TÍMPANO ÍNTEGRO (até três episódios agudos em 6 meses) e MIRINGITE BULOSA A decisão mais importante é a indicação ou não de antibiótico. Há evidências de que 6080% das OMA resolvem com placebo. A maioria dos enfermos não precisa de antibiótico. Reflitam bem sobre a prescrição e sobre o diálogo com a família. Algumas aceitarão facilmente a não prescrição do antibiótico. Outras não. Então há duas posturas possíveis quando se define que a criança porta essa forma de OMA: 1) Há dúvida sobre a indicação do antibiótico: Fale francamente sobre a doença, a opção de não indicar antibiótico nesse momento, a ausência de riscos e a importância do seguimento que permitirá ajuste na conduta, se for o caso. Converse com os familiares sobre sinais de agravamento que indicarão mudança na conduta. Transmita segurança e que não há risco de aguardar algumas horas. Observe por 12 a 24 horas e prescreva acetaminofen e lavagens nasais com soro fisiológico. Recomende procurar o pediatra assistente ou voltar ao serviço se houver sinais de agravamento. Indique a conduta delineada a seguir quando há segurança sobre o uso do antibiótico. 2 ) Não há dúvida sobre a indicação do antibiótico: Lembre que S. pneumoniae causa 40 a 50 % das OMA, o H. influenzae 20 a 30 % e a B. catarrhalis 10 a 15 % (dados dos EUA) e que estão surgindo cepas do pneumococo resistente à penicilina. Uma boa parte dos hemófilos e quase a totalidade das B. catarrhalis produzem betalactamases, portanto resistentes às penicilinas. As opções terapêuticas atualmente aceitas como as mais indicadas são: ANTIBIOTICOTERAPIA: Paciente não usou amoxacilina no último mês: receite amoxacilina que os estudos atuais mostram que pode ser prescrita em 2 esquemas : ESQUEMA DE TRÊS DOSES: 40 mg/kg/dia, por 10 dias ESQUEMA DE DUAS DOSES : 40 mg/kg/dia, por 10 dias. Há estudos que indicam que é tão eficiente quanto melhor aderência ao tratamento. o de 3 doses e garante observação importante = a amoxacilina apresentada pela indústria como BD é a mesma substância nas apresentações classicamente usadas. Assim uma das marcas de amoxacilina usadas há algum tempo pode ser empregada no esquema de duas doses. FALHA TERAPÊUTICA - Se o paciente apresenta critérios de falha terapêutica (ver a seguir) indicar dose dupla de amoxacilina ou associação amoxacilina/clavulanato, como se descreve logo em seguida. Paciente usou corretamente amoxacilina no último mês e o quadro não é importante: prescreva amoxacilina em dose mais elevada (80 mg/kg/dia), por 10 dias, também usando esquema de 3 ou de 2 doses. O aumento da dose visa tratar as infecções por pneumococo com sensibilidade reduzida às penicilinas (também conhecidos como parcialmente resistentes). FALHA TERAPÊUTICA – indicar amoxacilina/clavulanato? Cefuroxima? Miringotomia? Paciente usou corretamente amoxacilina no último mês e o quadro é intenso, com febre alta, certo grau de toxemia e alterações importantes da membrana timpânica: recomende a associação amoxacilina–clavulanato. A dose dos dois fármacos é: (amoxacilina = 40 mg/kg/dia; clavulanato = 6 mg/Kg/dia ) por 10 dias. Os esquemas de três doses e o de 2 duas doses podem ser usados. observação importante = use a apresentação de amoxacilina/clavulanato comercializadas como BD ou 2X, pois a proporção amoxacilina / clavulanato é 7/1. Essa causa menos diarréia e parece ser tão eficiente quanto às outras formulações onde a relação entre as duas substância é de 4/1. FALHA TERAPÊUTICA – Ceftriaxone IM? Miringotomia? Paciente usou outros antibibióticos : a) se foi empregada uma droga recomendada para a OMA, dependendo da gravidade clínica, há algumas alternativas: se o caso for sem gravidade, é