C A D E R N O S D I S C E N T E S C O P P E A D No 21 2003 SUMÁRIO Editorial 4 O “Departamento” de Marketing deveria Acabar? Moisés Gabriel Fernandes da Silva 5 Ser Pioneiro no Mercado: Vantagem ou Desvantagem? Paulo Liebergott 10 Segmentação, Targeting e Posicionamento e Inteligência Competitiva Eduardo S. Spiller 17 O Fim do Ciclo de Crescimento das Empresas de Tecnologia? Uma Breve Análise Sobre a Atuação e as Perctivas dessa Indústria Maribel Carvalho Suarez 59 Mercados Maduros: Estudo de Um Empreendimento na Indústria Brasileira de Food Service Marcelo Miguel Fremder 64 Internacionalização da Churrascaria Porcão: Estudo de Caso Gustavo Sued Ferreira, Marina Helena T. Gervásio e Monique Rubim 73 Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 1-90, 2003 Editores Cesar Gonçalves Neto Ursula Wetzel Conselho Técnico Professores do COPPEAD Alunos do programa de doutorado do COPPEAD: Isabella Sacramento, Josete Florêncio dos Santos Externos: José Roberto Gomes da Silva, PUC-Rio Luiz Brandão, PUC-Rio Marie Agnes Chauvel, IBMEC Nilda Leone, Universidade Estácio de Sá Ricardo Bordeaux, PUC-Rio Sandra Regina da Rocha Pinto, PUC-Rio Assistente do Editor Regina Helena Meira de Castro Projeto Gráfico e Capa Raquele Mendes Coelho Editoração Regina Helena Meira de Castro Revisão de Português Maria Emilia Barcellos da Silva Correspondências devem ser enviadas para: COPPEAD/UFRJ Cadernos Discentes COPPEAD Caixa Postal 68514 21941-970 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 2598-9841 Fax: (21) 2598-9817 e-mail: [email protected] Direitos e Permissão de Utilização As matérias assinadas são de total e exclusiva responsabilidade dos autores. Todos os direitos são reservados ao COPPEAD/UFRJ. É permitida a publicação de trechos e de artigos, com autorização prévia e identificação. Cadernos Discentes COPPEAD é uma publicação do COPPEAD/UFRJ com o objetivo de estimular e divulgar a produção acadêmica do corpo discente do Coppead, constituída pelos alunos dos cursos de Mestrado e Doutorado. APRESENTAÇÃO Os CADERNOS DISCENTES COPPEAD têm por objetivo divulgar a produção de alunos e ex-alunos de Mestrado e de Doutorado. Dentro de uma filosofia de integrar teoria e prática, é comum que os alunos sejam solicitados a realizar pesquisa e a escrever casos relativos aos conteúdos abordados nas diversas disciplinas. Produzem, assim, um material que, apesar de ter por objetivo primário a avaliação de desempenho, constitui, também, um esforço de investigação de alta qualidade. No entanto, nem todos os trabalhos e pesquisas apresentados nas disciplinas estão de acordo com as regras básicas e usuais de publicação de trabalho científico. A preocupação com essa questão fez com que o processo de seleção dos mesmos seguisse uma rígida metodologia. Em primeiro lugar, o professor de cada disciplina seleciona e indica aqueles trabalhos que considera terem sido os melhores da turma. O editor, por sua vez, analisa a adequação da inclusão em determinado volume, enviando-os, posteriormente, para dois avaliadores segundo a filosofia de blind-review. Uma vez criticados, os trabalhos voltam aos alunos para a realização das modificações entendidas como necessárias pelos revisores. Embora não seja esse o objetivo principal dos Cadernos, alguns aprendizados adicionais estão presentes no processo. Primeiro, a compreensão, por parte dos alunos, de que a qualidade do trabalho por eles desenvolvido pode render frutos não pensados inicialmente. Segundo, o entendimento de que o mérito de ter o artigo publicado não se faz sem ônus, uma vez que podem ser necessárias algumas modificações, ou seja, faz parte do processo de aprendizado do aluno não apenas a geração de um trabalho de pesquisa em si mesmo, mas também a compreensão de que o reconhecimento decorre de um comprometimento com a excelência, necessariamente presente em todos os passos do caminho. Por fim, mas não com menor ênfase, entendemos que os artigos aqui publicados são de utilidade para as comunidades acadêmica e empresarial brasileiras. A maior parte dos trabalhos publicados diz respeito a situações de negócios relevantes para quem discute ou para quem aplica os conceitos de Administração. Por todos esses motivos , o COPPEAD muito se orgulha de apresentar o melhor da produção intelectual de seus alunos. Os Editores EDITORIAL As empresas brasileiras vêm adotando de forma mais intensa os princípios do marketing, o que é imprescindível em uma economia competitiva e globalizada. No entanto, algumas questões se colocam a prática empresarial, entre as quais de que forma uma empresa se estrutura para o marketing, como criar diferenciais competitivos, como escolher e atingir os clientes-alvo, como desenvolver estratégias adequadas às condições de amadurecimento dos mercados de atuação da empresa, e, ainda que estratégias adotar ao ingressar em mercados externos. Os trabalhos incluídos neste número dos Cadernos Discentes abordam, de ângulos específicos, os temas acima listados. Reflexões sobre a questão da estruturação do Departamento de Marketing são apresentadas por Fernandes da Silva, em um pequeno e instigante ensaio sobre a orientação para o mercado e a existência de um departamento de marketing. O segundo trabalho, desenvolvido por Liebergott, busca discutir a questão fundamental do pioneirismo na gestão dos negócios. Até onde se deve ser pioneiro no mercado? O que se esconde por detrás do tão propalado vanguardismo das organizações? O ensaio que se segue procura aliar os três conceitos básicos conhecidos como STP (Segmentação – Targeting – Posicionamento) e a questão da Inteligência Competitiva, destacando a necessidade de a literatura de marketing dar maior relevo ao papel de IC na elaboração de estratégias funcionais. Os dois trabalhos seguintes, de autoria de Suarez e Fremder, respectivamente, utilizam a perspectiva do grau de maturidade dos mercados para discutir dois setores específicos: o de empresas de tecnologia e o de food service. Finalmente, um último trabalho explora o processo de internacionalização de empresas sob a perspectiva do setor de restaurantes, através de estudo de caso da entrada em mercados externos da Churrascaria Porção. Angela da Rocha O “DEPARTAMENTO” DE MARKETING DEVERIA ACABAR? Moisés Gabriel Fernandes da Silva O artigo procura, a partir do pensamento de autores fundamentais da área de marketing, discutir o conceito de marketing e orientação para mercado. A proposta é refletir em que medida a estruturação do departamento de marketing efetivamente contribui para que a empresa consiga colocar em prática a orientação para o cliente e o mercado. Palavras-chave: conceito de maketing, orientação para mercado, estrutura organizacional, departamento de marketing A importância do Departamento de Marketing nas empresas cresceu vertiginosamente ao longo das última décadas. Partindo de um sistema de produção “empurrada”, em que a oferta determinava a satisfação e necessidade dos clientes, as empresas passaram (e ainda passam) pelas mais diversas variações das culturas de orientação de produto, orientação de vendas e orientação de Marketing. Esta última parece ser a que mais se adapta às necessidades do comprador (Levitt apud Koter, 2000). O Departamento de Marketing se solidifica como aquele que tem a incumbência de realizar a ligação do mundo exterior com a empresa, traduzindo seus anseios e determinando as reais necessidades e os meios pelos quais a firma deverá atendê-las. Nesse sentido, a orientação de Marketing, cujas premissas centrais se cristalizaram em meados da década de 50 (Kotler, 2000), tem o cliente como agente central, atendendo-o com produtos e serviços que o satisfaça. As empresas passam a seguir essa filosofia à risca, que segundo Koterl (2000), o Marketing passa a ser um processo social no qual pessoas obtêm o que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços que lhes geram valor. Day (1994) afirma que por mais de 40 anos, os gerentes das empresas foram catequizados a permanecer próximos aos clientes, colocando-os no topo da organização, e a entender o negócio como resultado da criação e da retenção de clientes safisfeitos. Entretanto, essa orientação ao cliente tem sido alvo de críticas de diversos autores. O outro lado da moeda mostra que essa dedicação obsessiva ao comprador tem conexão direta para melhorias triviais nos produtos e serviços ofertados (Bennett e Copper, 1979 apud Narver e Slater, 1998), programas míopes de P&D (Frosch, 1996 apud Narver e Slater, 1998), processos de negócios confusos (MacDonal, 1995 apud Narver e Slater, 1998) e ainda o Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 5 -9, 2003 5 próprio declínio da competitividade da indústria americana (Hayes e Wheelwirght, 1984 apud Narver e Slater, 1998). Segundo Christensen e Bower (1996 apud Narver e Slater, 1998), as empresas perdem as suas posições de liderança no mercado por ouvir clientes de forma demasiadamente cuidadosa. Tais afirmações vão de encontro ao conceito tradicional de Marketing e parece colocálo em cheque. Nesse contexto, surge um número crescente de estudos procurando focar no conceito de orientação para o mercado, investigando a ligação existente entre essa orientação e a performance da firma (como nos estudos de Narver e Slater, 1990 e Ruekert, 1992 apud Han et alli, 1998). Uma definição interessante desse conceito talvez seja a empregada pelo próprio Day (2001, p.19), “...uma capacidade mais elevada para compreender, atrair e manter clientes importantes. Essa é a definição de uma empresa orientada para o mercado”. Essa definição engloba na verdade o ponto nevrálgico de não se ater somente à satisfação dos clientes, e sim ao foco de manter clientes importantes, desenvolvendo profunda fidelidade e de ter tratamento diferenciado para com os mesmos (Day, 2001). Day (2001) aponta evidências de que as aptidões superiores das empresas orientadas ao mercado têm melhor desempenho financeiro. Segundo o autor (p.26), “Um estudo ilustrativo descobriu que as empresas orientadas para o mercado eram 31% mais lucrativas que as empresas voltadas para si mesmas, ao passo que aquelas que eram orientadas para os clientes e não davam atenção à concorrência eram 18% mais lucrativas que as voltadas para si mesmas”. Narver e Slater (1990 apud Siguaw e Diamantopoulos, 1995) propõem três componentes que caracterizam a orientação para o mercado: orientação ao cliente, orientação aos competidores e coordenação inter-funcional. A visão das necessidades dos clientes em conjunto com a observação dos movimentos dos competidores geram a informação de mercado, enquanto a coordenação inter -funcional atual na disseminação dessas informações para dentro da empresa providencia ações para ameaças e oportunidades (Siguaw e Diamantopoulos, 1995). Esses três componentes estão alinhados com as características de orientação para o mercado propostas por Kohli e Jaworski (1991 apud Han et alli, 1998) que relacionam geração de inteligência de mercado, disseminação para dentro da empresa e resposta da mesma às informações coletadas. Vale aqui destacar uma observação importante referente às empresas orientadas ao cliente e as orientadas ao mercado. Apesar de ambas procurarem satisfazer e ouvir as necessidades do consumidor, as do primeiro tipo atuam com foco no curto-prazo, sendo reativa aos acontecimentos do meio externo e procurando adaptar-se às necessidades identificadas dos clientes. Já as empresas do segundo tipo procuram focar seus esforços no 6 Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 5 -9, 2003 longo-prazo, buscando ser pró-ativas nas suas ações e atender necessidades latentes do consumidor, observando-o e experimentando novos produtos e serviços. A sua filosofia valoriza verdadeiramente o consumo life-time, em vez de satisfações pontuais do cliente (Narver e Slater, 1998). As empresas orientadas ao mercado buscam continuamente a informação e procuram fazer desta o reconhecimento de que há diferentes clientes que devem ser tratados distintamente. Nesse sentido, uma empresa orientada ao mercado está mais bem equipada para atuar nas diversas fases do ciclo de vida de uma indústria, ao passo que a empresa orientada ao cliente estaria adaptada apenas a mercados menos turbulentos (Narver e Slater, 1998). A relação causal da orientação ao mercado com a performance da empresa passa então por uma organização de caráter inovador, em que a firma busca reinventar-se tanto técnica quando administrativamente (Han et alli, 1998). Esse construto, um dos mais aclamados pelos teóricos, que procura conciliar diversas correntes de pensamento, foi desenvolvido por Narver e Slater (1994b apud Han et alli, 1998) e pode ser visualizado na figura 1: Figura 1: Construto da relação da orientação do mercado com a performance da empresa Ambiente Externo Turbulento (mercado e tecnologia ) • Orientação ao cliente • Orientação à concorrência • Coordenação interfuncional • Técnica • Administrativa Performance da empresa Fonte: Han et alli, 1998 Na figura 1, observam-se os três componentes de uma empresa orientada ao mercado de Narver e Slater, que, influenciados pelos acontecimentos do mercado externo, impulsionam a organização para a inovação, em que há alimentação recíproca tanto da inovação técnica Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 5 -9, 2003 7 (produtos, serviços e produção) quanto da administrativa (estrutura organizacional e processos administrativos). Tais valores inovadores levam à superior performance da empresa. Han et alli (1998) argumentam que a literatura é extensa no estabelecimento da conexão, da inovação organizacional e da performance da empresa. Entretanto, poucos estudos empíricos foram realizados na parte inicial desta “cadeia de valor”, de forma que pouco se conhece a respeito da relação causal orientação ao mercado e inovação organizacional. Entretanto, diversos autores discorrem sobre essa relação e indicam-na como positivamente relacionada (Deshpandé, Farley e Wesbter 1993, Kitchell 1995 apud Han et alli, 1998). A importância maior desse modelo reside na concepção de que a empresa orientada ao mercado é voltada à cultura e ao conhecimento, tanto externos (mercado) quanto interno (conhecendo os seus ativos e as suas capacidades de usá-los. E isso é representado ciclicamente, quando a firma precisa reinventar-se a todo o momento. Narver e Slater (1995) apontam que a habilidade de aprender mais rápido que os competidores pode vir a ser a única fonte de vantagem competitiva sustentada. Nesse sentido, a orientação ao mercado somente faz sentido se a mesma extrapolar o Departamento de Marketing (Han et alli, 1998 e Day, 2001). Da mesma forma que o TQC na manufatura extrapolou o Departamento de Qualidade e passou a ter as suas técnicas inseridas em todas as tarefas e processos da empresa moderna, a cultura orientada ao mercado faz com que todas as atividades de todos os Departamentos da Companhia passem a estar voltadas ao cliente e aos competidores. De acordo com Day (2001, p. 22), “Então ‘qualidade’ passa a ser um esforço coletivo ao invés de uma máxima imposta; “fidelização de clientes” é uma motivação com significado e não uma frase mecânica e “equipes transfucionais” são mecanismos de aperfeiçoamento ao invés de uma perda de tempo”. Concluindo, o desafio de uma organização voltada ao mercado é o de criar uma estrutura que possa combinar a profundidade de conhecimento encontrada em uma hierarquia vertical com a sensibilidade das equipes operacionais horizontais (Day, 2001). Isso se reverterá em diversos resultados, como eficiência em custos, satisfação dos funcionários, aumento da receita e neutralização da concorrência (Day, 2001). De acordo com Siguaw e Diamantopoulos (1995), o trabalho inter -funcional requer que todos os recursos da empresa, incluindo o pessoal, estejam integrados eficientemente de tal forma que gerem valor superior ao cliente. Para isso, há de haver o suporte top-down da gerência superior e a inovação bottom -up de produtos, serviços e processos (Day, 2001). Será que o Departamento de Marketing estará pronto para perder seu posto em função de um benefício maior? Ou será que o Marketing deve ser aceito com uma filosofia – da mesma forma que o Controle Total de 8 Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 5 -9, 2003 Qualidade – e deve ser seguido à risca pela definição de Kotler (2000) – de que como processo social, ele deve se ramificar pelas diversas áreas de funções da empresa, através das pessoas? BIBLIOGRAFIA DAY, G. S. The capabilities of market-driven organizations. Journal of Marketing, Chicago, v.58, n. 4, p. 37-32, Oct. 1994. ______. A empresa orientada para o Mercado. Porto Alegre: Bookman, 2001. JIN, K. H.; NAMWOON, K.; RAJENDRA, K. Market orientation and organizational performance: is innovation a missing link?. Journal of Marketing, Chicago, v. 62, n. 4, p. 3045, Oct. 1998. KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. NARVER, J. C. ; SLATER, S. F. Market orientation and the learnig organization. Journal of Marketing, Chicago, v. 59, n. 3, p. 63-74, July 1995. ______. Customer-led and market oriented: let´s not confuse the two. Strategic Management Journal, Chischester, v. 19, n. 10, p. 1001-1006, Oct. 1998. SIGUAW, J. A. ; DIAMANTOPOULOS, A. Measuring market orientation: some evidence on Narver and Slater´s there-components scale. Journal of Strategic Marketing, London, v. 3, n. 2, p. 77-88, June 1995. Abstract The article, from the thought of basic authors of the marketing area anlyzes the concept of marketing and orientation form market. The proposal is to reflect in which measure the marketing department effectively contributes so that the company puts into practice the orientation for the customer and the market. Keywords. Marketing concept, orientation for market, organizational structure, marketing department. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 5 -9, 2003 9 SER PIONEIRO NO MERCADO: VANTAGEM OU DESVANTAGEM? Paulo Libergoti O artigo apresenta visões distintas de diversos autores sobre a questão de o pioneirismo gerar ou não vantagens competitivas de longo prazo. Pesquisas realizadas por vários autores chegaram a resultados divergentes. Mesmo para os que consideram que o pioneirismo produz vantagem competitiva de longo prazo, estas seriam vantagens posicionais, sujeitas a fatores moderadores. Ainda assim, a maioria admite que o pioneirismo proporciona ao menos uma janela de oportunidade, cujo aproveitamento estaria condicionado ao estabelecimento de uma estratégia competitiva. Mais ainda, entendem que mesmo nos casos em que o pioneirismo conduz a uma posição de liderança no mercado, isso não implica necessariamente uma taxa de rentabilidade maior do que a dos concorrentes. Palavras-chave: Estratégia de Marketing, Pioneirismo, Vantagem Competitiva, Objetivo Estratégico. Já de longa data se discute se o fato de ser pioneiro no mercado confere ou não a este vantagens competitivas de longo prazo. De alguma forma, ao longo do tempo foi-se consolidando uma resposta afirmativa para a questão acima e também a certeza de uma relação direta entre a ordem de entrada e a parcela de mercado detida por uma dada empresa. Entretanto vários autores defendem que essa relação precisa ser mais bem examinada. Segundo KERIN E VARADARAJAN (1992), a revisão da literatura aponta várias fontes de vantagens competitivas como, por exemplo, às derivadas de barreiras de entradas como escala de produção, curva de aprendizagem e custos de troca. Tais barreiras conferirão ao pioneiro um intervalo de tempo no qual o exercício do monopólio permitirá a obtenção de resultados excepcionais. Do ponto de vista dos que estudaram a questão sob o aspecto comportamental, a partir de evidencias empíricas de que mesmo em mercados maduros , cujos custos de reposição e troca são baixos, o pioneiro tem vantagem sobre seus seguidores: à ordem de entrada propiciará vantagens em função dos processos de formação de preferências por parte dos Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 10 consumidores. CARPENTER E NAKANO (1989) propuseram que os pioneiros não só teriam uma grande influência na combinação ideal de atributos de um determinado produto, como também adquiririam o status de padrão pelo qual todos os produtos concorrentes passariam a ser avaliados, especialmente nos casos em que o conjunto ideal de atributos é marcado pela ambigüidade. Em outro estudo, KARDES E KALYANARAM ( 1992), apontam que a vantagem dos pioneiros é observável mesmo em categorias de produtos cujas preferências são menos ambíguas. A partir de dois experimentos , os autores verificam que os consumidores aprendem mais sobre os produtos e/ ou marcas pioneiras, que a avaliação destas, em conseqüência, passa a ser considerada mais confiável e a preferência tende a se acentuar com o tempo. Essas constatações se mostraram válidas nos experimentos mesmo nos casos em que o seguidor possuía um produto com qualidade superior ao produto do pioneiro. Dessa forma, entendem os autores que estudaram a questão sob a perspectiva dos aspectos comportamentais, o pioneirismo produziria de fato uma vantagem competitiva de longo prazo. Em relação às pesquisas empíricas, os autores examinaram 13 estudos que, de uma forma ou de outra, concluíram pela existência de uma relação direta entre pioneirismo e obtenção de proeminência de mercado. Entretanto, KERIN E VARADARAJAN (1992) também apresentam pesquisas cujos resultados apontam no sentido contrário, isto é, discordam de que o pioneirismo confira vantagens competitivas in equívocas, sejam elas derivadas de barreiras de entrada e/ ou do processo de formação da preferência do consumidor. Entendem ainda que, em função de limitações dos dados e das definições das amostras utilizadas , os resultados dessas pesquisas empíricas devem necessariamente ser relativizados. Estudos sobre o tema, de base histórica ou empírica, com publicação posterior à revisão realizada por KERIN E VARADARAJAN (1992), indicam que a polêmica a respeito das vantagens do pioneirismo ainda está longe de ter um desfecho. TELLIS E GOLDER (1996), por exemplo, examinaram , utilizando o método histórico , 50 categorias de produtos de consumo e verificaram, entre os pioneiros, um percentual de insucesso de 47%, uma participação-média de mercado de apenas 10% e que a sua liderança estava restrita a apenas 11% das categorias pesquisadas. BOULDING E CHRISTEN (2001) , por sua vez , analisaram os resultados de 365 unidades de negócios de bens de consumo e 861 unidades produtoras de bens industriais. Na sua pesquisa, encontraram evidências de que os pioneiros obtêm efetivamente um maior volume de vendas e um maior reconhecimento da sua marca por parte dos consumidores. Entretanto, segundo os autores, isto se dá às expensas de uma menor lucratividade e de uma menor taxa de retorno sobre os investimentos. Embora, nos primeiros anos , os pioneiros Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 11 obtenham uma maior lucratividade que seus concorrentes, ela se erode com o passar do tempo. Em relação ao retorno sobre o investimento, os pioneiros obtêm, em média, taxas de retorno sobre o investimento 4% menores do que as obtidas por seus seguidores. Na busca de avanços na compreensão das vantagens competitivas que advém do pioneirismo, KERIN E VARADARAJAN (1992) propõem, em ultima instância, que as vantagens obtidas pelo pioneiro são vantagens posicionais de custo e diferenciação e que a sua criação é conseqüência do alinhamento entre as necessidades ou desejos do mercado e os recursos, habilidades e a estratégia adotada pela organização pioneira. Vantagens posicionais podem ser produzidas por fatores econômicos, preemptivos, tecnológicos e comportamentais. Como exemplo, pode-se citar as economias de escala e de experiência, a obtenção de melhores condições em contratos de fornecimento de matéria prima ou componentes, a ocupação dos melhores canais de distribuição, os custos de mudança incorridos pelos compradores, a influência sobre a formação dos padrões de consumo e a assimetria de informação e da experiência de consumo. Entretanto esses fatores sofrem o impacto de diversos elementos moderadores, tais como a incerteza relativa à futura demanda com impactos diretos na definição da capacidade de produção a ser instalada pelo pioneiro, o tempo de resposta dos concorrentes, as características do produto, a natureza da inovação (produto ou processo), a freqüência de reposição do produto, o volume de investimentos em ativos correlatos e o ritmo de evolução do mercado. Alguns autores, entre eles TELLIS E GOLDER (1996) já mencionados anteriormente, consideram que o pioneirismo sequer se constitui em condição necessária ou suficiente para o sucesso ou liderança no longo prazo e localizam as razões de uma liderança duradoura de mercado na reunião pelo líder de cinco fatores críticos, a saber: visão, aqui compreendida como a capacidade de enxergar o mercado de massas existente para o novo produto, persistência gerencial, dado o tempo geralmente longo até que o novo produto seja acessível para o mercado no seu todo, comprometimento dos recursos da empresa pelo tempo que for necessário, inovação constante como forma de acompanhar a evolução dos mercados, da tecnologia e dos concorrentes e alavancagem de ativos através de economias de escopo proporcionadas pela utilização de marcas, sistemas de distribuição e capacidade gerencial existentes. Os quatro primeiros fatores são mais importantes no caso do lançamento de categorias de produtos inteiramente novas, enquanto o ultimo é mais relevante quando se trata de diversificação relacionada. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 12 Outro aspecto negativo ao qual os pioneiros estão submetidos, de uma forma geral, é o que incorre em custos relativos a aprovações por parte dos órgãos reguladores, custos de educação dos consumidores, custos de desenvolvimento de fornecedores e de infra-estrutura e, ainda, em determinadas situações, despesas relacionadas com a cobertura dos custos de mudança incorridos pelos consumidores ao adotarem o novo produto. De fato, algumas pesquisas apontam que os seguidores “pegam carona” com os pioneiros, evitando alguns desses custos. Os custos de imitação seriam da ordem de 65% dos custos de inovação. Por último, vale lembrar que as empresas seguidoras, quer tenham perdido a corrida para o pioneiro, quer tenham optado por essa alternativa, podem-se beneficiar dessa posição aproveitando-se dos erros de produto, de posicionamento e de marketing cometidos pelo pioneiro bem como da limitação de recursos deste. Ainda assim, e apesar de todas as ressalvas, a maioria dos autores parece concordar com o fato de que se o pioneirismo não traz nenhuma vantagem competitiva intrínseca no longo prazo, ao menos ele representa uma janela de oportunidade para a sua obtenção. De forma a tirar proveito dessa janela, entretanto, é necessário o estabelecimento de uma estratégia competitiva que tire o máximo proveito dos fatores econômicos, preemptivos, tecnológicos e comportamentais que estão por trás da possibilidade de obtenção de vantagens posicionais, de custo ou de diferenciação que se apresentam àqueles que são os primeiros a atingir os mercados. De acordo com os resultados de pesquisa conduzida pela Booz, Allen & Hamilton, os objetivos estratégicos a serem alcançados com o lançamento de produtos inovadores são motivados tanto por fatores externos quanto por fatores internos a empresa. No caso de fatores externos , os objetivos estratégicos são defender a participação no mercado, estabelecerse em um novo mercado e ocupar antecipadamente um novo segmento de mercado. Quando a motivação é de origem interna, os objetivos apontados são à manutenção do posicionamento como pioneiro, a exploração de tecnologia detida, aproveitamento da capacidade de distribuição, criação de um gerador de caixa e a utilização de excesso de capacidade – os dois últimos fatores foram menos citados do que os demais. Os objetivos a serem atingidos adquirem importância na medida em que influenciam diretamente no tipo de estratégia de entrada que será implementada, que, por sua vez , determina diretamente, entre outros, o programa de marketing . O pioneiro tem, em teoria, a opção de escolher entre uma estratégia para atingir o mercado como um todo, para atingir um determinado nicho de mercado ou ainda adotar uma Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 13 estratégia de “skimming” e saída rápida. Para a escolha de qualquer uma dessas opções, é indispensável a análise das características do mercado, do produto, dos competidores e dos recursos existentes dentro da própria empresa. Tendo-se definido por qualquer uma das estratégias acima, a empresa deve estabelecer os objetivos a serem alcançados no curto, médio e longo prazo. No caso das duas primeir as estratégias, isto é, cobrir todo o mercado ou um determinado nicho deste, os objetivo de longo prazo são os de maximizar o retorno sobre o investimento. No curto prazo, o objetivo seria o de atrair o maior numero possível de consumidores, investindo os recursos necessários para garantir a liderança do mercado como um todo ou do nicho definido como alvo. No médio prazo, os objetivos seriam o de antecipar-se à concorrência, mantendo a liderança do mercado mesmo sacrificando a rentabilidade no curto prazo. Em relação à estratégia de “skimming” , como objetivo de longo prazo, é retirar-se do mercado, no curto prazo a empresa deve buscar atrair um elevado número de consumidores, mantendo margens elevadas de forma a recuperar os investimentos com a maior velocidade possível e maximizar o retorno do investimento no médio prazo, retirando-se do mercado assim que a competição diminuir as margens de lucratividade. Como forma de atingir os objetivos de curto prazo estabelecidos para a estratégia escolhida, faz-se necessário à implementação de um programa de marketing que se crie motivação e facilidades para a compra do produto pelos consumidores. Quanto á motivação dos consumidores, o programa de marketing fará uso de propaganda, de um intenso esforço das forças de venda e de promoções, seja qual for à estratégia de mercado a ser adotada pela empresa. Entretanto, a intensidade na utilização de cada um deles estará condicionada a essa estratégia e também ao tipo de produto que está sendo lançado. Para aumentar a propensão à compra , a empresa deverá lançar mão elementos que reduzam o risco de adoção do novo produto como, por exemplo, garantias e facilidades de devolução e que facilitem a compra como disponibilidade de crédito e oferta de serviços de engenharia, instalação e treinamento, seja para reduzir os custos de troca, seja para superar as objeções dos consumidores. Entretanto, pesquisas recentes indicam que, mesmo nos casos em que o pioneirismo gera uma vantagem competitiva de longo prazo que assegura a liderança em termos de participação de mercado, isso, por si só, não garante aos pioneiros uma rentabilidade maior do que a de seus seguidores. Assim a decisão de ser o primeiro a entrar no mercado deve ser Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 14 acompanhada de uma avaliação cuidadosa sobre o impacto dessa estratégia na rentabilidade futura da empresa. BIBLIOGRAFIA DAY, G. S. The capabilities of market-driven organizations. Journal of Marketing, Chicago, v.58, n. 4, p. 37-32, Oct. 1994. ______. A empresa orientada para o Mercado. Porto Alegre: Bookman, 2001. JIN, K. H.; NAMWOON, K.; RAJENDRA, K. Market orientation and organizational performance: is innovation a missing link?. Journal of Marketing, Chicago, v. 62, n. 4, p. 3045, Oct. 1998. KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000. NARVER, J. C. ; SLATER, S. F. Market orientation and the learnig organization. Journal of Marketing, Chicago, v. 59, n. 3, p. 63-74, July 1995. ______. Customer-led and market oriented: let´s not confuse the two. Strategic Management Journal, Chischester, v. 19, n. 10, p. 1001-1006, Oct. 1998. SIGUAW, J. A. ; DIAMANTOPOULOS, A. Measuring market orientation: some evidence on Narver and Slater´s there-components scale. Journal of Strategic Marketing, London, v. 3, n. 2, p. 77-88, June 1995. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 15 Abstract This article presents the different viewpoints of various authors concerning the question as to whether or not pioneerism creates competitive advantages over the long term. Research carried out by several authors has arrived at divergent results. Even for those who consider that pioneerism produces a long-term competitive advantage, such advantages would be positional, subject to moderating factors. Nevertheless, the majority admits that pioneerism at least provides a window of opportunity, whose advantage would be conditioned to the establishing of a competitive strategy. Furthermore, they understand that even in cases where pioneerism leads to a position of leadership in the market, such does not necessarily imply a yield greater than that of competitors. Keywords: Marketing Strategy; Pioneerism, Competitive Advantage; Strategic Objective Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 10-16, 2003 16 SEGMENTAÇÃO, TARGETING, POSICIONAMENTO E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA Eduardo Santiago Spiller Este estudo tem por propósito promover uma breve reflexão a respeito dos conceitos e orientações propostos na literatura de marketing em que são abordados a segmentação de mercado, o targeting e o posicionamento, relacionando-os à Inteligência Competitiva - IC, cujo objeto de interesse é planejar, obter, analisar, disseminar e empregar informações relevantes a respeito do mercado, dos consumidores e dos competidores, a fim de subsidiar a tomada de decisões de caráter estratégico. Desse modo, são destacadas diferentes visões a respeito desses três processos de marketing , associados aos aspectos que se revelam de grande importância para a definição da extensão das atividades de IC. Palavras-Chave: Marketing, Segmentação de mercado, Targeting, Posicionamento, Mercado-alv o, Inteligência Competitiva, Gestão do Conhecimento. 1. INTRODUÇÃO A heterogeneidade dos mercados, caracterizada pelas diferenças entre os benefícios pretendidos, os níveis de compra, a elasticidade a preços e promoções, o grau de resposta a produtos e serviços e os programas de marketing, entre outros aspectos, faz com que as ações promovidas pelos competidores variem largamente, seja aproximando essas ações, tornandoas semelhantes, seja afastando-as, diferenciando-as. As variações em torno das preferências, tamanho e crescimento da demanda, hábitos em relação aos diferentes meios de comunicação, consumo e estruturas de competição afetam as diferenças e os graus de resposta dos segmentos de mercado. Diante de mercados tão diferentes em natureza, tamanho e comportamento, torna-se fundamental promover a sua segmentação, de modo a identificar de modo preciso os alvos a serem escolhidos, a fim de atendê-los da melhor maneira, a custos convenientes, por intermédio de programas e estratégias de marketing adequadas a cada segmento. A literatura revela que a determinação dos segmentos e a escolha dos mercados -alvo não são suficiente, sendo necessária também a adoção de estratégias de posicionamento, por Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 17 intermédio das quais as organizações buscam diferenciar-se a si e a seus produtos e serviços das demais organizações, segundo atributos de valor priorizados por seu público-alvo. Desse modo, a definição e o emprego das estratégias de segmentação, de targeting e de posicionamento requerem um conjunto de medidas que visam à identificação das necessidades de informação; a coleta, a análise e a disseminação das informações; a avaliação dos resultados alcançados; a disseminação das informações coletadas e produzidas e o seu emprego, que compõem as atividades de Inteligência Competitiva – IC, cujo propósito final é dar suporte à tomada de decisões estratégicas. As ações de marketing exigem, portanto, o conhecimento prévio e a investigação permanente de atos, fatos e indícios relativos aos mercados de interesse das organizações, os consumidores que o formam e sobre seus competidores atuais e potenciais, a fim de serem conhecidas as tendências e as mudanças do mercado, as oportunidades e as ameaças que podem surgir em decorrência das ações promovidas pelos concorrentes, além das forças e vulnerabilidades desses competidores, de maneira a serem adotadas medidas preventivas e de reação contra as situações adversas que se possam configurar. Assim sendo, as práticas de IC, também inseridas nas estratégias de segmentação, targeting e posicionamento, auxiliam a tomada de decisões e o alcance dos objetivos fixados pelas organizações, a partir da conquista e da manutenção de vantagens competitivas. A interação entre essas estratégias e a IC será vista a seguir. 2. SEGMENTAÇÃO ROCHA e CHRISTENSEN [1987] destacam que o conceito de segmentação é originário da Economia, que, no entanto, a via como “forma de maximizar lucros a partir da sensibilidade do consumidor a preços.” Recuperam o conceito enunciado primeiramente por SMITH [1956]1, como “a segmentação se baseia em desdobramentos do lado da demanda e representa um ajuste racional e mais preciso do produto e do esforço de marketing às exigências do consumidor ou usuário”. Os autores definem, então, que segmentar um mercado é reconhecer a sua natureza essencialmente heterogênea e tem caráter dinâmico em decorrência das mudanças no macroambiente. 1 SMITH, Wendell R. Product differentiation and market segmentation as alternative marketing strategies. Journal of Marketing, 21:5, july 1956. In. ROCHA, A DA; CHRISTENSEN, C. Marketing: teoria e prática no Brasil. São Paulo: Atlas, 1987. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 18 O processo de segmentação é representado por sete etapas: definição e análise do mercado; escolha dos critérios para segmentação; escolha dos métodos; divisão do mercado em segmentos mutuamente excludentes; quantificação dos segmentos; determinação do grau de acessibilidade a cada segmento e reavaliação das etapas. WALKER et all. [1996] consideram uma série de fatores que levam à necessidade de conhecimento prévio e adequado da parcela de mercado que as organizações, podem, querem e devem atender. Destacam a redução das taxas de crescimento da população em mercados desenvolvidos e o conseqüente aumento da competição por fatias desse mercado; a extensão de marcas consagradas; o aumento do conhecimento e da atenção dos públicos a respeito de marcas e produtos; o aumento do grau de exigência em relação aos níveis de desempenho de produtos e serviços; o aperfeiçoamento dos meios de produção e a comunicação; o avanço da gestão de informações. Os benefícios alcançados pelas organizações, possibilitados pelas estratégias de segmentação são, entre outros, a identificação de oportunidades de negócio; o desenvolvimento de novos produtos e serviços, ou o seu aperfeiçoamento; o melhor direcionamento de programas de marketing para atingir grupos de consumidores homogêneos; a melhora na alocação de recursos; o acompanhamento das características e modificações no mercado consumidor e na concorrência. Após uma breve definição de mercado, SANDHUSEN [1998] propõe um método sistemático para a segmentação e definição dos mercados, visando à maior eficácia gerencial, estabelecendo um acrônimo, DADR, que representa um conjunto comum de características dos segmentos: Dinheiro, Autoridade de compra, Desejo e Resposta homogênea às ofertas. McCARTHY. e PERREAULT JR [1997] consideram a segmentação como um processo de duas etapas: nomear mercados -produtos amplos e segmentá-los para selecionar mercados alvo e desenvolver compostos de marketing adequados. A primeira etapa implica a desagregação, de todas as necessidades possíveis de alguns mercados genéricos e mercados produtos amplos em que se possa estar em condições de operar rentavelmente. Propõem o emprego do grid de marketing, para auxiliar a visualização de um mercado-produto amplo e seus mercados-produto restritos. Consideram a segmentação um processo de agregação e definem segmento de mercado como “um grupo de consumidores relativamente homogêneos que reagirão a um composto de marketing de maneira semelhante”. STANTON et all [1997] descrevem o que são segmentos de mercado, indicando os benefícios da segmentação e os passos do processo de segmentação, em termos de identificar Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 19 os desejos atuais e potenciais que existem em um mercado, as características particulares entre os segmentos e quem apresenta cada desejo. Indicam ainda as condições a serem satisfeitas para promover a segmentação, como: mensurabilidade, acessibilidade e tamanho. O motivo da compra é havido como o primeiro critério para a segmentação. O agrupamento do mercado em consumidores e organizações é também promovido, sendo cada qual tratado separadamente. NICKELS e WOOD [1999] definem segmentação “como o processo de agrupar pessoas ou organizações dentro de um mercado, de acordo com necessidades, características ou comportamentos similares”. “Com uma tecnologia de informação avançada e pesquisa de marketing, as empresas podem identificar grupos grandes ou pequenos de clientes potenciais, até chegar a mercados alvo de apenas um cliente”. Assim, revelam a necessidade da adoção de um conjunto de medidas dedicadas a coletar e a tratar dados que resultem em informações relevantes à tomada de decisões estratégicas. Defendem a importância da segmentação a partir dos benefícios por ela oferecidos: oportunidades para construir e fortalecer relacionamentos de longo prazo com clientes -chave; maior eficiência e eficácia do marketing, pela maior compreensão de quem atingir e quais as necessidades dos grupos; melhor compreensão do ambiente competitivo de marketing, pela maior facilidade em detectar tendências, problemas e oportunidades e por ser possível ver mais claramente os movimentos competitivos e as reações dos consumidores; respostas mais rápidas às necessidades de mutação dos consumidores. Os autores consideram que, apesar de poderosa, a segmentação não é apropriada em todas as situações. “Em alguns casos, não é possível identificar diferenças entre grupos de consumidores. Em outros, as diferenças encontradas não ajudam a atender o mercado de forma mais eficaz”. Estabelecem, então, que a segmentação é apropriada, quando for possível encontrar uma forma objetiva e confiável de definir grupos de pessoas que possuem necessidades similares, que diferem de outros grupos; houver meios de medir o potencial das vendas e lucros desses segmentos; esses segmentos puderem ser alcançados de forma lucrativa usando o marketing; for possível esperar uma resposta diferente para os planos de marketing exclusivos oferecidos para cada segmento. O processo de segmentação consiste então em quatro passos: definir os mercados a serem segmentados; identificar e aplicar as variáveis de segmentação; avaliar os segmentos; e selecionar os segmentos que se deseja conquistar. PRIDE e FERRELL [2000], de modo semelhante ao que estabelece SANDHUSEN [1998], Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 20 definem mercado como “um grupo de pessoas que, como indivíduos ou organizações, têm necessidade de produtos de determinada classe e têm a capacidade, vontade e autoridade para comprar esses produtos”. Promovem a tipificação de mercado, em termos de consumidores e organizações e descrevem o processo de seleção do mercado-alvo em cinco etapas: a identificação da estratégia apropriada para a seleção do mercado-alvo; a determinação das variáveis a serem empregadas; o desenvolvimento dos perfis de segmento de mercado; a avaliação dos segmentos relevantes; a seleção dos mercados -alvo específicos. KOTLER [2000] considera a segmentação um esforço para aumentar a precisão do marketing da empresa. HOOLEY et all. [2001] polarizam a segmentação e o posicionamento. Interpretam a segmentação como a forma com que se pode dividir o mercado em grupos de clientes similares, em que existam diferenças importantes entre esses grupos. O posicionamento não é visto como decorrência da primeira, mas uma atividade à parte. A segmentação, portanto representa as diferenças entre clientes que são importantes para desenvolver fortes estratégias. De modo distinto dos demais autores antes abordados, partem do posicionamento para então cuidarem da segmentação. Não obstante, todos partem das necessidades dos clientes, embora HOOLEY et all. [2001] sigam caminho distinto. “A segmentação envolve agregar os consumidores potenciais em grupos que possuem necessidades comuns e irão reagir de forma semelhante a uma ação de marketing”, conforme BERKOWITZ et all. [2003]. Eles relatam que a existência de diferentes segmentos tem levado as empresas a usar uma estratégia de marketing de diferenciação de produto, significando que uma empresa articula diferentes aspectos do mix de marketing, como características do produto e propaganda. Desse modo, a segmentação de mercado liga as necessidades do mercado ao programa de marketing da organização. DALRYMPLE e PARSONS [2003] definem a segmentação como “a estratégia de desenvolvimento de programas de marketing diferentes para grupos ou segmentos de clientes diferentes”, reconhecendo a heterogeneidade do mercado, em que “cada segmento de clientes tem a sua própria função exclusiva de demanda baseada no preço, nas características físicas do produto e nos atributos não físicos, que refletem a imagem e o desempenho”. Os autores fazem referência a métodos estatísticos disponíveis para ajudar na tarefa de agrupamento, cuja discussão foge aos propósitos do livro. Referem-se a duas formas de Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 21 abordagem: a priori, aquela em que o tipo e o número de segmentos são determinados, sem levar em consideração os dados coletados; a posteriori, quando o tipo e o número de segmentos são revelados como resultado da análise de dados. A primeira é usada quando a complexidade do mercado pode ser capturada por meio de poucas variáveis, há amplo conhecimento a respeito do mercado, e o foco principal está no tamanho do segmento e, eventualmente, na importância relativa das variáveis de segmentação. Do contrário, é usada a segunda abordagem. 2.1. As Bases de Segmentação Para ROCHA e CHRISTENSEN [1987], as bases ou critérios de segmentação adotados pelos autores são a segmentação geográfica, demográfica, psicográfica e por benefício, destacando-a da psicográfica, inclusive pelo fato de serem considerados dois tipos de benefícios: os racionais e os psicológicos. WALKER et all. [1996] ensinam que os descritores físicos, ou demográficos referem-se a dimensões socioeconômicas, como sexo, idade, renda, ocupação, instrução, geografia, etnia, religião, e outros. Tais descritores mostram-se importantes não somente por permitirem a partição do mercado em parcelas homogêneas, segundo os descritores empregados, mas também por permitirem a identificação de características que influenciam a decisão de compra. Os descritores comportamentais procuram promover o melhor entendimento a respeito de como e por que os consumidores se comportam de determinadas maneiras, no tocante à classe social a que pertencem e ao seu estilo de vida (psicográfico) que toma por base as atividades, os interesses e as opiniões dos consumidores pertencentes a cada grupo. A maneira de promover a segmentação, segundo esses descritores, varia conforme a empresa que os emprega. No tocante às classes sociais, a identificação de parâmetros de segmentação varia largamente, de acordo com a forma de classificação que toma como base as crenças e aspirações de seus integrantes. Os descritores comportamentais relacionados a produtos, propostos por WALKER et all. [1996], restringem-se a aspectos diretamente relacionados à determinada classe de produtos, no tocante ao uso (forma, freqüência e volume), lealdade (freqüência de compras de uma marca e de um determinado fornecedor), predisposição de compra (não usuários que podem ser convertidos ou não), influência na compra (identificação dos indivíduos que interferem e orientam as compras) e tendência à inovação (capacidade de absorção e tropismo em relação às inovações). Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 22 Quanto às necessidades dos consumidores, referem-se aos benefícios buscados, que se resumem em critérios de escolha que abrigam diversos atributos, como segurança, garantia, embalagem, desempenho no uso, durabilidade, estética, e muitos outros. Muitas vezes, tais dimensões estão associadas às situações de uso. McCARTHY e PERREAULT JR [1997] estabelecem as seguintes bases ou dimensões de segmentação: a comportamental, a geográfica e a demográfica. STANTON et all [1997], SANDHUSEN [1998] e KOTLER [2000 ] estabelecem, como bases para a segmentação, as características geográficas, demográficas, psicográficas e comportamentais. PRIDE e FERRELL [2000] consideram ainda a prontidão do comprador em separado, destacando também as geográficas e as psicográficas, diferentemente do que propõem WALKER et all. [1996], que consideram esses descritores embutidos em outros. Em relação às bases psicográficas, WALKER et all. [1996] e PRIDE e FERRELL [2000] incluem nelas as classes sociais, a personalidade e o estilo de vida. STANTON [1997] desdobra a variável psicográfica em dimensões da personalidade, características do estilo de vida e valores pessoais, divididos em nove valores: auto-respeito; segurança; excitação; alegria e diversão na vida; ter relacionamentos calorosos; auto-satisfação; pertencimento a um grupo; sentimento de realização; sentimento de ser respeitado. A segmentação por comportamento destaca os benefícios desejados e a taxa de utilização. NICKELS e WOOD [1999], além das bases geográficas, demográficas, psicográficas e comportamentais, citadas por outros autores, adotam a base geodemográfica, que tem por fundamento a premissa de que as pessoas que vivem na mesma vizinhança normalmente possuem muitas semelhanças. PRIDE e FERRELL [2000] descrevem ainda classificação por tipos VALS22. No tocante às bases comportamentais, são consideradas as ocasiões de compra e consumo, os benefícios desejados, o status do usuário, o grau de uso e o status de lealdade. A prontidão do comprador corresponde ao estado de interesse e de disposição de compra, no tocante a consumidores potenciais. Para WALKER et all. [1996], além da seleção dos descritores de segmentação, deve ser também determinado se, e em que extensão, há diferenças nas necessidades e benefícios procurados pelos consumidores nos diferentes segmentos. 2 O programa VALS2, desenvolvido pela SRI International, promove a classificação psicográfica, de acordo com os valores e os estilos de vida tidos como relevantes para diferentes tipos de consumidores. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 23 As considerações referentes às necessidades e benefícios procurados dizem respeito ao número de produtos -mercado existentes em uma indústria; a quais segmentos representam oportunidades atraentes sob a óptica das necessidades dos consumidores; quais as forças e vulnerabilidades das empresas; e quais segmentos não estão sendo atendidos e representam oportunidades de negócio interessantes para as organizações. SANDHUSEN [1998], ao definir os segmentos de mercado, segue a seqüência correspondente à seleção do produto e da área de mercado, identificação das necessidades dos clientes potenciais; agrupa-as em segmentos homogêneos e traça o perfil de cada segmento. Como formas de promover a segmentação, consideram duas dimensões principais: as características dos clientes (que levam em conta aspectos geográficos, demográficos, socioeconômicos e psicográficos) e as situações de compra (tipo de loja, benefícios visados, uso, conhecimento e intenções dos clientes e o seu comportamento, em termos de envolvimento). RICHERS [2000] cita múltiplas formas de segmentar o mercado, a partir dos critérios geográficos, demográficos, sociais (classe e valores sociais), psicográficos (personalidade, comportamento, intensidade de compra, objetivos de compra), estilo de vida (atividades, opiniões, interesses), por benefícios (tipo de pessoa e benefícios procurados). HOOLEY et all. [2001] estudam as características básicas dos clientes para promover a segmentação, levando em consideração: as características demográficas; as características socioeconômicas; o ciclo de vida do consumidor; o sistema ACORN – A Classification of Residential Neighbourhoods – e outros sistemas classificatórios associados que categorizam bairros residenciais; as características de personalidade; as características de estilo de vida da população residente. DALRYMPLE e PARSONS [2003] empregam as bases já citadas por NICKELS e WOOD [1999], isto é, a geográfica, a demográfica, a geodemográfica, a psicográfica e a comportamental. Em relação à base geodemográfica, citam o sistema ACORN, posteriormente abordado por HOOLEY et all. [2001] e outros, como CLUSTER PLUS. A respeito da base psicográfica citam a classificação VALS2, referenciada por PRIDE e FERRELL [2000]. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 24 2.2. Segmentação Industrial ROCHA e CHRISTENSEN [1987] adotam os mesmos descritores utilizados para a segmentação de consumidores individuais, ou seja, bases geográficas, demográficas, psicográficas e benefícios. Desmitificam uma crença freqüente de que as decisões organizacionais são estritamente racionais ao citarem a personalidade do executivo e os benefícios psicológicos esperados nas organizações. Em relação ao ambiente industrial, WALKER et all. [1996] consideram que os descritores decorrem da estrutura de compras das organizações, que recaem sobre a redução de custos e riscos do processo de suprimento, e da situação da compra, em termos de ser rotineira, sujeita a modificações de condições como preço e entrega, ou aquisições junto a novos fornecedores, o que requer um conjunto de informações adicionais a respeito dos potenciais fornecedores. McCARTHY e PERREAULT JR [1997] adotam dimensões diferentes para o mercado consumidor e para o mercado organizacional. Para as organizações as dimensões são as seguintes: o tipo de consumidor; as variáveis demográficas; o uso do produto; o tipo de situação de compra; o tipo de relacionamento; os métodos de compra. Para facilitar o manejo dessas dimensões, elas são divididas em dimensões determinantes e qualificadoras. STANTON et all [1997] consideram a localização do cliente, o tipo do cliente (tamanho, setor, estrutura organizacional, critérios de compra e tipo de uso) e as condições da transação (situação da compra - nova ou repetida, modificada ou não – taxa de utilização, procedimento de compra – concorrência, leasing, contratos de fornecimento – tamanho do pedido, exigências do serviço – leves, moderadas, pesadas). SANDHUSEN [1998] promove a segmentação do mercado industrial separando os segmentos, conforme o seu tipo e tamanho, além das demais bases já referenciadas, sem, no entanto, indicar como são adaptadas ao ambiente industrial. NICKELS e WOOD [1999] consideram haver dentro do mercado organizacional quatro mercados distintos: empresas industriais, revendedores, órgãos do Governo e instituições (incluem hospitais, escolas, museus, obras filantrópicas, associações, bibliotecas, penitenciárias e outras sem fins lucrativos). As bases para a segmentação do mercado organizacional são demográfica, geográfica e comportamental. Para a segmentação demográfica cita a possibilidade de uso dos códigos de classificação industrial padrão (SIC – standard industrial classification), empregados pelo Governo norte-americano. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 25 KOTLER [2000] toma, por base, para a segmentação voltada aos mercados empresariais as dimensões demográficas (setor, porte e localização); operacionais (tecnologia, status dos usuários e não-usuários e recursos dos clientes); abordagens de compras (organização em relação às compras, estrutura de poder, natureza dos relacionamentos existentes, políticas gerais de compras, critérios de compras); fatores situacionais (urgência, aplicação específica, tamanho dos pedidos); características pessoais (similaridade comprador/vendedor, atitudes em relação ao risco, fidelidade). PRIDE e FERRELL [2000] adotam a localização geográfica, o tipo de organização, tamanho do cliente e uso do produto. RICHERS [2000] estabelece os seguintes critérios: tipo, tamanho, volume de encomenda, finalidade, uso, setor, tipo de organização, motivação, grau de lealdade à marca. Os critérios de tipo de cliente e tipo de organização levam a uma certa confusão. HOOLEY et all. [2001] promovem a segmentação industrial, tendo em vista as características básicas das empresas: tipo da indústria, tamanho da empresa, localização do cliente, tecnologia da empresa, capacidades do cliente, organização de compra, estruturas poderosas (pontos fortes do fornecedor associados às características das empresas) apólices de compra (enfoque da compra, aplicação do produto); as características de atitudes, em termos de busca de benefícios; as características comportamentais (características pessoais de compradores, status e volume de compra do produto/marca). BERKOWITZ et all. [2003] categorizam a segmentação industrial em duas dimensões principais: características dos clientes e situações de compra. No primeiro caso, as características dos clientes são desdobradas em aspectos geográficos e demográficos, com o emprego do código NAICS (North American Industry Classification System ) para a classificação demográfica, o setor industrial NAICS, o número de empregados, as vendas anuais e o número de lojas ou localizações. No tocante às situações de compra ocorre o desdobramento em termos de natureza do bem (tipo, onde é usado e aplicação) e a condição de compra (local de compra, quem compra e o tipo de compra). WALKER et all. [1996] consideram que o processo de segmentação (instrumento adequado ao conhecimento do mercado e às ações decorrentes) deve observar quatro requisitos básicos: o tamanho adequado dos segmentos; a possibilidade de mensuração das variáveis de segmentação; o acesso aos integrantes dos segmentos; o grau de resposta dos segmentos em relação às variáveis de mercado. Tudo de modo a caracterizar claramente os diferentes segmentos. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 26 DALRYMPLE e PARSONS [2003] restringem-se a citar, como base de segmentação, a demográfica, promovida a partir do total de vendas, patrimônio total e número de funcionários e segmentação comportamental, promovida pelo uso final, a qual, segundo os autores, é a forma mais comum de segmentação industrial. 3. TARGETING 3.1 Critérios de Seleção de Mercados -Alvo ROCHA e CHRISTENSEN [1987] determinam os critérios de targeting, ao indagarem quem são os consumidores que melhor responderão às ofertas, como podem ser descritos, em termos demográficos e psicográficos, que outros produtos e marcas comparáveis são considerados pelos consumidores e se existem nichos não explorados. WALKER et all. [1996] destacam que, em contraponto à segmentação, há a agregação, estratégia que visa atender indistintamente um mercado total de grande porte em que haja poucas diferenças, ou seja, os mercados de massa. Já para PRIDE e FERRELL [2000], as estratégias para a seleção dos mercados-alvo dividem-se em estratégia indiferenciada, concentrada e diferenciada por meio da segmentação de mercado. A identificação dos segmentos de mercado, segundo WALKER et all. [1996], obedece ao emprego de quatro critérios (descritores) que permitem identificar, com clareza, grupos relativamente homogêneos. São eles os descritores físicos, comportamentais associados à pessoa ou à empresa, comportamentais relacionados a produtos e serviços e necessidades do consumidor. McCARTHY e PERREAULT JR [1997] estabelecem três dimensões do mercado-alvo potencial: necessidades comportamentais, atitudes e como os bens e serviços atuais e potenciais atendem aos padrões de consumo dos consumidores; urgência para satisfazer aos desejos e necessidades e disposição para buscar informações, comparar e comprar; localização geográfica e outras características demográficas dos consumidores potenciais. A primeira dimensão afeta o produto e a promoção, enquanto a segunda afeta o ponto-devenda e o preço. A terceira afeta o tamanho dos mercados-alvo, o ponto-de-venda e a promoção. NICKELS e WOOD [1999] afirmam que as decisões de seleção de mercado-alvo determinam o número de segmentos escolhidos e os planos referentes ao composto de Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 27 marketing que permitirão alcançá-los. KOTLER [2000] define padrões de segmentação a partir de preferências, desdobradas em três tipos: as preferências homogêneas, as preferências difusas e as conglomeradas. O primeiro prevê um mercado em que os consumidores têm praticamente a mesma preferência, enquanto o segundo considera que as preferências são dispersas em todo o mercado. Já o terceiro revela a existência de um conjunto de preferências referentes a cada grupo, denominados mercados naturais. Em adição, tece considerações, sobre a escolha étnica dos mercados-alvo; o interrelacionamento dos segmentos, em termos de custo, desempenho e tecnologia e supersegmentos (conjunto de segmentos com algumas similaridades a explorar); planos de invasão segmento a segmento; cooperação entre segmentos, isto é, entre os responsáveis por diferentes segmentos. BERKOWITZ. et all. [2003] defendem que a segmentação deve ocorrer quando ela aumenta o volume de vendas, o lucro e o retorno sobre o investimento, fatores que levam à escolha dos mercados-alvo. DALRYMPLE e PARSONS [2003] consideram que os critérios para a seleção de mercados-alvo referem-se à existência de clientes com desejos comuns, à identificação e a mensuração dos membros do segmento, o acesso a esses membros, à disponibilidade de mídia de comunicação especializada, à existência de vantagem competitiva no mercado-alvo e tamanho suficiente para gerar um lucro substancial. 3.2 Priorização e Seleção de Segmentos Havendo sido realizada a segmentação do mercado e estabelecidos os critérios de seleção dos mercados-alvo, cabe então priorizar os segmentos em razão de seu potencial, e escolher dentre eles os que apresentem maior atratividade, avaliando as forças e capabilidades das organizações para atender as necessidades existentes e enfrentar os problemas inerentes à competição, em conformidade com as ações de targeting. ROCHA e CHRISTENSEN [1987] consideram que a prioridade e seleção dos segmentos de interesse ocorrerão em função da quantificação dos segmentos e da determinação do grau de acessibilidade a cada segmento considerado como alvo potencial. Para WALKER et all. [1996], a análise e a priorização dos mercados-alvo potenciais são promovidas com o emprego de modelos que permitem a adoção de critérios comuns a todos Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 28 os segmentos estudados, de maneira a estabelecer quais segmentos serão tornados alvos e determinar como serão alocados os recursos necessários e os esforços de marketing, enfocando o mercado, os fatores de competição e os fatores ambientais que podem influenciar a lucratividade. Consideradas essas dimensões, e sendo analisados os pontos fortes e as vulnerabilidades da organização, torna-se possível estimar a capacidade relativa da organização em competir, comparada às necessidades do mercado e às competências dos prováveis concorrentes. Assim, são escolhidos e ponderados critérios para a mensuração da atratividade e da posição competitiva, de modo a refletir a importância relativa de cada um, avaliando a posição atual de cada mercado-alvo potencial em diante dos critérios considerados. O passo seguinte implica a prospecção da posição de cada segmento no futuro, com base nas tendências do ambiente, dos consumidores e dos concorrentes, bem como a avaliação das conseqüências de possíveis modificações das estratégias de negócios e dos recursos exigidos. A atratividade dos mercados-alvo é definida a partir de quatro dimensões posteriormente desdobradas: fatores relativos ao mercado e aos consumidores; fatores associados à Economia e à tecnologia; fatores de competição; fatores ambientais. Vale ressaltar que WALKER et all. [1996] destacam a Economia e a tecnologia dos demais fatores ambientais, diferentemente do que faz KOTLER [2000]. No tocante à avaliação dos fatores determinantes da posição competitiva, outras quatro dimensões básicas são também consideradas por WALKER et all. [1996]: fatores de posição de mercado; fatores associados à Economia e à tecnologia; capabilidades; interações com outros segmentos. A matriz produzida pela comparação desses fatores e seus desdobramentos permite o aperfeiçoamento do entendimento, a partir da comparação entre a atratividade dos diversos mercados-alvo e a situação da empresa em relação aos seus competidores, em cada um desses mercados. McCARTHY e PERREAULT JR [1997] consideram que os bons segmentos de mercado devem atender aos critérios de homogeneidade (os consumidores de um segmento devem ser o mais similares possível em relação às suas prováveis respostas às variáveis do composto de marketing e às suas dimensões de segmentação); heterogeneidade (os consumidores de segmentos diferentes devem ser o mais distintos possível); substancialidade (o segmento deve ser grande o suficiente para ser rentável); operacionalidade (as dimensões de segmentação Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 29 devem ser úteis para identificar os consumidores e para decidir sobre as variáveis do composto de marketing). Alertam para os riscos da combinação entre segmentos, tornando-os maiores, portanto sujeitos a maiores diferenças entre seus participantes. STANTON et all [1997] estabelecem quatro diretrizes para a seleção de um mercadoalvo: compatibilidade do mercado-alvo com os objetivos e com a imagem da organização; combinação entre a oportunidade representada pelo mercado-alvo com os recursos da organização; mercados capazes de promover vendas suficientes a um custo baixo o bastante para gerar lucros; busca de mercados-alvo onde existam menos concorrentes e eles sejam menores. NICKELS e WOOD [1999] indicam duas maneiras de priorização dos segmentos a serem atendidos: pela medição de cada segmento com base nos critérios de avaliação de segmentos (vendas e lucros potenciais, potencial de crescimento, potencial de retenção de clientes, custo potencial de marketing, riscos potenciais do macroambiente); pela utilização da matriz de segmentação de mercado que retrata graficamente os segmentos criados por intermédio da aplicação de duas ou três variáveis de segmentação. KOTLER [2000] propõe a avaliação dos segmentos a partir de dois fatores: a atratividade do segmento e os objetivos e recursos da empresa. A seleção dos segmentos considera cinco modelos de seleção mercado-alvo: concentração em um único segmento; especialização seletiva (atendimento a um conjunto de segmentos); especialização por produto (oferta de um produto a vários segmentos); especialização por mercado (atendimento de várias necessidades de um grupo de clientes); cobertura total de mercado (mercado de massa). PRIDE e FERRELL [2000] promovem a avaliação dos segmentos de mercados a partir da estimativa das vendas, da avaliação da concorrência e das estimativas de custos. A estimativa de vendas é feita com base no potencial de mercado e no potencial da empresa. Nesse caso, com a possibilidade de emprego de duas abordagens, uma analítica – em que é desenvolvida uma previsão econômica para um determinado período, da qual derivam as estimativas do potencial do mercado e do potencial de vendas da empresa sucessivamente – e uma construtivista. A abordagem construtivista parte de estimativas que consideram o volume de compras de um dado consumidor potencial em certa área geográfica, num determinado período, multiplicando-se o resultado pela quantidade de compradores potenciais na área. O potencial Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 30 de vendas da empresa é estimado a partir dos níveis planejados de marketing da empresa e comparado com a proporção do mercado total que a empresa pode obter. HOOLEY et all. [2001] propõem o emprego de métodos estatísticos para o agrupamento de clientes. A seleção de mercados deverá considerar: os fatores de mercado (tamanho, crescimento, estágio de evolução do setor, previsibilidade, elasticidade e sensibilidade a preços, poder de barganha dos clientes, sazonalidade e ciclos de demanda); fatores econômicos e tecnológicos (barreiras de entrada e de saída, poder de barganha dos fornecedores, nível de utilização da tecnologia, investimento necessário, margens realizáveis); os fatores competitivos (intensidade competitiva, qualidade da concorrência, ameaças de substituição, grau de diferenciação); os fatores ambientais (exposição a oscilações econômicas, exposição a fatores políticos e legais, grau de regulamentação, aprovação social e impacto ambiental). Para BERKOWITZ et all. [2003], os critérios a adotar na seleção dos mercados-alvo são o tamanho, a expectativa de crescimento, a posição competitiva - em termos do nível de competição existente nos segmentos – os custos para alcançar o segmento e a compatibilidade com os objetivos e recursos da organização. Propõem o emprego de tabulações cruzadas, como forma de estabelecer o relacionamento entre variáveis, que permitam conhecer melhor os segmentos estudados, revelando características que, isoladamente, passariam despercebidas. DALRYMPLE e PARSONS [2003] consideram que a priorização e a seleção dos segmentos decorrerão da avaliação das políticas de segmentação, conforme o tamanho de cada segmento, da acessibilidade a seus membros, da disponibilidade de mídia própria, da existência de vantagem competitiva no segmento-alvo. A respeito da conduta ética esperada por parte das organizações em relação à focalização de seus alvos, WALKER et all. [1996] referem-se somente a aspectos inerentes à inclusão/exclusão de grupos e à forma como são conduzidas as estratégias em relação estes, de maneira a serem evitadas ações discriminatórias. Com relação à obtenção de informações de mercado, da competição e de competidores, que se passa a chamar de informações competitivas, nada é mencionado. 3.3. Estratégias de Targeting ROCHA e CHRISTENSEN [1987] não fazem referência expressa às estratégias de targeting. Não obstante, apresentam uma tabela em que ocorre o cruzamento entre segmentos por benefícios com características demográficas e psicográficas, o que leva o leitor a Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 31 considerar a existência de estratégias para mercados de massa, nicho e outros. A partir das conclusões alcançadas no processo de análise de atratividade e competição, WALKER et all. [1996] consideram diferentes estratégias de targeting para focar os diversos mercados-alvo, quais sejam as estratégias de mercado de massa, de mercado de nicho e de mercados em crescimento. Não são abordadas estratégias para mercados em outras fases. McCARTHY e PERREAULT JR [1997] consideram as seguintes estratégias de targeting: abordagem de mercado-alvo único, (segmentação do mercado e escolha de um dos segmentos para ser o mercado-alvo da empresa); abordagem de mercado múltiplo (segmentação e escolha de mais de um segmento e que são então tratados individualmente como mercados -alvo que necessitam de um composto de marketing diferente); abordagem do mercado-alvo combinado (combinação de dois ou mais submercados em um mercado-alvo maior como base para uma estratégia). STANTON et all. [1997], em termos de estratégias, consideram três alternativas: a de agregação ou de mercado de massa; a de segmento único; a de segmentos múltiplos. SANDHUSEN [1998] apresenta três estratégias – de massa, concentrada e diferenciada – as quais são relacionadas às características de produto/mercado. NICKELS e WOOD [1999] estabelecem quatro estratégias de targeting: marketing indiferenciado, dirigido ao mer cado de massa; marketing diferenciado, em que é contemplada uma estratégia para cada segmento; marketing concentrado, caracterizado pela definição de uma estratégia específica para um dado segmento; marketing customizado, caracterizado pela adoção de estratégias orientadas a cada consumidor em separado. KOTLER [2000] faz distinção da segmentação em quatro níveis, tendo como ponto de partida o marketing de massa: segmento, nicho, local e individual, que implicarão condutas distintas de targeting. RICHERS [2000] refere-se à difusão, na qual os produtos são dirigidos ao mercado de massa e à segmentação de maneira ampla. Para o autor, o processo de segmentação pode ocorrer sob a forma de diferenciação, sendo que, muitas vezes, as empresas passam à segmentação, influenciadas pela concorrência ou como conseqüência do crescimento do mercado. HOOLEY et all. [2001] consideram três abordagens estratégicas de targeting: o Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 32 marketing não-diferenciado (marketing de massa); o marketing diferenciado (produtos diferentes para cada segmento); o marketing concentrado (foco em um ou poucos segmentos). BERKOWITZ et all. [2003] propõem o foco em três modos distintos: um produto e vários segmentos de mercado; diversos produtos e vários segmentos de mercado; “segmentos unitários” ou personalização de massa, o que implica a personalização em pequena escala para os clientes pertencentes ao mercado de massa, com o apoio de tecnologia. DALRYMPLE e PARSONS [2003], a exemplo de BERKOWITZ et all. [2003], referem-se à diferenciação e à personalização, de modo a promover um ajuste ao alvo escolhido, declarando que, por vezes, a segmentação e a diferenciação podem andar juntas. 4. POSICIONAMENTO ROCHA e CHRISTENSEN [1987] definem posicionamento como a imagem obtida pelo produto na mente do consumidor, como resultado do tipo de oferta, do grupo de consumidores e das ofertas dos concorrentes. O posicionamento orienta as decisões de marketing ao definir a resposta esperada dos consumidores em relação aos benefícios relevantes. O posicionamento, definido por WALKER et all. [1996] como o ajuste percebido pelos consumidores entre as ofertas de um determinado produto e as necessidades do mercado-alvo é um conceito estratégico crítico, uma vez que os consumidores devem perceber que os benefícios desejados são alcançados a partir da escolha de determinado produto ou serviço, que detém vantagem competitiva sobre os concorrentes. McCARTHY e PERREAULT JR [1997] abordam com brevidade o assunto, embora o considerem importante, por ajudar os gerentes a entenderem como os consumidores vêem seu mercado. Embora não ofereçam uma definição para o posicionamento, caracterizam-no e exemplificam-no por intermédio do mapa perceptual ao qual chamam de “espaço de produto”. Os autores não apresentam estratégias de posicionamento. STANTON et all. [1997] referem-se ao posicionamento, ao cuidarem do planejamento estratégico de marketing, como forma de identificar uma vantagem diferencial. SANDHUSEN [1998] aborda de modo resumido o posicionamento, definindo-o como a “imagem de marca com respeito aos produtos concorrentes – a maneira como o produto é definido competitivamente pelos consumidores nos atributos importantes” e ilustra com um Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 33 mapa perceptivo simplificado, no qual presume que os concorrentes já estejam posicionados, e as referências a cada produto identificado reflitam as respectivas participações de mercado. NICKELS e WOOD [1999] abordam brevemente o posicionamento e as suas estratégias, embora destaquem sua importância. Orientam que através da aplicação criativa dos oito processos de marketing (busca e análise ambiental; pesquisa e análise de marketing ; segmentação e seleção de mercado-alvo e posicionamento; determinação de valor e preços; gerenciamento de canais e da cadeia de valor; comunicação integrada; construção de relacionamento), pode-se criar e reforçar a posição escolhida nas mentes dos clientes, atuais e potenciais, de modo distinto em relação aos produtos concorrentes na mesma categoria, além de manter os empregados concentrados no valor total do pacote que está sendo fornecido aos clientes. KOTLER [2000] considera o posicionamento como conseqüente da necessidade de ser promovida a diferenciação permanente em relação aos concorrentes, na busca de vantagens, por intermédio de constantes aperfeiçoamentos nas características e benefícios, conforme o estágio de vida do produto. Para o autor, posicionamento é “o ato de desenvolver a oferta e a imagem da empresa para ocupar um lugar destacado na mente dos clientes-alvo”. PRIDE e FERRELL [2000] tratam o posicionamento ao abordarem o varejo e o desenvolvimento e a gerência de produtos, considerando-o “parte de uma progressão natural quando se usa segmentação de mercado”, sem dedicarem maior espaço à discussão do assunto. RICHERS [2000] distingue segmentação de posicionamento, declarando que o posicionamento é a operacionalização da segmentação agindo sobre a sensibilidade das pessoas, provocando a sua reação positiva para algum apelo que pareça ser digno de aceitação. HOOLEY et all. [2001] definem o posicionamento como as ofertas de mercados alternativos com relação aos clientes, isto é, como os clientes as percebem, comparadas a outras. Consideram a atratividade dos mercados e a força da posição competitiva como elementos-chave para estabelecer o posicionamento e alertam para serem evitadas armadilhas associadas a negócios, como negócio periférico (refere-se a mercados em que, apesar de ser possível alcançar uma posição forte e segura, oferecem poucos benefícios para a empresa); negócio ilusório (refere-se a mercados em que a competição é entrincheirada, o que impede melhorar a posição); negócio sem saída (refere-se a mercados que declinaram ou cuja posição Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 34 da empresa foi minada pela concorrência); negócio central (que implica conhecer o que torna o mercado atraente e o que torna forte um mercado competitivo). BERKOWITZ et all. [2003] retratam duas abordagens para o posicionamento: o posicionamento de embate frontal que implica competir diretamente com os concorrentes em atributos similares no mesmo mercado-alvo e o posicionamento de diferenciação, que abarca buscar um nicho. DALRYMPLE e PARSONS [2003] prescrevem a análise da concorrência previamente ao posicionamento. Os autores declaram que o posicionamento enfoca as percepções dos compradores sobre a localização das marcas dentro de segmentos específicos do mercado, baseadas em quão bem são percebidas como satisfatórias às necessidades dos compradores. 4.1. O Processo de Posicionamento O processo de posicionamento permite promover uma importante reflexão acerca do levantamento de informações relevantes à adoção da estratégia mais conveniente para as organizações, que passam a promover esforços em termos de realizar a busca e a análise de informações referentes às necessidades e desejos dos consumidores , às práticas da sua indústria e outras que possam contribuir para a maior aproximação em relação ao mercadoalvo. ROCHA e CHRISTENSEN [1987] consideram que o processo de posicionamento implica colocar o produto na perspectiva dos benefícios procurados e de maior apelo, assim como diante da concorrência de modo comparativo, visando à diferenciação. WALKER et all. [1996] restringem a análise aos produtos que competem diretamente com aquele que venha ser objeto de interesse imediato, promovendo a seguir uma aproximação em relação àqueles de mesma natureza e de marcas distintas, correspondendo ao primeiro passo do processo de posicionamento, tomando por base a percepção dos consumidores. São, então, construídos mapas de posicionamento, conforme proposto de modo sumário por BUSCH e HOUSTON [1985]3, com o propósito de permitir compreender as forças e vulnerabilidades de uma marca e possibilitar a avaliação da necessidade e da possibilidade de seu reposicionamento, no caso de bens e serviços pré-existentes, ress alvados os riscos de não serem consideradas ameaças de possíveis substitutos de outras categorias. 3 BUSCH, P. S. & HOUSTON, M. J. Marketing strategic foundations. Homewood. Ill: Irwin, 1985, p 430. In WALKER, Orville C.; BOYD Harper W.; LARRECHE, Jean-Claude. Marketing strategy: planning and implementation. Boston, Irwin, 1996. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 35 A segunda etapa consiste na identificação de atributos relevantes, que requerem a consideração a aspectos como características dos produtos, benefícios oferecidos aos consumidores, uso ou aplicação e possíveis substitutos, sendo os dois primeiros imediatamente referenciados como atributos, os quais são diretamente associados aos produtos. No caso de substitutos, não basta saber em que dimensões guardam relação de vantagem, mas porquê. Tendo em vista que diversos atributos podem ser considerados, é necessário estabelecer quais são, prioritariamente, osdeterminantes da escolha dos consumidores, de maneira a concentrar os esforços nos pontos mais relevantes, o que requer conhecer a percepção dos consumidores, terceiro passo, que se desenvolve com o uso de técnicas estatísticas empregadas a partir do estudo de amostras do universo estudado. A quarta etapa consiste na análise da intensidade da marca na mente dos consumidores, comparativamente a outras marcas por eles reconhecidas, visando estabelecer a posição relativa entre a marca sob estudo e as demais, por intermédio da seleção de um número limitado de atributos, como fez AAKER [1991]4, que identificou onze tipos de associações: atributos do produto, aspectos intangíveis, benefícios, preço relativo, uso ou aplicação, usuário ou consumidor, celebridade ou pessoa, estilo de vida ou personalidade, classe do produto, competidores, país ou área geográfica. Os autores alertam para os riscos da elevada intensidade das características de uma marca no modelo mental dos consumidores, podendo representar restrições a mudanças futuras de estratégia, como no caso da perda de importância para os consumidores de aspectos intensamente explorados por uma marca; pela diluição da importância de uma marca ao ser absorvida por outra maior, que, afinal, não se destaca, ou pelo excesso de sua exploração - por intermédio de extensão de linha e pelo lançamento de novos produtos com a mesma marca que, afinal, pode perder o foco, por falta de associação com os antecessores ou por outros problemas que envolvam, por exemplo, comunicação, qualidade e preço. A análise da posição da marca/empresa em relação às demais, a partir da apuração do mapa de posicionamento, corresponde à quinta etapa, devendo ser considerado o alerta de que espaços eventualmente vagos podem decorrer da impossibilidade de atendimento das características na forma e intensidade exigidas, ou por não ser atraente preencher tais requisitos. Uma limitação desse tipo de análise reside no fato de não ser possível estabelecer quais os fatores que provocam maior ou menor interesse nos consumidores, devendo então ser verificadas quais as reais preferências, por intermédio da análise de posicionamento de mercado. 4 AAKER, David A. Managing brand equity New York: Free Press, 1991, pp109-79, in WALKER, Orville C.; BOYD Harper W.; LARRECHE, Jean-Claude. Marketing strategy: planning and implementation. Boston, Irwin, 1996. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 36 A sexta etapa corresponde à determinação das combinações de atributos que resultam em maior preferência, o que permite estabelecer as marcas capazes de exercer maior atração sobre os consumidores, levando em conta, porém que nem todos os consumidores darão a preferência a uma marca, pela proximidade que têm em relação aos seus atributos; que existirão áreas lindeiras a mais de uma marca, o que pode implicar indiferença entre elas; que os consumidores podem simplesmente querer variar de marca eventualmente. A próxima etapa, a sétima, corresponde à definição do posicionamento e da segmentação do mercado. Em razão do fato de os aspectos ideais considerados pelos consumidores refletirem-se em diferenças entre os benefícios procurados, a análise de posicionamento pode simultaneamente identificar segmentos distintos e posições percebidas de diferentes marcas. Os vários agrupamentos de marcas considerados no mapa de posicionamento podem ser interpretados como segmentos, os quais são destacados a partir de características que se configuram graficamente como áreas de interesse, cuja dimensão reflete a proporção relativa de consumidores contidos na referida área. O emprego dessa técnica permite identificar a competição entre marcas em segmentos distintos; identificar a intensidade da rivalidade num segmento; identificar oportunidades de diferenciação num determinado segmento. A última etapa corresponde à seleção das estratégias de posicionamento. A escolha deverá, após considerar a análise do mercado-alvo e os resultados da análise de posicionamento do mercado, ir ao encontro das preferências de um segmento, levando em consideração as posições das marcas concorrentes. Deve refletir a atual e a futura atratividade do mercado-alvo, como o seu tamanho, crescimento e restrições ambientais, bem como as forças e vulnerabilidades dos competidores. Tais informações, juntamente com a necessária análise de custos voltada ao alcance e manutenção da posição estabelecida, permitem avaliar as implicações de diferentes estratégias de posicionamento. Não obstante, os autores não orientam como proceder para operacionalizar cada uma das etapas descritas. KOTLER [2000] cita CREGO e SCHIFFRIN [1995]5 que propuseram o estudo dos valores para os clientes, por intermédio de um processo de três etapas: a definição do modelo de valores para o cliente; o estabelecimento da hierarquia de valores para o cliente, diferenciada em quatro grupos: básico, esperado, desejado e inesperado; decisão sobre o 5 CREGO, E. T.; SCHIFFRIN, P. D. Customer center reengineering. Homewood, IL: Irwin, 1995. in KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000, p.308. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 37 pacote de valores para o cliente. KOTLER [2000]alerta para os principais erros de posicionamento: subposicionamento (quando os benefícios não impressionam os clientes); superposicionamento (quando os clientes têm uma imagem demasiadamente estreita da marca e julgam que não é para eles); posicionamento confuso (quando não revela uma identidade clara para os clientes); posicionamento duvidoso (quando suscita dúvidas acerca da veracidade das afirmações feitas acerca do produto). NICKELS e WOOD [1999] afirmam que a única forma de saber o que é importante para os clientes é através da pesquisa de mercado, e uma vez aprendido o que o que os clientes gostam ou não, é possível visualizar as posições relativas de cada produto na categoria, podendo-se desenhar um mapa perceptual, porém, não orientam quanto à maneira de se elaborar tal mapa. RICHERS [2000] reforça a visão de MCKENNA [1993]6 para quem a credibilidade é a chave para o posicionamento no mercado, sendo essenciais três variáveis para a conquista da credibilidade: a inferência, a referência e a evidência. Todavia, para o autor não basta. É necessário que a organização tenha fôlego para aguardar, até que as variáveis citadas surtam efeito e promover a inovação. HOOLEY et all. [2001] estabelecem processos de posicionamento com enfoques qualitativos, que incluem o emprego de técnicas de associação, quadros de conceito, animação, complemento de histórias em quadrinhos, mapeamento do produto visual e emprego de métodos de perfil, como a escala de atributos, análise de posicionamento multidimensional e a adoção de mapas perceptuais, a exemplo do que KOTLER [2000] propusera, porém empregando algoritmos alternativos. BERKOWITZ et all. [2003] consideram a percepção dos consumidores como a chave para o posicionamento, devendo ser obtidos pelas empresas três tipos de dados dos consumidores: a avaliação dos atributos importantes para uma classe de produtos; o julgamento das marcas existentes com os atributos importantes; a pontuação dos atributos de uma marca tida como ideal. DALRYMPLE e PARSONS [2003] referem-se ao processo de posicionamento suportado por um conjunto de indagações a serem respondidas: quem são os concorrentes; quais as relações com os concorrentes; onde ocorre a concorrência; quando ocorre a concorrência; como está concorrendo; como o produto é posicionado. Para identificar os concorrentes é empregado o mapa perceptual. Os autores alertam para a possibilidade de ingresso de novos 6 McKENNA, R. Marketing de relacionamento: estratégias bem sucedidas para a era do cliente. Rio de Janeiro: Campus, 1993, p. 88. In. RICHERS, R. Marketing: uma visão brasileira. São Paulo: Negócio, 2000. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 38 concorrentes. A análise do relacionamento com os concorrentes considera o conflito, a competição, a coexistência, a cooperação e o conluio. O conflito ocorre quando os objetivos inerentes às parcelas de mercado disputadas entre os concorrentes são incompatíveis, devendo desencadear uma luta, em razão das ameaças identificadas em um mercado estagnado. A competição é centrada no objeto. O grau de competição dependerá principalmente da atratividade do mercado (tamanho do mercado e taxa de crescimento, clima econômico, possibilidade de economia de escala, inovação tecnológica, diferenciação e segmentação) e da estrutura da indústria (número de concorrentes, diversidade de concorrentes e seu compromisso com a indústria, facilidade de acesso ao mercado e barreiras de saída). A coexistência significa trabalhar por objetivos independentes, como na busca por segmentos distintos. A cooperação envolve um trabalho conjunto visando a um objetivo comum, própria de negócios nascentes, em que os seguintes motivos estão presentes: velocidade de colocação no mercado, novo potencial de mercado, acesso à tecnologia e proteção da participação de mercado. O conluio é o comportamento cooperativo, elaborado para prejudicar terceiros, sejam eles, clientes, fornecedores, concorrentes ou o público em geral. Os autores declaram que inclusive o governo pode fazer parte do conluio, quando a intenção é proteger empresas domésticas. O conluio pode ser direto, quando envolve a comunicação direta entre as partes, ou indireto, o que envolve sinalização. Uma empresa pode fazer um comunicado para testar a realidade dos concorrentes, que podem responder esboçando a sua interpretação a respeito do sinal identificado. Ao fazerem referência ao conhecimento acerca dos concorrentes, declaram que “quanto mais e melhores informações você tenha sobre os concorrentes, mais seguras serão suas decisões de marketing. Para que essas informações sejam úteis, você deve processá-las de forma metódica”. São citadas cinco etapas do processo de inteligência sobre os concorrentes: • Estabelecer um sistema de coleta de informações para análise competitiva. • Identificar os concorrentes. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 39 • • • Reunir informações, por meio de auditoria, sobre os concorrentes. Avaliar as informações sobre os concorrentes. Integrar as informações em seu processo de planejamento de forma regular. A escolhas das ar enas de mercado para procurar a vantagem competitiva depende da atratividade do mercado e das forças da organização, implicando a escolha das melhores estratégias. A resposta à indagação sobre quando se está concorrendo depende da capacidade em perceber e aproveitar as chamadas “janelas estratégicas” de oportunidades – aberturas no mapa da concorrência que podem ser exploradas em um determinado momento, requerendo intuição e flexibilidade. Identificar a forma com que está ocorrendo a concorrência implica decidir em que dimensões atacar ou defender, o que é baseado no tamanho relativo da organização em relação aos seus concorrentes, além da viabilidade das estratégias em uma indústria específica. As estratégias consideradas são classificadas em ofensivas e defensivas. Por fim, é considerada a forma com que ocorre o posicionamento, que é o ponto a ser destacado no próximo tópico. 4.2. Estratégias de Posicionamento Para WALKER et all. [1996], as estratégias de posicionamento devem considerar aspectos físicos e perceptuais, a fim de identificar posições atraentes num dado mercado-alvo e alternativas a elas, levando em consideração as ações de competidores e as mudanças no comportamento de consumo. A identificação dos aspectos físicos de posicionamento, a princípio restringe-se a uma análise direta das características físicas de um produto ou de elementos tangíveis de serviços. Porém, além da comparação entre aspectos físicos, é necessário conhecer o modelo mental do público-alvo, que pode perceber tais aspectos de maneira distinta, quando relacionados a diferentes produtos, em magnitude ou importância, associados ao que as organizações esperam. Assim, as características perceptuais assumem maior importância, tendo em vista os atributos sociais ou psicológicos, em termos de estética, como status, segurança e conforto, entre outros, uma vez que as pessoas adquirem não características de produtos, mas os benefícios oferecidos por sua posse, uso, gozo e fruição. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 40 Uma forma de comparação entre as duas dimensões, consideradas por WALKER et all. [1996], é apresentada no quadro a seguir: Posicionamento Físico Análise Perceptual Orientação técnica Características físicas Orientação do consumidor Atributos perceptuais Medidas objetivas Medidas perceptuais Dados imediatamente disponíveis Necessidade de pesquisa de mercado Propriedades físicas da marca Posições perceptuais de marca e intensidades de posicionamento Grande número de dimensões Limitado número de dimensões Representa impacto das especificações e do Representa impacto das especificações, preço e preço do produto comunicação Implicações diretas de P&D Implicações de P&D precisam ser interpretadas Essa comparação leva a considerar que a avaliação de vários produtos é subjetiva, em razão de fatores não físicos que incluem a forma de apresentação, experiências anteriores e opiniões de terceiros, fazendo com que produtos fisicamente semelhantes sejam percebidos de modo distinto. O estabelecimento das estratégias de posicionamento inclui a avaliação do potencial de vendas de posições alternativas, que deve considerar a dinâmica dos mercados, incluindo o nível de crescimento dos segmentos; a evolução dos pontos ideais dos segmentos; as mudanças na intensidade do posicionamento; a avaliação do posicionamento das marcas concorrentes; novos atributos; o desenvolvimento de novos segmentos; a introdução de novas marcas. Vale destacar que, para os autores, o nível de vendas de uma marca sofre influências de fatores que vão além do composto de marketing, como por exemplo, o processo de compra adotado pelos consumidores, o estado de conhecimento/consciência a respeito da marca, a intenção de compra e a busca pelo produto, o que repercute sobre as estratégias de posicionamento. As estratégias de posicionamento são categorizadas em posicionamento em um único segmento, como o mercado de massa; posicionamento em múltiplos segmentos, o que permite economias de escala com menores investimentos e baixa dispersão da atenção gerencial; posicionamento para pronto emprego, para o lançamento de um novo produto em ocasião oportuna; posicionamento imitativo em relação a uma marca de sucesso; posicionamento antecipativo, que prevê a evolução das necessidades de um segmento; posicionamento Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 41 adaptativo, ou reposicionamento; posicionamento defensivo por intermédio de marcas de combate com características similares às das próprias marcas preexistentes. NICKELS e WOOD [1999] indicam estratégias de posicionamento ou reposicionamento de produtos: dirigidas contra o principal concorrente; de acordo com quem utiliza; de acordo com quando e onde é utilizado; de acordo com os valores das pessoas; de acordo com os benefícios oferecidos; diferenciado em relação aos concorrentes. RICHERS [2000] recomenda evitar os concorrentes e enfatiza que “jamais um seguidor deve imitar o líder ou ídolo. Deve ser alguém que tem as suas próprias vantagens (sic) a oferecer”. KOTLER [2000] considera um conjunto de variáveis a serem levadas em conta no processo de diferenciação: produto, serviços, pessoal, canal e imagem. A partir dessas variáveis, deve-se considerar ainda um conjunto de critérios que orientam a adoção da estratégia de diferenciação mais conveniente para a empresa: importância; destaque; superioridade; exclusividade; acessibilidade; lucratividade. As estratégias citadas pelo autor levam em conta o estágio do ciclo de vida do produto. KOTLER [2000], RICHERS [2000] e BERKOWITZ et all. [2003] defendem o emprego de mapas perceptuais bidimensionais, para localizar os produtos em termos de como são percebidos pelos consumidores. KOTLER [2000] apresenta como exemplo um mapa perceptual que contempla, além das variáveis correspondentes aos dois eixos de orientação, outras nove variáveis, chamadas satisfações, que expandem o conceito bidimensional do mapa. A partir dele, informa que foram reconhecidas diferentes estratégias de posicionamento disponíveis, como: por atributo; por benefício; por aplicação ou utilização; por usuário; por concorrente; por categoria de produtos; por qualidade ou preço. HOOLEY et all. [2001] estudam as estratégias de posicionamento a partir de processos de diferenciação: do produto; da comunicação; da marca; da distribuição; de preço. Visam, com isso, propor estratégias de construção; de sustentação; de nicho; de colheita; de desinvestimento/eliminação. Propõem ainda um conjunto de alternativas de posicionamento, obtido a partir da matriz de posições genéricas alternativas e estratégias de posicionamento. As posições genéricas são consolidação (para líderes ou possuidores de forte reputação); posição latente (visa obter reputação); deposição (visa minar o posicionamento dos Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 42 competidores) e associação (visa à aproximação a características positivas de outros concorrentes, de modo a ser visto como pertencente a um grupo qualificado). No tocante às estratégias de posicionamento em si, adotam a classificação proposta por AAKER [1982]7: posicionamento por: atributo; concorrência; aplicação; usuários; associação à classe de produto. DALRYMPLE. e PARSONS [2003] abordam as estratégias ofensivas, que incluem o ataque frontal; o ataque de flanco; o ataque de cerco; o ataque de desvio; a guerrilha armada, descrevendo-as. A seguir, tratam das estratégias de defesa, em número de seis, denominadas: defesa de posição; defesa móvel; defesa antecipada; defesa de flanco; defesa contra-ofensiva; retirada estratégica, também descritas. Os autores alertam para a chamada “falácia da maioria”, que representa o comportamento dos gerentes de marketing que “se preocupam normalmente com o posicionamento de novos produtos em mercados estabelecidos”. Em situações como essa, as organizações costumam seguir ações dos líderes, deixando de lado outras estratégias que levariam a melhores resultados e que foram deixadas de lado pelas líderes. Finalmente, abordam as estratégias de reposicionamento, destacando a dificuldade em decidir se um produto deve ser reposicionado, e em que direção deve ser movido. A questão geralmente gira em torno da troca entre a manutenção de benefícios da posição existente e os ganhos de vendas possíveis associados às novas posições. Outros problemas potenciais são considerados, como a interpretação equivocada da existência de uma lacuna em um mapa perceptual, que pode sugerir, erradamente, uma oportunidade. A manutenção da satisfação de um grupo de clientes, enquanto novos segmentos são atraídos, representa também um risco pela possibilidade de desagradar a um ou a ambos. 5. INTELIGÊNCIA COMPETITIVA Para GOMES e BRAGA [2001]8, Inteligência Competitiva é o resultado da análise de dados e informações coletados no ambiente competitivo da empresa que irão 7 AAKER, D. A. “Positioning your product”, Business Horizons, 25 (3), 56-62. In. HOOLEY, G. J.; SAUNDERS, J. A.; PIERCY, N. F. Estratégia de marketing e posicionamento competitivo. 2. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2001. 8 GOMES Elisabeth.; BRAGA, Fabiane. Inteligência competitiva: como transformar informação em um negócio lucrativo. Rio de J aneiro: Campus, 2001, p.27. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 43 embasar a tomada de decisão, pois gera recomendações que consideram eventos futuros e não somente relatórios para justificar decisões passadas. PRESCOTT e GIBBONS [1991]9 a definem inteligência competitiva como um processo formalizado, ininterruptamente avaliado, pelo qual a gerência avalia a evolução da sua indústria e a capacidade e o comportamento de seus concorrentes atuais e potenciais, para auxiliar na manutenção ou desenvolvimento de uma vantagem competitiva. VAITSMAN [2001]10 informa que os especialistas em IC têm em mente proporcionar aos executivos uma sistemática de coleta e análise de informações públicas (obtenção de dados por meios legais) sobre os concorrentes, de modo a subsidiar o processo de tomada de decisão da corporação à qual está vinculada. Embora não seja oferecida uma definição direta, não deixa dúvidas a respeito do que é, e quais os propósitos da Inteligência Competitiva. A despeito da apresentação de algumas definições de Inteligência Competitiva, cumpre ressaltar que tanto a expressão, quanto o seu significado variam bastante nos textos correntes. Há autores que denominam a IC como inteligência empresarial, inteligência competidora, inteligência estratégica, business intelligence e outras formas, havendo certa confusão a respeito dos diferentes conceitos associados a essas denominações assemelhadas. MORAIS [1999] estende o conceito de Inteligência Competitiva a um sistema que contempla o processo de planejamento a priori e a disseminação, utilização e avaliação a posteriori, em relação ao processo de coleta e análise de dados e informações. A exemplo do que é citado na literatura voltada a negócios, a literatura militar brasileira ensina que informação estratégica é o conhecimento do fato ou situação que tenha ou possa vir a ter reflexos em qualquer das expressões do Poder Nacional, produzido com a 9 PRESCOTT, John., GIBBONS, Patrick T. in GOMES, E., BRAGA, F. op.cit., p.27. 10 VAITSMAN, Hélio Santiago. Inteligência empresarial: atacando e defendendo. Rio de Janeiro: Interciência, 2001., p. 63. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 44 finalidade de atender às necessidades de planejamento e à condução de ações de alcance estratégico. (...) Encerra conhecimentos necessários à conquista e/ou manutenção de objetivos nacionais permanentes. (...) e apenas servem de subsídio para os estudos e tomadas de decisões.11 Não obstante a distinção de propósitos de emprego das informações, guardadas as proporções, em ambos os campos, civil e militar, as informações estratégicas ou competitivas têm finalidades bastantes semelhantes e servem a propósitos análogos, devendo ser cercadas de cuidados, no tocante à sua obtenção, tratamento e emprego, a fim de per mitir ao seu possuidor o alcance e a manutenção de posição de vantagem. De modo a situar o campo de interesse da IC, vale citar a relação de proximidade entre esta e as áreas da Gestão do Conhecimento e da Proteção do Conhecimento. As três reunidas compõem o pano de fundo dos estudos de inteligência. Embora as demais não sejam objeto de interesse desta pesquisa, mostra-se importante defini-las, evitando-se possíveis confusões e invasões de competência nessas áreas, o que levaria à perda de foco deste trabalho. O conhecimento dessa relação de proximidade poderá eventualmente representar uma contribuição para pesquisas futuras nessas áreas. PROBST, RAUB et ROMHARDT [2002]12 definem conhecimento como o conjunto total que inclui cognição e habilidades que os indivíduos utilizam para resolver problemas. O conhecimento se baseia em dados e informações, mas, ao contrário deles, está sempre ligado a pessoas. O gerenciamento de dados, informações e conhecimentos deve, portanto, estar sempre coordenado. Verifica-se, então, a abrangência do conhecimento, que os autores consideram como a formar um continuum . A necessidade de permanente coordenação sugere a necessidade de busca não somente de informações sobre os competidores, mas do conhecimento por eles gerados, muitas vezes deixados à mostra. KLEIN [1998] informa que o conhecimento também é denominado por outros autores, 11 BRASIL. MINISTÉRIO DO EXÉRCITO. ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. Manual de campanha: estratégia. 2ª de. 1997. P. A-8. Expressões do Poder Nacional correspondem às formas de que o poder assume: psicossocial, científico-tecnológico, político, militar e econômico. Os objetivos nacionais permanentes são: soberania, paz social, integração territorial, democracia, integridade do patrimônio nacional, progresso. 12 PROBST, Gilbert, RAUB, Steffen; & ROMHARDT, Kai. Gestão do conhecimento: os elementos constitutivos do sucesso. Porto Alegre: Bookman, 2002. P. 30. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 45 como capital intelectual ou aprendizagem organizacional. Por informação ou conhecimento sensível, privilegiado ou ainda estratégico, a literatura ensina que a expressão indica tratar-se de informações ou conhecimentos vitais para os interesses da organização, que, por sua importância, devem ser protegidos. Independentemente da denominação atribuída ao conhecimento e à Inteligência Competitiva, a admissão da sua importância e o crescente interesse no estudo de ambos revelam o valor do ativo intangível e do processo da sua obtenção, o que leva a concluir que, para o alcance dos objetivos organizacionais e para a manutenção de vantagens competitivas, as organizações têm duas possibilidades que podem ser exploradas concomitantemente: produzir e proteger as informações organizacionais e o conhecimento sensíveis; obter informações e conhecimento sensíveis desenvolvidos externamente, com o emprego da Inteligência Competitiva. Conhecer em maior profundidade as informações e os conhecimentos que merecem um tratamento diferenciado nas organizações, que cuidados devem ser tomados na sua busca, coleta, tratamento, análise, disseminação, uso e avaliação pelas empresas, qual o custo desses cuidados e das ações pertinentes e a proporção desses custos em relação ao valor das informações e conhecimentos é assunto a ser estudado com afinco, para garantir a posição e as vantagens competitivas alcançadas e a conquistar. Vantagem competitiva, por sua vez, é a posição de superioridade que uma organização atinge comparativamente a outras empresas concorrentes, de acordo com PORTER [1989]. Tal vantagem tem origem nas atividades que uma empresa desempenha em diferentes áreas, como no projeto, na produção, no marketing, na entrega e no suporte a seus produtos, em que cada uma contribui para a formação dos custos da empresa e para criar uma base para diferenciação, conforme ensina PORTER [1986]. Tudo isso requer o alinhamento entre as diversas áreas, de maneira a ser evitada a subotimização e a inversão de meios e fins. 6. SEGMENTAÇÃO, TARGETING E POSICIONAMENTO E INTELIGÊNCIA COMPETITIVA A partir da revisão de literatura realizada neste estudo, referente à segmentação, targeting, posicionamento e Inteligência Competitiva, é apresentada a análise do conteúdo das obras citadas e são tecidas algumas considerações, de modo a estabelecer o liame entre as áreas de Marketing e IC e indicar a importância e a utilidade da Inteligência Competitiva – IC, haja vista que as atividades inerentes a ela são citadas tanto de modo indireto quanto direto Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 46 nos textos referenciados. Considerando que as necessidades e os propósitos das ações de segmentação, targeting e posicionamento requerem amplo conhecimento a respeito do mercado consumidor, bem como dos competidores, das ações promovidas pelas diferentes organizações e das tendências que levarão a mudanças nos objetivos e estratégias empregados pelos participantes, mostra-se fundamental que as organizações adotem um processo formal e estruturado para promover o planejamento, a busca, a coleta, o tratamento, a análise, a disseminação, o emprego de dados e informações sensíveis 13, próprio da IC, que auxiliarão as organizações no processo de tomada de decisões que lhes permita alcançar e manter vantagens competitivas, como o foco no futuro. Alguns autores revelam maior sensibilidade e preocupação com determinadas atividades, como a coleta e a análise de informações, como GARBER [2001], outros destacam a importância dos aspectos éticos que devem cercar as atividades de inteligência, como GOMES e BRAGA [2001]. O encaminhamento do processo é sugerido, como no caso de DALRYMPLE e PARSONS [2003]. HOOLEY et all. [2001], por seu turno, propõem o tratamento estatístico das informações. O grande número de descritores e variáveis envolvidos nos processos de segmentação, targeting e posicionamento requer uma abordagem cuidadosa e fundamentada em métodos geralmente aceitos, de maneira a permitir o aumen to da eficiência alocacional de recursos dedicados às atividades de IC, e, por conseguinte, de Marketing, visando à celeridade na obtenção de respostas às questões não somente inquietantes, mas estratégicas, daí a relevância da função IC. O interesse e a importância em conhecer e particionar o mercado remonta há décadas, conforme destacam ROCHA e CHRISTENSEN [1987], ao citarem SMITH [1956]. Tendo em vista o crescimento dos mercados, a modificação no comportamento de consumo, a evolução da tecnologia empregada pelos contendores e a ampliação do conhecimento adquirido com o passar do tempo, cada vez é maior o volume de dados e informações a ser obtido, bem como maior e mais complexo o seu tratamento, análise e aproveitamento, considerando-se, inclusive, o fato de que diante da procura por informações relevantes, as organizações vêm cada vez mais adotando cuidados em preservar os dados e informações de que dispõem e obtém, além do conhecimento que adquirem ao longo de um extenso processo de aprendizado. 13 Para os fins deste trabalho, informações sensíveis são aquelas de vital importância para as organizações, que as levam tanto à sua busca no ambiente externo, quanto à adoção de ações que visam à sua proteção e preservação internamente a cada organização. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 47 A literatura pesquisada, de modo geral, faz referência a métodos empregados nos processo de segmentação, de targeting e posicionamento, porém os autores não se alongam em descrevê-los em pormenores, tampouco orientam como empregar as técnicas para a sua execução, o que muitas vezes levar a parecer que decorrem tão somente de pesquisas de mercado e da percepção desenvolvida pelos responsáveis por essas atividades nas organizações, como leva a crer, a princípio, o emprego dos mapas perceptuais dedicados ao posicionamento de produtos. WEINSTEIN [1995], TROUT e RIVKIN [1996] e RIES e TROUT [1999] dedicam as suas obras a praticantes e gerentes, porém, apesar de oferecerem insights importantes, também não desvendam a complexidade que cerca o processo de orientação e direcionamento das organizações, promovido por intermédio da segmentação, do targeting e do posicionamento que irão adiante embasar as estratégias aplicadas ao composto de marketing, as quais deverão estar alinhadas com as estratégias empresariais. Quando muito, permitem a familiarização com as idéias e conceitos, mas não o domínio acerca dos modi operandi e faciendi. As etapas de segmentação correspondentes à definição e análise do mercado; escolha dos critérios para segmentação; escolha dos métodos; divisão do mercado em segmentos mutuamente excludentes; quantificação dos segmentos; determinação do grau de acessibilidade a cada segmento e reavaliação das etapas, bem como as bases e as variáveis empregadas são necessárias, todavia não são suficientes para a realização da segmentação em si, se outros fatores não forem considerados. A pesquisa de mercado pura e simples, conforme defendem NICKELS e WOOD [1997], eventualmente não permitirá que sejam conhecidos adequadamente os consumidores, especialmente considerando o fato de que estarão sujeitos às ações promovidas pelos competidores e outros agentes de mercado, como o próprio Governo, além da sua própria vontade e inclinações. WALKER et all. [1996] destacam alguns fatores que denotam a necessidade de conhecimento a respeito das parcelas de mercado que as organizações devem considerar, dentre os quais destam-se o acirramento da competição por fatias de mercado cujo crescimento se aproxima da estagnação; a extensão de marcas consagradas dos concorrentes; o aumento do conhecimento e da atenção dos públicos a respeito de marcas e produtos; o aumento do grau de exigência em relação aos níveis de desempenho de produtos e serviços; o aperfeiçoamento dos meios de produção e comunicação; o avanço da gestão de informações. Todos requerem a investigação permanente, sob a forma de ações de inteligência. A IC visa, portanto, auxiliar a identificação de oportunidades de negócio; o Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 48 desenvolvimento e o aperfeiçoamento de produtos e serviços; o melhor direcionamento de programas de marketing; a melhora na alocação de recursos; o acompanhamento das características e modificações no mercado consumidor e na concorrência. Várias técnicas de segmentação são propostas nas obras citadas: SANDHUSEN [1998] recomenda o emprego do modelo DADR; McCARTHY e PERREAULT JR [1997] propõem o grid de marketing. STANTON et all. [1997] não sugerem, mas alertam para a necessidade de ser conhecido o motivo da compra, além da mensuração, acessibilidade e tamanho do mercado. NICKELS e WOOD [1999] citam os modelos ACORN, PRIZM (Potential Rating Index by ZIP Markets – índice potencial por mercado de área postal) e VALS2. Posteriormente, PRIDE e FERRELL [2000] sugerem também o emprego da classificação VALS2, para fins de classificação dos consumidores, enquanto. HOOLEY et all. [2001], por sua vez, reforçam o emprego do sistema ACORN. NICKELS e WOOD [1999] destacam a importância da tecnologia da informação, além da pesquisa de marketing , como forma de coletar e tratar dados. Porém, os processos de busca e análise não foram abordados. Referem -se, no entanto, à maior facilidade em detectar tendências, problemas e oportunidades e à possibilidade de ver mais claramente os movimentos competitivos e as reações dos consumidores, permitindo respostas mais rápidas às necessidades de mudança nos consumidores, o que denota a consideração a medidas de reação e não de ação antecipada, aspecto este visado pela IC. No campo da segmentação organizacional, vale destacar BERKOWITZ et all. [2003] que sugerem o emprego da classificação NAICS dos setores industriais. É, portanto, farto o número de técnicas a serem empregadas para fins de segmentação que podem, afinal, ser apoiadas por outras típicas de IC, tornando o trabalho mais eficiente e eficaz, dada a extensa categorização empregada, que permite um enfoque mais preciso. No tocante às estratégias de targeting, é encontrada pouca variação na literatura, sendo empregados os descritores utilizados como base da segmentação. A partir da segmentação, ocorre a agregação que leva à caracterização de estratégias indiferenciadas, dedicadas aos mercados de massa; diferenciadas, dirigidas a determinados segmentos; e concentrados, voltados a um dado segmento ou nicho, a partir de preferências difusas, conglomeradas ou homogêneas. As estratégias de targeting podem aproveitar-se das ações de IC, a partir do trabalho Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 49 desenvolvido no processo de segmentação, quando os decisores dispõem de meios para a decisão a respeito de que públicos querem, devem e podem atender, ou evitar. Seguindo-se à definição dos critérios de seleção de mercados-alvos, o processo passa à priorização e à seleção propriamente dita, a partir da atratividade, acessibilidade e posição competitiva em relação a cada segmento, consideradas as forças e vulnerabilidades das organizações dedicadas a atender as necessidades identificadas e resistir aos movimentos dos competidores, uma vez conhecidos os recursos disponíveis e alcançáveis e definidos os objetivos de marketing e organizacionais. A abordagem analítica proposta por PRIDE e FERRELL [2000] retrata um enfoque prospectivo, ao cuidar da realização de uma previsão econômica para um determinado período, da qual derivam a estimativa do potencial do mercado e o potencial de vendas da empresa. Mais uma vez mostra-se importante a IC, posto que a comparação com as forças e vulnerabilidades dos competidores é também relevante, inclusive para auxiliar a obtenção de recursos existentes em outros ambientes, ainda não disponíveis na organização que se encontra na fase de priorização e escolha do mercado-alvo, tendo em conta o mercado, os fatores de competição e os fatores ambientais que podem influenciar a lucratividade, além de estudos prospectivos, conforme orientam WALKER et all. [1996] e PRIDE e FERRELL [2000]. HOOLEY et all. [2001] recomendam atenção aos fatores tecnológicos, como as barreiras de entrada e saída, o poder de barganha dos fornecedores, o nível de utilização da tecnologia e o investimento necessário, entre outros, que requerem a adoção de medidas que permitam conhecer a realidade dos competidores, para fins de comparação e avaliação dos esforços exigidos. No tocante aos fatores competitivos, as ameaças de substituição e o grau de diferenciação comparado requerem também ações de IC, as quais se mostram igualmente próprias à obtenção de dados e fatos pertinentes à exposição a variações nos ambientes econômico, tecnológico, físico, político- legal e social. A partir daí, estratégias como as propostas por KOTLER [2000], dentre as quais as de invasão segmento a segmento e cooperação entre segmentos, passam a ser consideradas na continuidade dos trabalhos de IC, que deve aportar os elementos necessários à tomada de decisão, sejam elas dedicadas a mercado de massa, a mercados de nicho, em fase de introdução, crescimento, estagnação, sejam elas declínio, conforme proposto por diversos autores dentre os quais os citados neste estudo. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 50 No tocante ao processo de posicionamento, NICKELS e WOOD [1999] referem-se aos oito processos de marketing – busca e análise ambiental; pesquisa e análise de marketing; segmentação, seleção de mercado-alvo e posicionamento; determinação de valor e preços; gerenciamento de canais e da cadeia de valor; comunicação integrada; construção de relacionamento. Todos requerem constante atividade de IC, de modo a serem acompanhados os movimentos e tendências do mercado. KOTLER [2000] considera a diferenciação como o elemento-chave do posicionamento. Sendo assim, conhecer intima e permanentemente os concorrentes e o mercado, consumidor ou industrial, é fundamental para o emprego e o sucesso das estratégias escolhidas, o que requer saber o que se passa nos corações e mentes dos participantes, evitando-se as armadilhas associadas a negócios, conforme ensinam HOOLEY et all. [2001] em relação às escolhas pertinentes às estratégias de posicionamento, para então seguir-se em direção ao embate ou à diferenciação, de acordo com as abordagens de posicionamento apresentadas por BERKOWITZ et all. [2003]. WALKER et all. [1996], ao abordarem o processo de posicionamento, fazem referência a produtos substitutos, em relação aos quais, ressaltam que não basta saber em que dimensões guardam relação de vantagem, mas porquê. Essa visão representa um alerta, dado que as organizações não devem se ver surpreendidas com os substitutos, fato mais freqüente diante da falta de ações permanentes no campo da IC, em auscultar o mercado e acompanhar a evolução tecnológica, o registro de patentes, buscando indícios que representem alertas antecipados e mobilizem as organizações a agirem antes dos competidores. Os mapas perceptuais propostos na literatura, ao revelarem lacunas entre os diversos produtos considerados nos mesmos, passam a exigir um estudo à parte, acerca das causas, razões, motivos e circunstâncias que levam a ocorrência desses vazios, o que requer novas investigações que auxiliem a obtenção de informações que ajudem a esclarecer a existência de tais hiatos. Em reforço ao entendimento de RICHERS [2000], que replica MCKENNA [1993], a credibilidade é a chave para o posicionamento, para o que contribui a conquista da credibilidade, por intermédio da inferência, da referência e da evidência que podem ser auxiliadas pelas ações de IC, uma vez que as empresas que as adotam são mais respeitadas e mesmo consideradas pelos seus competidores como insiders. Outras técnicas visando ao posicionamento são citadas por HOOLEY et all. [2001] e DALRYMPLE e PARSONS [2003], que levantam um conjunto de indagações que se configuram Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 51 num ponto de partida para a adoção de práticas de IC, que visam auxiliar na obtenção das respostas a questões seguintes: quem são os concorrentes; quais as relações com os concorrentes; onde ocorre a concorrência; quando ocorre a concorrência; como está concorrendo; qual o padrão de ação e reação; como o produto é posicionado, sendo considerada pelos autores a possibilidade de ocorrência de entrantes. DALRYMPLE e PARSONS [2003] declaram que quanto mais e melhores informações você tenha sobre os concorrentes, mais seguras serão as suas decisões de marketing. Para que essas informações sejam úteis, você deve processá-las de forma metódica. A esse respeito indicam o caminhamento dos procedimentos cabíveis e apontam indiretamente para ações de IC, ainda sob os cuidados da função marketing. A omissão pode dever-se à especialização dos autores no ramo de marketing ou ao foco da sua obra. O estabelecimento das estratégias de posicionamento ou de qualquer outra área de Marketing, bem como a sua implementação foge aos propósitos da IC, a qual, porém, contribui indiretamente, por intermédio das ações de busca e acompanhamento dos resultados, para a formação de convicção por parte dos decisores, quanto à forma, à oportunidade, aos riscos inerentes à implementação dessas estratégias e das suas correções de rumo, coletando também sinais, conforme citado por WALKER et all. [1996], além de indícios 14. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS A apreciação e os destaques feitos neste estudo, no tocante ao processo de planejamento de estratégias de segmentação, targeting e posicionamento, bem como os processos de implementação e controle dessas estratégias denotam a estreita ligação entre as funções marketing e IC. Se você se conhece e ao inimigo, não precisa temer o resultado de uma centena de combates, (...) será vencedor quem souber quando lutar e quando não lutar; quem souber manobrar tanto as forças superiores, quanto as inferiores; aquele cujo exército estiver animado do mesmo espírito em todos os postos; quem, preparado, espera para surpreender 14 Para os fins deste estudo, sinais são indicativos de intenções e ações percebidos em relação aos concorrentes, que os emitem e divulgam ostensivamente ou não. Indícios são pistas e vestígios apurados por intermédio das ações de IC, cujas intenções e ações são ocultas e freqüentemente negadas. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 52 o inimigo despreparado; (...) Se conhecermos o inimigo e a nós mesmos, não precisamos temer o resultado de uma centena de combates. Se nos conhecermos, mas não ao inimigo, para cada vitória sofreremos uma derrota. Se não nos conhecemos nem ao nosso inimigo, sucumbiremos em todas as batalhas. É o que ensinava o estrategista SUN TZU [1994], no século 6 a.C. Tais ensinamentos adaptados aos dias de hoje ganham reforço no ambiente de negócios, no qual não basta conhecer o inimigo, personificado na imagem dos competidores, ou o território, no caso, o mercado. É preciso ainda conhecer ampla e profundamente os consumidores, de modo individual e coletivamente, de maneira que os objetivos de sobrevivência e crescimento das organizações sejam atingidos. O agravamento da competição e a complexidade dos negócios requerem a busca do conhecimento citado pelo estrategista com o amparo da observação, do planejamento, da união de forças e do aproveitamento do próprio inimigo, para conquistá-lo, em lugar de ser surpreendido. A figura do inimigo não se limita aos concorrentes. O estudo e a investigação estendem-se à própria organização e aos consumidores, conforme visto aqui, bem como aos intermediários downstream e upstream. Para a adoção das estratégias de segmentação, targeting e posicionamento são necessários conhecimento e práticas de IC, a qual, segundo PRESCOTT e MILLER [2002], exige um “papel claramente articulado que decorre de (re)conhecer as necessidades de informação dos integrantes da organização”, suportado por métodos adequados de investigação e análise. O acompanhamento contínuo dos atores aqui qualificados permite alcançar o conhecimento, que DAVENPORT e PRUSAK [1998] definem como “uma mistura fluida de experiência condensada, valores, informação contextual e insight experimentado, a qual proporciona uma estrutura para a avaliação e incorporação de novas experiências e informações” Diante da diversidade de descritores, atributos e métricas empregados na adoção das referidas estratégias, mostra-se pertinente e mesmo imprescindível a adoção de medidas e contra-medidas de IC que possibilitem a obtenção e o desenvolvimento de tal conhecimento, a partir de dados e informações coletadas nos ambientes interno e externo às organizações que auxiliem a tomada de decisões mais ajustadas à realidade, à necessidade e às capabilidades Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 53 das organizações, com vista a prever e construir o futuro. Assim sendo, o emprego da IC auxilia a segmentação em diversas formas, na busca de permitir a definição e o aperfeiçoamento do foco das organizações em relação aos grupos de consumidores que possa e queira atender, e na adoção de práticas que possam resultar em ganhos na formação de vantagens competitivas duradouras, especialmente no que concerne às estratégias de mercado pertinentes. Quanto ao targeting, a IC contribui para melhorar as escolhas e facilitar o aumento da eficiência alocacional de recursos, a partir de informações confiáveis que dêem suporte as decisões. Do mesmo modo, em relação ao posicionamento, o resultado da análise e disseminação das informações relativas ao modelo mental dos consumidores e ao seu comportamento, permitem escolhas mais confiáveis e alterações de rumo mais ágeis e antecipadas, de maneira a não se perderem oportunidades de negócios diante da falta de domínio acerca das características, preferências e tendências emergentes, permitindo que os concorrentes o façam. Da apuração das informações e como conseqüência delas no que tange à segmentação, ao targeting e ao posicionamento, implica a tomada de decisões a respeito dos componentes e da extensão da cadeia de suprimentos; da verticalização e horizontalização das atividades; do crescimento, redução e direcionamento da presença geográfica; da obtenção de fornecedores; de compostos de comunicação; de compostos promocionais; de políticas de crédito, preços e investimentos. Tais decisões devem levar em consideração as tendências e inovações tecnológicas; as mudanças nos hábitos dos consumidores; as alterações do mercado e dos segmentos focados; a disponibilidade e o acesso a recursos físicos; a influência das práticas políticas, legais e regulatórias; as condições e a evolução da Economia local, regional e internacional que possam afetar o nível de atividade e os resultados dos empreendimentos. Cumpre destacar que para a obtenção de informações competitivas são promovidas diversas ações em diferentes naturezas e graus de abrangência e profundidade, que requerem freqüentemente a busca de informações sensíveis geradas por concorrentes, que, em função da concorrência, podem resvalar em práticas não-éticas que devem ser evitadas. Em que pese o fato de as organizações deverem adotar cuidados adequados à preservação das suas informações sensíveis e do conhecimento gerado internamente, muitas vezes ocorrem vazamentos por descuido ou desconhecimento da sua importância e do seu potencial emprego, que facilitam sobremaneira o trabalho de busca por parte dos Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 54 concorrentes, que não pode ser censurado, caso sejam obtidas por meios lícitos. Não obstante a importância e a necessidade das práticas de IC, conforme aqui destacadas, esse assunto alcança ainda pouco destaque na literatura referente a marketing, que, no mais das vezes, propõe um receituário em termos de que informações são relevantes a diferentes áreas de gestão, sem, no entanto, qualificar as formas de busca, além daquelas previstas em compêndios dedicados às pesquisas de mercado. A despeito da sua utilidade à área de marketing, a maior importância de IC se revela no processo de alinhamento das diferentes áreas das empresas, à medida que propicia e estimula a maior aproximação entre os integrantes da estrutura organizacional, especialmente das etapas de coleta e disseminação. Isso posto, a escolha das arenas em que se disputa a conquista de vantagens competitivas, depende do emprego adequado das informações coletadas, do tratamento e do uso dado a elas pelos especialistas, pontos que aqui se pretenderam ressaltar. 