possível expectar e adotar medidas em interconsulta com o pediatra assistente ou o otorrino. Se o quadro é significativo, indicar fármaco diferente do que foi antes usado (exemplo – se cliente usou cefaclor, é possível empregar a amoxacilina na dose mais elevada) e discutir com o pediatra assistente e/ou otorrino. b) Se o fármaco usado não é recomendado para a OMA (eritromicina e outros), usar a amoxacilina na dose habitual. FALHA TERAPÊUTICA – Miringotomia? OUTRAS MEDIDAS: Adote as seguintes orientações sintomáticas e para controle da evolução e da resposta ao tratamento antibiótico: Indique para acompanhamento com o pediatra assistente, enfatizando a importância dos controles pois o paciente pode necessitar de ajustes na terapêutica. Controle cuidadosamente nas primeiras 48 horas, se o pediatra assistente não for acompanhar a evolução. Nesse prazo deve haver melhoria significativa com desaparecimento da febre e melhoria de todo o quadro geral e local. A otalgia cede e otoscopia deve mostrar menos sinais de inflamação. Prescreva SF nasal e explique que o antibiótico resolve a rinite e/ou sinusite que acompanham o quadro. Mude o antibiótico se há dados sugestivos de falha, ou mesmo agravamento do quadro, após período válido da terapêutica e após certeza de que a droga está sendo ministrada corretamente (atenção para o cumprimento da prescrição). Mude também se há indicativos de intolerância ou alergia aos fármaco usado. Controle mais cuidadosamente se houve falha e indicação de mudança no esquema antibiótico. Com mais razão, nessa fase, o pediatra assistente deve ser envolvido. Solicite apoio do otorrinolaringologista se o enfermo volta sem resposta, após 2 ou 3 dias desse tratamento. Alguns pacientes podem precisar de miringotomia, ou de outros procedimentos especiais. QUESTÕES IMPORTANTES: CEFALOSPORINAS ORAIS: Caso a troca do antibiótico é por alergia ou intolerância prescreva cefuroxima (30 mg/kg/dia, máximo de 250 mg, 2 doses) por 10 dias. Os estudos atuais favorecem o uso da cefuroxima e não o das outras cefalosporinas orais e divulgadas como medicamentos para o tratamento da OMA (ver nota abaixo sobre outros antibióticos e quimioterápicos para a OMA). Outras cefalosporinas para uso oral, cefprozil (30 mg/Kg/dia, 2 doses/dia), cefixima (8 mg/kg/dia, 1 dose/dia), cefaclor (20 mg/kg/dia, 2 doses/dia) e cefetamet (10 mg/kg/dia, 2 doses/dia), todas por 10 dias, ainda podem ser consideradas alternativas terapêuticas para a OMA, mas menos eficazes que a cefuroxima. CEFALOSPORINA INJETÁVEL (ceftriaxona): indique a ceftriaxona (50 mg/kg/dia IM em dose única) por 3 dias, para pacientes que vomitam a medicação oral ou extremamente difíceis de serem medicados por via oral. Sulfametoxazol-trimetoprim, antes eficiente, atualmente tem utilidade questionada em países onde há estudos sobre a etiologia da OMA e sobre as modificações do perfil da sensibilidade antibiótica ao longo do tempo. Os pneumococos penicilino resistentes também o são a essa associação. Mas a OMS ainda admite o uso dessa associação para o tratamento das infecções respiratórias, e mesmo da pneumonia, em países pobres. Claritromicina, axitromicina, eritromicina e miocamicina não devem ser empregadas para o tratamento da OMA. MIRINGITE BULOSA: Atenção para o diagnóstico diferencial entre miringite bulosa e a lesão observada quando a membrana timpância está a ponto de se romper face à intensa infecção bacteriana. Esse e outros aspectos tornam difícil o diagnóstico de certeza de miringite bulosa e, com freqüência, se indica antibiótico como na OMA. A miringite bulosa pode ser provocada por vírus ou micoplasma e deve ser tratada sem antibiótico se