8. BIBLIOGRAFIA AAKER, D. A. Managing brand equity. In: WALKER, O. C.; BOYD H. W.; LARRECHE, J. Marketing strategy: planning and implementation. Boston: Irwin, 1996. BERKOWITZ, E. N. et al. Marketing. 6.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003. BUSCH, P. S.; HOUSTON, M. J. Marketing strategic foundations. In: WALKER, O. C.; BOYD, H. W.; LARRECHE, J. Marketing strategy: planning and implementation. Boston: Irwin, 1996. BRASIL. Ministério Do Exército. Estado-Maior do Exército. Manual de campanha: estratégia. 2. ed. 1997. CREG, O. E. T.; SCHIFFRIN, P. D. Customer center reengineering. In: KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10. ed. São Paulo: Prentice Hall, 2000, p. 308. DALRYMPLE, D. J.; PARSONS, L. J. Introdução à administração de marketing. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 55 DAVENPORT, T. H. Conhecimento empresarial : como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 1998. GARBER, R. Inteligência competitiva de mercado: como capturar, analisar informações de marketing e tomar decisões num mercado competitivo. São Paulo: Madras, 2001. GOMES, E.; BRAGA, F. Inteligência competitiva: como transformar informação em um negócio lucrativo. Rio de Janeiro: Campus, 2001. HOOLEY, G. J.; SAUNDERS, J. A. Posicionamento competitivo : como estabelecer e manter uma estratégia de marketing no mercado. São Paulo: MAKRON Books, 1996. ______ ; PIERCY, N. F. Estratégia de marketing e posicionamento competitivo . 2. ed. São Paulo: Prentice-Hall, 2001. KLEIN, D. A. A gestão estratégica do capital intelectual: recursos para a economia baseada em conhecimento. Rio de Janeiro: Qualitymark , 1998. KOTLER, P. Administração de marketing: a edição do novo milênio. 10. ed. São Paulo: Prentice-Hall, 2000. McCARTHY, E. J.; PERREAULT JR, W. D. Marketing essencial: uma abordagem gerencial e global. São Paulo: Atlas, 1997. McKENNA, R. Marketing de relacionamento: estratégias bem sucedidas para a era do cliente. In: RICHERS, R. Marketing : uma visão brasileira. São Paulo: Negócio, 2000. MORAIS, E. F. C. Inteligência competitiva : estratégias para pequenas empresas. Brasília: Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico, Universidade de Brasília, 1999. NICKELS, W. G.; WOOD, M. B. Marketing: relacionamentos, qualidade, valor. Rio de Janeiro: LTC, 1999. PORTER, Michael E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986. ______. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. Rio de Janeiro: Campus, 1989. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 56 PRESCOTT, J.; GIBBONS, P. T. Europe´92 provides new impetous for competitive intelligence. The Journal of Business Strategies , Boston. v.12, n. 6, p. 20-26, Nov./Dec. 1991. ______; MILLER, S. H. Inteligência competitiva na prática: estudos diretamente do campo de batalha. Rio de Janeiro: Campus, 2002. PRIDE, W. M.; FERRELL, O. C. Marketing: conceitos e estratégias. Rio de Janeiro: LTC, 2000. PROBST, G.; RAUB, S.; ROMHARDT, K. Gestão do conhecimento: os elementos constitutivos do sucesso. Porto Alegre: Bookman, 2002. RICHERS, R. Marketing: uma visão brasileira. São Paulo: Negócio, 2000. RIES, A.; TROUT, J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira, 1999. ROCHA, A da; CHRISTENSEN, C. Marketing: teoria e prática no Brasil. São Paulo: Atlas, 1987. SANDHUSEN, R. L. Marketing básico. São Paulo: Saraiva, 1998. SMITH, W. R. Product differentiation and market segmentation as alternative marketing strategies. Journal of Marketing, 21:5, july 1956. In: ROCHA, A. da; CHRISTENSEN, C. Marketing: teoria e prática no Brasil. São Paulo: Atlas, 1987. STANTON, W. G.; WALKER, B. J.; ETZEL, M., J. Marketing. 11. ed. São Paulo: MAKRON Books, 1997. TROUT, J.; RIVKIN, S. O novo posicionamento: a última palavra sobre estratégia de negócios no mundo. São Paulo: MAKRON Books, 1996. SUN TZU. A Arte da Guerra. adaptado por CLAVELL, J. 15 ed. Rio de Janeiro: Record, 1994 VAITSMAN, H. S. Inteligência empresarial: atacando e defendendo. Rio de Janeiro: Interciência, 2001. WALKER, O. C.; BOYD, H. W.; LARRECHE, J. Marketing strategy: planning and implementation. Boston, Irwin, 1996. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 57 WEINSTEIN, A. Segmentação de mercado. São Paulo: Atlas, 1995. Abstract The intent of this study is promote a brief reflection regarding the concepts and marketing literature guidance, where are addressed market segmentation, targeting and positioning, relating these issues to Competitive Intelligence - CI, whose object of interest is to plan, gather, analyse, disseminate and use relevant information regarding to the market place, customers and competitors, in order to subsidize the strategical decision making processes. In this way, different approaches of these three processes of marketing are detached and associated to the aspects that disclose themselves as a great importance to define the scope of the CI activities. Keywords: Marketing, Market Segmentation, Targeting, Positioning, Competitive Intelligence, Knowledge Management. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 17-58, 2003 58 O FIM DO CICLO DE CRESCIMENTO DAS EMPRESAS DE TECNOLOGIA? UMA BREVE ANÁLISE SOBRE A ATUAÇÃO E AS PERSPECTIVAS DESSA INDÚSTRIA. Maribel Suarez O artigo discute, a partir do conceito de ciclo de vida, a atuação e desafios das empresas da área de tecnologia. O declínio dos gastos nesse setor e, conseqüentemente, do ritmo de crescimento, a comoditização dos produtos e o acirramento das disputa por preço parecem sinalizar, em breve, a chegada à maturidade. A diversificação das ofertas, aquisição de concorrentes e expansão geográfica dos mercados são algumas das estratégias utilizadas pelas empresas de tecnologia. Os números da exclusão digital em todo mundo, entretanto, sinalizam que ainda existe um enorme potencial a ser explorado pelas organizações que aceitarem o desafio de trabalhar para os consumidores de baixa renda. Palavras-chave: Estratégia de Marketing, Tecnologia da Informação, Marketing de Relacionamento. O mercado de tecnologia exerce nos dias de hoje o fascínio que um dia tiveram as ferrovias e a indústria automobilística. Afinal, poucos setores conseguiram manter o fôlego do crescimento de dois dígitos nas últimas quatro décadas. Computadores, software e chips proporcionaram uma revolução no cotidiano das pessoas no mundo todo. Para alimentar o interesse por novas tecnologias, a indústria se reinventou, produzindo feitos inimagináveis até então. No negócio de chips, por exemplo, a área de P&D é capaz de dobrar a potência dos seus produtos a cada 18 meses, no que ficou conhecido como Lei de Moore. A capacidade dos drives e a velocidade de conexão à internet aumentam a uma velocidade ainda maior. Novos produtos utilizando essas possibilidades, como players para MP3 e DVDs até serviços empresariais via web, são cada vez mais acessíveis ao público em geral. Para muitos analistas, entretanto, o setor já chegou ao seu limite. Segundo Hof (2003), há dois anos consecutivos, os gastos das empresas com tecnologia estão em declínio. Para o articulista da Business Week, as empresas estão “escaldadas” pela compra de máquinas e pacotes de software que, na prática, não trouxeram resultados para as suas companhias. Assim, com a economia fraca e a descrença dos compradores, os gastos de tecnologia não devem ultrapassar um aumento de 6% em 2004 – um patamar inferior à média histórica de Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 59-63, 2003 59 10%, comum no boom dos anos 90. A área de computadores pessoais também começa a apresentar sinais de “cansaço”. Se, até a década de 90, o crescimento era superior a 10%, em 2003, a perspectiva é de que a expansão não ultrapasse os 4%. Diante da queda no passo do crescimento, surge a questão: estaria a indústria de tecnologia entrando na sua maturidade ou os novos números significam apenas uma inflexão na curva de crescimento vertiginoso que a indústria normalmente apresenta? Segundo Walker, Boyd e Larréché (1996), a transição do ciclo de crescimento para o estágio de maturidade se inicia quando pelo menos 50% dos potenciais consumidores já adotaram o produto. A competição se torna mais intensa, com as empresas travando batalhas para aumentar seu volume de vendas e cobrir os custos fixos. Essa nova configuração do mercado leva ainda à falência dos pequenos competidores, à sua desistência ou à aquisição pelas empresas maiores. Os autores lembram que uma das principais dificuldades para as empresas está justamente em identificar a transição do negócio para uma nova fase. Sem se dar conta da nova realidade, muitas empresas continuam utilizando os mesmos padrões de atuação do período do crescimento, fragilizando a sua posição competitiva. No setor de tecnologia, o caso da IBM se tornou um clássico. Sem perceber o declínio do mercado dos grandes computares, a gigante americana abriu espaço para o surgimento e crescimento de novos competidores no segmento de computadores pessoais, que terminaram por abalar a sua posição no mercado. Walker, Boyd e Larréché (1996) afirmam que um dos primeiros sinais dos novos tempos é o declínio das taxas de crescimento. A partir daí, a indústria começa a apresentar excesso de capacidade, dificuldade para manter diferenciação e, consecutivamente, pressão sobre os preços e lucros. Esse parece ser justamente o cenário em que se encontram empresas como Oracle. Segundo Nairn (2003), mesmo no caso de aplicações complexas, como a operação de redes de caixa eletrônicos, os consumidores não conseguem perceber diferenças significativas em relação aos principais concorrentes (Microsoft e IBM). Em resumo, diz o analista do Financial Times, as empresas não estão dispostas a pagar caro por programas cada vez mais parecidos. O segmento de banco de dados é outro em que também ocorre a pressão sobre preços e lucros. Esse ano, a Microsoft iniciou uma forte promoção do SQL Server, oferecido como uma alternativa mais barata do que a concorrência, mas, para piorar a situação das empresas de software, os consumidores têm ainda o MySQL – um banco de dados de código aberto, pelo qual o consumidor não precisa pagar nada. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 59-63, 2003 60 Com a tendência à comoditização, as vendas do principal produto de banco de dados da Oracle recuaram 20% (Nairn, 2003). A Microsoft foi o único fornecedor de banco de dados a registrar aumento de faturamento no setor. Com seu produto “carro-chefe” em posição fragilizada, a Oracle parece ter optado por reforçar a sua estratégia de diversificação. A tentativa de compra hostil da PeopleSoft serve como indicativo do movimento da companhia no sentido de se posicionar fortemente em mercados para outros aplicativos (como ERP), desvencilhando-se definitivamente da imagem de uma empresa especializada em banco de dados. Com essa iniciativa, a Oracle realiza ainda o que Walker, Boyd e Larréché (1996) recomendam como uma das estratégias para se manter o market share. Ao melhorar a sua oferta, oferecendo um “pacote” integrado de softwares, no qual os clientes obtêm uma solução completa para as suas necessidades, a empresa parece realizar uma estratégia de fortaleza, pela qual procura ampliar a penetração, aumentando a satisfação e fidelidade dos seus consumidores. Segundo Hof (2003), nessa nova fase, na qual os clientes dão as cartas, buscando preços mais baixos e maiores benefícios, “os fornecedores não podem agir como caixeiros viajantes, fazendo rápidos negócios e pulando para outra cidade. Ao contrário, precisam ser habilidosos técnicos, eletricistas, professores, agentes de seguros.” Em outras palavras, significa que se o mercado não tem crescido com a mesma velocidade de antes, as empresas precisam aprender a cultivar seus atuais clientes. Nos últimos 20 anos, autores, como Levitt (1983), Grönroos (1989), Christopher (1999), têm chamado a atenção para a necessidade da mudança do foco na transação para uma preocupação com o fortalecimento do relacionamento com os clientes. Essa visão pressupõe que a concretização de um processo de venda signifique, não o fim dos esforços da empresa que vende mas o início de um trabalho que tem por objetivo fidelizar o cliente e construir relacionamentos duradouros. Como alerta Levitt (1983), os compradores estão cada vez mais preocupados não apenas em concluir as transações, mas também em manter esse processo. Assim, a estratégia de Fortaleza passa, cada vez mais, pela oferta de produtos e serviços superiores. Segundo Walker, Boyd e Larréché (1996), além da estratégia de Fortaleza, existem ainda dois tipos de ações mais utilizadas para manter a penetração nos mercados. A estratégia de nichos, pela qual a empresa procura explorar segmentos pouco visados pelos grandes competidores e a estratégia de flancos, pela qual a organização busca ampliar a linha de produtos ou adicionar novas marcas para proteger a sua posição Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 59-63, 2003 61 Na área de tecnologia, a Intel tem sido um exemplo desse último tipo de estratégia. Como muitos dos consumidores resistem a pagar mais caro pela “última tecnologia” ou a trocar seus chips antigos pelos mais recentes, a empresa tem investido em mercados inteiramente novos, como o de telefonia celular, computadores de mão e equipamentos de rede. Apesar de possuirem preços de venda mais baixos, esses mercados têm volumes muito maiores que podem compensar a lucratividade mais baixa. Outra empresa que parece adotar a mesma postura é a Microsoft. Com a queda das vendas de software no seu mercado básico, o empresarial, a Companhia de Bill Gates tem diversificado a sua produção para outros segmentos, tais como consoles de videogames, assim procedendo, como define Hof (2003), começa a se configurar como uma empresa diferente, que vende não apenas informações digitais em disco, mas também máquinas e programação multimídia. Apesar dos sinais de “esgotamento” do mercado, principalmente, nos segmentos de produtos voltados para as empresas, o setor de tecnologia ainda possui um enorme campo a ser desbravado, principalmente, quando se pensa nos números da exclusão digital. Menos de 12% da população mundial têm um PC e, mesmo com os Cyber Cafés e os telefones celulares com acesso à rede, apenas 13% da população acessa à internet. A expansão global, atingindo mercados onde o produto ainda está no início do ciclo de vida, é uma estratégia utilizada por diversas empresas, que, principalmente no caso da tecnologia, parece emperrada pela pobreza, pelo baixo nível educacional, pela corrupção e por outros problemas típicos dos países em desenvolvimento. Como lembram Prahalad e Hammond (2002), em recente artigo da Harvard Business Review, “melhorar a vida de bilhões de pessoas que estão na base da pirâmide econômica é uma iniciativa nobre, mas pode ser, ao mesmo tempo, algo lucrativo”. Em resumo, as empresas podem ampliar seus lucros, ofertando seus produtos para mercados ainda pouco explorados. Para tanto, será necessário fugir das relações convencionais – de simples compra e venda – para outras em que essas organizações invistam na transformação dessas sociedades, através da educação e do desenvolvimento econômico. O esforço é grande, mas, a julgar pelo tamanho do mercado, dá sinais de que pode ser recompensador. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: CHRISTOPHER, M. O marketing da logística. São Paulo: Futura, 1999 Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 59-63, 2003 62 GRÖNROOS, C. Defining marketing: a market -oriented aproach. European Journal of Marketing, Bradford, v. 23, n.1, p. 52-60, 1989. HOF, R. Empresas de tecnologia precisam reinventar-se. Valor Econômico, Rio de Janeiro, p. A16, 18 de ago. 2003. LEVITT, T. After the sales is over. Harvard Business Review , Boston, v.61, n. 5, p. 87-93 Sep./Oct., 1983. NAIRN, G. A batalha para conseguir decifrar montanhas de dados. Valor Econômico, Rio de Janeiro, p. B 4, 22 de agosto de 2003. PRAHALAD, C. K; HAMMOND, A. Serving the world’s poor, profitabily. Havard Business Review, Boston, v. 80, n. 9, p. 48-58, Sept. 2002. WALKER, O.C.; BOYD, H.W.; LARRECHÉ, J.C. Marketing strategy: planning and implementation. Boston, Irwin, 1996. Abstract Starting from the lifecycle concept, this article discusses the performance and challenges of companies in the area of technology. The decline of expenditures in this sector and, consequently, of the growth rhythm, the commoditization of products and the incitement of price disputes seem to signal impending maturity. Diversification of offers, acquisition of competitors and geographical expansion of markets are some of the strategies utilized by technology companies. The figures related to digital exclusion around the world, however, suggest that there is still an enormous potential to be explored by those organizations that accept the challenge of working for lowincome consumers. Keywords: Marketing Strategy; Information Technology; Customer Service Marketing. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 59-63, 2003 63 MERCADOS MADUROS: ESTUDO DE UM EMPREENDIMENTO NA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE FOOD SERVICE Marcelo Miguel Fremder Este trabalho é uma breve avaliação da incursão de uma empresa multinacional de capital norteamericano, fabricante principalmente de produtos alimentícios de consumo de massa, no mercado institucional ou, como é mais conhecido na literatura, mercado de food service. Os objetivos são os de apresentar a visão que alguns autores de artigos recentes têm de mercados maduros e das estratégias necessárias à sobrevivência e ao sucesso nessas circunstâncias, narrar de forma sintética os principais passos que a empresa deu durante a sua incursão nesse mercado e comparar a conduta da sua administração – as decisões tomadas, bem como as conseqüências dessas decisões – com as recomendações e conclusões sobre o assunto por parte dos autores citados no trabalho. Palavras-chave: Mercados maduros, produtos alimentícios, mercado institucional, food service, estratégia. 1 INTRODUÇÃO No início do século XXI, é cada vez mais difícil o surgimento de setores inteiramente novos na economia. Espaço para crescer, oportunidades para aumento de participação de mercado, de receita ou de lucratividade, ou apenas garantia de existência continuada estão cada vez mais sujeitos a um leque limitado de estratégias: desenvolvimento de nichos ainda não adequadamente atendidos em setores econômicos já existentes, defesa de posições em mercados já conquistados, aquisição ou fusão com concorrentes etc. O fenômeno não é novo. As últimas duas décadas do século passado testemunharam a aceleração do processo de globalização e do aumento da competitividade em, praticamente, todos os mercados, trazendo na sua esteira uma maior dificuldade para o planejamento empresarial e o estabelecimento de estratégias bemsucedidas. Nesse quadro, em que é mais raro o surgimento de mercados inteiramente novos, torna-se mais comum o aumento na proporção de mercados no estágio de maturidade de seus ciclos de vida em relação a mercados nos demais estágios. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 64 No Brasil, o mercado institucional para produtos alimentícios, ou mercado de food service, é um desses setores que apresentam sinais de maturidade desde meados da década de 80 do século passado. Este trabalho tem como objetivo descrever o desenrolar de uma rápida incursão que uma multinacional, fabricante de produtos alimentícios, empreendeu no setor de food service ou no mercado institucional, no final da década de 80 e início da década de 90 do século passado. Na primeira parte do trabalho, serão expostos os pontos de vista de alguns autores sobre a questão do estabelecimento de estratégias em mercados maduros. Na segunda parte, será narrada a história da incursão da Fleischmann & Royal no mercado de food service. Finalmente, o trabalho é concluído com uma análise comparativa do que ocorreu com a empresa e os conceitos apresentados na revisão de literatura. 2 ESTRATÉGIAS PARA ATUAÇÃO EM MERCADOS MADUROS Em artigo que trata do mercado de trading companies de energia elétrica, uma commodity, Owyang (1999) afirma que, no estágio de maturidade de um mercado, a competição continua se intensificando, o capital intelectual passa a se concentrar em algumas empresas bem sucedidas e torna-se mais difícil os lucros provirem da atividade-fim das firmas. As margens diminuem mais e mais, e diversos outros fatores afastam o estilo gerencial do empreendedorismo em favor da multifuncionalidade (Owyang, 1999). O autor segue dizendo que o foco deve passar a ser o desenvolvimento de produtos de alto valor agregado – tão rápido quanto possível – e o desenvolvimento e a manutenção das relações com os clientes. Conclui afirmando que, na medida em que a atividade de trading sozinha não seja capaz de produzir os lucros desejados e que a trading company tenha de fazer parte de uma organização maior, torna-se necessário que a estratégia da firma seja compatível e esteja alinhada com a estratégia corporativa da organização (Owyang, 1999). Para Andy Cohen (1996), as empresas lidarão melhor com a maturidade de seus mercados se planejarem para isso. Segundo ele, as empresas que esperam para agir quando o mercado já se encontra maduro descobrem que é tarde demais para fazer alguma coisa. Para o autor, as duas alternativas estratégicas que se apresentam às empresas em mercados saturados são o aumento do esforço de marketing ou o desenvolvimento de mercados globais ainda inexplorados (Cohen, 1996). A pesquisadora Martha E. Mangelsdorf (1994), em estudo sobre as 500 maiores empresas americanas de 1994, segundo o periódico Inc., apresenta algumas sugestões de estratégia para mercados maduros: desenvolver um produto melhor que os da concorrência, que seja patenteável e, conseqüentemente, crie barreira aos concorrentes; Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 65 para as empresas pequenas, identificar nichos de mercado em que o tamanho menor da empresa seja uma vantagem para o oferecimento, aos clientes, de soluções que as empresas maiores não têm como oferecer; estudar a possibilidade de um novo método de distribuição; identificar oportunidades que os concorrentes não estejam vendo e, finalmente, mudar constantemente à medida que a concorrência copia as vantagens competitivas desenvolvidas pela empresa. No caso da Johnson Controls, descrito no capítulo sobre estratégias para mercados maduros e em declínio, Walker, Boyd e Larréché (1996) citam a estratégia tripartite adotada pela empresa para garantir seu sucesso e sobrevivência: (1) aquisição de competidores mais fracos para ganhar participação de mercado e eliminar excesso de capacidade; (2) aumento das margens via melhorias na eficiência operacional e (3) aumento da receita através do desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e serviços. Os autores ressaltam ainda a importância da obtenção e manutenção do menor custo total ou de alguma superioridade percebida na qualidade dos produtos ou nos serviços aos clientes para o alcance do sucesso financeiro. Para isso, eles sugerem que são necessários dois conjuntos de ações estratégicas: (1) o desenvolvimento de uma estratégia de negócios bem implementada que sustente uma vantagem competitiva e (2) programas de marketing flexíveis e criativos destinados a tirar vantagem de oportunidades de crescimento ou de aumento dos lucros na medida em que as condições de mercados ou de produtos específicos se alteram. A lição, segundo os autores, é de que não é a mera escolha entre uma estratégia de diferenciação e uma de baixo custo a determinante crítica do sucesso em mercados maduros. O que é crítico é que a empresa trabalhe continuamente para melhorar o valor das suas ofertas, seja através de melhorias nos produtos e na qualidade dos serviços, seja reduzindo os custos, seja, ainda, através de uma combinação desses esforços (Walker, Boyd e Larréché, 1996). Por outro lado, em seu artigo de 1999 “Every business is a growth business”, Charan e Tichy defendem a idéia de que não existe essa coisa de mercado maduro. Na opinião dos autores, qualquer empresa de qualquer tamanho, não importando quão “maduro” (as aspas são dos autores do artigo) seja o seu setor de atuação, pode crescer se seus líderes aprenderem a enxergar além das suas definições tradicionais de setores e mercados. Para tanto, a empresa deve adotar o que os autores definem como estratégia outside-in, que consiste em fazer perguntas como: Que necessidades satisfazemos hoje? Que necessidades podemos satisfazer no futuro? O que as separa e de que maneira podemos juntá-las? Que vantagens possuímos e que vantagens precisamos criar? Que velhas competências precisamos abandonar? (Charan e Tichy, 1999). É somente com esse modo estratégico de pensar no “mundo real”, de forma imaginativa e disciplinada, que os líderes que enxergarem além de seus mercados tradicionais conseguirão produzir crescimento lucrativo para as suas empresas, nessa era de mudanças e oportunidades (Charan e Tichy, 1999). Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 66 3 A FLEISCHMANN & ROYAL E O MERCADO INSTITUCIONAL O mercado institucional de produtos alimentícios consiste no mercado composto por organizações públicas e privadas como escolas, hospitais, hotéis, restaurantes, bares, lanchonetes, padarias, presídios, instituições militares, orfanatos, lares para idosos, empresas de transporte de passageiros (aéreo, marítimo e rodoviário), empresas do setor de refeições coletivas e empresas que oferecem, elas próprias, as refeições de seus empregados. No Brasil, não há dados coletados de forma sistemática que permitam estimar o tamanho desse mercado, mas, pelo tamanho do País, da sua economia e da quantidade de estabelecimentos existentes nas categorias listadas acima, não deve ser pequeno. Trata-se de um mercado fragmentado, caracterizado por margens baixas, volumes pequenos por transação por cliente, atendido em nível nacional por algumas poucas grandes empresas e por um grande número de pequenas firmas regionais. As organizações do setor público são atendidas principalmente por empresas especializadas na participação de concorrências do Governo, nas quais, em geral, o menor preço é o fator determinante na conquista dos contratos. No setor privado os estabelecimentos são atendidos diretamente pelos fabricantes e produtores, ou por distribuidores e atacadistas, conforme uma combinação de variáveis, tais como, natureza dos produtos ofertados (commodities – carne, feijão, arroz, açúcar, óleo de cozinha etc. – versus produtos especializados – molhos prontos, temperos, maionese, sobremesas prontas, produtos semipreparados para saladas ou sobremesas, produtos em conserva etc.), volumes comprados e outros interesses estratégicos e mercadológicos das empresas ofertantes. Nesse quadro, o custo da venda é muito alto. Os grupos de interesse que devem ser satisfeitos em suas necessidades são os consumidores finais dos produtos, os cozinheiros e preparadores dos alimentos que utilizarão os produtos em suas receitas, as nutricionistas que os aprovam e recomendam em função da sua qualidade e de seus atributos nutricionais, e o pessoal de compras e os gestores das instituições clientes, que avaliam parâmetros de desempenho como preços, condições de pagamento, entrega pontual, leque e qualidade dos serviços oferecidos etc. Além dos vendedores, que devem conhecer os produtos e serem capazes de interagir com membros de cada um desses diferentes grupos de interesse, a empresa que deseja atuar nesse mercado precisa ter um corpo técnico habilitado não somente em instruir quanto às melhores maneiras de utilizar os produtos ofertados e a desenvolver receitas, como a prestar informações nutricionais e outras informações técnicas sobre os produtos. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 67 Entretanto a informação de que o custo da venda para esse mercado era alto não foi devidamente levantada na fase de planejamento da entrada da Fleischmann & Royal nesse negócio. A empresa não tinha nenhuma experiência nem conhecimento sobre a maior parte desse mercado (as informações disponíveis referiam-se apenas aos segmentos de padarias e de pequenas indústrias de panificação). Em 1991, a Fleischmann & Royal detinha uma posição relativamente confortável em vários segmentos de produtos de consumo. Além dos produtos com as marcas Fleischmann (fermento fresco) e Royal (fermento em pó, gelatinas e misturas para sobremesas), a empresa era proprietária, no Brasil, das marcas Glória (derivados de leite), Nabisco (biscoitos), Maguary (sucos de frutas) e Iracema (castanhas), entre outras. Cada uma dessas linhas possuía seus produtos líderes de mercado. A divisão Glória, inclusive, não conseguia atender a demanda. Apesar de líder no segmento de gelatinas e reconhecida pela qualidade de seus produtos, a Fleischmann & Royal estava com capacidade ociosa na produção desses itens e de outros cuja fabricação dependia apenas da mistura de ingredientes secos. Foi a possibilidade de ocupar essa capacidade ociosa e de ganhar ainda mais economia de escala pelo lado da produção que levou a empresa a se lançar no mercado institucional. Para isso, o primeiro passo foi a contratação de um gerente nacional de vendas com experiência no mercado institucional e de um gerente de produtos. O gerente de produtos tinha autonomia limitada e não tinha acesso aos dados financeiros da empresa ou da sua divisão. As suas responsabilidades eram única e exclusivamente as de estimar o mercado potencial para os produtos que a companhia desejava oferecer aos segmentos institucionais e planejar, desenvolver e coordenar todas as atividades de marketing associadas à exploração desses segmentos. Em um primeiro momento, foi tentada uma estimativa do potencial do mercado para os produtos que a empresa tinha para oferecer. Em um segundo momento foram contratados três supervisores de vendas: um para o Rio, um para São Paulo-Capital e um terceiro para São Paulo-interior, além de três equipes de vendas de cinco vendedores cada, para o atendimento dessas regiões. Os vendedores foram contratados das áreas de vendas de empresas como Coca-Cola, Nestlé, Kibon e Refinações de Milho Brasil (maionese Hellmann’s, entre outros produtos), todos com experiência e carteiras de clientes no mercado institucional. Os concorrentes sobre os quais a Fleischmann tinha mais informação eram aqueles que também atuavam nos segmentos de panificação: a Gessy Lever, com a sua linha de margarinas e gorduras vegetais marca Gradina e o grupo J. Macedo, grande fornecedor de farinha de trigo. Outras empresas importantes que atuavam no mercado institucional, mas Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 68 sobre as quais a Fleischmann pouco sabia, eram a Nestlé, a Refinações de Milho Brasil e a Arisco. Se, por um lado, a Gessy Lever e a J. Macedo detinham grande vantagem competitiva junto aos panificadores por oferecerem dois dos principais ingredientes básicos utilizados na elaboração de seus produtos finais, por outro, além de a Fleischmann também possuir vantagem competitiva equivalente, possuía a vantagem adicional de que os panificadores associavam o nome da empresa não ao seu principal produto, o fermento fresco, mas ao produto final, o pão. No entanto, a concorrência não se constituiu em grande preocupação para a Fleischmann, e nenhum cuidado especial foi tomado em função disso. Apesar de o lançamento ter sido considerado muito bem sucedido – a empresa construiu rapidamente uma carteira de clientes importantes e logrou faturar no primeiro ano de operação no mercado institucional perto de um milhão de dólares americanos –, vários obstáculos surgiram no caminho do desenvolvimento do novo negócio. Em primeiro lugar, havia as margens baixas e os pequenos volumes por transação por cliente, característicos desse mercado. Esse fato bateu de frente com a cultura e a estratégia corporativa da empresa, habituada a comercializar produtos de consumo em grandes volumes e margens elevadas (Pó Royal, gelatinas Royal, biscoitos tipo “snack” Nabisco, sucos Maguary etc.). Mesmo o seu principal e mais antigo produto para o mercado institucional, o fermento fresco Fleischmann, distribuído para as padarias e indústrias de panificação, tinha alta margem e alto volume total de vendas. Em segundo lugar, havia o perfil do mercado. A Fleischmann & Royal era reconhecida pela qualidade de seus produtos e seriedade da sua operação. Seus preços reforçavam a construção dessa imagem. Grandes empresas dotadas de restaurantes próprios e conhecidas pelo bom tratamento dispensado aos seus empregados tornaram-se clientes da Fleischmann & Royal rapidamente. Estabelecimentos como hotéis, hospitais, restaurantes, lanchonetes etc. preocupados em poder oferecer a seus clientes e usuários produtos de boa qualidade, mas interessados também na praticidade e na conveniência da redução dos custos através da utilização de produtos industrializados e semipreparados, tornaram clientes. No entanto, esses dois segmentos, nem de longe, apresentavam os resultados aos quais a empresa estava acostumada ou desejava. A situação econômica recessiva permanente do País era um fator que restringia a atuação das empresas à administração por custos e seu foco à saúde financeira em detrimento de fatores como diferenciação pela qualidade de produtos e serviços, preocupação com os clientes ou usuários finais etc., Como conseqüência, a significativa maioria dos estabelecimentos ofertantes de refeições coletivas, fosse essa uma atividade-fim Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 69 ou acessória, preocupavam-se mais com o preço dos produtos que adquiriam do que com qualquer outro elemento do composto de marketing: esse era um atributo no qual a Fleischmann não possuía vantagem competitiva. No primeiro ano de operação da linha institucional, foram iniciadas negociações com médios fabricantes de temperos (alho e sal, maionese, mostarda, ketchup e vinagre), derivados de tomate, doces em conserva, compotas etc., reconhecidos pela qualidade de seus produtos. O objetivo era o estabelecimento de contratos de fabricação de produtos com a marca que a Fleischmann havia adotado para a sua linha institucional (Gran Finale), sob supervisão e controle de qualidade da diretoria técnica da Empresa. A idéia era aumentar os volumes de vendas para os clientes já conquistados, através da oferta de um leque maior de itens que atendesse a maior parte das suas necessidades de produtos industrializados e especializados, ou seja, que não fossem commodities. Se essa ação estratégica tivesse sido concluída, nenhuma outra empresa teria contado com uma linha de produtos tão ampla e de tão boa qualidade para oferecer aos segmentos de food service. Embora essa estratégia fosse considerada boa e adequada ao cenário que havia se desenrolado durante a primeira fase da operação e contasse com o apoio do alto escalão da divisão, o fato de a atuação no mercado institucional ser tão distinta da atuação no mercado de consumo, além de seus resultados serem também tão diferentes, fosse qual fosse o parâmetro de desempenho utilizado, levou a direção da corporação a encerrar o projeto dois anos e meio depois de iniciado. 4 CONCLUSÃO A Fleischmann & Royal atuou exatamente da maneira descrita por Charan e Tichy (1999) em seu artigo “Every business is a growth business”, para empresas definidas como inside-out. Nessas empresas, segundo os autores, as pessoas vêem seus negócios pela lente de seus produtos e processos internos. Elas vêem o que fazem e imaginam como podem vender mais do que produzem. Essas companhias e seus empregados estão presos a seus próprios passados e experiências. Olhando de dentro para fora, elas se mantêm atoladas em setores e competências de perspectivas limitadas (Charan e Tichy, 1999). Também houve um paralelo com a questão apontada por Owyang (1999) em seu artigo sobre as trading companies de energia elétrica: não havia alinhamento entre a estratégia do negócio food service da Fleischmann e a estratégia global da corporação, o que levou a uma falta de apoio da alta direção da Empresa ao desenvolvimento do negócio. Porter (1986) recomenda que uma empresa realize uma análise estrutural do setor em que atua, ou no qual deseja atuar, de modo a identificar os concorrentes e seus Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 70 atributos, classificá-los em grupos estratégicos e avaliar as implicações que as características de cada um dos grupos estratégicos identificados pode ter sobre a formulação de estratégias da empresa interessada. Esse trabalho também não foi realizado pela Fleischmann & Royal. Hoje, a maior empresa atuante no mercado institucional é a Gessy Lever, que, além de já possuir a linha Gradina de margarinas e outros produtos para panificação, adquiriu a Arisco, a Refinações de Milho Brasil e a Kibon, numa seqüência de ações estratégicas destinadas à eliminação de concorrentes, ao ganho de economia de escala, à obtenção de uma carteira ampla e diferenciada de produtos capaz de atender a grande parte das necessidades dos clientes institucionais, entre outros benefícios, num esforço totalmente alinhado com as recomendações feitas por alguns dos autores citados ao longo deste trabalho. Nesse mesmo período a Fleischmann & Royal mudou de mãos duas vezes. No início de 2002, a Empresa foi comprada pela americana Kraft Foods, que, no fim do mesmo ano, a desmembrou e vendeu a divisão de fermento fresco e de outros produtos destinados à indústria de panificação para uma multinacional australiana, a Burns Philip & Co, ainda pouco conhecida no Brasil. Não é possível saber até que ponto a rápida passagem da Fleischmann & Royal pela indústria de food service serviu de alerta e influiu na formulação de estratégias para esse mercado por parte da Gessy Lever. O fato é que, além da multinacional, a única outra grande empresa a atuar no setor hoje é a Nestlé. Todos os demais ofertantes são médios ou pequenos e atuam em nível regional. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CHARAN, R.; TICHY, N. M. Every business is a growth business. Executive Excellence, Provo, v. 16, n. 1, p. 9-10, Jan. 1999. COHEN, A. Surviving in a mature market. Sales and Marketing Management , New York, v. 148, n. 5, p. 62-64, May 1996. MANGELSDORF, M. E. Growth in a mature market. Inc., Boston, v. 16, n. 11, p. 96-97. 1994. OWYANG, K. When margins fall: the market life cycle. Public Utilities Fortnightly, Arlington, v. 137, n. 11, p. 30-31, June 1999. PORTER, M. E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro: Campus, 1986. cap. 7, p. 131-155. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 71 WALKER Jr., O. C.; BOYD, J. H. W.; LARRÉCHÉ, J. Marketing strategy: planning and implementation. 2. ed. Boston, MA: McGraw-Hill/Irwin, 1996. cap. 10, p. 252-289. ELETRÔNICAS UNILEVER. Disponível em: <http://www.unilever.com.br>. Acesso em: 30 dez. 2003. SIMÃO, J. Venda casada. Istoé dinheiro, 17 jul. 2002. Disponível em: <http://www.terra.com.br/istoedinheiro/255/negocios/255_venda_casada.htm.> Acesso em 30 dez. 2003. Abstract This work is a brief evaluation of the incursion of a North American multinational capital company, which predominantly manufactures mass-consumption food products in the institutional market, or as it is better known in the literature, the food service market. The objectives are aimed at presenting the viewpoint that some authors of recent articles have concerning mature markets and the strategies necessary for survival and success under such circumstances, synthetically narrating the main steps that the company has taken during its incursion into this market and comparing the conduct of its administration – the decisions made as well as the consequences of such decisions – with recommendations and conclusions concerning the subject by the authors cited in the work. Keywords: Mature Markets; food institutional market; food service; strategy Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 64-72, 2003 products; 72 INTERNACIONALIZAÇÃO DA CHURRASCARIA PORCÃO: ESTUDO DE CASO Gustavo Sued Ferreira , Marina Helena T. Gervásio e Monique Rubim Este artigo procura analisar o processo de internacionalização da churrascaria Porcão através da metodologia de estudo de casos. Primeiramente, foi analisado o histórico desse restaurante e, em seguida, foi feita uma breve descrição do que seria o processo de internacionalização de uma empresa. Além disso, foi estudada de que maneira o Porcão iniciou este processo. Desse modo, o estudo evidencia o sistema de franquia praticado anteriormente e o novo modelo de gestão adotado. São citadas, ainda, o potencial desse restaurante e seu diferencial competitivo e algumas expectativas em relação ao seu futuro. Palavras-chave. Restaurante, internacionalização, Porcão, estudo de caso, gestão, sistema de franquia. 1. OBJETIVO Com a globalização das economias e a internacionalização dos negócios, os mercados estrangeiros se tornaram alvos estratégicos para as empresas com base doméstica. Dessa maneira, para que as empresas possam desfrutar das novas oportunidades e, ao mesmo tempo, reduzir ou eliminar as eventuais ameaças inerentes a esse novo ambiente competitivo, emerge o desafio da internacionalização. O presente trabalho está inserido no contexto de uma linha de pesquisa sobre o processo de internacionalização de empresas. O objetivo é analisar, através do uso da metodologia de estudo de casos, a internacionalização da Churrascaria Porcão. Embora exista uma grande quantidade de artigos sobre o tema, poucos se dedicaram especificamente a empresas de serviços. A Churrascaria Porcão, do Rio de Janeiro, foi a primeira churrascaria a romper as fronteiras nacionais no ano de 1989, após os donos do restaurante terem sido procurados por um turista italiano que propôs a abertura de uma casa em Milão. 2. HISTÓRICO A história do Porcão começou em 1975, quando os primos Valdir e Neodi Mocellin, gaúchos de Nova Brécia, abandonaram os empregos de garçom para abrir a Churrascaria Riograndense. Localizada na Avenida Brasil, um movimentado corredor rodoviário de acesso à cidade do Rio de Janeiro, a churrascaria foi pioneira em adotar o sistema de Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 73 rodízio na capital carioca. De acordo com Valdir, nessa época, a picanha nem fazia parte do cardápio dos restaurantes da cidade, porque os cozinheiros não sabiam como preparála. O sistema de rodízio havia sido criado em Curitiba cerca de 10 anos antes. Em meados da década de 60, o então caminhon eiro Albino Ongaratto resolveu mudar de ramo. Levou a família de Nova Bréscia, município de colonização italiana da serra gaúcha, para Curitiba. Chegando lá, Albino trocou o seu caminhão por um pequeno restaurante à beira da BR-116. À medida que a churrascaria com o sistema de rodízio prosperava, Albino começou a recrutar parentes de Nova Bréscia para trabalhar no restaurante. Assim, a pequena cidade de colonização italiana passou a ser o berço dos churrasqueiros gaúchos que, aos poucos , foram migrando para outros Estados do País, com o objetivo de abrir os seus próprios restaurantes. Foi esse o caso de Valdir e Neodi Mocellin. Após saírem de Nova Bréscia e passar uma temporada trabalhando no restaurante de Albino, os primos partiram para o Rio de Janeiro em busca de abrir a própria churrascaria, que foi inaugurada com o nome de Riograndense. A mudança do nome da churrascaria, de Riograndense para Porcão, se deu de forma inusitada. Seis meses após a abertura do restaurante na Avenida Brasil, uma forte tempestade destruiu o letreiro da casa. Como o negócio estava iniciando e lutando para se firmar, os primos Mocellin não tiveram como mandar instalar um novo letreiro. Entretanto, o restaurante era anexo ao Mercado São Sebastião, onde, anteriormente, existia uma das lojas do Supermercado Casas da Banha, cujo logotipo era um porco. Assim, na ausência do letreiro original, os clientes passaram a apelidar o restaurante de Porcão, inspirado no logotipo do supermercado vizinho. O sucesso da variedade oferecida nos rodízios dos Mocellin fez o Porcão crescer. Em 1978, um segundo restaurante foi inaugurado na Avenida Bom Sucesso. Dois anos mais tarde, começou a operar a casa na Ilha do Governador, considerada hoje o quartel general do grupo, e a de Ipanema. Hoje, o grupo Porcão é a maior cadeia em sistema rodízio do País. No Estado do Rio de Janeiro, a rede conta com 7 restaurantes próprios, com churrascarias na Barra da Tijuca, Copacabana, Ilha do Governador, Ipanema, Niterói, além do restaurante Galeria Gourmet (localizado no Shopping Downtown) e o Porcão Rio’s, no aterro do Flamengo. A Rio’s, uma casa com 5.000m² de área, passou por uma prova de fogo logo na inauguração ao recepcionar os 49 Chefes de Estado reunidos para a Cimeira. Fora do Rio, a rede possui duas casas, uma em Recife e outra em Brasília. 3. INTERNACIONALIZAÇÃO 3.1 O Início Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 74 Brasil et al. (1994, p. 297) definem internacionalização "como um processo crescente e continuado de envolvimento de uma empresa nas operações com outros países fora de sua base de origem". A internacionalização é, então, o processo de expansão através do qual uma organização realiza investimentos em outros países através da criação de unidades de negócios, seja na forma de representantes comerciais, filiais, escritórios, fábricas, seja na forma de “controlada”. O estudo do processo de internacionalização da firma é tratado tanto na literatura de administração e de negócios como na econômica. Na área de administração, encontram-se os estudos nórdicos realizados a partir da década de 70. Os modelos dominantes nessa área são os “comportamentalistas” (ou teorias sobre o comportamento exportador), em que se busca explicar o processo de internacionalização sob o enfoque da influência das atitudes, percepções e expectativas dos executivos das empresas em questão. Esses modelos visualizam o processo de internacionalização como gradual ou evolutivo, focando nas razões e características desse gradualismo. Estudos em internacionalização de empresas têm indicado que as empresas vão gradualmente incrementando seu comprometimento internacional à medida que aumentam seu conhecimento sobre a atuação em mercados internacionais. O novo conhecimento é sempre fruto de um processo de aprendizagem que se reflete no nível de comprometimento das empresas em seus negócios internacionais (Johanson e Vahlne, 1977 e 1990). Assim, as teorias sobre o processo de internacionalização das empresas evoluíram da perspectiva de aquisição de conhecimento, para maior ênfase em questões culturais e estudos de network (rede de relacionamentos). Ao introduzir o conceito de network em seu modelo, Johanson e Vahlne (1990), passaram a considerar os fundamentos do modelo sob uma perspectiva sistêmica. Segundo os autores, essa extensão do modelo, considerando a questão network, deveria, trabalhar com os conceitos: comprometimento, conhecimento, atividades. [Johanson e Vahlne, 1990] Existem poucos estudos sobre a internacionalização de empresas de serviços. De acordo com Sacramento, Almeida e Silva (2002), a compreensão de como as empresas se internacionalizam é agravada quando se trata de uma empresa de serviços. Para os autores, “um dos fatores que impedem a extensão das teorias de internacionalização para empresas de serviços é a enorme diversidade existente neste setor”. Além disso, as empresas de serviço tendem a se apoiar em conhecimentos específicos e individuais, ao contrário das firmas produtoras de bens. Durante a década de 70, o marketing dos serviços emergiu como uma área separada da pesquisa. Subseqüentemente, o interesse na matéria cresceu, e o marketing dos serviços pôde ser considerado uma área de pesquisa dentro do marketing (Fisk et al., 1993). As diferenças entre bens e serviços foram enfatizadas em diversos estudos como Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 75 meios de compreender porque o marketing dos serviços deve ser tratado diferentemente do que o marketing dos bens (Grönroos, 1990). De acordo com estudos sobre internacionalização de empresas de serviço, tais como Edvardsson et al. (1992); Engwall e Wallenstål (1988), Erramilli (1990) e Erramilli e Rao (1993), a internacionalização dessas empresas segue alguns padrões. Primeiramente, uma empresa de serviço pode internacionalizar seguindo um comprador (Erramilli e Rao, 1993). Muitas empresas de serviço seguem as de produção a fim oferecer também seus serviços a estas companhias, como é o caso dos bancos e seguradoras. Os estudos de Johanson e por Vahlne (1990) demonstram que os relacionamentos com outras firmas que incorporam um mercado estrangeiro pode facilitar o conhecimento do mercado que estas segundas possuem. Esse conhecimento também pode ser adquirido através de um sócio que já tenha algum negócio. Em segundo, as firmas do serviço internacionalizam, às vezes, como uma reação às ações de seus competidores (Engwall e Wallenstål, 1988). Engwall e Wallenstål (1988) demonstram esse caso num estudo em bancos suecos. Em terceiro lugar, as empresas de serviço podem decidir penetrar em mercados estrangeiro, onde possuem experiência, e o mercado, carência (Erramilli, 1990; Erramilli e Rao, 1993). Após ter ganhado a experiência e recursos financeiros no mercado doméstico, a empresa pode procurar áreas geográficas especificas com distritos financeiros. Erramilli e Rao (1993) concluem que firmas de serviços são muito mais arrojadas em sua escolha do modo de entrada quando estão seguindo clientes já existentes, do que quando estão servindo a novos clientes. Consideram que retornos de longo prazo serão, em teoria, o critério para uma empresa de serviços selecionar um país. Além de ter sido pioneiro na introdução do sistema de rodízio no Estado do Rio de Janeiro, o Porcão foi também pioneiro em romper as fronteiras nacionais e estabelecer a primeira churrascaria genuinamente brasileira no exterior. Em 1989, um turista desembarcou no aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro, pegou um táxi e pediu ao taxista que o levasse a uma boa churrascaria. Foi levado ao Porcão de Ipanema, onde comeu, gostou e voltou diversas outras vezes. O cliente italiano era o famoso produtor de cinema Giuseppe Cecconi, que resolveu procurar os donos do restaurante com a idéia de levar a churrascaria para a Itália. Segundo o gerente comercial de franquia, Gabriel Laurete, a proposta era muito boa. Giuseppe arcou com todos os custos de instalação de infra-estrutura, e os Mocellin, com o know-how e com os funcionários. Assim, foi inaugurada a primeira casa em Milão no ano de 1992. Em 1994, devido ao sucesso da casa de Milão, o franqueado italiano abriu uma nova casa, desta vez em Roma, ao lado do Parlamento, com 150 lugares. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 76 A terceira franquia aberta foi em Miami também em 1992, com três sócios cariocas residentes na Cidade como franqueados. Três anos mais tarde, foi aberta a franquia em Lisboa, pelo gaúcho Zeno Augusto Cunha, radicado na cidade havia oito anos. A casa foi instalada em uma área de 900 m² no Cais de Santos, com investimentos que chegaram a 700 mil dólares. Hoje, a instalação de um restaurante nos Estados Unidos exige um investimento inicial de US$2 milhões. 