não existirem dúvidas quanto ao diagnóstico. Analgésico ajuda pois o quadro é muito doloroso. Calor local e gotas auriculares anti-álgicas são medidas sintomáticas de segunda linha. Informe que a resposta é rápida e que em 24-48 horas há melhora evidente. Se isso não acontecer oriente para voltar para rediscutir a situação. MIRINGOTOMIA: procedimento indicado e realizado pelo otorrino, mas sempre a partir de casos triados pelo pediatra, após falha a pelo menos dois esquemas antibióticos corretamente realizados, com dados clínicos de infecção importante. EPISÓDIO ISOLADO DE OMA COM TÍMPANO ROTO Adote a conduta antibiótica antes referida, para OMA, por 14 dias. Limpe a orelha externa e a parte visível do conduto auditivo com algodão seco, enrolado no dedo. Não use cotonete ou algodão enrolado em palitos ou coisa semelhante. Fale com o familiar sobre isso. Não use medicação tópica. Explique que tímpano cicatriza rapidamente, que não há prejuízo para a audição com uma ou duas roturas da membrana. Encaminhe ao médico assistente para concluir o tratamento e solicitar especialista se julgar importante. EPISÓDIOS RECIDIVANTES DE OMA (mais de três episódios em 6 meses ) Ocorre, na maioria das vezes, em menores de dois anos e é geralmente associada a doença respiratória recidivante (IVAS muito freqüentes - escolinha?) ou crônica (hipertrofia de adenóides e rinosinusopatia alérgica ou por irritante - piscina? fumo?). Também pode decorrer de problema especial, tipo deficiência imunológica. A mamadeira oferecida com a criança deitada também favorece o quadro. Há dois quadros distintos: Ouvido médio aerado entre os quadros agudos (otite recidivante). Ouvido médio não aerado. Nesse caso o ar é substituído por exsudato crônico (otite secretora ou com efusão crônica). É o quadro mais significativo, onde há deficiência auditiva. A conduta na emergência pediátrica não muda muito pois o urgentista deve cuidar apenas da fase aguda: Analise a terapêutica anterior para decidir o que indicar. Receite fármaco diferente do que foi usado e por maior tempo. Habitualmente recomende os produtos para OMA, citados como drogas de segunda linha (ver orientação para OMA com tímpano íntegro, episódio isolado). Oriente sobre outras medidas, como para o episódio isolado. Informe ao familiar que a conduta na fase crônica/recidivante é tarefa do pediatra assistente. Diga ao familiar que esse não é enfermo para estar sendo cuidado em emergência: "hoje eu, e daqui a alguns dias outro colega; não é bom para seu filho". Fale para procurar médico assistente, "com esta cartinha aqui que cita que nos últimos 3 meses o menino apresentou três episódios de otite média “ . Outra situação freqüente, na emergência pediátrica, é a criança com tubos de ventilação e que, na vigência ou não de infecção aguda de via aérea superiores, apresenta otorréia. A indicação da antibioticoterapia para essas crianças, pelo urgentista, só se justifica se há um ou mais dos sintomas/sinais a seguir citados: febre, dados sugestivos de sinusite e otorréia abundante. O tratamento local é o mesmo referido para a OMA com tímpano roto. É evidente que o cliente deve ser referido ao pediatra assistente que deve dialogar com o especialista que colocou o tubo de ventilação. OTITE MÉDIA CRÔNICA COM TÍMPANO ROTO // OTORRÉIA CRÔNICA A etiologia e a patogenia são complexas. Pseudomonas e outros Gram negativos de alta morbidade podem estar envolvidos. Também colesteatomas e outras afecções especiais são encontradas. A conduta é a seguinte: Encaminhe ao pediatra assistente que decidirá sobre contato com o especialista. Oriente para limpar apenas a orelha externa, com um pouco de algodão enrolado no dedo, e nada introduzir (cotonetes, por exemplo) no conduto. Prescreva gotas auriculares com antibiótico. Prescreva antibiótico (ver otite média com mastoidite), se há febre, doença significativa de VAS com infecção bacteriana, OTITE MÉDIA COM MASTOIDITE A mastoidite á a complicação mais temida das infecções bacterianas do ouvido médio. Ocorre em qualquer uma das formas, mas, sobretudo, com as formas recidivantes e crônicas. É caracterizada por aumento de volume retro-auricular acompanhado de deslocamento do pavilhão auricular para fora e para a frente, com sinais flogísticos (dor e calor), na região da mastóide. Há sinais sistêmicos de infecção importante, com curva leucocitária de características bacterianas, e resposta precária ao tratamento antibiótico usual para a otite média. É importante fazer semiótica para a afecção em cada criança com otite média, sobretudo nas recidivantes, crônicas e nas que não respondem ao tratamento inicial. O quadro é evitado pelo tratamento antibiótico oportuno e correto da otite média. A conduta recomendada é: Indique internamento. Fale com o pediatra assistente, ou na ausência dele, solicite parecer do otorrino. Pacientes precisam de abordagem especializada com tomografia da mastóide e outros procedimentos que fogem ao conhecimento do pediatra geral. A conduta global é definida pela equipe pediatra assistente + urgentista + otorrino. Trate com ceftriaxona IM/IV + gentamicina ou com o esquema recomendado pela equipe terapêutica. CONDUTAS EM ESTUDO: Monitoramento contínuo da sensibilidade dos agentes bacterianos causais da OMA para adequar a antibioticoterapia. Períodos mais curtos de antibioticoterapia. Outros mecanismos de profilaxia da doença, desde que antibiótico e a quimioprofilaxia, recomendadas até recentemente, não são aceitas face ao potencial de indução da resistência aos fármacos. Nesse sentido parece que a vacina antipneumocócica será útil. CONDUTA SEM BASE CIENTÍFICA: Anti-inflamatórios hormonais (cortisona) ou não-hormonais. Vasoconstrictores nasais ou sistêmicos e anti- histamínicos. Gotas auriculares com anestésicos ou antibióticos nos quadros agudos. EXPERIÊNCIA DOS MAIS “VIVIDOS” Esse conjunto de doenças oferece ao médico, e ao serviço onde trabalham, uma excepcional oportunidade para mostrar competência e qualidade. Competência e qualidade para analisar dados simples (está na escolinha? pratica natação? dá mamadeira com a criança deitada?) e de ouvir antecedentes e história com argúcia, dirigindo o interrogatório para aspectos importantes para a decisão clínica (já teve otite?; de noite, respira com a boca fechada? ouve bem? já foi a otorrinolaringologista?). Competência e qualidade para conhecer o que é um bom otoscópio, com boa iluminação, e para imobilizar com carinho um lactente de 8 meses ou UM pré-escolar, ambos difíceis de serem examinados. Aspectos fundamentais para otoscopia de boa qualidade. Competência e qualidade para conhecer a biologia dos patógenos envolvidos (vírus e bactérias) e as características farmacológicas das drogas usadas no tratamento, analisando que essas enfermidades são a principal causa de uso de antibióticos na medicina ocidental moderna, e uma das maiores causas de procura por assistência médica. Competência e qualidade para reconhecer o que o tratamento oferece de benefícios e de malefícios, a história natural das enfermidades, com e sem tratamento, e as complicações. E tudo isso pode ser conseguido em uma consulta, mesmo rápida e dirigida, como é a do urgentista. Consulta que é o momento mais freqüente onde o médico e o serviço demonstram competência e qualidade e onde os familiares passam a acreditar em ambos.