3.2 A Opção Inicial Pelo Sistema de Franquia Edvardsson et o al. (1992) acreditam que as empresas de serviço usam um modelo que consiste em quatro estágios. No primeiro estágio, procura por clientes novos e estabelece relacionamentos. No segundo, a empresa de serviço tenta organizar mais sistematicamente as atividades no exterior. A firma é, entretanto, imóvel procurando uma modalidade apropriada à operação. No terceiro estágio, a empresa de serviço visa consolidar as suas operações internacionais a fim de defender posições obtidas nas redes estrangeiras do negócio. No estágio final, as operações internacionais tornam-se mais independentes e as unidades no exterior são integradas de acordo com as condições de cada mercado. Entretanto, as razões e o modo utilizado por uma empresa de serviço para a internacionalização são as mais diversas. Geralmente as atividades internacionais podem ser apenas uma maneira de penetrar em um novo mercado ou aproveitar redes pessoais existentes. A existência dessas redes pessoais facilita a obtenção de informação sobre o negócio local e conhecimento de contatos no país. As ligações sociais são vistas por Björkman e Kock como um resultado dos investimentos e das adaptações feitas nos relacionamentos das empresas. No caso do Porcão a opção inicial foi o sistema de franquia. No entanto, ao decidir pela abertura da primeira casa em Milão, os diretores do restaurante encontraram algumas importantes dificuldades. A primeira barreira foi o idioma. Nenhum dos brasileiros envolvidos na negociação dos termos do contrato falava italiano. Isso fez com que diversos pontos do acordo passassem desapercebidos ou, ainda pior, fossem mal entendidos. Como afirma Gabriel, “na negociação, certas coisas que se entenderam não era o que você queria dizer (...) e as reuniões eram um pouco do tipo ‘entendeu?’, ‘entendi’, mas não tinha entendido nada”. Outro fato relevante para o andamento da operação internacional foi que, na mesma época, o Porcão experimentava uma fase de grande crescimento no Brasil. Como não havia infra-estrutura física e de pessoal suficiente para gerir a expansão internacional e dentro do País, a direção da casa voltou a atenção para a operação de dentro do País. Por isso, Gabriel comenta que, Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 77 o Porcão, naquela época, estava em franco crescimento no Brasil, e estava com toda a atenção virada pra cá (...) foi na época em que o Porcão deu um estouro no crescimento, principalmente no Rio de Janeiro. Então, aquilo [a operação internacional] já não era mais importante. Como os esforços se voltaram para a expansão local, a sociedade feita para a expansão italiana foi substituída por um sistema de franquia. Esse sistema foi a solução para que o Porcão pudesse se afastar da operação sem levar a marca e, portanto, continuar a receber royalties pelo seu uso. Como afirma o gerente comercial, “quando o Porcão viu que não tinha condições de continuar lá, mas tinha que continuar recebendo valores por ter o nome, decidiu que a franquia seria a melhor solução para manter esse negócio”. O sistema de franquia foi posteriormente adotado nas casas de Miami e Lisboa. 3.3 O Fim da Franquia de Milão e o Novo Modelo de Expansão Rocha (2000), em trabalho publicado discorre sobre a empresa brasileira familiar tomando como ponto de partida a cultura ibérica e seu legado de relações pessoais. Segundo o autor, o modelo adotado pela empresa familiar brasileira não seria fruto do atraso mas sim uma adaptação do sistema capitalista ao ambiente cultural brasileiro. Para compreensão da estratégia de internacionalização de empresas brasileiras, é relevante ressaltar questões relacionadas a como a empresa familiar brasileira lida com a hierarquia. Segundo Rocha (2000), na empresa familiar brasileira, a estrutura hierárquica tende a ser pouco importante e, muitas vezes, o organograma oficial não corresponde à realidade. As decisões são centralizadas pelo grupo familiar que tende a se proteger de estranhos, fazendo com que a confiança seja um elemento essencial para contratação e permanência de executivos profissionais na empresa familiar brasileira. A franquia de Milão foi fechada em 2001, depois de operar por nove anos. Segundo os donos do Porcão, o principal problema foi que não existia mais confiança entre eles e o franqueado italiano para a condução da operação do restaurante. Ainda segundo Rocha (2001), a confiança é elemento mais importante que o mérito na contratação e promoção de pessoas para cargos executivos. Os executivos seniores (de confiança) atuariam na empresa segundo a “ética dos amigos”, e não segundo a “ética dos estranhos”. Por esse motivo, as empresas brasileiras tendem a ocupar novos cargos com executivos de dentro a buscar funcionários no mercado. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 78 A experiência dessa primeira empreitada no exterior foi vital para o desenvolvimento de um novo modelo de expansão internacional. Segundo Gabriel, nós já tentamos esse caminho [o das franquias] e a gente mudou. Pra eu poder fazer franquias, eu tenho que estar com as minhas unidades, já com a minha expansão, p’ra poder outorgar franquias, que eu vou poder dar melhor manutenção. E continua afirmando que a gente chegou à conclusão de que, pra gente abrir uma casa e poder tomar conta dela, nós temos que estar lá. E, para estar lá, no mínimo, a gente tem que estar no continente. É um trabalho que, apesar de ter investimentos grandes, ainda é muito artesanal. Assim surgiu a idéia do modelo de expansão em núcleos. Os núcleos seriam uma espécie de escritórios regionais, ou “cérebros administrativos” – como os chama Gabriel –, responsáveis pelo acompanhamento das operações dos restaurantes no exterior. Com o apoio desses núcleos, são abertos novos restaurantes próprios, cada um com um gerente de unidade. Após cerca de cinco anos de funcionamento, o gerente da unidade já estará capacitado para gerir a casa de maneira autônoma. Então, o núcleo Porcão venderá o restaurante para o gerente que passará a ser um franqueado do grupo. Ao vender as franquias, o Porcão usaria o dinheiro para a abertura de uma nova casa e, assim, a expansão se daria de forma sustentada e auto-financiada. Toda a estruturação das novas casas, bem como, das operações financeiras envolvidas na montagem do restaurante próprio e na sua subseqüente transformação em franquia deveria ser conduzida pelo núcleo Porcão presente no país ou continente. Hoje já existe um núcleo Porcão sendo montado nos Estados Unidos, com a participação de capital de investidores americanos vindos de outros ramos que não o alimentar. Segundo Gabriel, esses investidores foram indicados através de uma consultoria e “a gente [Porcão] não tem nenhum vínculo. Eles acreditam na idéia. Acham que o sistema é uma coisa que pode se estender pelo mundo e estão apostando”. O planejado é que, a partir desse núcleo Porcão USA, sejam abertas quinze casas naquele país nos próximos anos. Também está nos planos da empresa a abertura de um núcleo Porcão Euro, responsável pela expansão dos restaurantes em todo o continente europeu. Em termos de atratividade e viabilidade econômica, os Estados Unidos, Europa e Ásia estão na frente dos países da América Latina, fundamentalmente, por questões de acesso a capitais. De acordo com Gabriel, “a gente tem mais facilidade de captar recursos Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 79 lá fora, de se expandir lá fora, e voltar depois mais ricos para fazer isso aqui na América Latina”. 4. AS CONDIÇÕES NECESSÁRIAS PARA O SUCESSO DO NOVO MODELO 4.1 As Pessoas Um dos pontos fundamentais para o êxito da expansão baseada no modelo de núcleos são as pessoas envolvidas no processo. Um exemplo é o gerente comercial responsável pela montagem dos planos de negócios dos núcleos estrangeiros. Gabriel Laurete entrou no grupo Porcão em 1997 e, três anos após , passou a ocupar o cargo de gerente comercial da Empresa. Antes disso, seu currículo inclui uma passagem pela Plataforma, churrascaria fundada em 1979 no Leblon, na cidade do Rio de Janeiro, que, em 1996, abriu uma casa em Nova Iorque e, em 2000, teve receitas de US$ 7 milhões. Na Plataforma, Gabriel foi o responsável pela montagem da equipe de funcionários da filial em Nova Iorque. Dessa experiência no exterior, Gabriel aprendeu que a única maneira estabelecer a humanidade do atendimento brasileiro, é montar uma equipe com grande número de funcionários experientes brasileiros. Como afirma ele, “o certo é você levar uma equipe grande numa casa inicial, onde você vai ter maior poder de contágio com as outras pessoas, e rapidamente você vai ter resultados”. E continua, No Plataforma, eu montei uma equipe de pessoas mistas. Tinha americanos, hispanos e brasileiros. Os hispanos foram os primeiros a se adaptar. P’ra eles é fácil já que eles têm a humanidade no sangue. E o americano acaba pegando porque acha bonito. Ele acha diferente. Acha que está vivendo no Brasil. Então ele pega porque gosta e se sente bem. Mas se não acompanhar, se não ficar o tempo todo lembrando que a gente tem que se preocupar, que ter carinho, que dar alguma coisa a mais para o cliente, ele acaba esquecendo rápido porque a cidade é muito maior do que a casa, né?. Para que o treinamento de estrangeiros seja possível, é indispensável a presença de uma equipe mínima de brasileiros. Apesar do sistema Porcão ser único, a vontade, os ideais e a forma de agir da equipe são conhecimentos tácitos e, de acordo com Gabriel, isso é transmitido por pele, é transmitido pelo dia a dia. A gente pra poder montar uma equipe, tem que levar uma equipe média básica Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 80 de pessoas, que em pouco tempo, seriam aumentadas de cargo para poder fazer a transmissão dessa filosofia para esses novos funcionários. Outro exemplo que evidencia a importância que as pessoas têm no processo de internacionalização está no perfil desejado para ocupar o cargo de gerente de unidade no exterior. Para a abertura das primeiras cinco churrascarias do núcleo Porcão USA, a Empresa defende que os gerentes operacionais têm de ser brasileiros para que o sistema de rodízio com a humanidade brasileira sejam corretamente reproduzidos no mercado exterior. Segundo Gabriel, “mesmo que eu tenha gerentes americanos para o assessoramento jurídico e burocrático, os operacionais, que levam a casa, o sistema e tudo mais, seriam brasileiros”. Somente após a formação de um grupo desses gerentes brasileiros, é que Gabriel considera que seria possível começar o treinamento de americanos para essa função. Em relação ao franqueado, o mais importante é que o candidato demonstre o desejo de construir uma carreira como dono de churrascaria. A esse respeito, Gabriel comenta que chegou à conclusão de que não adianta somente ter dinheiro, e que “o mais importante para fazer a operação não é o dinheiro: é o perfil de quem vai estar dentro da casa”. A nacionalidade do franqueado não é relevante, de acordo com a visão da empresa, ao contrário da condição sócio-econômica a que pertence, porque p’ra nós [Porcão], o ideal é a pessoa que tenha menos dinheiro, mas, p’ra isso, você tem que ter financiamento (...). A pessoa que tem o dinheiro suficiente não tem o perfil para nós porque, quem tem dois milhões de dólares para aplicar, não fica atrás de uma casa. Aplica em mil negócios. Já a pessoa que não tem dinheiro suficiente para aplicar vai agarrar com unhas e dentes e vai trabalhar como se fosse o único negócio da vida dela. Esse engajamento, na visão da empresa, é mais provável de se encontrar em antigos funcionários e gerentes da casa. 4.2 Planejamento Da maneira que se deu o início da internacionalização da Empresa, o planejamento definitivamente não teve lugar no processo. O que de fato aconteceu foi o aprendizado vir com a própria experiência, na base de tentativa e erro. Como já foi relatado, no início, até mesmo as reuniões conduzidas em italiano, eram fontes de mal entendidos, ou seja, foi um processo tortuoso aprender que o italiano não almoça sem pão, que a água é indispensável para acompanhar o vinho, que quando chega a comer a carne já está quase satisfeito e que, após a refeição aprecia uma dose de uísque. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 81 Hoje em dia, a visão em relação à preparação necessária à entrada em um país estrangeiro é diametralmente oposta. Como comenta Gabriel, é uma coisa americana, um hábito americano que a gente tem que adotar se quiser colocar os pés lá fora. Nada se faz sem um plano. Nada se faz sem um projeto. O projeto pode até ser mexido várias vezes, mas parte de um princípio e um fim. E continua comparando o método americano ao brasileiro da seguinte maneira: “aqui, no Brasil, a gente conta sempre com a ajuda de Deus, porque no final você dá um jeito e acaba funcionando. Mas, fora do Brasil, tudo funciona com um plano. O planejamento é importante para poder cumprir todas as exigências legais a que estão submetidos os restaurantes em outros países. Sobre esse ponto, Gabriel argumenta que “o mais fácil é sempre a Europa. Na Europa, tanto Portugal quanto Itália, você tem menos resistência burocrática pra fazer os negócios. As leis são mais parecidas. Não é a mesma coisa como nos Estados Unidos, que você sai de uma cidade para outra e a lei muda”. A preocupação com a marca da empresa e o nome do Brasil também passa pelo planejamento. Uma pesquisa de marketing, realizada por uma consultoria americana, identificou que, apesar da pronúncia difícil, o melhor é manter o nome da churrascaria em português, porém modificar a imagem do porquinho comilão. Como afirma Gabriel, “nós temos um nome e um logotipo que não são muito bons para quem entende de marketing (...) já que o nome não representa qualidade nem saúde, nem nada disso”. Continua dizendo que, apesar da pronúncia difícil, o ‘ão’ faz a diferença entre uma palavra em português para as palavras em inglês. Então, nós vamos usar a palavra porcão e mudar o visual da logo. A gente, de repente, usa traços e não explicitamente um porco. A gente pode usar os traços do porco, sem apresentar aquele porco bochechudo que comeu demais e ficou assim. Os melhores lugares para posicionar as casas dentro dos países é algo que o planejamento deve também contemplar. Sobre isso, Gabriel declara que a gente tem uma preocupação é para saber quais são as regiões certas para esse tipo de casa. Então, agora nós estamos fazendo uma pesquisa, que é parte do plano de expansão, para saber quais são as cidades certas, os endereços certos pra colocar essas casas, Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 82 que tenho o número de clientes suficiente e com renda per capita suficiente para pagar o valor do rodízio [US$ 60,00]. 5. DIFERENCIAL COMPETITIVO E PERSPECTIVAS FUTURAS A direção do Porcão acredita firmemente no sucesso da fórmula que combina um farto rodízio de carnes com um atendimento mais humanizado, no melhor espírito brasileiro. Essa combinação quando levada para o exterior ainda tem a vantagem de sofrer menor concorrência do que no Brasil, onde há churrascarias em número muito maior. Em relação às vantagens do sistema de rodízio do Porcão, Gabriel acredita que lá [nos Estados Unidos] você tem menos concorrência. Porque, por exemplo, enquanto você vai numa casa de carnes que você gastaria o mesmo valor pra comer um steak, você pagaria no Porcão o mesmo preço pra comer quantos você quisesse. Então, em termos de sistema, nós temos muito mais facilidade em ganhar o cliente, apesar de que você vai pagar o mesmo preço. E continua afirmando que, a gente [Porcão] ‘tá levando um sistema que a gente sabe que é vencedor. Que a questão não ‘tá em dizer à pessoa que, por um preço fixo, pode comer quantas carnes de primeira linha ela vai poder comer. Mais do que isso é mostrar que a gente consegue ser uma casa lucrativa, comendo tudo quanto você puder. No que diz respeito ao atendimento, Gabriel defende que no atendimento, a gente vai levar junto com os funcionários, o calor humano, que são coisas que o americano é carente. As coisas lá são muito preto no branco e não tem jogo de cintura p’ra nada. É claro que aqui, no Brasil, a gente critica esse jeitinho, mas não é o jeitinho em termos de deixar de fazer o tem que ser feito e sim o jeitinho de tentar te deixar feliz, satisfeito. Acho que só tem a acrescentar. Os próximos passos envolvem a consolidação do modelo de núcleos com a abertura de novas casas nos Estados Unidos até a sua transformação em franquias que funcionem de maneira autônoma. A expectativa é de que o modelo de núcleos seja mais Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 83 vantajoso e permita que a expansão internacional seja mais bem sucedida do que a primeira tentativa. De acordo com Gabriel, o que vai ser muito melhor [em relação aos núcleos] é a rapidez de decisão, treinamentos, acompanhamentos semanais e uma série de coisas de marketing. Tem uma série de coisas que acrescentar, por que o núcleo não depende do Brasil. Ele apresenta seus resultados para o Brasil, mas é independente p’ra trabalhar. Então ele pode responder rápido, treinar rápido e tem todo o operacional. 6. BIBLIOGRAFIA ADLER, N. J. Organizational development in a multicultural environment. Journal of Applied Behavioral Science, Greenwich, v. 19, n. 3, p. 349-65, 1983a ______. (1983b) Domestic multiculturalism: cross-cultural management in public sector. In: Eddy, E. (Ed.). Handbook of Organizational Management. Marcel Dekker, New York, p. 482-499. ANDERSEN, O. On the internationalization process of firms: a critical analysis. Journal of International Business Studies, Columbia, v. 24, n.2, p. 209-231, 1993. BJÖRKMAN, I.; KOCK, S. Social relationship and business networks: the case of Western companies in China. International Business Review, New York, v. 4, p. 519-535, 1995. ENGWALL, L.; WALLENSTÅL, M. Tit for tat in small steps: the internationalization of Swedish banks. Scandinavian Journal of Management. New York, v. 4, n. 3-4, p. 147-155, 1988. ERRAMILLI, M.K. Entry mode choice in service industries. International Marketing Review , Bradford, v. 7, n. 5, p. 50-62, 1990. ERRAMILLI, M.K. ; RAO, C.P. Service firms international entry-mode choice: a modifiedtransaction cost analysis approach. Journal of Marketing, Chicago, v. 57, July, p. 19-38, 1993. FISK, R.P.; BROWN, S.W.; BITNER , M.J. Tracking the evolution of the service marketing literature. Journal of Retailing, New York, v. 69, p. 61-103, Spring 1993. FREITAS, H. G. Adaptação de estratégias de marketing para a Internacionalização de serviços: um estudo de caso da Churrascaria Plataforma. 2002. 105 p. Tese (mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, UFRJ, Rio de Janeiro. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 84 FREITAS, O. et al. A carne é forte. Disponível em: <http://www.zaz.com.br/istoe/comport/142714.htm>. Acesso em 03/06/2003. GIGLIOTTI, M. Rodízio de sabores. Disponível em: <http://epoca.globo.com/edic/20001204/soci5a.htm>. Acesso em: 03 jul. 2003. GRANGEIA, M. Churrascaria Porção lança cerveja própria e planeja ampliar rede. Disponível em: <http://www.exame.com.br>. Acesso em: 03 jun. 2003. GRÖNROOS, C. Service management and marketing : managing the moments of truth in service competition. Lexington Books: Lexington, MA, 1990. JOHANSON, J.; VAHLNE, J. E. The mechanism of internationalization. International Marketing Review, Amsterdam, v. 7, n. 4, p. 11-24, 1990. JOHANSON, J.; VAHLNE, J. E. Management of foreign market entry. Scandinavian International Business Review , Amsterdam, v. 1, n.3, p. 9-27, 1992. LEVITT, T. The globalizaion of markets. Harvard Business Review , Boston, v. 61, n. 3, p.92102, May/June, 1983. NAIDITCH, S. Yes, nós temos churrasco. Disponível em: <http://www.exame.com.br>. Acesso em: 03 jun. 2003. ROCHA, Angela. Empresas e clientes: um ensaio sobre valores e relacionamentos no Brasil. São Paulo: Atlas, 2000. WELCH, L.S.; LUOSTARINEN, R.K. Inward-outward connections in internationalization, Journal of International Marketing, Chicago, v. 1, n. 1, p. 44-56, 1993. ELETRÔNICAS Churrascaria Porção. Disponível em: <www.porcao.com.br> Churrascaria Rodízio Place. Disponível em: <www.rodizioplace.com> Churrascaria Fogo de Chão. Disponível em: <www.fogodechao.com> Churrascaria Plataforma. Disponível em: <www.plataforma.com > Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 85 Abstract This article analyses the internationalization of “Churrascaria Porcão” thereby adopting a methodology of case studies. First of all, the description of this restaurant was analyzed and, after that, one brief description was made of that it would be the process of internationalization of a company. Moreover, it was studies how the Porcão initiated this process. In this way, the study evidences the system of surmounting adopted previously and the new model of management. The study, still, investigates the potential of this restaurant and its competitive differential and some expectations in relation to its future. Keywords. Restaurant, internalization, Porcão, case study, management, surmounting. Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 73-85, 2003 86 LISTA DE AUTORES DESTE NÚMERO Eduardo S. Spiller Doutorando em Administração do COPPEAD/UFRJ Mestrado em Administração (UFRJ) e-mail: [email protected] Gustavo Sued Ferreira Mestrando em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 2002 Graduação: Ciências Econômicas (UFRJ) e-mail: [email protected]; [email protected] Marcelo Miguel Fremder Mestrando em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 2002 Graduação: Análise de Sistemas (UFRJ) e-mail: [email protected] Marina Helena T. Gervásio Mestranda em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 2002 Graduação: Engenharia de Alimentos (UNICAMP) e-mail: [email protected] Maribel Carvalho Suarez Mestranda em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 2002 Graduação: Comunicação Social (UFRJ) e-mail: [email protected] Moisés Gabriel Fernandes da Silva Mestrando em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 2002 Graduação: Engenharia de Produção (UFRJ) e-mail: [email protected] Monique Rubim Mestranda em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 200X Graduação: Engenharia de Produção (UFRJ) e-mail: [email protected] Paulo Liebergott Mestrando em Administração do COPPEAD/UFRJ da turma 2002 Graduação: Engenharia de Produção (UFRJ) e-mail: [email protected] Cadernos Discentes COPPEAD, Rio de Janeiro, n. 21, p. 87-87, 2003 87 CADERNOS DISCENTES COPPEAD Normas para apresentação de trabalhos. 1 OBJETIVO Estimular e divulgar a produção acadêmica do corpo discente do COPPEAD, constituída pelos alunos dos cursos Mestrado e Doutorado. 2 CARACTERÍSTICAS DOS TRABALHOS Os trabalhos, publicados nos Cadernos Discentes Coppead deverão ser sempre inéditos, subdividindo-se em duas classes: original, quando apresenta temas ou abordagens próprias, e de revisão, quando resume, analisa e discute informações já publicadas. Os trabalhos deverão cobrir os tópicos e práticas de Administração, relacionados com os seguintes grandes temas: a) b) c) d) e) f) Economia e Finanças; Estratégia, Sistemas de Informação e Organizações; Marketing; Negócios Internacionais; Planejamento e Controle; Operações, Logística e Tecnologia. 3 SUGESTÕES DE TRABALHOS a) Trabalhos de final de curso que tiveram, de preferência, conceito A ou equivalente; b) revisões de literatura; c) teses e dissertações que não viraram artigo ou livro. 3.1 Exclusões Não serão aceitos os trabalhos que sejam análise de um caso didático. 3.2 Observações a) Os trabalhos que fazem referência a empresas deverão ter autorização das mesmas para a sua publicação. b) Outras exceções serão analisadas pelos membros do Conselho Editorial. c) Os trabalhos deverão ser encaminhados para: 88 Cadernos Discentes Coppead Gerência de Publicações a/c de Regina Helena Meira de Castro Caixa Postal 68514 21941-970 Rio de Janeiro – RJ Telefone: (21) 2598-9841 Fax: (21) 2598-9817 e-mail: [email protected] 4 NORMAS EDITORIAIS Os trabalhos submetidos aos Cadernos Discentes Coppead serão encaminhados para os membros do Conselho Editorial, que decidirão sobre a sua aceitação ou recusa. 4.1 Características técnicas a) A revista estabelece as seguintes recomendações para a publicação de trabalhos: b) Os trabalhos deverão ter a extensão máxima de 20 páginas incluindo notas e referências bibliográficas. c) O texto deverá ser apresentado em papel A4, margens a 3,0 cm, utilizando caracteres em Futura LT BT, corpo 11, com espaçamento 1,5 cm. d) Deverão estar em formato Microsoft Word for Windows. e) Deverão ser enviados em disquete, acompanhado de duas vias impressas. f) Deverão conter um resumo em português, ressaltando objetivo, método, resultados e conclusões do trabalho bem como abstract e palavras-chave nos dois idiomas. g) Deverão conter referências bibliográficas relacionadas com o assunto. h) As citações, ao longo do texto, deverão conter a fonte e serem apresentadas seguindo o padrão sobrenome do autor, ano de publicação e página. Exemplo: (BETHLEM, 1999, p. 3); i) Apresentar em página separada: título do trabalho, nome completo do(s) autor(es) acompanhado de breve curriculum mencionando profissão, titulação acadêmica, vinculação institucional com endereço completo, telefone, fax e email. j) As notas deverão ser apresentadas em ordem progressiva ao longo do texto, com a sua respectiva lista ao final do texto, localizada depois das referências bibliográficas. 89 4.2 Estrutura dos trabalhos Sugere-se que a estrutura do trabalho deverá obedecer a seguinte ordem: a) Folha separada com título, autor(es) acompanhado de breve curriculum conforme mencionado anteriormente; b) Título: deverá ser breve e descritivo contendo palavras que representem o conteúdo do texto; c) Resumo: deverá ser incluído um resumo informativo de aproximadamente 100 palavras; d) Palavras-chave: três a cinco termos que expressam o conteúdo do texto, escolhidos a partir de um tesauro da área; e) Texto: deverá apresentar introdução expondo objetivos e metodologia, desenvolvimento tratando da matéria de forma clara e objetiva e conclusões, destacando os resultados obtidos. As seções e sub-seções deverão ser numeradas com títulos próprios evitando-se símbolos e demais caracteres que não denotam estrutura hierárquica do texto; f) Referências bibliográficas: ordenar por autor sem numeração seqüencial; g) Notas; h) Apêndice: texto autônomo que complementa a argumentação principal; i) Anexo: texto que serve de fundamentação, comprovação ou ilustração; j) Abstract: apresentação do resumo, precedido do título, em inglês. 90